ARTE, CORPO, CIDADE, AÇÃO!

ARTE, CORPO,CIDADE, AÇÃO!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA FACULDADE DE ARQUITETURA URBANISMO E DESIGN TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO 1 ORIENTADOR: ADRIANO CANAS

ARTE, CORPO,CIDADE, AÇÃO!

LARA PAIM DE SENE UBERLÂNDIA 2019

SUMÁRIO 1.

ARTE E SOCIEDADE ATIVAÇÃO DE CORPOS 1.1 POÉTICAS DA REVOLUÇÃO 1.2 POÉTICAS DO COTIDIANO 1.3 APROPRIAR-SE COMO ATO CRIATIVO

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2.

ARTE E CIDADE ATIVAÇÃO DE TERRITÓRIOS 2.1 ARTE E ARQUITETURA 2.2 CORPO E TERRITÓRIO 2.3 MOVIMENTO,CORPO, CIDADE

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3.

Dedico esse trabalho à todas as mulheres que fazem parte dos meus caminhos,à todas que contribuem de alguma forma em minhas revoluções e metamorfoses, em especial à mulher da minha vida, Adonira.

ARTE, CORPO,CIDADE,AÇÃO! 3.1 P.U.T.A 3.2 BICHO

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INTRODUÇÃO

Metanascimento: Eu me bordo e me desbordo, em um movimento de fala e resposta, daquilo que vejo, ouço e absorvo.

Entre o que sou e o que somos,W uma colagem, um remix, reboliços de uma ciranda infinita.

Uma investigação sobre as tensões entre arte, corpo e cidade, na busca por dispositivos capazes de subverter os mecanismos de coerção e promover o diálogo, a diversidade e o senso crítico em um processo de resistência e emancipação. A partir das leituras de Augusto Boal e a percepção da arte como instrumento político, exponho as indagações: Como resistir aos processos de massificação a que somos submetidos diariamente? Como subverter a lógica da Indústria Cultural6, da arte apenas como entretenimento? Seria a Arte capaz de de alimentar o coletivo, articulando uma pluralidade de vozes e desejos em uma postura transformadora?

Em uma crítica a Indústria Cultural e a produção de corpos apáticos e alienados, defendo a Antiarte, dentro do conceito apresentado por Hélio Oiticica, como uma alternativa capaz de ativar corpos pensantes, que se deslocam da posição de espectadores em uma atitude de apropriação dos meios de produção cultural. Em um segundo momento, estuda-se as projeções e reverberações dessas relações no território:Qual o espaço por onde percorre a arte? Qual o diálogo entre a arte institucionalizada e o povo brasileiro? Quais os ecos de uma memória que ninguém visita? Qual o grau de identificação da população brasileira com esse espaço cultural?

Um processo que envolveu repensar a natureza do espaço e sua estratificação e identificar os meios de reconquista desse espaço através do que Deleuze e Guattari denominam Máquinas de Guerra. Por fim, inicia aqui um estudo de estruturas itinerantes que funcionem como dispositivos ativadores, de pessoas e territórios, uma arquitetura metamorfose que promova relações de apropriação e transgrida os limites espaciais impostos pelos dispositivos de captura.

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Hélio Oiticica, Parangolés, 1967. Disponível em: http://sobrevivenciadasideias2013.blogspot.com.br/2013/10/lucas-botelho-referencias.html Acesso em 1 dez,2019. 18:41.

1.ARTE E SOCIEDADE ATIVAÇÃO DE CORPOS

1.1 POÉTICAS DA REVOLUÇÃO

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“Divisor”, proposta artística de Lygia Pape6 desenvolvido em 1968, aborda as relações entre corpo, arte e política. Dentre os vários significados que a obra carrega, dois em especial interessam a essa investigação A imagem de várias cabeças se movimentando como um só corpo me remete ao viver coletivo e suas antíteses: como agir coletivamente, articulando uma pluralidade de vozes e desejos em uma postura transformadora? E a alegoria a uma tela de pintura, invadida e corporificada pelo povo, rompe com a arte aurática e se abre para um sentido aberto, uma antiarte que se faz em qualquer lugar, em qualquer momento,por qualquer pessoa.

A obra de Pape se insere, junto a Hélio Oiticica7 e Lygia Clark8, no contexto político crítico da Ditadura Militar de 1960, e representa os anseios, reflexões e mobilizações sobre arte e vida, cultura e povo,liberdade de expressão e política. As fotos acima mostram como, passados mais de cinquenta anos, o objeto proposto por Pape continua sendo apropriado por novas narrativas, como no aniversário de um ano do movimento político Praia da Estação, em Belo Horizionte, na qual ficou conhecida como “Mar de Gente” , também nas manifestações populares de 2016 contra a PEC do Teto dos Gastos e novamente em 2019 nos atos contra a Reforma da Previdência e os cortes na educação.

“Mar de gente” performance réplica da obra “Divisor”. Belo Horizonte,MG,23 de janeiro,2011.

Fotografia de Flora Rajão (2011).

6 7 A ideia do Mar surge no intuito de levar às ruas uma manifestação image8 ticamente potente, que conseguisse simbolizar o caráter coletivo e pacífico do movimento, e que marcasse a cidade – até então mal informada sobre a magnitude da ocupação em todo território nacional de escolas secundaristas, universidades e institutos federais, secretarias de educação, dentre outros – com as milhares de pegadas de manifestantes que iam às ruas em defesa da Saúde e da educação.Enquanto obra, é um acontecimento que permite aos 96 voluntários que abrem seu tecido e o sustentam por todo o ato, a experiência de compor um corpo coletivo. O Mar de Gente é, antes de tudo, uma experiência cidadã, que aciona e predispõe o corpo-sujeito, individual, assolado pela competitividade capitalista, a uma possibilidade coletiva de existência e ação.(LEMOS,Débora, 2019)

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Os acontecimento políticos vivenciados nos últimos anos, em especial as eleições presidenciais brasileiras de 2018 denotam a força da Indústria Cultural com a produção massiva de informações desconexas que levam a população a um estado de completa apatia e alienação. A vertiginosa propagação de informações, hoje conhecidas como fake news, acaba por instaurar um sentimento generalizado de desnorteamento e desarticulação, uma “enxurrada de informações precisas e diversões assépticas desperta e idiotiza as pessoas ao mesmo tempo.” (Adorno e Horkheimer, 1947,p.3).

Como resistir aos processos de massificação a que somos submetidos diariamente? Como subverter a lógica da Indústria Cultural, da arte apenas como entretenimento? Seria a Arte capaz de de alimentar o coletivo, articulando uma pluralidade de vozes e desejos em uma postura transformadora?

Na defesa do Teatro do Oprimido, Augusto Boal coloca o teatro como uma importante arma política, que pode tanto ser utilizada como instrumento coercitivo como emancipatório. O teatro, assim como as outras formas artísticas, faz parte de um sistema comunicacional que responde ao pensamento sensível (som e imagem), como linguagem, a arte é capaz de comunicar ideias e valores, o que agrega um grande potencial social mas também a faz elemento constituinte do sistema político vigente, por isso como, o que e a quem expressa as relações de poderes

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estabelecidas na esfera pública.

Debord aponta para o poder da espetacularização da sociedade, na qual a comunicação se faz por vias unilaterais, sem espaço para réplicas ou qualquer forma de diálogo. Nesse sentido,devemos retomar os canais estéticos da palavra, da imagem e do som e “travar as lutas sociais e políticas em busca de sociedades sem opressores e sem oprimidos”.(Boal,2009)

A análise de Boal sobre as poéticas de Aristóteles e Maquiavel como contraponto a Brecht e a sua própria estética do oprimido, traz uma importante percepção: a partir das formas como a arte é produzida e absorvida pela população se estabelecem relações de coerção ou de emancipação.O teatro aristotélico representava as relações de dominação da sociedade da época, articulando a dramaturgia de acordo com os ideais aristocráticos, já a proposta de Boal para o Teatro do Oprimido envolve mecanismos ativadores que permitem a construção de uma dramaturgia compartilhada.

Defende-se aqui, a estética do oprimido como contraponto a sociedade do espetáculo, o

diálogo em resposta a alienação, o resistir ao invés do assistir, o processo no lugar de verdades fechadas e absolutas. Propõe-se destituição da arte aurática e adota-se o cotidiano e suas metamorfoses como lugar de expressão de uma nova estética, que permita construção coletivas e espontâneas.

“ Aristóteles propõe uma Poética em que os espectadores delegam poderes ao personagem para que este atue e pense em seu lugar; Brecht propõe uma Poética em que o espectador delega poderes ao personagem para que este atue em seu lugar, mas se reserva o direito de pensar por si mesmo, muitas vezes em oposição ao personagem.

No primeiro caso, produz-se uma “catarse”; no segundo, uma “conscientização”. O que a Poética do Oprimido propõe é a própria ação! O espectador não delega poderes ao personagem para que atue nem para que pense em seu lugar: ao contrário, ele mesmo assume um papel protagônico, transforma a ação dramática inicialmente proposta, ensaia soluções possíveis, debate projetos modificadores: em resumo, o espectador ensaia, preparando-se para a ação real. Por isso, eu creio que o teatro não é revolucionário em si mesmo, mas certamente pode ser um excelente “ensaio” da revolução. “ (BOAL 1991,p.138) Teatro do Oprimido Em Ação! (1975) Fonte: A casa de Vidro. Disponível em: < https://acasadevidro.com/tag/teatro-do-oprimido/>. Acesso em 01 de dez,2019.16:48

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ARTE É UM VERBO. Tania Bruguera, Praça da Luz, São Paulo.

Fonte: @ihcaio - instagram da Pinacoteca de São Paulo.

Taki 183, Slam Resistências e Tania Bruguera são exemplos de semelhantes propostas estético-políticas que abordam a arte enquanto enquanto construção social e meio de comunicação. Suas práticas artísticas abrem espaço para o diálogo entre as diversas vozes e atores sociais presentes no processo, o que significa retomar o protagonismo dos meios de produção cultural, se aproximar do cotidiano e se apropriar dos mecanismos de difusão,em uma atitude coletiva e reflexiva de emancipação cultural e social.

