Mínima Memória do Mundo

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Mínima Memória do Mundo 1ª edição

São Bernardo do Campo Lamparina Luminosa 2011


Mínima Memória do Mundo, 1ª edição São Bernardo do Campo: Lamparina Luminosa, 2011 ISBN 978-85-64107-02-1 1.Ficção e contos brasileiros. 1. Titulo. CDD: B869.3

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As licenças deste livro permitem copiar, distribuir, exibir e executar a obra e fazer trabalhos derivados dela, conquanto que sejam para fins não comerciais, que dêem créditos devidos aos autores de cada texto e a editora Lamparina Luminosa, e que as obras derivadas sejam distribuídas somente sob uma licença idêntica à que governa esta.


Mínima Memória do Mundo 1ª edição

Coordenação editorial: Christian Piana Coordenação da produção literária: Nádia Costa Projeto gráfico: Roberta Tinelli Coordenação e edição da trilha sonora: Amanda Martins Realização da trilha sonora:Ana Cristina Ribeiro Bernardo, Micaely Matos de Oliveira, Kelly de Souza Moreira Revisão: Lilian Akemi, Nádia Costa


Prefรกcio


COREOGRAFIAS DA MEMÓRIA Reynaldo Damazio

A memória é um labirinto, onde nos perdemos ao longo do tempo, mas também onde resgatamos nossa identidade a partir dos fragmentos que se depositam pelo caminho. Os textos reunidos neste livro, produzidos em oficina literária, revelam a autoria de histórias de vida, comoventes e reais, sem qualquer artificialismo estilístico. Depoimentos em forma de poesia e prosa que recuperam o fio da meada das muitas experiências vividas por cada um, da infância aos dias de hoje. As vozes colhidas nestas páginas nos alertam para a diversidade de visões de mundo que estão sedimentadas no cotidiano, no trabalho, nas relações afetivas, nos jogos de criança, nos contatos familiares, ou na descoberta das asperezas e maravilhas que nos tornam cidadãos. O exercício com a palavra, em suas variadas dimensões estéticas, permite que cada um, a seu modo, expresse com rara e clara beleza os episódios concretos que marcaram o duro aprendizado de existir. Ao dar nome, textura e sabores ao vivido, os escritores que aqui ensaiam seus primeiros passos no complexo universo das letras nos colocam diante de um espelho mais que revelador. A escrita nos irmana, demonstrando o quanto somos próximos nas diferenças, ou como as contradições e singularidades nos enriquecem e nos complementam. Assim, percebemos que uma simples furadeira, um doce de leite, uma foto antiga, uma viagem de Minas Gerais a São Paulo, um cenário nordestino ganham significados muito diferentes dos que guardamos na lembrança, reformulando nossa própria experiência com o real. Quando o “cavalo branco” do destino rasga o nosso horizonte de leitura, já estamos conscientes de que a memória fez do livro um instrumento poderoso de afirmação da identidade. Para além da exclusão, do preconceito, das imposições materiais e ideológicas de que todos fazemos parte, a palavra abstrata ganha corpo, sorriso, lágrima, rugas, fios brancos de cabelo, entonações que fazem pulsar o poema e a crônica. Texto e gesto dialogam com sinceridade. Ambos entram em cena para dar sentido à coreografia lírica e trágica daquilo que costumamos chamar, sem prestar muita atenção, de dia a dia.


Introdução


Nádia Costa

Um grupo de aposentados (do trabalho, não da vida) e outras pessoas de um curso de computação na Associação de Promoção Humana e Resgate da Cidadania, aceitaram a proposta de participar de uma oficina de literatura, cujo objetivo era resgatar memórias de pessoas da região. Coordenar essa oficina, me fez voltar no tempo e lembrar da minha infância, das histórias de meus pais e avós. Durante oito meses da oficina trabalhamos com a leitura de alguns autores, como Guimarães Rosa, Manoel de Barros, Carlos Drummond de Andrade, Patativa do Assaré, Cora Coralina, entre outros. Todos eles estimularam fortemente os participantes, que possuem uma característica em comum: serem migrantes ou filhos de migrantes; há quem veio de Minas Gerais, Pernambuco e do interior de São Paulo, pessoas sem a prática da literatura, mas com uma vasta oralidade e memória, principalmente de suas raízes. Então, o desafio foi colocar essas memórias no papel. Realizamos diversos exercícios de escrita, sendo um dos principais o feito com relíquias, que eram objetos de importância para cada um, os quais traziam lembranças e contavam um pouco da história dessas pessoas. Foi um momento marcante e emocionante, que fez com que o grupo, aos poucos, começasse a escrever textos que falam de infância, saudade, memória, também tratam do cotidiano, mas com um olhar sensível, procurando a poesia do dia a dia.



Diego Gomes dos Santos


Nasci em São Bernardo do Campo, no dia 22 de novembro de 1991, no hospital Pereira Barreto, um pouco antes do tempo. Em 1992, meus pais voltaram à terra de origem, que é Minas Gerais, e eu, muito pequeno, fui junto com eles. Em 1994, voltamos para São Bernardo do Campo.


Confusões na Cidade Mário um dia pensou Em sair do mais belo lugar Do interior do vale Despediu-se e seu caminho tomou Chegou à cidade Procurando a mais bela canção E o amor achar Passou a manhã toda Belas confusões arrumou Mas o bom de fato não achou Seguindo a rua o confundiram com um assaltante Levado a polícia Triste a chorar Foi liberado Em um instante lhe soltaram Sem emprego Pensando no que passaria então Sentiu uma triste emoção Voltar ao interior ele queria Nova chance não achou Pois a passagem não conseguiu Ao vale quis voltar Sem nunca pensar Em outro lugar visitar



Pobre Coração Tenho um coração Que madruga. Esse coração Se desnuda de impaciência perante tua voz Pobre coração perdido.



