PL 414 e a modernização do setor: os desafios e as oportunidades com a autoprodução
Alexandre Viana (Thymos Energia)
Bruno Uchino (Grupo Unipar)
Eduardo Tinoco (Shell)
Elisa Pascoal (Casa dos Ventos Energias Renováveis)
Moderador: Raphael Gomes (Lefosse)
Desde a divulgação da Consulta Pública (CP) nº 33, em 2017, o setor elétrico tem discutido a moderni zação de sua regulação diante da transição energética e do avanço de novas tecnologias. Após cinco anos de discussões com a sociedade, o Projeto de Lei (PL) 414, que trata de uma nova regulação para o setor e in clui a abertura total do mercado livre, inclusive consumidores de baixa tensão, está em dis cussão na Câmara e poderá ser votado ainda esse ano.
“O projeto de lei é um importante passo para consolidarmos o processo de abertura do mercado livre”, disse, na abertura do even to e antes do primeiro painel, Talita Porto, vice-presidente do Conselho de Administração e Diretora da Área de Gestão do Mercado da CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica). A chegada do PL à Câmara dos Depu tados coincide com um momento em que a pro dução própria da energia tem se tornado um
A autoprodução não é um segmento novo, existe desde 1996, mas hoje vive-se uma explosão, principalmente da autoprodução por equiparação, figura regulatória que permite ao consumidor ter uma participação acionária em uma Sociedade de Propósito Específico”, disse Raphael Gomes, sócio da práti ca de Energia do Lefosse.
6 dos impulsionadores de investimentos no setor elétrico e importante fonte de financiamento para a expansão do parque gerador brasileiro.
“Os encargos são crescentes e, nos próximos cinco a dez anos, eles deverão continuar em alta, e isso leva ao interesse da autoprodução, já que se ganha mais previsibilidade na conta de luz, já que o autoprodutor fica isento de encargos”, diz Alexandre Viana, sócio -diretor da Thymos Energia.
Para investir em energia renovável e atrelar a estratégia de negócios à agenda ESG, além de obter maior previsibilidade nas despesas com energia, reduzir seu custo por meio do não pagamento de determinados encargos tarifários, empresas de diversos setores da economia estão investindo para produzir sua própria energia, tanto no mercado regulado (GD) como no mercado livre (APE). Os investi mentos para os próximos cinco anos devem superar R$ 25 bilhões.
Um exemplo é o da Unipar, que atua na área petroquímica. “A energia é um insumo estratégico e, além da questão do custo, investir em produzir energia renovável tem o benefício de buscar a descarbonização”, disse
Bruno Uchino, presidente do Conselho de Administração da Unipar, que desde 2018 já tem três projetos de autoprodução.
Outro exemplo é o da Shell, que elegeu o Brasil como um de seus mercados prioritários no mundo. Com isso, o país deve receber uma parte dos US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões anu ais destinados a projetos de fontes renováveis no mundo. “Temos buscado clientes-âncoras para esses empreendimentos, firmarmos um acordo com a Gerdau em energia solar”, disse Eduardo Tinoco, gerente comercial de energia e soluções renováveis da Shell.
A expansão do segmento tem coincidido com a mudança de perfil dos investidores. De senvolvedora de projetos, a Casa dos Ventos Energias Renováveis tem percebido novos in teressados. “Antes, havia apenas grandes empresas atraídas no segmento; agora, podemos ver empresas menores e um interesse muito grande da agenda ESG”, disse a diretora jurí dica da Casa dos Ventos Energias Renováveis, Elisa Pascoal.
O projeto de lei é um importante passo para consolidarmos o processo de abertura do mercado livre.
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Apesar desse interesse crescente, ainda há re ceios. Os empresários estão acompanhando de perto a tramitação do PL 414, que, além de tratar da abertura do mercado livre de energia elétrica para a baixa tensão, poderá criar im pactos para a APE, por afetar direta e profun damente o regime jurídico da autoprodução no país. Em primeiro lugar, o PL propõe a obri gatoriedade de o autoprodutor aderir às no vas regras no prazo de 90 dias. Isso cria incer tezas, uma vez que seria a aplicação imediata das novas regras a contratos já firmados.