Ao se deslocar da posição de autora e se colocar como iniciadora, Tania Bruguera rompe com as relações hierárquicas entre artista e espectador e estabelece táticas para a restauração da estética como um sistema de transformação. A artista cubana desenvolveu uma metodologia que possibilita um espaço de reflexão para um criar coletivo. A partir do conceito de Arte de Conduta ela caminha entre o útil e o ilegal e explora os limites da linguagem do corpo social, suas reações e condutas, já o conceito de Arte Útil, ela contrapõe útil e simbólico, público geral e público informado, linguagem de vanguarda e linguagem da política urgente.

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SLAM RESISTÊNCIA, SÃO PAULO,SP FONTE: Contra Ponto Original. Disponível em:< http:// agemt.org/contraponto/2018/06/04/os-novos-protagonistas-da-literatura-em-sao-paulo/> Acesso em 01 dez,2019.

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Taki 183 e Slam Resistência são dois exemplos de dispositivos que buscam reconquistar os espaços de propagação cultural e subverter sua lógica, promovendo expressão e reflexão capazes de desencadear processos de autonomia e emancipação popular.

TAKI 183 foi uma tag que ocupou o metrô de Nova York nas décadas de 1960 e 1970, ela se iniciou com um jovem morador do Harlem, que a partir de suas vivências como entregador na região Upper East Side e durante seu trajeto de metrô para o colégio no centro de Manhattan começou a se apropriar dos espaços de circulação e das táticas de campanha como posters para deixar sua marca. A tag faz referência indireta ao nome do artista, Demetrius e direta ao número de sua casa, 183. A escolha dos espaços urbanos, locais aos quais ele tinha pouco acesso e nenhuma representatividade, acabou por levar TAKI 183 a ser mencionado pelo New York Times. A partir de então o pixo e o graffiti se tornaram um canal de comunicação para a reverberação das vozes e identidades da periferia para os espaços urbanos que lhe são muitas

vezes negados pela segregação espacial.

A partir da vídeo poesia, também uma forma de midiativismo, o Slam Resistência, competição de poesia falada, ocupa a praça Roosevelt desde 2014, quando surgiu em um contexto de manifestações e reuniões chamadas “ Quinta da resistência” que debatiam a situação política.

Defende-se, assim, uma arte que ative processos de tomada de consciência e emancipação capazes de subverter relações hierárquicas e trazer uma construção cultural transformadora, na qual espectadores passivos e alienados passem a ser atores sociais críticos e autônomos.

TAKI 183, metro de Nova York. Fonte: Wikiarte.org

“ A poética política quer na palavra a revolução. Talvez esteja condenada a palavra, açaimada pelos sombrios vultos da desigualdade, da injustiça, da corrupção. Mas as vozes das ruas ecoam através dos muros, que embora altos não são surdos. Num sopro a palavra agoniza a indignação, regurgita a podridão política que causa tamanha indigestão. Poeticamente sublime seria poder saborear as palavras em sua sutileza e sofisticação, mas o amargo da desumanidade engrola a gustação. O que resta de gosto das tantas bocas famintas é a fome de transformação. Mesmo desgostosa, a palavra grita, cria, vocifera o anseio por libertação. As vozes das ruas podem soar estridentes para os ouvidos indiferentes. Para os que são silenciados cotidianamente não há grito agudo suficiente. Poetizar é ação! Ato do instante que, como um lampejo atômico, expurga o lixo enfiado goela abaixo diariamente sem permissão. Slam Resistência é esse ato expurgante, que transforma por um instante a voz oprimida em palavra ressonante.”

Del Chaves (2016)

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1.2 POÉTICAS DO COTIDIANO 16

CENA FILME MEU TIO FONTE:Cinemarden. Disponível em: http://agemt.org/contraponto/2018/06/04/os-novos-protagonistas-da-literatura-em-sao-paulo/. Acesso em: 01 dez,2019. 17:00

O filme Meu Tio, do diretor francês Jacques Tati6, explora a invasão do cotidiano pela sociedade de consumo , tecendo uma crítica inclusive ao Movimento Moderno e a racionalização mecânica do viver. A relação entre os ambientes e as pessoas se dá a partir da contraposição entre a París nova e a París antiga, o tio solteiro e desajustado e a família tradicional moderna, utilizando antíteses como antiquado/moderno, caótico/ racional. Embora o desconforto do Tio tenha um enfoque predominante, é possível notar que todos na casa se sentem estranhos com a lógica espacial, que remete ao funcionamento de uma fábrica, transparecendo que eles se submetem aquele estilo de vida por acreditarem ser o espetáculo correto a ser vivido.

O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção.

Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objectos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme. (Adorno e Horkheimer, 1944, p.59) Nessa perspectiva, a Indústria Cultural se faz do cotidiano como cenário para trazer suas verdades-produtos em um ambiente familiar e facilmente digerível,utiliza, assim, do sentimento de empatia5 para adentrar o universo particular de cada espectador e reproduzir os valores da classe dominante.

A alienação do espectador em proveito do objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente) exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos jà não são seus, mas de um outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente em casa em parte alguma, porque o espetáculo está em toda parte. (Debord,1967,p.30)

Como resgatar o cotidiano enquanto vetor de movimentos de resistência 17 cultural?

O COMUM, O COLETIVO E A ESCULTURA SOCIAL PIMP MY CARROÇA FONTE: Pimp my carroça. Disponível em: < http://pimpmycarroca.com)

O cotidiano, a arte e a política precisam caminhar juntos, em movimentos e processos reflexivos e experienciais. A arte ativista se faz da experiência sensível do comum como um processo de tomada de consciência.

PIMP MY CARROÇA é um coletivo que atua junto a catadores de materiais recicláveis com ações a(r)tivistas que tem como objetivo principal melhorar as condições de trabalho dos carroceiros, a partir da assistência técnica (funilaria,borracharia,instalação de kits de segurança e pinturas) e de meios criativos que envolvem desde a conscientização da cidade sobre a atuação deles, com a proposição de oficinas e vivências, com intervenções urbanas que sensibilizam um novo olhar sobre a importância desse serviço para a cidade. Por fim, o coletivo disponibiliza o PIMPEX, um manual explicativo do projeto que permite que qualquer pessoa possa ser “pimpador”, agregando mais um potencial de emancipação e autonomia.

“As ações de guerrilha ativistas, para nós, a(r) tivistas, procuram trazer um pouco de arte em ações rápidas e de baixo custo mas de alto impacto.” ( Pimp my Carroça) O processos artísticos do projeto dialogam diretamente com a dinâmica do universo des-

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ses trabalhadores em uma ação conjunta que provoca transformações nas relações entre os catadores e a sociedade, retomando a relação arte e práxis vital.

As intersecções entre arte e vida moram no cotidiano, no povo, no comum, na mesa de bilhar do bar, nas escolas e universidades, no café da avó, no carnaval de rua, no samba de coco, na capoeira, no funk, no rap e no slam. Onde há espaço para expressão do individual, do divergente, do insurgente, há espaço para a construção do coletivo.

De volta a pergunta: Como resistir aos processos de massificação a que somos submetidos diariamente? Como subverter a lógica da Indústria Cultural, da arte apenas como entretenimento? Seria a Arte capaz de alimentar o coletivo, articulando uma pluralidade de vozes e desejos em uma postura transformadora?

“Comunidades devem ser pensadas não a partir de um comum como soma das posses individuais, mas sim de um comum soma das diferenças. É a partir da produção de vínculos entre as diferenças que emerge o comum.

A comunidade, portanto, não seria uma propriedade estável e garantida, mas sim uma conquista cotidiana em prol dessa junção da diferença...Uma comunidade plural de diferenças só pode existir se construída cotidianamente - ou seja, se ela se tornar uma prática e uma (auto) crítica. Nessa perspectiva, a comunidade é um ato simultaneamente coletivo e individual de liberdade.”

(COELHO,2019).

Entre a escultura e a aula, artista e professor, Beuys se dedicou a abrir diálogos e debates que ativassem o poder criativo das pessoas, definido pela máxima “A REVOLUÇÃO SOMOS NÓS

“ É na revolução permanente do comum e da construção coletiva de novas estruturas - sensoriais,

Beuys em uma aula na Universidade Livre

existenciais, políticas - que se estabelece um “nós”.

Afinal, para sermos muitos, precisamos antes de tudo, ter consciência de quem somos enquanto sujeitos ativos na história e na sociedade. Seja jogando bilhar ou bombeando mel, o que fica é a força motriz de uma arte que se abriu definitivamente à diferença e incorporou o espectador como o “ outro” que precisa ter voz, corpo e ação. “ (COELHO,2019)

Em sua defesa da arte ampliada, Beuys(1977) traz o ser vivo como “um artista, pois ele experimenta a essência criativa em si, a essência formadora que se relaciona a todos os campos de problemas da vida, todos os campos no qual esse ser humano se movimenta “ dessa forma, a escultura social se constrói a partir dessa força propulsora presente no cotidiano, no comum, na política, na cultura, na ação, na manifestação.

A REVOLUÇÃO SOMOS NÓS.SOMOS TODOS ARTISTAS 19

1.3 APROPRIAR-SE COMO ATO CRIATIVO 20

De volta a Lygia Pape e o mar de gente, quando uma multidão articula suas lutas particulares em uma voz única e ocupa as ruas, se fazendo ser ouvida existe ‘a consciência de que “a revolução somos nós” e quando se vestem da “ tela branca” e se apropriam de “Divisor”, surgem novas narrativas não previstas por Pape que promovem uma “colagem”, um “remix” entre os dois momentos políticos específicos que envolvem 1964 e 2019, criando uma nova obra, o mar de gente, uma escultura social.

O “não achar” é também uma participação importante, pois define a oportunidade de “escolha” daquele a que se propõe a participação - a obra do artista no que possuiria de fixa só toma sentido e se completa ante a atitude de cada participador - algo é previsto pelo artista, mas as significações emprestadas são possibilidades suscitadas pela obra não previstas, incluindo a não participação nas suas inúmeras possibilidades também.

(OITICICA,1966)

Divisor, Lygia Pape FONTE: THE MET MUSEUM. Disponível em: < https://www.metmuseum.org/events/programs/ met-speaks/symposia/lygia-pape-symposium>. Acesso em 02 dez,2019. 7:02.