Minha infância No começo, quando eu só tinha três anos de idade, morávamos em Minas Gerais e lá o que eu adorava era ir ao restaurante de Araçuaí, comer comida mineira e, se minha mãe deixasse, eu tinha indigestão, pois eu era guloso, nunca fui de brincar. Aos quatro anos, viemos para São Paulo. Meu pai nem tanto, mas minha avó não via a hora de sair do interior, o que eu não entendo até hoje. Na estrada, víamos bois e pastagens, uma imagem linda e que deixou saudades.



Efigênia Graça Arruda


Nasci em 29 de novembro de 1951, em Texeira, Minas Gerais.


O Nome O Efi sobra Gênia sei que não sou. Graça quem faz é palhaço, não vivo no circo. Arruda é uma planta que tem um perfume todo especial É usada contra mal olhado Tenho sorte de tê-la no nome.



Apresentação Sou brasileira Sou mineira Sou viúva Sou mãe. Sou filha de Manuel e Laudelina Sou a nona dos dez filhos Sou a mais nova das seis irmãs Sou feliz. Sou lutadora Sou caipira Sou do interior Sou simplesmente... Efigênia.



Primeira Lembrança Busco na minha memória lembranças da minha infância. Volto a ser criança por alguns instantes e lembro-me das muitas vezes que fugi para ir à casa da vovó Dinha Cota. Este nome hoje me parece tão estranho, mas na época de criança era doce, tão doce quanto o doce de leite que ela fazia. A minha mãe saia e me deixava na companhia de minha irmã mais velha para ajudá-la nos serviços de casa, no primeiro descuido eu atravessava o córrego, que separava a nossa casa da casa da vovó. A vovó era uma senhora doce, alegre, atarefada, todo serviço era manual. Tecia o algodão no tear, e com fios fazia camisa para o vovô. Com os sacos de farinhas de trigo, que ela adquiria na padaria da cidade, fazia toalhas de banho desfiando e tecendo, de tão bonita, parecia renda. A Dinha Cota amava flores, tinha um jardim belíssimo que cuidava com amor, tinha rosas, cravos, dálias... Lembro-me da vovó fazendo bolos, broas no forno à lenha. As formas eram enormes, feitas com folhas de bananeiras, pregadas com espinhos de laranjeiras. Eu e meus irmãos ajudávamos na confecção das formas. Aos domingos, sempre almoçava com a vovó, aquele franguinho no molho que só ela sabia fazer, a polenta não faltava. Depois do almoço aquela xícara de café bem forte que ela levava até o quarto para o meu avô Antônio. O que eu mais gostava, de tudo o que ela fazia, era o doce de leite.



O passado Gostaria de falar sobre tantas coisas, sobre pessoas, animais, flores... Lembrei-me da mangueira, enorme, majestosa, ficava no pomar, no sítio onde nasci e vivi até meus 24 anos. Era a maior entre todas as outras, tinha laranjeira, limoeiro, abacateiro, pé de jambo (fruta pouco conhecida) e outras árvores, mas a mangueira era a mais bonita, parecia brigar com todas as outras, querendo roubar o espaço todo pra si. Ela cresceu tanto, que sua copa cobriu o pobre limoeiro, que lutava para roubar um pouquinho da luz do sol, até as frutas das outras árvores eram menores. A mangueira parecia não se importar com esse problema, balançava seus galhos ao vento, se exibia toda. Era nela que as aves faziam seus ninhos, botavam os ovos e tinham seus filhotes. Eram nos seus frondosos galhos que os pássaros me acordavam pela manhã, com seus mais variados cantos, era como uma orquestra. Na época das frutas, era a que mais fruta tinha. Era a mais visitada por uma variedade de aves. O cheiro da manga era de salivar. Muitos doces foram feitos de seus frutos. Quantas vezes me escondi do sol escaldante, do verão da minha querida Minas Gerais. Suas folhas ao vento eram


como um grande ventilador. Eu subia e descia do seu enorme tronco, como se andasse no chão, sentava, deitava. Muitas vezes, escondia-me nos galhos para descansar, momentos solitários de uma criança que sonhava com coisas diferentes para sua vida. E hoje daria tudo para voltar a esconder-me entre os galhos daquela mangueira, queria ter tudo de volta... Pena que ela não existe mais!


Despedindo da mangueira O tronco parece mais envelhecido..., mas continua como sempre, forte, enorme. Não arrisco a dizer o seu diâmetro. As raízes grossas, saltadas para fora da terra, servia de esconderijo, quando eu brincava de esconde-esconde, com meus irmãos e meus primos. O velho cesto feito de taquara (da família do bambu) onde minha mãe me colocava e me levava para a sombra da mangueira, enquanto lavava roupas, está lá pendurado. O balanço, também feito de taquara, amarrado com cipó trançado, já seco e sem uso, agora balança ao sabor do vento. A casinha de barro, que foi planejada e construída pelo “engenheiro” da floresta, o João-de-barro. Foi daqui, sentada à sombra da mangueira, que pude desfrutar de tanta beleza. Ele escolheu o melhor lugar, o mais seguro. Construiu sua casa no abacateiro, que fica do outro lado do córrego, que divide o pomar em duas partes. Antes do “corgo” e depois do “corgo”, dito em bom minereis. O Corguinho, como nós o chamamos, desce lá do morro das rosas. Águas claras, transparentes, passam sem pressa, preguiçosamente e calmamente, serpenteiam por detrás da horta, some no meio de uma pequena plantação de inhame, surgindo de novo, próximo do arrozal, e alguns metros à frente, junta-se com as águas que vem da grota do bananal. E juntas agora, suas águas ficam mais fortes, e descem apressadas, morro a baixo movendo o moinho de pedra, onde o milho espera para ser transformado em fubá... Era uma tarde de domingo. Desenrolei minha esteira, feita de taboa, presente da minha madrinha Dina.