Caso esse dispositivo signifique adesão obri gatória às novas regras, sob pena de perda do status de autoprodutor, estar-se-ia diante da adesão a um regime mais gravoso e incompa
tível com os contratos firmados e investimen tos realizados pelas empresas no regime atual.
Em segundo lugar, o substitutivo prevê que, após a vigência da nova lei, somente poderá haver autoprodução remota para unidades de consumo com demanda superior a 30 MW. Para demandas inferiores, somente será con siderada a energia autoproduzida no mesmo local do consumo. Na prática, um autoprodu tor com usina em outro local, cujo consumo seja de 25 MW, sofrerá cobrança de encargos sobre os seus 25 MW consumidos. Já um con sumidor concorrente, do mesmo ramo econô mico, com consumo de 30 MW, poderá manter o regime atual em relação ao pagamento da CDE e outros encargos. Grandes consumido
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res com espaço para implantar empreen dimentos de energia em seus terrenos terão benefícios não acessíveis a consumidores menores, criando situação concorrencial não isonômica.
Após as contribuições e interações de asso ciações, empresas do setor e a sociedade, aguarda-se a publicação de um novo substi tutivo ao PL que traga uma evolução do insti tuto da autoprodução sem afetar contratos e mantendo a segurança jurídica, tão impor tante para a atratividade de investimentos para o País.
Enquanto não há novidades sobre o PL, o mercado segue aquecido, desenvolvendo estruturas de autoprodução cada vez mais sofisticadas, oferecidas por um número crescente de geradores para atender con sumidores de diferentes perfis, cada vez mais exigentes.
Da esquerda para direita: Alexandre Viana (Thymos Energia), Bruno Uchino (Grupo Unipar), Eduardo Tinoco (Shell), Elisa Pascoal (Casa dos Ventos Energias Renováveis) e Raphael Gomes (Lefosse)
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AGeração Distribuída (GD) solar tem tido um crescimento forte no Brasil desde a Resolução 482/2012 da Agência Nacional de Ener gia Elétrica, que permitiu a modalidade. Em dez anos, o segmento já acumula mais de 10 GW de capacidade instalada, com mais de 1 milhão de residências e indústrias com painéis fotovoltaicos instalados para reduzir a conta de luz, em razão da legislação que permite que os créditos obtidos com a minigeração sejam abatidos da conta emitida pela distribuidora.
Bernardo Marangon (Exata Energia) Caio Guimarães (Telefônica Brasil)
Eduardo Tobias (Watt Capital)
João Pedro Neves (RZK Energia)
Moderadores: Pedro Dante (Lefosse) e Rafaela Canito (Lefosse)
Hoje, o volume produzido em painéis solares instalados já responde por 4,3% de todo o consumo do mercado regulado, segundo um levantamento da CCEE (Câmara de Comer cialização de Energia Elétrica). A previsão do Plano Decenal 2031 da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) é de que o país tenha 37 GW de capacidade instalada de geração dis tribuída solar em 2031 e 7% da carga do país. O novo marco regulatório poderá ampliar
essa expansão e deverá reforçar a figura do prosumidor, que democratiza o mercado de energia elétrica.
Em janeiro de 2022, foi instituída a Lei 14.300, que estabeleceu o Marco Regulatório da GD solar no Brasil e prevê a isenção de alguns encar gos até 2045 para as empresas e os consumi dores finais que solicitarem essa modalidade até o fim de 2022. “O novo marco regulatório traz vantagens para quem migrar para a GD solar nesse momento. Ainda há novos entrantes querendo investir no setor, porém o tempo para garantir a regra atual está acabando”, diz Bernardo Marangon, sócio-administrador da Exata Energia. A legislação assegura ain da maior segurança jurídica a investimentos na área, com muitas empresas aplicando recursos em razão do apelo de sustenta bilidade da fonte 100% limpa, bem como a economia na conta de luz em razão da com
Marco Legal da Geração Distribuída: as novas formas de consumir energia em um mercado pautado por ESG
Os números mostram que é um modelo que veio para ficar”, afirmou Pedro Dante, sócio da prática de Energia do Lefosse.