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“A presença do espectador como participador transcende a mera novidade no campo da arte e insere o corpo no espaço criador. Como em Lygia Clark, o participador torna-se o trânsito entre a experiência interior e individual e a experiência exterior e coletiva. De alguma forma são artistas que fizeram do ato estético um ato político e, desse ato político, um ato de liberdade.”

(COELHO, 2019)

A obra “ Caminhando” de Lygia Clark, por sua vez, apenas acontece a partir da apropriação das pessoas participantes de forma que a artista deixa espaço para cada ator traçar seu próprio caminhar, expressar sua própria capacidade de moldar o objeto, em uma atitude experimental.

Quando fala sobre essa força propulsora artística que habita cada um de nós, Beuys se faz dos maquinários e materiais que compõem seu universo, a Alemanha do século XX e a vivência da Segunda Guerra Mundial marcam sua obra com sua história e vivência, já sua formação médica aparece em analogias que envolvem o cor-

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po humano e seus sistemas. Oiticica, brasileiro, carioca, traz em suas obras a força artística do samba de gafieira, do carnaval, do tropicalismo, e assim, insere o corpo como ferramenta para esse ato artístico de apropriação.

Arte como ativação de pessoas é uma arte que se faz em qualquer lugar, a qualquer momento, por qualquer pessoa. Ela não carrega verdades prontas e sim processos, metamorfoses, sentidos abertos para livre apropriação. Ela mora no cotidiano, conquista e ocupa os espaços públicos. Ela rompe com os sistemas coercitivos e subverte ordenações hierárquicas. Ela revela o oculto, desperta reflexões acerca da própria vivência, da luta particular de cada um, ela não massifica, apassafica, ela tensiona e articula uma heterogeneidade de vozes em ação. Arte é práxis.

PARANGOLÉ, Hélio Oiticica.

FONTE: THE MET MUSEUM. Disponível em: < https://www.metmuseum.org/events/programs/met-speaks/symposia/ lygia-pape-symposium>. Acesso em 02 dez,2019. 7:02.

“Antiarte - compreensão e razão de ser do artista não mais como um criador para a contemplação, mas como um motivador para a criação - a criação, como tal, se completa pela participação dinâmica do “ espectador”, agora considerado “ participador”. Antiarte seria uma completação da necessidade coletiva de uma atividade criadora latente...” (OITICICA, 1966)

Oiticica sobre o parangolé: “ A ideia se realiza procurando utilizar todos os meios de comunicação disponíveis no sentido plástico e verbal, por cores, palavras, e a próprio ato de vestir cada capa. Isto está intimamente ligado à minha ideia de “apropriação”, que domina hoje a minha obra; é a procura da criação de obras coletivas, na qual colaboram várias individualidades. ( Parangolé Poético, 25 de agosto de 1966)

Caminhos, Lygia Clark FONTE: Artes e Esquema. Disponível em: < http://www.artesquema.com/wp-content/uploads/2009/10/Apres_SESC_2_1.pdf >. Acesso em 02 dez,2019. 7:02.

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REFERÊNCIAS

NOTAS 1. Adorno e Horkheimer (1944,p.57) apresentam uma visão pessimista na qual “toda a sociedade está sob a ótica da Indústria Cultural, que como toda indústria, reproduz exatamente o que os detentores dos meios de produção querem e por isso o rádio,o cinema e a televisão são considerados por esses autores instrumentos que ao permitirem a democratização do acesso à informação sob um mecanismo de via única, não deixam espaço para réplica ou qualquer outra manifestação.

2. Lygia Pape (Nova Friburgo, Rio de Janeiro, 1927 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004).

Escultora, gravadora e cineasta. Fonte: Itaú Cultural 3. Hélio Oiticica (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1937 - idem, 1980). Artista performático, pintor e escultor. Fonte: Itaú Cultural 4. Lygia Pimentel Lins (Belo Horizonte, Minas Gerais, 1920 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1988). Pintora, escultora. Fonte: Itaú Cultural 5. Adota-se aqui o conceito de Indústria Cultural formulado por Adorno e Horkheimer no livro Dialética do Esclarecimento, publicado em 1944.

6. Aqui adota-se a concepção de Augusto Boal de empatia, como um sentimento utilizado para controlar a percepção do espectador acerca de si mesmo. Empatia: nos faz sentir como se estivesse se passando com nós mesmos o que

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Adorno,T; Horkheimer,M. Dialética do Esclarecimento. no palco ou na tela está se passando com os personagens.

7. Jacques Tati, foi um mímico, ator, cineasta e roteirista francês.

BEUYS, Joseph. Palestra proferida em 6/8/77, no âmbito da Universidade Livre Internacional, documenta 6 em Kassel in Somos muit+s: experimentos sobre coletividade/ curadoria Jochen Volz,Fernanda Pitta e Amanda Arantes. São Paulo. Pinacoteca de São Paulo, 2019.

BOAL,Augusto. Teatro do Oprimido.Rio de Janeiro.Garamond Ltda,2009.

BOAL,Augusto. Estética do Oprimido.Rio de Janeiro.Garamond Ltda,2009.

prestam-seus-corpos-para-a-politica-e-a-arte-ocuparem-bh/.

MEDEIROS, Izabella Maria da Silva.O projeto de arte-vida de Lygia Clark : rupturas e desafios na formulação de um projeto de arte contemporânea. Recife, 2012.

MESQUITA,André.INSURGÊNCIAS POÉTICAS:Arte Ativista e Ação Coletiva(1990-2000).2008. 428f. Dissertação(Programa de Pós-Graduação em História) - Universidade de São Paulo-Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, São Paulo, SP, 2008.

CHAVES,Del. O Ativismo Poético do Slam Resistência. Revista Caliban, 15 de dezembro de 2016.Entrevista concedida a Bárbara Fontes. Disponível em : https://revistacaliban. net/o-ativismo-poético-do-slam-resistência-cb23c4d01234

MIGLIANO,Milene.Entre gafanhotos e vaga-lumes: a potência narrativa na criação de outros imaginários políticos na Praia da Estação.2016. Artigo( Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo) - Universidade Federal da Bahia. Salvador, BA.

COELHO,Fred.Somos muit+s: experimentos sobre coletividade/ curadoria Jochen Volz,Fernanda Pitta e Amanda Arantes. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2019.

OITICICA, Hélio. Arte Ambiental in Somos muit+s: experimentos sobre coletividade/ curadoria Jochen Volz,Fernanda Pitta e Amanda Arantes.

São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2019.

DEBORD,Guy. Sociedade do Espetáculo.

EbooksBrasil,2003. Disponível em:<https:// artenocampo.files.wordpress.com/2013/09/ teatro-do-oprimido-e-outras-poc3a9ticas-polc3adticas-1.pdf>

OITICICA, Hélio. Parangolé Poético in Somos muit+s: experimentos sobre coletividade/ curadoria Jochen Volz,Fernanda Pitta e Amanda Arantes. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2019.

LEMOS,Débora Guedes. Um Mar de manifestantes: professores, estudantes e técnico-administrativos emprestam seus corpos para a política e a arte ocupar BH. Junho de 2019 Disponível em: https://apubh.org.br/ acontece/um-mar-de-manifestantes-professores-estudantes-e-tecnico-administrativos-em-

OITICICA, Hélio. Posição e Programa in Somos muit+s: experimentos sobre coletividade/ curadoria Jochen Volz,Fernanda Pitta e Amanda Arantes. São Paulo: Pinacoteca de São Paulo, 2019.

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Oficina de Circo no Teatro Oficina Uzyna Uzona.

Fonte: Teatro Oficina. Disponível em: teatroficina.com.br.

Acesso em: 01 dez,2019. 18:40.

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2.ARTE E CIDADE ATIVAÇÃO DE TERRITÓRIOS 27

2. ARTE E ARQUITETURA “Museu é o mundo” 28

CCSP:CENTRO CULTURAL DE SÃO PAULO. FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO. Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/09/mesmo-com-menos-verba-centro-cultural-sao-paulo-se-mantem-plural.shtml>. Acesso em 02 dez,2019. 07:07.

Acredito que minha percepção sobre ativação de lugares se iniciou durante uma viagem de estudos em 2017 para São Paulo com a professora Beatriz Capello, na qual vivenciei a dinâmica de espaços públicos como o Sesc 24 de Maio, o Instituto Moreira Salles e o Centro Cultural de São Paulo.Tanto o Sesc 24 de Maio quanto o IMS eram edifícios recém inaugurados, no entanto,enquanto o Sesc estabelecia um diálogo com o tecido urbano, com a comunidade local e seu entorno alimentando relações de apropriação, o IMS trouxe um projeto arquitetônico imponente e muito bem detalhado, porém sua legibilidade,ou a falta dela, não são convidativos e provocam uma distância do espaço com os corpos transeuntes, o que acaba por estabelecer uma relação hierárquica e distante entre o acervo da instituição e a sociedade. Já o CCSP se configura como o “Divisor” de Pape, a cada ocupante, um novo uso se faz, uma sala de ensaio teatral, uma reunião de estudantes, um lugar para deitar ao Sol, um espetáculo de KPOP, uma roda de rap, todos os dias uma diversidade enorme de pessoas convivem e se apropriam de forma autônoma e diversa esse espaço-cidade. Foi assim que comecei a investigar como se tecem as diferentes relações entre corpo, arte e território.

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Qual o espaço por onde percorre a arte? Qual o diálogo entre a arte institucionalizada e o povo brasileiro?

O Museu Nacional, primeiro museu brasileiro, precisou sofrer um incendiado para virar manchete de jornal. Em setembro de 2018, suas chamas despertaram as seguintes reflexões: O Museu Nacional era apenas um dos instrumentos civilizatórios do Império. Outras instituições eram a Biblioteca Nacional, o Jardim Botânico do Rio, a Imprensa Régia (atual Imprensa Nacional), a Casa de Suplicação (que mais tarde se tornaria o Supremo Tribunal Federal), o Banco do Brasil….Não é preciso conhecimento histórico para saber quais dessas instituições cresceram e prosperaram, e quais ficaram relegadas ao esquecimento. Quantas pessoas conhecem o STF ou o Banco do Brasil e quantas sabiam até o incêndio que existia um Museu Nacional no Rio? Qual você consideraria mais importante?