Sentei-me e, recostada no seu tronco, comecei a ler, como de costume, mas o pequeno pedreiro me tirou a atenção, e fiquei a admirar o trabalho minucioso e incansável desse pequeno construtor. Esse pequeno “ser” sabia mesmo o que fazia! Escolheu a curva do Corguinho, próximo a uma pequena poça, onde o barro era quase vermelho, parecido com a argila. Com o bico, ele formava as bolinhas de barro e as carregava nos pés. No galho, bem no alto do abacateiro, ele modelava o barro com o bico. De voo em voo, de bolinha em bolinha de barro, em poucos dias sua casa ficou pronta. A casa parecia uma pequena oca, como uma pequena entrada de gruta, meio arredondada, com a porta entre aberta, onde o pássaro ficava bem escondido, atrás da porta, protegido dos predadores. Obras da natureza? Como deixar tudo isso?




Gosto da Infância Gosto do café Coado no coador de pano Pendurado no mancebo Talhado em madeira rústica Pelas mãos calejadas Do senhor José. Gosto da broa de milho, Do angu assado na chapa, Do leite morno cheio de espuma, Direto da teta da vaca, Do queijo espetado no garfo, Derretendo sobre a brasa. Gosto da batata doce Assada na cinza quente, Da canjiquinha com pé de porco, Da linguiça defumada no fogão de lenha, Do chouriço, Do frango com quiabo aos domingos. Gosto do pé de moleque, Da garapa da cana, do melado, Da rapa da rapadura Ainda quente, saída do tachão, Da fornalha ardente, Do engenho do vô Antônio.


Gosto do chá de puejo Contra o resfriado. Gosto amargo da camomila Contra a dor de cabeça, Do chá da hortelã E da Marcela para dor de barriga. Gosto do mingau de fubá Com folha de titoco, Para recuperar as forças Depois de uma noite febril. Gosto do puro mel de abelha, Para curar a tosse. Gosto do tutu de feijão, Da macarronada, Da cocada, da rabanada, Servida no almoço de natal. Gosto do café com leite e canela, Todas as noites antes de dormir!...


Saudades Saudades das manhãs Geladas de inverno, Das pastagens brancas Cobertas de névoa. Saudades do cheiro forte, Da terra, com os primeiros pingos da chuva Dos pés descalços Na lama. Saudades do ar puro, Do verde, das águas claras, Fazendo barulho Ao cair sobre as pedras. Saudades das brincadeiras de roda, Da banda, Tocando as marchinhas de carnaval No coreto do jardim. Saudades das noites claras De lua cheia, Tão grande e linda, Parecia uma bola grande de prata. Saudades do céu azul, Cheinho de estrelas, Que eu ficava, horas e horas tentando contar. Impossível. SAUDADES!...



A foto Quando olhei bem para a foto, imediatamente, questão de segundos, voltei ao meu passado. Lembrei-me do meu pai, minha mãe, irmãos, amigos... no interior da minha querida Minas Gerais. Quanto tempo! Quantas saudades! No sítio, trabalhávamos juntos, família unida, felizes, tirando da terra tudo aquilo que era necessário para vivermos com dignidade. O trabalho era árduo, mas a mesa era farta. Tempo bom..., as festas, natal, família até a terceira geração todos juntos na ceia de natal, cantorias, causos contados pelos adultos, brincadeiras entre as crianças. Festas juninas, fogueira, doces típicos, tudo isso, regado com muitas gargalhadas e brincadeiras. Que pena! Tudo passa, tudo se acaba..., mas ficam as boas lembranças.



O Fim de Malhado O dia começa a clarear O galo com seus primeiros acordes, Avisa que é hora de levantar Todos se movimentam no galinheiro. Frangos e frangas cacarejam, Ainda tontos com a pouca luz, Galinhas e pintinhos vão rumo ao terreiro No sítio é assim. Tudo começa cedo, O sol surge por de traz da montanha Mostrando seus primeiros raios É um vai e vem sem fim. No curral a família está completa. Os bezerros, pequenos, separados, As vacas esperando Entre os bois, Malhado, o “Atleta”. Malhado era branco com mancha preta, O mais novo entre os demais, Ancas largas, forte, Porte atlético, brigão Disposto a enfrentar qualquer treta.


Naquela manhã, Malhado andava em volta da cerca, Orelhas em pé, Olhos arregalados, metia medo Agitava a calda, focinho babado. Zé, o carreiro: - Hoje não vai ser fácil Atrelar este marrueiro Na canga com Dourado Que era seu companheiro. Zé preparou o carro. Atrelou a primeira e a segunda juntas de bois, Normal sem problemas A terceira seria Dourado e Malhado Malhado correu espalhando barro. Com uma vara de arueira Zé tangeu os bois, Tentou colocar a canga, Dourado obedeceu, Mas Malhado o empurrou para a ribanceira. Malhado bufava e babava, Batia com a pata dianteira no chão, Sacolejava a cabeça, queria briga. Tranquilo Dourado levantava.