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Como cerca de 60% da energia produzi da no país vem de fonte hídrica, chuvas mais ou menos intensas podem repercu tir na conta de luz por conta desse siste ma de bandeiras tarifárias (acionamen to de térmicas mais caras), que também sofre reajustes anuais, concedidos pela Aneel. Quem está no mercado livre ou na GD solar pode ficar isento desse custo adicional e demais encargos, portanto, acaba ganhando maior previsibilidade sobre os custos com a energia elétrica, que têm ficado entre os cinco principais custos operacionais de uma empresa.
A Vivo selecionou o modelo da geração distribuída para as suas unidades aten didas em baixa tensão. No caso da ope radora de telecomunicações, as fon tes são solar, hídrica e biogás, que irão atender 90% do consumo. Serão constru ídas 85 usinas solares em 25 estados do país, sendo que 38 já foram concluídas. A empresa também começou a avaliar negócios no segmento de GD solar. Com 110 milhões de acessos e 60 milhões de consumidores, começa-se a olhar for mas de envolver fornecedores e clientes de olho na potencial abertura do mer cado. “Em Minas Gerais, temos um produto de energia renovável em parceria com a Comerc que permite desconto na fatura. Isso está sendo oferecido a 250 clientes, ainda na base B2B, mas devemos ir para o B2C”, diz Caio Guimarães, diretor de patrimônio da Telefônica Brasil.
Lei 14.300/2022, o novo marco da GD solar
Principais pontos: • Isenção de alguns encargos até 2045 para quem aderir à modalidade até o fim de 2022.
A partir de 2029, portanto, começará a valer 100% das regras tarifárias determinadas pelo governo federal. a partir de 2023; a partir de 2024; a partir de 2025; a partir de 2026; a partir de 2027; a partir de 2028. 15% 30% 45% 60% 75% 90% pensação de componentes da fatura de energia, o que implica redução da conta de energia.
• Já aqueles consumidores que decidirem aderir ao uso de energia solar a partir de 2023 começa rão pagando 15% da alíquota estabelecida para tarifas de distribuição e a proporção aumentará ao longo do tempo, sendo assim:
A GD solar tem permitido o empo deramento do consumidor, que se torna um mini ou microgerador de energia elétrica. “Isso ocorre em meio à discussão do Projeto de Lei 414, que trata da abertura do mercado livre para a baixa tensão, o que faz com que haja 88 milhões de potenciais clientes livres no Brasil. Os telhados solares criam vários modelos de negócios e é possível agregar car gas ou acoplar baterias a eles”, disse João Pedro Neves, CEO da RZK Energia.
Em julho, o Congresso derrubou dois vetos presidenciais à Lei 14.300, sancionada em janeiro. A decisão cria ainda mais oportu nidades de financiamento dos projetos de GD Solar. Passou a ser possível enquadrar investimen tos de minigeração distribuída como projetos de infraestrutura de geração de energia elétrica no âmbito do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura (REIDI), que reduz a zero as alíquotas das contribuições ao PIS e da Cofins sobre aquisição de ativos, ma teriais de construção e serviços destinados à utilização ou incor poração nas obras de infraestru tura do beneficiário.
Para as instituições financeiras, cria-se uma nova opção de fi nanciamento que poderá des travar bilhões em crédito, como
a emissão de debêntures incentivadas. Cabe frisar que, antes dessa possibilidade, o setor já estava emitindo Cer tificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). “As opções de crédito, como debêntures simples, incentivadas e CRIs, deverão ganhar mais escala e capilaridade com o novo marco, devendo ir para a GD solar compartilhada e ganhando muito mais estados”, observou Eduardo Tobias Ruiz, sócio-diretor da Watt Capital. O novo marco regu latório ainda tem trazido a sofisticação crescente desse mercado, o que tem feito surgir novas alternativas, como os clubes de assinatura do produto e a oferta da modali dade por bancos a seus correntistas.
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A Lei 14.300 representou ainda um relevante reforço também para a tese de não incidên cia do ICMS sobre as operações de compen sação de energia elétrica realizadas no âm bito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE). “Isso porque o Marco Legal re conheceu expressamente que a GD nada mais é que uma produção de energia elétrica para consumo próprio, reforçando que a injeção de energia na rede de distri buição pelo consumidor no SCEE tem natureza de mero empréstimo gratuito”, ana lisou Rafaela Canito, advogada da prática de Tribu tário do Lefosse.