(OLIVEIRA,Regiane, 2018)

Incêndio no Museu Nacional, setembro de 2018.

Fonte: Marcelo Sayão. Disponível em: brasil.elpais.com.

Acesso em: 01 dez,2019, 18:40.

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Compreende-se, assim, que um dos maiores acervos da história brasileira habitava um local esvaziado e abandonado tanto pelo Estado quanto pela população. Mais indagações surgem:

QUAIS OS ECOS DE UMA MEMÓRIA QUE NINGUÉM VISITA? QUAL O GRAU DE IDENTIFICAÇÃO DA POPULAÇÃO BRASILEIRA COM ESSE ESPAÇO CULTURAL?

A história do Brasil queima. A matriz europeia que inventou um palácio e fez dele um museu. Os indígenas que choram do lado de fora porque suas línguas se incineram lá dentro. E eu preciso alcançar o Museu do Amanhã. Mas o Brasil já não é o país do futuro. O Brasil perdeu a possibilidade de imaginar um futuro. O Brasil está em chamas. (BRUM,Eliane,2018)

Lina Bo Bardi (2009) discorre sobre esse distanciamento entre memória, arte e vida: “O que é o museu?

Correntemente, quando se quer designar uma pessoa, uma coisa, uma ideia antiquada, inútil, fora de uso, costuma-se dizer: “é uma peça de museu”. Querendo indicar com estas palavras o lugar que, no quadro da cultura contemporânea, o museu ocupa, lugar poeirento e inútil.”

Adriano Tomitão Canas (2010) contextualiza a concepção do Masp “em sintonia com as discussões realizadas em debate internacional entre os arquitetos modernos, que buscavam uma renovação da função dos museus e do seu papel na transformação do espaço da cidade.”

Assim, a fala de Lina se insere sob uma nova visão sobre a relação museu - cidade, obra de arte - público. Nesse sentido, Pietro Maria Bardi (1951,apud Tentori,1931) no texto “Museu fora dos limites” propõe um Anti-Museu que rompa com os “ limites estreitos e de prescrições da museologia tradicional; organismos em atividade, não com o fim estreito de informar, mas de instruir, não uma coleção passiva de coisas, mas uma exposição contínua e uma interpretação de civilização(...)Um museu para todo mundo, que interesse a todos, não somente para os especialistas estudiosos e para a distração dos

O Belvedere como ponto de encontro da cidade Fonte: Instituto Lina Bo

turistas.”

O MASP, então, inaugura um caminho institucional de reconciliação entre arte e vida, museu e cidade, cultura e povo, concebendo uma nova ideia de monumentalidade, expressa não pela imponência arquitetônica, mas pela conjuntura coletiva do lugar, superando a percepção de Museu que nas palavras de Bardi (1951,ibidem) “contribuíram muito para separar as artes umas das outras. O museu nos velhos moldes é, por natureza e por constituição, incapaz de servir e reconstruir de uma maneira viva a unidade fundamental das artes, o que é indispensável, não somente para responder a uma necessidade histórica, mas ainda para dar à própria vida um sentido mais elevado de harmonia, de coesão, de equilíbrio e de poesia.”

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Dentre todas as relações espaciais pensadas por Lina que contribuíram para a concepção de um museu vivo, me interessa em especial a relação entre arte e corpo estabelecida pelos cavaletes de cristal e a relação de apropriação do vazio proposta para o belvedere.

CAVALETES DE CRISTAL A expografia proposta por Lina traz uma nova relação entre tempo e arte, a disposição das obras da Pinacoteca rompe com a hierarquia temporal entre as obras e permite que o visitante desenvolva seu próprio caminho, sua própria linha cronológica e assim construa sozinho sua vivência. O suporte de cristal tem como intenção “ apresentar as pinturas em seu estado primitivo, de cavalete, resultando numa total transparência do espaço do museu” (CANAS, 2010, p.150) o que permite uma nova percepção da relação corpo e arte, ao retirar a obra de arte de seu pedestal aurático8 ela traz uma arte mais acessível, a aproxima do público.

“Uma premissa. Na projeção do Museu de Arte de São Paulo, na Avenida Paulista, procurei uma arquitetura simples, uma arquitetura que pudesse comunicar de imediato aquilo que, no passado, se chamou de “monumental”, isto é, o sentido de “coletivo”, da “Dignidade Cívica”.

Aproveitei ao máximo a experiência de cinco anos passados no Nordeste, a lição da experiência popular, não como romantismo folclórico mas como experiência de simplificação. Através de uma experiência popular cheguei àquilo que poderia chamar de Arquitetura Pobre. Insisto, não do ponto de vista ético. Acho que o Museu de Arte de São Paulo eliminei o esnobismo cultural tão querido dos intelectuais ( e os arquitetos de hoje), optando pelas soluções diretas, despidas. (...) Acho meu projeto de painel-cavalete da pinacoteca do MASP uma importante contribuição à museografia internacional. Os 3000 visitantes do Museu, aos sábados e domingos, o demonstram, contra uma dezena de queixosos.” Lina Bo (1993)

Estudo para ocupação do Belvedere e vista do conjunto.

Fonte: Instituto Lina Bo

SALÃO DE BAILE OU A SEDE DE REUNIÕES PÚBLICAS E POLÍTICAS? O “salão de baile”, pedido pela Prefeitura de 1957, será substituido por um grande Hall Cívico, sede de reuniões públicas e políticas. Um grande teatro-auditório e um pequeno auditório-sala de projeções completam este “embasamento”(LINA 1993). O Circo Piolim, a

Qual o diálogo entre a arte institucionalizada e o povo brasileiro?

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PINACOTECA DO MUSEU DE ARTE DE SÃO PAULO FOTO: MICHAEL WESELEY. Disponível em: masp.org.br

Grande Vaca Mecânica, a feira de domingo, o ponto de encontro das manifestações, passados mais de cinquenta anos desde sua inauguração,o “vão do Masp” consagrou uma forte relação com a cidade,criou uma “arquitetura da liberdade, um vazio para ser apropriado, como lugar ativado por situações.” (ARRUDA,Marcela, 2016,p.6)

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Divisor,Caminhos,Parangolé,Vão do Masp são estruturas que permitem apropriação, seja do corpo com a arte, do corpo com a cidade. Sobre apropriação, Oiticica (1973) discorre: pretendo estender o sentido de “apropriação” as coisas do mundo com que deparo nas ruas, terrenos baldios, campos, o mundo ambiente, enfim coisas que não seriam transportáveis, mas para as quais eu chamaria o público a participação seria isto um golpe fatal ao conceito de museu, galeria de arte, etc., e ao próprio conceito de “exposição” - ou nós o modificamos ou continuamos na mesma. “Museu é o mundo; é a experiência cotidiana.” (Oiticica,1973) Essa anti-arte que se faz no cotidiano, esse anti-museu que se faz na cidade, são espaços de liberdade que possibilitam a ativação de corpos e territórios.

A arte que habita e circula pelos espaços urbanos da cidade enquanto lugar onde “há mais mobilidade e mais encontros” (SANTOS, 2002,p.219) e “a rua, a universidade, a escola de samba, a praça e o corpo como novas estruturas sociais, novas situações que expandem a arte em direção ao político.” (COELHO,Fred,2019) é uma arte que prioriza o diálogo em oposição espetáculo, o espontâneo ao programado, que rompe com ideias cristalizadas e permite um sentido livre, aberto a apropriações e construções coletivas. “ A cultura, forma de comunicação do indivíduo e do grupo com o universo, é uma herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre o homem e o seu meio.” (SANTOS, 2002,p.326).Nesse sentido, a arte incita processos de subjetivação capazes de despertarem novas relações de sentido com a cidade,

sentido este, construído a partir do diálogo dos diversos atores presentes, como um remix de diferentes recortes de mundo,e permite, assim, uma vivência dos espaços públicos a partir de afetos e desejos, em um processo de ativação de territórios através dos sentimentos de identificação e pertencimento.Nessa relação espacial que supera as “estruturas clássicas de ação e de representação, reconhece uma dimensão territorial da cultura.”(SANTOS, 2002,p.326) O projeto de Lina Bo Bardi para a companhia de teatro Oficina Uzyna Uzona nasce a partir de uma proposta antropofágica, dos destroços resultantes da demolição que rasgou o bairro do Bexiga em prol da implantação do viadulto Minhocão, Lina faz das ruínas da cidade matéria cênica”(WISNICK) para a peça “Na Selva das Cidades, na qual em cada round ”ela destrói uma instituição, até destruir o próprio ringue.

No final,os atores estão tirando o chão do teatro e chegando na terra.” (Zé Celso Corrêa apud Guilherme Wisnick) “Do ponto de vista da arquitetura, o Oficina vai procurar a verdadeira significação do teatro - sua estrutura Física e Tactil, sua Não-Abstração - que o diferencia profundamente do cinema e da tevê, permitindo ao mesmo tempo o uso total desses meios. (LINA BO BARDI,1993) .

Em uma atitude de quebra da caixa cênica, Lina propõe um palco-rua, um sambódromo que atravessa todo o lote. Sua parede de vidro atravessada por uma árvore e sua cobertura retrátil estabelecem um contato visual com a cidade e o céu, abrindo-se para o entorno e abrigando as lutas urbanas do bairro Bixiga.

“OFICINA: UM TEATRO ATRAVESSADO PELA RUA” GUILHERME WISNIK

Toda a história do Teatro Oficina é uma história de resistência, urbana e cultural.

Talvez a mais forte batalhada travada por ele seja contra o Grupo Silvio Santos, um complexo empresarial que na década de 1970 começou a expandir seus domínios territoriais, englobando uma serie de terrenos na rua Jaceguai, incluindo o próprio terreno do Teatro Oficina. Embora em 1982 o grupo tenha sido declarado pelo Condephaat Patrimônio Histórico Cultural do estado de São Paulo, ainda hoje o GSS ameaça a integridade tanto do teatro quanto do seu entorno. Em 2002, a companhia passou a incorporar o “Movimento Minhocão”, no qual atua junto a comunidade,como uma máquina de resistência, praticando música, circo, capoeira e te-ato com as crianças dos cortiços, ocupações e casas do Bixiga.