Dourado acostumado com o trabalho, Voltava para junto dos seus companheiros, Malhado o encurralou, e com fúria e chifradas o fez rodar no cascalho. Zé gritou: - Acode Sebastião. Dourado se aprumou, e com toda calma e experiência Resolveu dá uma lição No atleta, forte e bonitão. - Desse jeito vamos ter churrasco, Gritou Sebastião, tentando afastar os dois, Mas qual o quê Com uma forte cabeçada Malhado foi parar no buraco. Imóvel, pescoço quebrado Malhado entendeu que era seu fim, Os dois amigos lamentaram, Mas não tinha outro jeito Malhado foi sacrificado.



Mãe Conheci minha mãe trabalhando, enérgica, de opinião, não tinha medo de trabalho. “Preguiça”, essa palavra não existia para ela. Às quatro horas estava de pé, descia as escadas, improvisadas com pedaços de madeiras e pedras, enchia os baldes de água correndo e fazia o café. Acordava todos, desde o mais novo, todos tinham o que fazer. O meu pai fazia parte da tropa, ia ao paiol levar milho, ao moinho trazer o fubá para dar comida aos porcos. O leite já estava no latão, precisava ir rápido para a cidade, as madames já estavam com a mesa posta, esperavam para tomar café. Mãe... Mãe é mãe, de qualquer jeito é mãe, brava, batia, proibia, gritava, agitava, mandava, mas era mãe. Mulher de garra, de fé, temente a Deus. Acreditava, piamente, em Nossa Senhora Aparecida. Por causa de sua fé conseguiu graças, verdadeiro milagre. Dizia ela: - O médico desenganou meu filho, mas Deus não. Nossa senhora foi mãe e sabe a dor de perder um filho, ela não vai permitir que isto aconteça. Quinze dias e quinze noites sem dormir e sem comer, só rezando, ajoelhada na cabeceira da cama. As contas do rozário ficaram gastas e o filho sobreviveu. Verdadeiro milagre! Mãe ama, mãe sofre, mãe não erra, mesmo quando erra, erra por amor. Aprendi com minha mãe que a vida vale à pena, mesmo nos momentos difíceis. Basta acreditar em Deus, descruzar os braços e lutar.



Cotidiano Acordo com sede de café, mas antes de fazê-lo tenho que recolher copos, pratos, talheres, papel de pão, pacote de bolacha, pote de danoninho... a pia toda tomada, se tivesse mais dois metros com certeza estariam ocupados. Às seis horas levanta o filho, café preto ou frutas e sai... Começo a limpar a sala, tropeço no tênis, copo de suco na estante, o banheiro molhado, toalha jogada. Às sete horas a filha se levanta, leite com chocolate que termina no portão, um breve thau. Entro com o copo na mão e aí começa de fato meu dia. Lavar, limpar, passar, mercado, contas a pagar, amigos que ligam, precisam de ajuda, estou sempre à disposição. Meus compromissos na comunidade não falto: visitar doentes, uma oração para confortar o espírito. Quando percebo, o dia já se foi... Quase cinco horas da tarde. Tenho que preparar o jantar, esperar pelos filhos, tricotando, lendo e agradecendo a Deus por mais um dia de vida.



Jorge LuĂ­s


-Nasceu no dia 04 de setembro de 1980, na cidade de São Bernardo do Campo. -Seus pais Antonio Jorge e Maria Aparecida tinham outros Três filhos, Sérgio Carlos e Érika. -Com 13 anos de idade participou de encontros vocacionais pela Ordem dos Frades Menores Conventuais, nessa Ordem fez estágio e foi convidado a ser um futuro frade. -Seus pais aconselharam que estudasse com cautela a proposta. -Com 14 anos de idade começou a trabalhar em uma padaria exercendo a profissão de balconista. -Lá ele conheceu uma linda moça nordestina, se apaixonaram e começaram a namorar. -Casaram e tiveram duas lindas filhas, Michele e Isabele.


Lembranças No quintal de casa tinha um pé de pitanga e algumas galinhas, As ruas eram de terra As casas de madeira e distantes umas das outras Meu pai trabalhava a noite E eu brincava até tarde na rua Jogávamos bola, empinávamos pipa Brincávamos de fubeca, esconde-esconde, pega-pega. Próximo de casa tinha um campo de futebol, uma praça e uma capelinha. Hoje a casa não tem quintal Galinhas, agora, só nos mercados As ruas são asfaltadas As casas são de alvenaria e encostadas umas nas outras Meu pai trabalha de dia As crianças se espremem brincando na calçada O campo de futebol virou condomínio A praça foi reduzida pela metade E a capelinha se tornou um grande santuário



Raiz O espírito aventureiro Fez meu pai largar sua família E sair a procura de trabalho E melhores condições de vida E acabou não retornando mais a sua terra Natal, Deixando para trás a sua história e construindo assim uma nova vida. Traz nos ombros Histórias de muito trabalho e suor. Aprendi várias lições de vida com meus pais, Não ter medo de errar e quando errar assumir os erros, Arriscar mais, criar novos caminhos, Não tenho nada do que me queixar deles, Apenas agradecer. Hoje eu vejo meus pais como se fossem Uma semente que foi lançada ao tempo E que o vento fez o seu papel. Hoje eu também sou uma semente, Mas tenho o meu próprio vaso E não estou só, Estou acompanhado da mais bela flor Vivendo meus dias ensolarados Com muito carinho e amor.