Da esquerda para direita: Caio Guimarães (Telefônica Brasil), Eduardo Tobias (Watt Capital), João Pedro Neves (RZK Energia), Rafaela Canito (Lefosse), Bernardo Marangon (Exata Energia) e Pedro Dante (Lefosse)
Rafaela Canito, advogada da prática de Tributário do Lefosse
Em paralelo, tramitam atualmente projetos de lei no Mato Grosso, em São Paulo e no Rio de Janeiro, que pretendem reconhecer expressa mente em âmbito estadual a não incidência do ICMS sobre operações de geração distribu ída em geral, inclusive para usinas com potên cias maiores ou em modalidades de geração distribuída como múltiplas unidades consumi doras ou geração compartilhada.
O Marco Legal reconheceu expressamente que a GD nada mais é que uma produção de energia elétrica para consumo próprio, reforçando que a injeção de energia na rede de distribuição pelo consumidor no SCEE tem natureza de mero empréstimo gratuito.”
Economia Global: os impactos dos PPAs em dólar e os financiamentos de projetos de Energia
Allan Gabriel (Itaú BBA)
Igor Fonseca (Banco Santander)
Renata Rossetti (Banco do Brasil)
Silvana Bianco (IDB Invest)
Moderadores: Miriam Signor (Lefosse) e Raphael Gomes (Lefosse)
Desde 2017, com a mudança de posicionamento do BNDES sobre os financiamentos de infraestrutura, com taxas de crédito mais próximas de mercado e uma postura de coordenador de emissões, o mer cado de capitais tem ganho papel mais relevante no setor elétrico. Novos instrumentos de captação ganham espaço, ao mesmo tempo em que novos financiadores poderão sur gir sob o contexto da Lei nº 14.286, que instituiu o novo marco cambial brasileiro e ampliou a segurança jurídica para em presas que quiserem firmar contratos de compra e venda de energia em moeda estrangeira, o que cria oportunidades.
Com o fim da Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP, e uma agenda mais liberal, o mercado de capitais vem crescendo com estruturas mais complexas e arrojadas com um pipeline constante”, disse Miriam Signor, sócia da prática de Infraestrutura do Lefosse.
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O BID Invest, braço do setor privado do Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), concedeu uma garantia total de crédito de R$ 315 milhões para cobrir a emissão de de bêntures para o financiamento da construção e operação da fase II do complexo solar de Pirapora (MG). O projeto, desenvolvido e ope rado pela EDF Renewables e Canadian Solar no Brasil, possui uma capacidade instalada de produção de energia combinada de 191,5 MW. O complexo será o primeiro projeto solar foto voltaico de larga escala a ser financiado pela modalidade de “project financing” no Brasil. “O apelo da energia sustentável e a agenda ESG têm tido importância para financiarmos esses
projetos inovadores”, afirmou Silvana Bianco, Investment Principal Officer do IDB Invest.
As debêntures incentivadas sob a Lei 12.431, que concede isenção de Imposto de Renda sobre os rendimentos obtidos pelos compradores desses títulos, têm tido um papel importante no financiamento de projetos. “Hoje, pode-se ver uma sofisticação do mercado, com casas adquirindo papéis no mercado secundário e com gestores profissionais acompanhando esse segmento, que começa a ter prazos e condições muito mais adequadas ao perfil de longo prazo dos investimentos”, afirmou Allan Gabriel, co-head de Project Finance do Itaú BBA.
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Com a nova postura do BNDES, que anterior mente era o principal financiador dos empreendimentos, os projetos têm buscado vários instrumentos de captação de recursos, com pondo um mix de opções. Uma alternativa é acessar fundos de desenvolvimento regional. “Eles têm custos atrativos e fazem diferença para compor esse mix; também há fun dos do Nordeste para esses fins, bem como linhas da Sudene para energia, com consultas prévias, hoje, de R$ 5 bilhões, porque eles querem se mostrar relevantes”, afirmou Renata Rossetti, diretora de Project Finance do Banco do Brasil (BB).
Sancionada pelo governo federal no último dia útil de 2021, a Lei nº 14.286, que instituiu o novo
marco cambial brasileiro, amplia a segurança jurídica para empresas que quiserem firmar contratos de compra e venda de energia em moeda estrangeira, o que cria oportunidades. Por exemplo, os dez maiores consumidores li vres do país são exportadores; no Brasil, mais de 30% do capex eólico se dá em moeda es trangeira; em solar, esses números são ainda maiores, podendo chegar a 60%.