“MUSEU É O MUNDO: É A EXPERIÊNCIA COTIDIANA” HÉLIO OITICICA,1973

Teatro Oficina: Roda Viva. Janeiro,2019.

Fonte: Autora.

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“Interesso-me pelo modo como as pessoas se relacionam com o espaço, a melhor maneira de fazer isso é representando suas interações com os limites desses espaços.” (WOODMAN,Francesca, apud Ghisleni, Camilla,2016)

2.2 CORPO - TERRITÓRIO

Woodman se faz da experiência do abandono como laboratório da relação corpo, espaço, tempo e a delicada efemeridade que os envolve. Ela se coloca no vazio como um espectro em movimento, um corpo feminino em um lugar esquecido e encontra nesse não lugar a liberdade para expressar sua subjetividade e para subverter os sentidos de território e história, vida e morte, presente e passado.

A poética de Woodman desperta duas questões: Qual a atuação do espaço sobre os corpos?

Qual a atuação dos corpos sobre o espaço? “a cidade engendra uma certa estética reflexiva do corpo, reveladora de sua “dupla existência”: simultaneamente fisiológica e imagem. No espaço urbano, ao mesmo tempo que eu vejo meu corpo em sua carne, eu o vejo como imagem, e mais ainda, ao mesmo tempo em que eu o vivo em minha carne, eu o vivo como imagem. Esse fenômeno de desdobramento – que as imagens reflexivas tornam visível – existe também de maneira mais difusa e impalpável. O corpo-reflexo é também o corpo que se projeta e se reflete, não somente em superfícies materiais, mas também em uma confrontação com outros corpos, com as imagens que nos cercam, com o mundo.” (Jacques, P.B ;Jeudy, H.P ,p.172,2006)

FRANCESCA WOODMAN,AUTORRETRATO FONTE:

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A partir dessa perscpectiva relacional entre corpo e cidade e do pressuposto da arte enquanto ativação de pessoas e territórios. Busca-se investigar os dispositivos que se fazem dessa “dupla existência” como máquinas de guerra, de resistência tática e atuando no cotidiano através de práticas micropolíticas, subvertendo as hierarquias do espaço estriado.

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“Na verdade, a globalização faz também redescobrir a corporeidade. O mundo da fluidez, a vertigem da velocidade, a frequência dos deslocamentos e a banalidade do movimento e da alusões a lugares e a coisas distantes, revelam, por contraste, no ser humano, o corpo como uma certeza materialmente sensível, diante de um universo difícil de apreender.” (SANTOS, 2002,p. 313).

Entende-se, a partir dessas experiências espaciais em que o corpo desempenha papel protagonista que as investigações corporais são capazes de suscitar relações referenciais essenciais aos processo de tomada de consciência e posicionamento político.

Crianças do asssentamento Santa Clara em processo de criação coletiva, com nossa flutuante Rayssa Carvalho. Uberlândia, MG. Junho/2019 Fonte: Autora

A participação no projeto Flutua contribuiu em grande parte para a investigação, uma vez que o contato próximo com um criar coletivo, que envolve relações de troca de conhecimento através da arte, do afeto e do tato, me ensinou sobre o potencial da experimentação- da arte, dos materiais e dos lugares- e me apresentou uma nova perspectiva sobre a relação entre arquitetura, arte e cidade ao utilizar a maleabilidade e adaptabilidade dos materiais plásticos como formas de ocupar a cidade em seus mais diversos contextos:Universidades, escolas infantis, praças, assentamentos, becos, festas,museus, a cada ocupação, novos diálogos.

Flutua é sobre respirar, é ar que se renova, em um movimento de fora pra dentro, solda e fita adesiva, absorver aquilo que se consegue levar, ensinar e ser tocado. Flutua é sobre voar, é ar

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que revoluciona, em um movimento de dentro pra fora, tesoura e ventilador, expirar o que se quer comunicar, trocar e ressignificar.

A relação corpórea proposta pela Flutua coloca a escala humana como base para a percepção dos espaços, como por exemplo, em um dos momentos mais marcantes do coletivo,no assentamento Santa Clara, quando as crianças participaram ativamente do desenho e da construção de uma bolha-abrigo, ficou claro a potência do afeto enquanto instrumento de construção de espaços e significados. Esse momento me remete a “cabaninha”, talvez o primeiro ato arquitetônico de muitas crianças, que se apropriam dos materiais presentes na casa, como lençóis e colchões para configurar um espaço acolhedor que conversa com seu corpo, sua escala.

“O FLUTUA é um projeto de educação artística-arquitetônica-ambiental que atende crianças a nível de escolarização formal ou informal da cidade Uberlândia-MG, como também eventos artísticos e de entretenimento, e tem como objetivo ampliar o conhecimento dos envolvidos dentro do campo das artes, do design e da arquitetura por meio de atividades expressivas que geram a reflexão acerca de uma melhor compreensão de si, do espaço onde vivem e da sua relação dentro da cidade.Através de experimentações lúdicas que envolvem desenhos, expressões corporais contemporâneas e técnicas construtivas alternativas, temos como propósito a idealização e realização de estruturas infláveis que servem não só de exercício prático e recreativo, como também instalações urbanas a serem usadas em ambientes públicos da cidade. O processo busca compreender as capacidades manuais e criativas dos participantes, contemplando desde a concepção do espaço FLUTUA, até a sua execução, para que todos tenham a possibilidade de se sentir parte e donos daquele projeto, seja na ideia, no desenho ou na materialização do objeto.” Projeto Flutua

Crianças do asssentamento Santa Clara em processo de criação coletiva. Uberlândia, MG. Junho/2019 Fonte: Autora

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IN OUT, intervenção urbana do coletivo Opavivará. Montreal, Canadá. 2017 Fonte:OPAVIVARÁ. Disponível em:< http://opavivara.com.br>. Acesso em: 02 dez,2019. 07:14

No processo de aproximação espectador e obra, arte e cidade, o cotidiano aparece como uma tática, na qual pequenas ações subjetivas representam mudanças gradativas na ordem estrutural dos arranjos políticos opressores.Quando se transporta essa discussão para o território, a percepção de que “cada lugar é, a sua maneira, o mundo” (SANTOS 2002,p.314) denota a importância de se atuar próximo as pessoas, em lugares-mundo que permitam uma atuação micropolítica “que não necessariamente procuram desmantelar o poder, mas erodi-lo por meio das astúcias, das surpresas, dos oportunismos.”(CAETANO,Pedro,p.52)

conhecido, de modo a reinserir o prazer e o afeto como valores políticos. A criação desses objetos ganha novo sentido quando são trazidos a público e habitados pelos participantes, deflagrando situações, encontros e vivências que visam gerar um curto-circuito nos valores e protocolos dos sistemas nos quais atuam, seja uma praça, seja um museu.”

A forma como o grupo OPAVIVARÁ! se faz do do cotidiano para inverter as relações lógicas entre usos e sujeitos estabelece uma desconstrução, um estranhamento para que novas relações se formulem, baseadas mais em valores de afeto do que de consumo.

A Praia da Estação é um movimento político, uma máquina de guerra inserida no cotidiano da praça da estação, que abrigava até 2004 a estação de trem e a central de metrô. Ela opera pela poética do lazer, do carnaval e da resistência do corpo enquanto sujeito ocupante do espaço público.Resultado de uma série de intervenções e ocupações que remontam desde o movimento Diretas já,na década de 80, posteriormente, em 1989 o Grupo Galpão também agregou ao movimento, convidando artistas e dançarinos a caminharem em trajes de banho pela Savassi Como dispositivo de reconquista da cidade, a Praia da Estação ativa corpos e territórios, em um processo no qual a participação e a memória se fazem instrumento de tomada de consciência e quebra de mecanismos de controle e estratificação do território.

PRAIA DA ESTAÇÃO, Março,2018, Belo Horizonte,MG. Fonte: Praça Livre BH. Disponível em:<https://pracalivrebh.wordpress.com/category/praia-da-estacao/> Acesso em 02 dez,2019. 07:20

“OPAVIVARÁ! é um coletivo artístico que faz uso de elementos do cotidiano para modificar a dinâmica dos espaços onde se insere. Eles intervêm em objetos e hábitos, alteram seu funcionamento e propõem outras engrenagens, cujo uso requer desaprender o que se pensava

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2.2MOVIMENTO - CORPO CIDADE

O território urbano é diariamente colonizado por dispositivos de capitura que estabelecem relações de poder e estratificam o espaço, conformando fronteiras físicas e ideológicas, geopolíticas e sociais, privadas e públicas.Nesses “lugares complexos, que geralmente coincidem com as metrópoles, há uma profusão de vetores; desde os que diretamente representam as lógicas hegemônicas, até os que a ela se opõem.” (SANTOS, 2002, p.322).

Defende-se, portanto, a ocupação do “território pelo deslocamento, por trajetos que distribuem indivíduos e coisas num espaço aberto e indefinido”(BRISSAC,Nelson). Um objeto-estrutura que “monta, desmonta, remonta, itinera”(BOGÉA,Marta, 2006, p.32), em um movimento fluído de pequenas atitudes e conexões que “escorrem e vazam, preenchendo todos os vazios existentes”(BRISSAC,Nelson) , opondo-se ao caráter estratégico das políticas de dominação. Uma arquitetura-corpo que se coloca no cotidiano enquanto dispositivo de ativação de “situações mais orgânicas, que incluem as idas e vindas, próprias dos organismos”(BOGÉA, 2006, p.92)

Transnômades, (32 Bienal de São Paulo - Incerteza Viva),2016. São Pauo, SP. Fonte: Opavivará. Disponível em:< http://opavivara.com.br>. Acesso em: 02 dez,2019. 07:14

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“Transa, transe, trânsito, transporte, transmissão, transposição, transfiguração, transferência, transação, transição, transcrição, transformação, transcorrência, transcendência, transparência, translucidez, translucência, transaminase, transubstanciação, transgressão, transfobia, transbordo, transtorno, transviado, transgênero, transgênico, transgeracional, transexual, transeunte, translado, transtropical, transamazônica, transamérica, transpolar, transatlântico, transcontinental, transnacional, transoceânica, transtemporal, transmodal, transcultural, transdisciplinar, transcriação, transposição, transversal, transignificado, transignificante, transnômade.Transnômades, módulos móveis, carrinho carroça adaptado, transsignificado, movido por tração humana percorrendo os espaços públicos extramuros da cidade, células de transporte vital para o funcionamento dos fluxos arteriais da megalópole pulsante.”