O Monstro do Cotidiano O pé de erva cidreira, cadê suas folhas verdes e vistosas? O que aconteceu, fiquei observando atentamente por alguns minutos para ver se encontrava alguma larva. Anoiteceu e minha esposa me chamou dizendo ter encontrado a larva. A larva estava debaixo da escada esperando o silêncio da noite e o brilho da lua para jantar, ao som da orquestra das cigarras. Um ciclo natural, mas que foi quebrado pela minha esposa e sem o menor remorso, com passos singelos se aproximou e matou a larva com seu chinelo, deu várias gargalhadas. Nesse momento fiquei confuso, pois contemplava a ousadia e o esforço da larva que se arrastava até as folhas e tinha certeza que essa mesma larva que hoje destruía o pé de erva cidreira amanhã encantaria meus olhos se tornando uma bela e colorida borboleta. O ciclo foi quebrado, o monstro exterminado e a natureza mais uma vez respondeu com seu silêncio...



Sem Terra I O sol brilha para todos, Ser criança, esse é meu brilho. Tenho minha barraca, Onde moro com meus pais e meu irmão. Nunca conheci outros lugares, sempre vivi aqui. Os homens foram cuidar da roça, as mulheres lavar roupa. Nós éramos chamados sem terra, não entendia o porquê. Sabia apenas que existia um grupo que dizia lutar por nós. Vivíamos uma vida simples, Sem escolas, sem lazer, sem identidade. Um dia teremos uma grande cidade, Com iluminação pública, Água encanada e um endereço de verdade.



Sem Terra II Várias barracas. Crianças querendo brincar. Um fecho de luz no ar. Pessoas subindo um barranco de lamas, Todos na mesma direção Não vemos seus rostos, Apenas seu chão. Mulheres na estrada com sacolas As crianças as acompanhavam. A estrada era longa. Nossas vistas não alcançavam. Um carro de boi. Uma plantação. Sem terras sim, Sem sonhos não!



Bichos Uma história marcante entre muitas outras, foi quando eu tinha nove anos, era fim de tarde e se aproximava um temporal, a casa que morávamos era de alvenaria e de telhas. De repente aproximou–se um temporal, ventos fortes e chuva rápida, mas foi o suficiente para arrancar todas as telhas e molhar os móveis. No momento da chuva ficamos todos no banheiro, pois lá era mais seguro. Passado o susto, meus pais foram ver os estragos, meu pai foi comprar outras telhas e minha mãe foi cuidar da limpeza. Eu tinha dois gansos que ficavam na gaiola e um cachorro que ficava amarrado. Depois da chuva a gaiola estava vazia e o cachorro estava solto, eu estava ansioso a procura dos gansos, quando meu pai disse que o cachorro tinha se soltado da corrente, quebrado a gaiola e matado os gansos. Naquele momento senti o amargo sabor da perda e no dia seguinte, na hora do almoço, senti o gostinho do delicioso tempero da mamãe. Coisas da vida.



Mineiro Sinto falta dos meus amigos mineiros Das nossas conversas, nunca faltava assunto. Ouvi dizer que mineiro é assim Tem a cabeça grande Tem bastante ideias Adora conversar Se não expõe suas ideias fica louco. Mineiro também é muito trabalhador e dedicado. Lembro de meus amigos mineiros na hora do café, Leite fresco, queijo e goiabada, Na hora do almoço o delicioso angu No chazinho da tarde o pão de milho E a broa de fubá. Alguns dizem que mineiro é meio devagar, Engano, mineiro é de pensar De está junto, de participar Quantas ideias inovam os seus pensamentos, Mineiro gosta de participar da política Da cultura e do lazer. Mineiro gosta de fazer historia, Mineiro é mineiro por esse Brasilzão afora...



Relíquia Certa vez mostrei ao meu pai o estilingue que ele me deu para guardar, percebi que naquele momento vieram na sua mente vários pensamentos, e notei que eu tinha em minhas mãos uma verdadeira relíquia. Quantos pássaros deixaram de cantar e nunca mais voltaram aos seus ninhos, quantas testas sentiram a sua força, o seu poder. A autoestima de meu pai o levava ao delírio, nunca ele foi tão forte e imbatível. Mas o tempo passou, e ele cresceu. Hoje, todos os dias pela manhã, em frente do seu trabalho ele joga migalhas de pão para alimentar as pombas que vivem lá. Coisas do destino...



Meu Trabalho De dia trabalho em padaria sou balconista De noite sou motoqueiro entregador de pizzas Em cima de duas rodas faço coisas absurdas Dizem que sou cauteloso Mas tenho absoluta certeza que Deus é generoso. Avanço semáforos, pulo calçadas Faço do meu trabalho uma tremenda aventura Nas ruas sou livre, sem leis. Viajo pelas pistas Viajo também na mente.



Costurar o sonho O que fazer com uma relíquia, Quando seu uso está ultrapassado, E sua história trancada. Assim é a máquina de costura da minha mãe, Que é herança da minha avó, Que tinha o sonho de um dia, Minha mãe se tornar boa costureira. Lembro depois de muitos anos, Tentaram ligar a máquina, Foi uma tentativa desgastante E sem sucesso, Depois de vintes anos, A máquina está lá no canto da sala, Sem utilidade, Sem destino, apenas com sua história.