O texto atende a um pleito antigo de grandes exportadoras para poder equilibrar suas prin cipais linhas de custo com suas receitas em
Da esquerda para direita: Miriam Signor (Lefosse), Silvana Bianco (IDB Invest), Igor Fonseca (Banco Santander), Allan Gabriel (Itaú BBA), Renata Rossetti (Banco do Brasil) e Raphael Gomes (Lefosse)
Firmar acordos de compra e venda de energia em dólar não é novidade. Geradoras e gran des consumidores já vinham celebrando con tratos desse tipo, mas o processo era conside rado muito burocrático e complexo, tornando seu uso bastante restrito.
O novo marco, que entrará em vigor em 30 de dezembro de 2022, deve simplificar e reduzir a burocracia das operações, beneficiando
empresas e pessoas que necessitem fazer operações de câmbio em suas atividades.
A legislação passou a permitir o pagamen to em moeda estrangeira para “os contratos celebrados por exportadores em que a con traparte seja concessionário, permissionário, autorizatário ou arrendatário nos setores de infraestrutura”.
Isso significa, por exemplo, a possibilidade de celebração de contratos de compra e venda de energia elétrica (chamados “PPAs”, de acordo com a sigla em inglês) no am biente de contratação livre, pelos quais uma exportadora, na condição de compradora, possa adquirir energia elétrica de uma auto rizatária ou concessionária, na condição de vendedora, e estipular as obrigações de pa gamento em moeda estrangeira.
Reforma cambial cria oportunidade de PPA em dólar
Legislação cambial moeda estrangeira. A regra também era de fendida por segmentos do setor elétrico que veem a possibilidade de garantir uma prote ção natural a variações cambiais para itens de custo dos projetos que são dolarizados, bem como permitir acesso a fontes alternati vas de financiamento no exterior.
Principais pontos:
• Passa a autorizar o pagamento em moeda estran geira de obrigações, exequíveis em território nacional, estipuladas em contratos celebrados por exportado res, em que a contraparte seja concessionária, per missionária, autorizatária ou arrendatária nos setores de infraestrutura, o que inclui os serviços de energia.
• Serão permitidos também o recebimento em conta de pagamento do próprio exportador em instituição financeira no exterior e em conta de instituição não bancária autorizada a operar em câmbio. Estas mu danças trazem mais flexibilidade e facilidade às em presas, facilitando o desenvolvimento de negócios.
“O novo marco abre uma alternativa a mais de financiamento com dezenas de bancos internacionais aptos a poder olhar para esse mercado em um segmento que tem custos relevantes atrelados ao câmbio. Isso pode significar maior concorrência e melhores condições de crédito para o tomador”, disse Igor Fonseca, Head de Power e Project Finance do Banco Santander.
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M&As e os novos negócios do setor elétrico
Flavio de Picciotto (Lazard)
Sérgio Fonseca (CTG)
Túlio Machado (XP Asset Management)
Pedro Mateus (Faro Energy)
Gonçalo Capela Godinho (Lefosse)
Moderador: Carlos Mello (Lefosse)
Omovimento de fusões e aquisições no setor elétrico tem se mantido aquecido nesse ano e assim deverá continuar diante da posição de liderança do Brasil em relação às fontes renováveis em um cenário em que a agenda ESG ganha força pelo mundo, a geração distri buída solar avança, novas tecnologias como as eólicas offshore e o hidrogênio verde atraem investidores, além de oportunidades nas áreas de transmissão, comercialização e distribuição. Ao lado das operações de consolidação, a aten ção também é grande na formação de joint ventures que aliam interesses de geradores de energia elétrica com grandes consumidores.
Apesar dos desafios decorrentes do atual cenário macroeconômico e de elementos geopolíticos, o setor continua gerando um volume de operações de M&A verdadeiramente impressionante. O que se tem visto é uma forte aposta por parte dos investidores nos fundamentos de longo prazo do setor e do Brasil”, afirma o sócio da prática de M&A do Lefosse, Gonçalo Capela Godinho.
Dina Vainzof Storch (Brookfield Asset Management)
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Há um movimento relevante de M&A no setor de energia que se estende de pequenos empresários em PCHs a grandes operações envolvendo fundos ou grandes empresas”, disse Carlos Mello, sócio de Societário e M&A do Lefosse.