Criamos aqui um acampamento transnômade, uma casa tenda oca ocupação que pode circular e se assentar em qualquer lugar, criando uma zona autônoma temporária de encontros e trocas que rapidamente pode ser levantada para seguir o rumo que os seus puxadores quiserem. Uma coletividade nômade ocupando os espaços abertos da cidade criando intervalos no fluxo urbano para pensarmos sobre a aceleração do tempo e a compartimentação do espaço, sobre as incertezas vivas. Ativando outros modos possíveis de se viver junto”.

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NOTAS 8. O conceito de Arte Aurática abordado aqui provém da concepção de Walter Benjamin (1994) em seu ensaio “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, em suas palavras “... a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que esteja”.

REFERÊNCIAS ARRUDA,Marcela. Arquitetura da Liberdade: Experiência do Comum.2016. Monografia (Arquitetura e Urbanismo) - Escola da Cidade, São Paulo, SP, 2016.

BARDI,Lina Bo. Museu de Arte de São Paulo. in Lina Bo Bardi. Instituto Lina Bo e P.M.Bardi.São Paulo,SP,1993.

BARDI,Lina Bo. Casas ou museus?. Publicado originalmente em “ Crônicas de arte, de história, de costume, de cultura da vida. Arquitetura. Pintura. Escultura.

Música. Artes Visuais. Página dominical do Diário de Notícias de Salvador ( Salvador,BA), n. 5, 5 out. 1958. apud RUBINO, Silvana e GRINOVER, Marina. Lina por escrito: textos escolhidos de Lina Bo Bardi/organizado por Silvana Rubino e Marina Grinover. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

BARDI, L.B;GONÇALVES,M.et al. Bahia no Ibirapuera. apud RUBINO, Silvana e GRINOVER, Marina. Lina por escrito: textos escolhidos de Lina Bo Bardi/organizado por Silvana Rubino e Marina Grinover. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

BOGÉA, Marta Vieira. Cidade errante: arquitetura em movimento. 2006.Tese (Doutorado – Área de Concentração: Projeto,espaço e cultura) – FAUUSP, São Paulo,SP, 2006.

BRISSAC,Nelson. As Máquina de Guerra contra os Aparelhos de Captura.São Paulo,SP, Editora Senac,2002.

CAETANO,Pedro.Do urbanismo tático à tática urbana: corpo e política na poética do coletivo Opavivará!2017.104f.Dissertação(Programa de PósGraduação em Design) - PUC-Rio, Rio de Janeiro, RJ, 2017.

CANAS,Adriano.MASP: Museu Laboratório. Projeto de museu para a cidade: 1947 - 1957.2010.Tese(Área de Concentração: Projeto, Espaço e Cultura ) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,São Paulo,SP,2010.

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Corpos e cenários urbanos : territórios urbanos e políticas culturais / [Organizadores]: Henri Pierre Jeudy e Paola Berenstein Jacques ; [textos : Henri Pierre

Jeudy, Patrick Baudry ... [et al.] ; tradução : Rejane Janowitzer ; revisão técnica : Lílian Fessler Vaz. - Salvador : EDUFBA ; PPG-AU/FAUFBA, 2006.182 p.

BRUM,Eliane.O Brasil queimou – e não tinha água para apagar o fogo. El País.03 set, 2018.Disponível em:https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/03/opinion/1535975822_774583.html. Acesso em 01 dez.

2019, 01:46.

LLORENS,Mara Sanches. La Gran Vaca Mecánica. Vitruvios. set,2010. Disponível em: https://www.vitruvius. com.br/revistas/read/arquitextos/11.124/3510. Acesso em 01,dez,2019. 01:59.

OLIVEIRA,Regiane.Museu Nacional, um projeto civilizatório que fracassou.El País.03 set,2018.Disponível em:https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/04/ opinion/1536019103_930470.html. Acesso em 01 dez.2019,01:51.

OITICICA,Hélio.Diários. Disponível em Projeto Hélio Oiticica : <http://www.heliooiticica.org.br/obras/obras. php>. Acesso em 01 dez,2019. 01:57.

WISNIK, Guilherme. Estado Crítico: à deriva nas cidades. São Paulo: Publifolha, 2009.

TETONRI,Francesco. P.M.Bardi: com as crônicas artísticas do “L ‘Ambrosiano” 1930-1933. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi: Imprensa Oficial do Estado,2000.

REBOLLO,L.G. Entre Cenografias: O Museu e a Exposição de Arte no Século XX.São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo/Fapesp,2004.

SANTOS,Milton. A Natureza do Espaço: Técnica e Tempo. Razão e Emoção. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.

GHISLENI,Camilla Sbeghen. A efemeridade do corpo e do espaço na obra de Francesca Woodman. Arquitetas Invisíveis.Brasília.2016 Wisnik, Guilherme. Oficina: um teatro atravessado pela rua. In: Cidades Sul-americanas como arenas culturais.São Paulo:Sesc São Paulo, 2019.

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3.ARTE,CORPO,CIDADE, AÇÃO! 46

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abordadas sobre corpo,território e resistência, as mulheres prostitutas se colocam como corpos transgressores que tensionam a lógica sócio-espacial imposta para as mulheres na esfera pública. Nessa perspectiva, a prostituição enquanto movimento social é máquina de guerra que rompe com os mecanismos patriarcais de controle social, questiona a docilidade dos corpos femininos, subvertendo a lógica machista que coloca a sexualidade e o prazer femininos sob relações hierárquicas de poder, ocupa a rua e a cidade em um ato de apropriação.Nesse sentido,sobre o movimento social das prostitutas e o direito à cidade para as mulheres, Diana Helene (2017) diz:

mulher - cidade - corpo - transgressão - resistência

3.1 P.U.T.A

“São as prostitutas as primeiras a serem expulsas quando se iniciam a maior parte das intervenções urbanas.” (Gabriela Leite, 2006).Dentro das relações

“O movimento social das prostitutas contesta as simbologias que carregam os corpos das mulheres dependendo de sua maneira de vestir, agir e locais que frequentam na cidade, espaço este onde ainda impera o poder masculino. Põe ainda em evidência a violência sofrida por TODAS as mulheres em função do “estigma de puta”. Pode-se dizer também que se estabelece enquanto vanguarda ao reinterpretar, desafiar e ao romper as normas de gênero/sexualidade, as hierarquias e as divisões nas estruturas institucionais em relação ao gênero feminino. A partir da reafirmação simbólica de sua identidade “puta” empreendem uma reconquista de seu espaço na cidade e na sociedade. Ao mesmo tempo que recusam circular como prostitutas apenas em espaços confinados e mostram sua cara fora dos “guetos” e outros espaços de “tolerância”, elas estabelecem uma crítica a um certo modelo de cidade, ao mesmo tempo em que contestam um certo modelo de “mulher”. A reconquista da categoria “puta” acontece ao mesmo tempo em que empreendem a reconquista de seu direito à cidade. “É importante demarcar o território politicamente pela arte, como por exemplo andando montada assim pelas redondezas. Acho que essa discussão que trago sobre travestis e transexuais tem tudo a ver com a vivência das putas, que estão nas ruas, nas esquinas. Pra mim, puta, travesti, bicha, tá tudo muito próximo, porque o machismo determina isso” Sofia Mezzo sobre o PUTA DEI.

Sair sozinha na rua ou caminhar em qualquer ambiente público desacompanhada foram, por muitos anos, atos considerados inapropriados e perigosos para as “mulheres de família” e os reflexos dessa política de controle social são sentidos ainda nos dias atuais. A ideia de que o espaço público era de atuação exclusiva dos

homens e de que o papel da mulher estava restringido ao ambiente doméstico familiar vem desde o período colonial, como demonstra Elizabeth Cristina Tenreiro Cavalcante (2013): “A mulher era vista como um ponto de controle do homem e de sua família, por conseguinte controlá-la significaria controlar todas as outras partes. Portanto, este preconceito gerado no início da colonização brasileira teve como principais interessados a coroa portuguesa e a instituição da igreja católica. Com os objetivos de incentivar a ocupação do território e manter o controle e segurança sobre o mesmo e sobre a população, estas instituições enxergaram na mulher uma forma de alcançarem esses objetivos.”

Daspu é um movimento cultural que se iniciou como uma grife de roupas no intuito de dar visibilidade e sustentabilidade para a ong Davida, projeto da prostituta e ativista Gabriela Leite.

Nas palavras do próprio coletivo: “Na junção da arte com o ativismo, Daspu é uma provocação para que possamos cavar espaços e criar territórios de existência a todos que exercem o trabalho sexual, revelando assim as conexões da prostituição na relação com o outro, com o espaço público, a arquitetura social, política e afetiva da cidade. Além de dialogar com uma pluralidade de linguagens com o intuito de ativar práticas que possam abrir um diálogo inter e trans-estéticos, articulando projetos e atividades políticas, éticas e sociais que cruzam as fronteiras heterogêneas da nossa atualidade.”

PUTA DEI é um evento anual realizado em todo o Brasil em referência a data 2 de junho de 1975 que marca o episódio francês no qual cerca de cem prostitutas ocuparam a Igreja de Saint Nizier, na cidade de Lyon, em protesto a violência policial. No Brasil, o movimento traz como proposta a reafirmação das vozes dessas mulheres e suas reivindicações, como o direito à cidade.

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FILHAS DE EVA

O PROCESSO CRIATIVO:

Cidade,mulher,desejo,corpo,pele,dinheiro,família,tabus,violência,invisibilidade.Filhas de Eva é uma proposta teatral que visa proporcionar uma experiência sensorial sobre o universo da prostituição, cinco mulheres-personas invocam uma licença artística para tratarem questões que envolvem a realidade multifacetada da profissão dessas mulheres urbanas, violências físicas e emocionais, prazeres, liberdades, afetos,solidão,uma profusão de sentimentos e sentidos que vão descamando a intimidade e complexidade dessas personas a fim de desconstruir ideias redundantes que alimentam o “estigma de puta”.