Pernambuco Homens vivendo da terra, milho, feijão, mandioca Construindo barragens e barreiros para armazenar água da chuva Cavalo e burro eram comuns nos quintais das casas Cercas de galhos e troncos de árvores Casas sem janelas e homens balançando na rede Nas feiras trocavam mercadorias Nos açougues, carne fresca. Entre as pedras escorria um pouco de água, Ouvi dizer que no inverno, ali é uma linda cachoeira E logo abaixo onde se junta às poças é um belo rio. Desci e vi uma senhora Com ela, duas crianças que brincavam Atirando pedra na água Ela ficou admirada Disse que poucos se arriscam a sair andando sem rumo E embaixo de um sol ardente Disse a ela que estava admirado com a paisagem Nunca tinha visto tantos tipos de cactos, mandacaru, chique-chique Cacto bola, palmas, entre outros que nem sei o nome.


Fui convidado a colher mandioca, extrair a goma e fazer um bolo Assado no forno a lenha e enrolado em folhas de bananeira Vi o moinho, o processo de produção da farinha Ajudei a colher e bater o feijão A colher o milho e fazer pamonha. Vi uma cobra no meio da estrada Um cágado na beira do lago Estava sentado em uma pedra olhando para o horizonte Vi de um lado várias montanhas Do outro um pasto que parecia não ter fim. Nunca imaginei que nossos olhos pudessem enxergar tão longe Nunca imaginei uma visão assim Nunca vi tantas belas paisagens Nunca me imaginei num mundo tão distante...




JosĂŠ Luiz de Lima


Eu José Luiz de Lima, nascido na cidade de Calumbi – PE, aos 7 anos de idade ajudava minha mãe com os afazeres: carregando lenha, água, cuidando dos animais, moendo milho para fazer angu, cuidava dos irmãos mais novos e etc. Para dar nosso sustento, meus pais trabalhavam com agricultura, plantavam milho, feijão, algodão, batata, cebola e arroz. Com 8 anos de idade comecei a trabalhar na roça com meu pai. Aprendi como ele a ler e escrever, e aos 13 anos comecei a estudar, não deixando de ajudar minha mãe nos horários de folga. Assim foi até os meus 17 anos, quando meu pai veio a falecer, e eu como filho mais velho, tive que largar a escola na 4ª série, para começar a trabalhar visando o sustento de meus irmãos mais novos. Ocorreu nos anos 70 o que chamamos de “seca”, que veio a inutilizar agriculturas por falta de chuva. Em 1975 vim embora para São Paulo com intuito de continuar trabalhando para ajudar minha mãe, que lá ficou com meus irmãos.


Literatura Popular Senhoras e senhores, meus amigos e cidadãos, agora peço licença para contar minha história. Eu José Luís de Lima, nasci em 1952, fui trabalhando na agricultura com os meus pais e meus irmãos. Desde o tempo de criança carrego como lembrança o caminho da roça, carpindo todos os matos para que pudesse salvar toda a minha plantação. Como sempre era seguida aquela tradição, trabalhei de sol a sol para preparar a terra pra fazer a plantação. Plantávamos arroz, milho, feijão, mandioca e algodão. Aquele ainda era o começo de todo o processo que ainda estava por vir, a cultivação e a colheita sem ajuda de máquinas, que era a tradição em todo o sertão. Após a colheita, separávamos a quantia necessária para nossa alimentação e certa quantia para comercialização, que serviria para nosso “sustento”, na compra de roupas, calçados e raramente remédios de farmácias. Éramos “carentes” de tratamentos médicos, por falta de recursos financeiros. Aproveitávamos ainda esta terra para plantação de banana, manga, laranja, goiaba, abacate, cebola, batata doce, inhame, quentro e tomate. Criávamos alguns animais. A vaca para utilizar o leite e a carne; o cavalo, o burro e o jumento para carregar cargas e para montaria; o cabrito, o carneiro, o porco e as galinhas para utilizar a carne e para comercialização. Esta foi parte da minha “jornada”



Cavalo branco Cavalo branco Que eu quero montar. Colocando uma sela Pra eu passear. O destino ĂŠ grande Onde eu posso chegar.



Menino de rua Teu choro e teu pranto Enquanto reclama Esquece teu canto Precisa construir um espaço Para ganhar o teu ninho Com esforço e cansaço Sei que passastes por grande desastre Sem pão e sem água Sem direito ou espaço Sem ter liberdade Só crueldade Que triste destino.



Que saudade da minha terra Aos 22 anos de idade encarei a despedida De minha terra amada Minha terra querida. Abracei meus irmãos Dei adeus à plantação Abracei minha mãe querida E toquei a minha vida. Ao sair do meu lugar Andei quase quatro léguas Pra um caminhão pegar Depois eu peguei o trem Para meu destino alcançar. Chegando a rodoviária Espantado com o lugar Vi pessoas discutindo Para no ônibus sentar O fiscal do embarque Exigiu minha passagem


E também minha bagagem Depois das exigências Autorizou minha viagem. 48 horas de viagem pra em São Paulo chegar O motorista fez manobra Para poder estacionar Anunciou a todos o fim da viagem E nos mandou desembarcar Pediu o tíquete da bagagem Pra poder liberar Tive que pegar um táxi Com destino a casa de minha tia Mais uma hora de viagem Lá estava eu No bairro de Piraporinha Esse era meu destino E lá eu ia ficar.