O Brasil tem liderança em fontes renováveis. Então há interesse de operações em fonte hídrica, solar e eólica, para além de algumas empresas e investidores dando os primeiros passos em novas áreas, como eólicas offshore e hidrogênio verde”, afirma Raphael Gomes, sócio da prática de Energia do escritório.
O índice de participação de energias renová veis na matriz elétrica do Brasil está em 83%, segundo dados da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), ou seja bem acima dos 29% registrados no resto do mundo. Mais de R$ 250 bilhões devem ser direcionados, nos próximos dez anos, a investimentos em geração e trans missão de energias renováveis. “Há pelo me nos mais de dez anos, o setor elétrico tem sido muito consistente em fusões e aquisições com um marco regulatório atrativo e competitividade das fontes”, afirmou Flavio de Picciotto, diretor administrativo da Lazard.
Nas operações de fusões e aquisições, usinas solares e eólicas têm liderado as intenções das empresas, também há interesse na fonte hidráulica. Hoje, cerca de 60% da eletricidade produzida no Brasil é originada de hidrelétri cas, pouco mais de 10% vem de eólicas e as solares já estariam com 8%, segundo levanta mento da Absolar, sendo as três principais fon tes de geração de energia do país.
Um destaque é a geração distribuída solar, que desde seu surgimento, em 2012, tem ganho presença. Hoje, há 1,3 milhão de consumidores que aderiram à modalidade.
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“O segmento cresce 1 GW por mês. Deveremos ver um setor aquecido em 24 meses com consolidações, porque ele é muito pulverizado”, disse o CEO da Faro Energy, Pedro Mateus. “Além da fragmentação e de muitas pequenas empresas atuando em GD solar, há uma necessidade de ter plataformas comerciais para ganhar mais clientes e ter capilaridade e es cala para atender às exigências dos clientes”, analisou Dina Vainzof Storch, vice-presidente sênior da Brookfield Asset Management.
O avanço das fontes intermitentes – como so lar e eólica – na matriz, também deverá levar à adoção de sistemas de armazenamento de energia e a um novo sistema de precificação da água armazenada nos reservatórios das hidrelétricas, que funcionam como gigantes baterias de água.
As operações têm como interessados grandes empresas estrangeiras e nacionais, bem como fundos de investimentos e de pensão já pre sentes no Brasil e que buscam consolidar suas posições, como no setor solar e eólico, em que as participações são pulverizadas. Grandes petroleiras também estão presentes, já que globalmente trabalham com metas de redu ção de emissão de poluentes globais e têm posicionado o Brasil como uma de suas plata formas de investimento em fontes renováveis.
“Vemos muitos negócios pela frente nos próximos três a quatro anos, e temos 1,6 GW de projetos que poderão ter nossa decisão de investimento nos próximos meses” , disse Sergio Fonseca, diretor de Desenvolvimento de Negócios da CTG Brasil, hoje uma das maiores geradoras hídricas do país e que também tem
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investido em fontes renováveis. “Nos últimos dois anos, houve uma mudança relevante da taxa de juros, que saiu de 2% ao ano para quase 14% agora, e muitas transações não saíram por uma reprecificação dos ativos”, disse o chefe de infraestrutura da XP Asset, Túlio Machado.
Além da área de geração, há oportunida des nas áreas de transmissão e comercia lização de energia elétrica. Em transmissão, investidores financeiros e de outras áreas têm vendido participações em Sociedades de Propósito Específico (SPE) para operado res tradicionais.
Já em comercialização a potencial abertu ra do mercado livre para a baixa tensão, a recente Consulta Pública 131, lançada pelo
Governo Federal em julho para abertura da alta tensão, e a sofisticação do segmento, com derivativos e a chegada de bancos e grandes petroleiras, também poderão esti mular a consolidação. A chegada do merca do livre à alta tensão, a partir de 2024, poderá trazer a oportunidade de 100 mil empresas mi grarem para esse ambiente, a maior amplia ção da história do mercado livre de energia elétrica, que atualmente conta com apenas 10 mil consumidores livres de energia.