A concepção da peça surge dos estudos de Carla Luz envolvendo gênero e violência a partir do acervo do CDHIS (Centro de Documentação e Pesquisa em História da Universidade Federal de Uberlândia), um inventário chamado “Repensando as relações de gênero nos processos crimes em Uberlândia” e do livro Ontem ao luar: o cotidiano boêmio da cidade de Uberlândia (MG) nas décadas de 1940, 1950 e 1960. Em cada processo, através da descrição das mulheres, seus objetos, suas histórias de vida, as violências que sofreram ou que cometeram, foi possível conhecer um pouquinho do cenário da prostituição em Uberlândia entre 1892 e 1969.

O projeto é dirigido por Carla Luz e conta com a presença de cinco mulheres-persona, vividas por Fernanda Puttinick, Jéssica Ribeiro, Lara Paim, Leyli Alves e Taciana Gonçalves Teixeira.

Durante quatro meses, toda terça-feira a noite, nos reunimos no LAC (Laboratório de Ações Corporais) e desenvolvemos atividades sensibilizadoras e reflexivas acerca desse universo que estávamos adentrando. As reuniões sempre se iniciavam com trabalhos corporais, muitas vezes vendadas, suprimindo o sentido da visão e explorando vivências a partir dos outros sentidos, como tato, olfato e audição, depois tínhamos um momento com conversas e trocas de experiências e por fim cada uma escrevia um pouco sobre seus processos, tecendo uma narrativa, uma persona.

Além do acervo do CDHIS, os estudos envolveram a escuta de outras mulheres prostitutas que escrevem, falam, dão entrevistas, e relatam suas vivências profissionais e pessoais, como no documentário 69 Praça da Luz, sob direção de Carolina Markowicz e Joana Galvão, no qual cinco prostitutas de idade avançada expõem suas histórias e perspectivas sobre a profissão que exercem na Praça da Luz. Entre a necessidade de se aproximar mais dessa realidade e a sensibilidade requerida em uma abordagem direta dessas mulheres, optamos por uma postagem anônima online nas redes sociais, na qual abríamos um espaço para diálogo,porém sem nenhum retorno. Dessa forma, nosso trabalho se realizou pelas vozes que se manifestam através de movimentos políticos e artísticos e canais de comunicação como livros, jornais, blogs e entrevistas.

ESTUDOS DE CENÁRIO E ILUMINAÇÃO Fonte: Autora

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DIÁRIA DE CRIAÇÃO: TEMPO, do sexo, do dinheiro, a idade. FAMÍLIA, da prostituta, dos homens. CORPO, autoconhecimento, prazer, saúde, gravidez, dor, objeto, estranho, violência. PATRIARCADO,o cliente, o cafetão, o pai, o padre, o entrevistador, a religião. TRANSGRESSÃO,liberdade de sentir prazer, vender prazer. INVISIBILIDADE, um rosto que se apaga, se esconde, um corpo nas sombras da cidade, vozes sem credibilidade. VIOLÊNCIA, física, psíquica, social, cliente, policial, Estado.

CIDADE, trabalho, repressão, subversão.

Processo criativo, LAC, UFU, outubro,2019.

Fonte: Jéssica Ribeiro

Processo criativo, LAC, UFU, outubro,2019.

Fonte: Jéssica Ribeiro

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TATO E AUDIÇÃO: Uma das vivências sensoriais propostas por Carla envolvia trazer objetos de casa que pudessem ser usados para causar sensações de tato. No LAC, nos dividimos em dois grupos, um grupo permanecia vendado a mercê das intervenções sensoriais do outro grupo e depois a experiência se invertia, enquanto isso a Carla intercalava estímulos auditivos, como músicas e entrevistas de prostitutas narrando suas histórias. Os objetos trabalhados sob a pele traziam sensações suaves com o veludo e o cetim, cócegas com a escova de cabelo e o lápis, estranhamento e sufocamento com a corda e o colar, aspereza com a bucha. Quando combinados os sentidos de tato e audição, o tato começa a tomar novos tons e o que antes parecia delicado, sob a voz de uma mulher relatando uma violência começa a passar a sensação de invasão e desconforto.

café, vinho, cebola, queijo, chocolate e amendoim. Cada alimento, por seu cheiro, textura ou paladar, me suscitou algum tipo de memória ou reflexão, posteriormente utilizados na construção de minha persona.

CENOGRAFIA SENSORIAL Como construir uma narrativa através de uma experiência que suprime qualquer forma de imagem? Como se comunicar com os sentidos em um mundo dominado pela imagem? Sobre a ativação de corpos através da cenografia, Lisbeth Rebollo Gonçalves (2004, p.35) discorre: “ Numa perspectiva funcional, o entorno da exposição pode ser recriado para favorecer e instigar os sentidos e os sentimentos dos visitantes. Ao ato de olhar, de movimentar-se no espaço expositivo, podem juntar-se os atos de tocar, de ouvir e até o olfato, ativando-se multissensorialmente o visitante. Tal experiência pode ser marcante como o fator de sensibilização na recepção estética.”

O processo de construir uma performance na qual o observador é tratado como corpo ativo e parte integrante de todo o ato, envolve o rompimento da quarta parede, ou seja, a relação espacial entre público, narrativa e cenário ocorre de forma livre e espontânea.

OLFATO E PALADAR: Para explorar os sentidos do olfato e do paladar, a Carla propôs um exercício de movimento corporal em que nós caminhávamos vendadas enquanto ela nos oferecia diferentes alimentos e bebidas, como

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UM CORPO QUE FALA,CHEIRA,TOCA,ESCUTA E GOZA. Um cenário-corpo que tenciona pessoas e lugares, explorando em especial o tato e o olfato como formas de provocar sensações e trazer reminiscências sobre o universo da prostituição, assim, cada um tem a oportunidade de habitar essa pele feminina por um breve momento e repensar, revisar e reconstruir nossas percepções sobre prazer, profissão, mulher e cidade. Portanto, a experiência teatral se faz a partir da interação cenário, atrizes e público, em uma atitude coletiva de construção de significados para o ato. Sobre a obra suprasensorial “bólide-cama” e a proposta de ativação de corpos, Oiticica: “Este processo de “despertar” é o do “suprasensorial”: o participador é retirado de seu campo habitual e deslocado para um outro, desconhecido, que desperta sensações internas e lhe dá consciência de alguma região do seu ego, onde valores verdadeiros se afirmam.

Se isto não se dá, é porque a participação não aconteceu.” (apud VARELA,ANGELA,2009,p.102)

A obra de Lygia Clark tem 8 metros de comprimento e simula um imenso útero a ser penetrado pelo visitante, projetando as sensações de “penetração”, “ovulação”, “germinação” e “expulsão” do ser vivo. Assim, o espaço se configura como um ser vivo, transgredindo os conceitos casa e corpo.

Uma das premissas da Carla era que toda a experiência deveria ser construída a partir do protagonismo do outros sentidos que não a visão.

Dessa forma, ficou decidido que a pele que as envolve deveria ser opaca e se configurar como uma cabine, um ambiente fechado para cada prostituta, permitindo que cada uma desenvolva sua narrativa individualmente e que a vivência de cada pessoa fosse única, construída a partir da interação entre atriz e visitante, prostituta e cliente.

Quais materiais poderiam construir essa pele?

Como ela se sustentaria na rua ou em qualquer lugar aberto?

A PELE

A casa é o corpo, Lygia Clark.

Fonte: Casa Cláudia. Disponível em: < https://casaclaudia.abril.com.br/moveis-acessorios/nova-york-se-curva-a-lygia-clark/> Acesso em: 02 dez,2019. 07:29.

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Durante o processo criativo, a pele foi a palavra que mais ressoou nas minhas divagações.

A prostituição é uma profissão que envolve uma fricção corporal, uma troca de calor, e o canal por onde se passa essa tensão é a pele.

Em um primeiro momento tentei trazer a pele como um envoltório que separasse as prostitutas do público até que ela fosse rompida, em uma alegoria a atitude de adentrar a intimidade dessas mulheres. Assim surgiu minha primeira proposta.

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LABIRINTO SENSORIAL

Hélio Oiticica, Penetrável Filtro, 1972.

Fonte: Obvious. Disponível em: < http://obviousmag.org/pintores-brasileiros/helio_oiticica/as-principais-obras-de-helio-oiticica.html>. Acesso em: 02 dez,2019.

Territórios Corporais Fonte: Yuji Kodato

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Territórios Corporais Fonte: Yuji Kodato

Nos trabalhos ambientais de Hélio Oiticica o labirinto é um local a ser apropriado, uma estrutura de sentido aberto que propõe uma experiência focada na percepção corporal.

Desde Tropicália e seus trajetos tácteis até Éden e a proposta do suprasensorial, Oiticica atinge o que chama de “crelazer”, um lazer inventivo, não repressivo.

Mais do que um envoltório, o cenário propõe se comunicar com o público através de um labirinto sensorial, um caminhar que adentre as camadas-peles da intimidade dessas mulheres, passando pelas sensações que as envolvem e construindo seus próprios percursos guiados por seus sentidos. Inspirada pelo projeto “Territórios Corporais” do artista uberlandense Yuji Kodato que se faz da macrofotografia como instrumento para explorar os “vastos territórios” com imagens que ampliam mínimos detalhes da pele e se tornam por vezes abstratas, esse corpo-cenário fragmenta a ideia de corpo em pequenas sensações de tato e olfato, se faz de tecidos e texturas do nosso cotidiano para invocar sensações corporais. Seda, tule, papel, plástico bolha, linha, veludo, bexiga, argila, camurça, pneu, cerâmica, lençol.Doce,amargo,salgado, quente, frio, macio, áspero, molhado, mole, duro.Cabelo,nuca,lábios,unhas,mamilos,pêlos,buceta,pés.

Durante minhas andanças pela UFU, me deparei com o trabalho “BUCETAS CHEIROSAS” de Carol Caixeta, uma instalação sensorial realizada em espaços urbanos com tamanhos variados de vulvas feitas de cerâmica com aromas do nosso cotidiano,são penduradas em espaços de circulação, a obra acontece com total participação dos transeuntes. Aproveitando a confluência de

propostas artísticas, convidei a artista a participar da nossa instalação, de forma que as “ bucetas cheirosas” ajudarão a compor o labirinto corporal.