Vicente Dair da Silva


Nasci em 03/04/1951, no sítio, município de Prados. Tenho 13 irmãos, em 1973 vim para S.B. Campo, tinha 23 anos. Estou aposentado há 12 anos e estou com 59 anos.


O carro de boi O carro de boi antigamente servia para transportar tudo que havia, porque não tinha caminhão e nem ônibus. Era formado de cinco juntas de bois, ou seja, dez bois. Em 1932 meu pai, meus tios e vizinhos saíam de Prados com um comboio de cinco ou seis carros de boi, para buscar sal e outras coisas de primeira necessidade, lá em Barbacena, que ficavam sete léguas, ou seja, 42 quilômetros de distância, ficavam na estrada quatro dias, isto é, se não houvesse nenhum contratempo. Veja só, hoje, qualquer carga que venha de Barbacena chega a Prados em apenas duas horas.



Uma árvore Na casa do meu pai tinha um pé de jambo que se destacava no meio das laranjeiras, porque ele era muito alto e grosso, também tinha as folhas muito verdes, na época da florada todos os pássaros da região apareciam, era uma verdadeira sinfonia, o que se destacava mesmo eram todos os tipos de beija-flor, e eles, mesmo sendo muito pequenos, davam trabalho para os outros tipos de aves que ali estavam. E na época das frutas era a hora dos outros pássaros fazer a festa sem serem bicados ou peitados pelos lindos e pequeninhos beija-flores. Meu pai viveu oitenta e seis anos e não sabia quantos anos o pé de jambo tinha. Esse pé ainda está vivo, só não dá mais frutos, ele tinha dez metros de altura, agora tem uns três, quebrou os galhos, uma grande parte do tronco está podre, porque o fogo queimou de um lado, há pouco tempo eu fui lá e falei com meu irmão para cuidar deste jambeiro a resposta que recebi foi esta: - Vou cortar e por fogo porque está ocupando lugar, não serve para nada.



Cavalo Campeão O cavalo campeão nacional Em Barretos, em Las Vegas Deu muitas alegrias e não dava trégua Bolero era um cavalo De cor marrom Ele era bonito E não dava trabalho Cavalo de estimação Ele dançava nos dois pés Dançava com muita classe Rock, fank e até axé. Quando ele estava endiabrado E também queria festejar Arrumava tanta encrenca Fazia o povo chorar Este cavalo conhecido Chegava aos rodeios Provocava alegria Quando se cansava Deitava ali e dormia Bolero marchava bastante Fazia o trânsito parar Para o verem passar



Futebol O jogo de futebol É um esporte lindo Tem que levar a sério Se isto não acontece fica feio. A posição de goleiro Não agrada quase ninguém Ele defende muitas boladas E ainda é chamado de frangueiro. Jogador de meio campo São chamados de bola cheia Se não acontecer nada no jogo No final são chamados de meia boca. O pessoal que joga na linha Tem, por obrigação, fazer gol Se não fizerem bonitas jogadas A torcida pede troca, quer ver gols. A bola é redonda É feita de couro Dividida em dezessete gomos Ela é resistente e de couro Nos noventa minutos dois juízes Com duas bandeirinhas Eles atuam em sintonia Se precisar entra o reserva.


Dentro dos noventa minutos Pode acontecer muita emoção Todos torcem para dá certo Mas termina em confusão O torcedor deveria ter em mente Que quando ele vai, muito contente, É para somar o prazer coletivo e não para matar gente. Eu já fui várias vezes No Pacaembu e Morumbi Mais depois de algumas selvagerias Só me resta torcer por aqui.


Eleição A eleição torna-se igual Não tem rico nem pobre Dá alegria para os que ganham Dá tristeza para quem perde Quando o rico ganha Faz grandes festas Quando o pobre perde Só resta reclamar Partidos honestos são poucos Os desonestos estão cheios Todos têm certeza disto. Aqueles que votarem bem Estão procurando acertar Mas como não dá pra adivinhar Resta torcer e esperar.



Minha família Candido e Carmem Casaram e procriaram Só quatorze filhos Todos criados e casados Dois foram para São Paulo Outros dois para Ouro Branco Sete deles ficaram por lá Onde fomos todos nascidos. Tem o último irmão Entregou-se a bebida Já internamos muitas vezes Não deixou da bebedeira Minha irmã mais velha Já faleceu há muito tempo Deixou a família criada A tristeza, o tempo não levou Emfim, esta família vive. Está sempre aqui para batalhar Todas as dificuldades que vier Com coragem e fé para enfrentar. Não só acontece na minha família Isto faz parte Da raça humana Comigo não é diferente.



Pureza Aquele que tem mãos inocentes Também tem coração puro Vocês podem ter certeza Fica estampada na cara a pureza Sua raiva dura um momento. Sou alguém com muitos problemas Pela manhã ouço gritos de raiva A tarde termina com choro. Eu finjo que sou surdo e não escuto Fico mudo e não abro a boca Veja só, comigo não tem tristeza.



Comida Mineira O jiló, poucas pessoas gostam Fica a impressão que ele amarga Mas fazendo um guisado é muito gostoso Basta fazer com amor que não amarga. O angu de Minas Gerais Não vai sal e nem açúcar Quem comer dele Nunca esquece, vira tradição A couve mineira Picada bem fininha Jogada na panela E tirada bem rapidinho É conhecida como afogadinha. O dourado é tão lindo Que quando é dominado Vem na cabeça do pescador Será que ele está bem fisgado A piranha é um peixe Pouco conhecido por aqui Ela tem pouca carne Mais dá um belo caldo.