Da esquerda para a direita: Flavio de Picciotto (Lazard), Pedro Mateus (Faro Energy), Dina Vainzof Storch (Brookfield Asset Management), Sérgio Fonseca (CTG), Túlio Machado (XP Asset Management) e Carlos Mello (Lefosse)
Eólica offshore: as perspectivas para a nova fonte
Diogo Nóbrega (Copenhagen Infrastructure Partners)
Marcello Cabral (Eletronorte)
Matheus Noronha (ABEEólica)
Fabíola Sena (FSET)
Moderador: Raphael Gomes (Lefosse)
Com um potencial de 700 GW, o Brasil poderá repetir o sucesso das eólicas onshore e se tornar um relevante player das eólicas offshore (alto-mar) na próxima década, em um momento em que o hidrogênio verde também poderá ocupar um papel importante no mundo. O de senvolvimento dessa nova tecnologia não será imediato no país, uma vez que há diversos desafios a serem enfrentados: custo de CAPEX, forma de contratação, financiabilidade, clareza do mar co regulatório e entraves ambientais.
“Há uma janela de oportunidade para o Brasil aproveitar seu potencial: a partir da década de 2030, haverá uma liderança da Ásia nesse segmento, o que dificultará o processo aos paí ses que ingressarem mais tarde nessa tecnologia”, disse Diogo Nóbrega, presidente do Copenhagen Infrastructure Partners, que hoje possui US$ 29 bilhões investidos em ativos de energia renovável. Até 2030, serão US$ 130 bilhões alocados. No Brasil, há 4 GW em projetos de eólicas offshore que poderão sair do papel nos próximos anos. “Há um grande potencial no Brasil e começamos a ver os primeiros passos regulatórios sendo dados e alguns desafios pela frente”, destacou Matheus Noronha, líder da área de energia eólica offshore e de novas tecnologias da Associação Brasileira da Energia Eólica (ABEEólica).
Um desafio será a primeira contratação, que ocorrerá em um cenário totalmente distinto do que foi visto na expansão das eólicas terrestres. Em 14 de dezembro de 2009, para apoiar a di versificação da matriz de geração elétrica, o Governo Federal
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realizou o primeiro leilão para contratação exclusiva de fonte eólica. O certame marcou um ponto de inflexão na indústria. O Leilão de Energia de Reserva (LER nº. 03/2009) contratou 71 empreendimentos com uma capacidade so mada de 1.805,7 megawatts (MW), ao preço médio de R$ 148,39/MWh (deságio de 21,49% em relação ao preço-teto de R$ 189/Wh). Foi o primeiro marco da expansão das eóli cas; hoje, a segunda maior fonte de eletricidade.
O novo modelo do setor elétrico, sancionado em 2004, tinha, em 2009, o mercado regulado como grande fonte de impulso. Atualmente, o cenário mudou completamente: as distribuidoras sofrem com sobrecontratação há alguns anos, a geração distribuída solar avança velozmente e o mercado livre responde por um terço da carga do país. Desde 2018, 75% da contratação de projetos eólicos tem sido impulsionada pelo mercado livre. “Há três formas de contratação de energia: por meio do mercado livre, por meio de leilões regulados e por meio de leilão de reserva. As distribuidoras estão sobrecontratadas, é uma tecnologia nova o que pode dificultar seu início pelo mercado livre. Como energia de energia cabe outra provocação: há espaço na tarifa?”, questionou Fabiola Sena, fundadora da consultoria FSET e CEO da Head Energia.
Por tratar-se de investimentos vultosos (um projeto aci ma de 1 GW pode superar R$ 15 bilhões), os investidores e financiadores veem que as primeiras contratações de eó licas no alto-mar deveriam vir por leilões regulados. Uma das possibilidades que os empresários discutem é a inclu
Há uma janela de oportunidade para o Brasil aproveitar seu potencial.
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são dos primeiros projetos de eólicas offshore em um leilão de reserva em 2023, que poderia contemplar empreendimentos para entrar em operação no fim da década.
Em paralelo, a regulação no setor começa a avançar. No início do ano, o Governo Federal lançou o Decreto nº 10.946 com as diretrizes iniciais da regulação setorial, como a cessão onerosa de uso de espaços marítimos para geração de energia eólica offshore. Nesse mo mento, o Governo Federal trabalha em uma portaria para detalhar as regras. Uma inten ção é melhorar a interlocução dos diversos ór gãos da União e governos estaduais presentes na questão. Empreender no segmento envolve bater à porta de nove instituições do Governo Federal, do Ministério de Minas e Energia ao Ibama, passando até pela secretaria de pesca ligada ao Ministério da Agricultura.