ESTRUTURA TEMPORÁRIA: PORTA BANNER, UFU, DEZ,2019.

FONTE: AUTORA

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ATIVANDO LUGARES A proposta de um cenário itinerante que se instala em vários lugares da cidade configurando um circuito de intervenções teatrais urbanas com a proposta de repensar a dinâmica do lugar ou, mais importante, a falta dela.

A primeira apresentação do espetáculo acontecerá na Universidade Federal de Uberlândia, no lugar conhecido como “Tenda do E”, um átrio entre os blocos da Música, Dança e Teatro, também próximo aos cursos de Artes, Arquitetura e Urbanismo e Design. Em 2015, quando entrei na faculdade, a Tendo do E era um local de encontros, festas e manifestações culturais como Saraus e Feiras de Artes, pouco depois, no entanto, por uma questão política, as festas foram proibidas e o lugar abandonado. Essa instalação tem como propósito convidar as pessoas a vivenciar novamente esse lugar enquanto espaço cultural e quem sabe ativar memórias e pessoas em um movimento maior de reapropriação da Universidade enquanto espaço público.

O segundo terreno escolhido é o resultado da demolição de um antigo e importante prédio para a história de Uberlândia: O último cinema de rua, Cine It. A história desse cinema começa em 1918, época em que os filmes eram mudos e o cinema estava passando de estrutura itinerante para edifícios fixos, sua atividade durou cerca de dez anos, e não se resumiu a função de cinema, mas era também espaço para importantes eventos sociais como formaturas, palestras, exibições teatrais, conferências, apresentações musicais e reuniões políticas.

Em 1939 foi reinaugurado com o nome de Cine Brasil, mas a importância dada ao espaço do cinema foi decaindo e eles passaram a exercer apenas a função de exibição de filmes, até

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serem substituídos por televisões e espaços privados. Em 1963 foi reaberto novamente, dessa vez já com o nome conhecido Cine It, porém em 1997 foi desativado mais uma vez. Em 2001 foi sua última reabertura, ainda como Cine it, com uma programação voltada para conteúdos eróticos. Desde 2016 o cinema foi demolido e o terreno permanece vazio, embora já exista um projeto para um novo edifício no local. Nesse contexto, a instalação teria como intenção uma retrospectiva das relações espaciais que já protagonizaram o terreno e seu entorno a fim de promover uma reflexão acerca desse espaço e sua importante relação histórica e cultural com a cidade de Uberlândia

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PANTOGRAMA

itinerância - estrutura mínima - módulo - escala do corpo adaptável - apropriável

3.2 BICHO

METAMORFOSE MALEÁVEL

MÓDULO

ADAPTÁVEL

GRID

RETRÁTIL TRILHO ITINERÂNCIA

TECIDO

ESTRUTURA MÍNIMA APROPRIAÇÃO

DOBRA DESDOBRA

A ESCALA DOS CORPOS RUA AÇO

PROPORÇÃO AUREA REVERSÍVEL

O TRAJETO

MADEIRA

CORDA

MONTA,DESMONTA,REMONTA,ITINERA! 64

BAMBU

LINHA

CÉU

A partir da experiência com o coletivo Filhas de Eva, pude me aproximar das necessidades e dificuldades de uma proposta de cenografia que se faz na rua. É importante estabelecer um diálogo horizontal com o território seus ocupantes e suas dinâmicas. Em questão de infraestrutura, sempre é necessário ter em mente as seguintes demandas: COMO CARREGAR? COMO MONTAR? COMO DESMONTAR? MATERIAIS MALEÁVEIS E LEVES?ADAPTABILIDADECOBERTURA RETRÁTIL? O viver coletivo na esfera pública carrega em si a antítese do ser e o sermos. Se colocar enquanto corpo ativo, composto por ideias, arte e revolução, um corpo que reivindica seu território, sua autonomia, que rasga as fronteiras ideológicas entre o público e o privado, subverte os laços hierárquicos que nos fazem sentir um constante estranhamento com a rua e a cidade.

Na defesa de uma cidade-casa que abriga suas antíteses e alimenta suas diversidades, proponho esse objeto,ora um casulo, uma bolha, um útero, ora uma ciranda, ora um cinema, um teatro, um show. Um objeto de arquitetura simples, maleável, metamórfica, que comunique: ocupe-me,use-me, faça-me, configure esse espaço-cidade da forma como quiser.

Uma estrutura modular, pensada a partir da proporção áurea, um corpo, um bicho, que sofre mutações, que se move quando necessário, que abrigue em sua carcaça e pele uma vastidão de usos e vozes, que se configure a partir de situações, espontâneas ou planejadas, sempre pensadas de forma a se conectar com o local onde se inserem, se colocando na cidade e instigando os passantes, provocando divagações, reflexões.

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CUSHICLE, 1964 Micheal Webb - ARCHIGRAM

ESCALA DO CORPO

Pao Dwellings for Tokyo Nomad Girl, 1985.

Toyo Ito and Kazuo Sejima

ITINERANTE

CUSHICLE, 1964 Fonte: Archigram Disponível em : <http://architecturewithoutarchitecture.blogspot.com/p/cushicle-and-suitaloon-were-conceptual.html> Acesso em: 02 dez,2019. 12:15

ENDLESS HOUSE, 1950 Friedrich Kiesler

MONTA,DESMONTA,REMONTA,ITINERA!

Pao II (1989) suspended Fonte: Socks Studio. Disponível em: http://socks-studio.com/2016/02/07/pao-dwellings-for-the-tokyo-nomad-woman-by-toyo-ito-1985-and-1989/. Acesso em 02,dez,2019. 9:44

funções domésticas dissolvidas na cidade módulos triangulares

atirantado

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Fonte: The Milanese. Disponível em:< http://www.themilanese.com/?p=259> Acesso em: 02 dez,2019. 12:18

USO INDIVIDUAL

Pao II (1989) suspended Fonte: Socks Studio. Disponível em: http://socks-studio.com/2016/02/07/pao-dwellings-for-the-tokyo-nomad-woman-by-toyo-ito-1985-and-1989/. Acesso em 02,dez,2019. 9:44

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TETO MÓVEL BMW Guggenheim Lab 2011 Atelier Bow-Wow

MONTA,DESMONTA,REMONTA,ITINERA!

MÓDULO

RUA

GRID

Fonte: Archdaily. Disponível em: < https://www.archdaily.com/160913/update-bmw-guggenheim-lab-atelier-bow-wow>.

Acesso em 02 dez,2019. 12:19.

Fonte: Archdaily. Disponível em: < https://www.archdaily.com/160913/update-bmw-guggenheim-lab-atelier-bow-wow>. Acesso em 02 dez,2019. 12:19.

ESTRUTURA MÍNIMA

ESTRUTURA PARA ILUMINAÇÃO USO INDIVIDUAL

TECIDO DESENHOS RETOS

TRILHO MALEÁVEL

ÁREA DE APOIO TÉCNICO Fonte: Archdaily. Disponível em: < https://www.archdaily.com/160913/update-bmw-guggenheim-lab-atelier-bow-wow>. Acesso em 02 dez,2019. 12:19.

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USO COLETIVO

DESENHOS CURVOS

ESTRUTURA LEVE EM FIBRA DE CARBONO

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Pop-In, Pop-Out, Pop-Up: Cinema de rua retrátil Omri Revesz Design Studio

DESENHOS RETOS USO COLETIVO

RUA

DOBRA DESDOBRA MADEIRA

MONTA,DESMONTA,REMONTA,ITINERA! TECIDO MÓDULO Fonte: Archdaily. Disponível em: < https://www.archdaily.com/160913/update-bmw-guggenheim-lab-atelier-bow-wow>.

Acesso em 02 dez,2019. 12:19.

Fonte: Archdaily. Disponível em: < https://www.archdaily.com/160913/update-bmw-guggenheim-lab-atelier-bow-wow>.

Acesso em 02 dez,2019. 12:19.

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RETRÁTIL CABE EM UM PEQUENO CAMINHÃO

EXPANDE E CONTRAI

PANTOGRAMA

Fonte: Archdaily. Disponível em: < https://www.archdaily.com/160913/update-bmw-guggenheim-lab-atelier-bow-wow>.

Acesso em 02 dez,2019. 12:19.

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BUCKMINSTER FULLER

TRAÇÃO E COMPRESSÃO

BAMBOO U

Fonte: BAMBOO U Disponível em: <https://www.bamboou.com/?r_done=1>

BAMBU RETRÁTIL

TRIGONOMETRIA ESFÉRICA TENSEGRITY

DOMO GEODÉSICO

DESENHO FIXO

DOBRA DESDOBRA IMITA O SISTEMA DE UM GUARDA CHUVA

TENSÃO

CABOS 72

ICOSAEDRO ESTRUTURAS BIOLÓGICAS

PELE A ESCALA DO COLETIVO

Fonte: BAMBOO U Disponível em: < https://www.bamboou.com/?r_done=1>

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REFERÊNCIAS BRISSAC,Nelson. As Máquina de Guerra contra os Aparelhos de Captura.

Elizabeth Cristina Tenreiro Cavalcante (2013). Os espaços urbano e privado e o controle da mulher colonial no século XIX.Arquitetas Invisíveis,Vol.1,Brasília,2016.

VARELA,ANGELA. Os Bólides do programa ambiental de Hélio Oiticica. ARS (São Paulo) vol.9 no.17 São Paulo,2011. Disponível em: < http:// www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1678-53202011000100004>. Acesso em: 02 dez,2019. 06:57.

HELENE,Diana.O movimento social das prostitutas e o direito à cidade para as mulheres. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11& 13thWomen’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2017,ISSN 2179-510X. LEITE, Gabriela. Daspu: uma grife surpreendente (entrevista). In: Revista Caros Amigos, nº 106. São Paulo: Editora Casa Amarela, Janeiro de 2006.

PHETERSON,Gail. The Whore Stigma: Female Dishonor and Male Unworthiness.

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REBOLLO,L.G. Entre Cenografias: O Museu e a Exposição de Arte no Século XX SALZSTEIN, Sônia. Op. cit., p. 23.in Dentro do labirinto: Hélio Oiticica e o desafio do “público” no Brasil.

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