2012 Todos tomavam banho na lagoa E correu um boato que assustou bastante Apareceu uma sereia que soltava fogo pela boca Mais para frente já era um homem Bastante feio Então chamaram um especialista para desvendar o caso Analisou e deu o resultado, era o homem do outro mundo No outro dia passaram anunciando Bem alto em carro de som Que a meia noite em ponto Todos deveriam ir à beira da lagoa Para ver a bela sereia Pois ela iria voar, Eu cheguei à lagoa duas horas antes, da meia noite Para ver de camarote, foi um espetáculo A sereia voou e soltou fogo pela boca De cor vermelha e azul, e pelo rabo era um fogo verde Eu, Vicente, estava lá, confesso não vou esquecer.



Walter Joaquim Mendonรงa


Eu Walter Joaquim Mendonça, tenho 63 anos de idade, nasci em 04 de Julho de 1947 em Motuca estado de São Paulo, na época subdistrito de Araraquara. Meus pais, Joaquim Mendonça e Natalina Rosa Mendonça, logo após meu nascimento, mudaram para a cidade de Araraquara com meus irmãos, Sila, Silvio, Sérgio e Cleide, minha irmã Silvia nasceu em Araraquara. O meu pai ficou viúvo, casou novamente e teve mais três filhos, Paulo Sérgio, Ana Maria e Marta. Agora moro em São Bernardo, já estou aqui há 45 anos. Sou casado com Amélia, sou pai de três filhas: Kelly, Alessandra e Gabriela. Sou aposentado e tenho uma marcenaria de móveis sob medidas.


Minha infância Lembro bem, como se fosse hoje. Dos dois aos nove anos, geralmente nas férias de julho e dezembro. Meus pais, meus irmãos e irmãs íamos para a casa dos meus avós, na fazenda que ficava no distrito de Araraquara, o nome do lugar era Motuca, hoje município. Esta cidade tem uma avenida com homenagem ao meu avô, fica no centro, Av. Antônio Mendonça. Nós íamos até a estação ferroviária para embarcar no trem da Companhia Paulista, o trem elétrico que ia até a cidade de Rincão. De Rincão até Flórida Paulista, na divisa com o Mato Grosso, íamos com máquina de motor, movimentada com óleo diesel. O mais importante: ali fazíamos baldeação para um trem estreito, puxado com maria fumaça; era uma gracinha, era romântico. Quando chegávamos à estação de Motuca, meus tios estavam lá, cada um com uma charrete para nos levar. Quando estava próximo à casa de meus avós, vinha aquele cheirinho de comida feita com gordura de porco, aquela mesa posta com leitão e pururuca. Depois do jantar, reuníamos no terreiro embaixo de um pé de jambo enorme, onde tinha um banco cumprido de madeira, meus tios e tias sempre tinham um caso para contar. Por volta das 21 horas o trem passava, por dentro da fazenda, com mais ou menos seis vagões iluminados, puxado pela maria fumaça, soltando fagulhas de brasa pela chaminé, era uma loucura bonita. O trem foi instalado no Brasil em 1873 e cem anos depois começaram a sucateá-los, para beneficiar a indústria automobilística.



Máquina de furar Sou ferramenteiro, em 1975 trabalhei na Resil indústria metalúrgica. A Resil fabrica estrutura metálica dos bancos para indústria automobilística, cinto de segurança e extintor para apagar incêndio. Sai da Resil e fiquei trabalhando com artesanato, oito meses, tinha vinte oito anos e era solteiro. Uma fase da minha vida muito boa, a minha especialidade foi bolsas femininas. Criei um modelo indiano bem elaborado, um tecido encorpado, tingido com duas tonalidades em degradê. A sua alça feita com cinco cordões, cinco milímetros, toda trançada, com o mesmo tom da bolsa. Na horizontal da bolsa uns quinze centímetros de abertura, um aplique com lamina de cobre, com a espessura de dois décimos por dois centímetros enrolado no cordão, um luxo. Nessa época em São Paulo, só tinha dois shopping Center, o do Ibirapuera e do Iguatemi, e a Rua Augusta que era famosa por causa da música do Roberto Carlos. Era lá que tinha as minhas bolsas, a irmã do Caetano Veloso, a Maria Betânia, comprou uma bolsa da minha coleção. E a máquina de furar? Eu fiz outro modelo de bolsa, toda trabalhada, pintada com tinta óleo, na sua lateral, cada dois centímetros, um furo de dez milímetros de diâmetro para passar um cordão, trançando para o fechamento da lateral e do fundo. Geralmente eu fazia estes furos com um vazador apoiado, o tecido em cima de uma madeira, um por vez. Então foi aí que eu fiz a máquina de furar, fixava em cima da mesa, ganhava tempo e consegui baratear o preço. Essa relíquia eu guardo desde 1975.



Movimento sem terra Arbusto na beira da rodovia. Uma família de cinco pessoas caminhando nessa estrada. Eles foram postos para fora das terras que invadiram. É de cortar o coração, um pai com um saco de mantimento na cabeça. A mãe com uma trouxa de roupa na cabeça e uma enxada na mão. Um jovem com um saco de sementes de feijão no ombro, Um adolescente com um saco de sementes de milho. E uma menina, ainda criança, com um balde na mão. Esta família, sem ter para onde ir, ao invadir terras devolutas, é desonesta? Eu digo que não, estas terras são bens de domínio público.



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