O custo de desenvolvimento de uma usina offshore é alto: um empreendimento de 1 GW de capacidade é construído a partir de um projeto que pode demandar R$ 500 milhões, com estu dos de medição de ventos e análises geofísicas que são feitas em estruturas marítimas. Se o empreendedor participar de um leilão com seu projeto e não for vitorioso, haverá ressarcimento do projeto feito? Essa é uma incerteza.
O investimento elevado nos estudos tem leva do também à discussão do valor de outorga do empreendimento, a ser erguido em área da União, que poderá cobrar participações governamentais obrigatórias, como bônus de assinatura, pagamento de ocupação e partici pação proporcional. Oneração excessiva pode inviabilizar os investimentos que são vultosos.
Hoje, no Brasil, os 170 GW de projetos que estão em análise no Ibama estão dispersos entre três
regiões litorâneas brasileiras: Sul, Sudeste e Nordeste. Há dúvidas sobre qual será o cluster que terá o maior desenvolvimen to quando a tecnologia ganhar espaço. Se nas eólicas em terra, os ventos alísios posicionaram o Brasil na liderança de fa tor de capacidade do mundo; nas eólicas em alto mar, a disputa tem outros tons.
Para o desenvolvimento do segmento, dois pontos são essenciais:
um porto industrial conexão
Sob essa ótica, as três regiões têm siste mas portuários que poderiam se tornar âncoras da nascente indústria offshore.
Em conexão, o sistema de transmissão Nordeste-Sudeste será reforçado até o fim da década por sistemas bipolos, que, além do aumento do intercâmbio, deverão trazer a unificação dos dois submer cados com efeitos ao portfólio das em presas: a busca por exposição a ventos diferentes dos encontrados no Nordeste, hoje o principal polo das eólicas onshore.
Com as eólicas em alto mar, surgirá tam bém o desafio de compor uma indústria que atenda a esse segmento em um mo mento em que as cadeias globais de va lor estão se reposicionando. O cenário coincide com a corrida das renováveis no mundo diante das mudanças climáticas e a possibilidade de novos bolsos de in vestimento no Brasil.
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As eólicas offshore ganharão espaço em um mo mento em que o hidrogênio verde – em que o Brasil também poderá ter papel de liderança mun dial – pode deslanchar. A reforma cambial, anun ciada pelo governo no fim do ano passado e que passa a ser vigente no início de 2023, poderá trazer financiamentos de instituições financeiras exter nas que estejam de olho em projetos no Brasil.
Em meio a todas essas discussões, o Projeto de Lei nº 576/2021, que visa disciplinar o aprovei tamento do potencial offshore no Brasil, tem atraído a atenção dos players do mercado e é aguardado com muita ansiedade, podendo ser o marco legal definitivo para a estrutura ção do framework regulatório necessário para o impulsionamento da nova fonte. “O governo tem o desafio de criar o caminho propício para o desenvolvimento da nova tecnologia e para o investimento privado”, disse Marcello Cabral, assessor do diretor financeiro da Eletronorte.
Da esquerda para direita: Diogo Nóbrega (Copenhagen Infrastructure Partners), Matheus Noronha (ABEEólica), Fabíola Sena (FSET), Marcello Cabral (Eletronorte) e Raphael Gomes (Lefosse)
Decreto
Principais pontos:
• O decreto confirmou que o MME também poderá celebrar a cessão do uso de áreas, que atualmente é uma atribuição da Secretaria de Coordenação e Governança do Patrimônio da União (SPU) do Ministério da Economia, que também poderá cedê-las, conforme a nova norma.
• A cessão de uso poderá ser concedida por dois procedimentos distintos:
- Cessão Planejada, que consiste na oferta de prismas previamente delimitados pelo MME a eventuais interessados;
- Cessão Independente, que envolve a cessão de prismas requeridos por iniciativa dos interessados em explorá-los.
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nº 10.946/2022 é um marco histórico e representa o primeiro passo da regulação do segmento Decreto Nº 10.946/2022