Secagem do café em camada fixa

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SEM O REVOLVIMENTO PERIÓDICO, A SECAGEM EM CAMADA FIXA, COM ALTAS TEMPERATURAS, É PROBLEMÁTICA PARA O CAFÉ

Juarez de Sousa e Silva Sergio Maurício Lopes Donzeles Sammy Fernandes Soares Douglas Gonzaga Vitor

VIÇOSA, JUNHO 2015


COMO DEVE SER ENTENDIDA A SECAGEM DO CAFÉ?

A secagem é uma das etapas do pré-processamento do café que tem por finalidade retirar parte da água (umidade) contida nos frutos (café cereja) ou nos grãos (cereja descascado). A secagem do café ou de outros produtos agrícolas é definida como um processo simultâneo de transferência de calor (energia) e de massa (água ou umidade) entre o produto (café cereja ou cereja descascado) e o ar de secagem. Portanto, secagem é um processo físico e que requer muita atenção para não prejudicar a qualidade dos grãos. A mudança da constituição química ou biológica do café ocorrerá se a secagem não for bem conduzida.


ATÉ QUE PONTO O CAFEICULTOR DEVE SECAR O CAFÉ?

A secagem ou remoção do excesso de umidade deve ser feita de tal forma que o produto entre em EQUILÍBRIO (não perde e nem ganha água) com o ar do ambiente onde será armazenado. A secagem do café deve ser feita de modo que preserve a aparência, a qualidade organoléptica, no caso de grãos para torrefação e a viabilidade da semente para novos plantios.


O QUE FAZER PARA MELHOR ENTENDER O PROCESSO DE SECAGEM? Para entender bem como a secagem ocorre e como controlar o processo, o cafeicultor deve, caso seja necessário, participar de cursos, encontros de extensão e reuniões sobre pós-colheita. É fundamental que ele entenda a relação entre o ar ambiente e o café e como o ar mais seco ou mais úmido afetam a secagem e o armazenamento. O cafeicultor deve compreender também que, como acontece na natureza, são as condições do ar ambiente (seco ou úmido) que causam a secagem. Na natureza, o fruto do café seca na planta, cai ao solo e germina. Uma boa secagem não danifica o poder germinativo das sementes. A velocidade com que ocorre a secagem vai depender das condições do ar. Quanto mais seco for ar, mais rápida será a secagem. Se não houver um controle do tempo, o café poderá, dependendo da temperatura e umidade do ar, secar mais do que o necessário, podendo causar danos durante o beneficiamento dos grãos e, ainda, gastos desnecessários com energia, mão de obra e redução no peso do café.


O QUE É MESMO UMIDADE RELATIVA?

O ar que respiramos é composto, a grosso modo, de Nitrogênio, Oxigênio, Gás Carbônico e, ainda, Vapor de Água. Se não existisse o vapor de água no ar, não sobreviveríamos. A umidade é importante porque umedece nossas mucosas nasais e pulmões. Voltando ao assunto, sabemos que para cada condição de temperatura, o ar pode conter uma quantidade máxima de vapor de água. Quando isso acontece, dizemos que o ar está saturado ou com 100% de umidade relativa. Quando o ar está saturado, qualquer pequeno abaixamento da temperatura leva à condensação da umidade do ar, ou seja, a água na forma de vapor passa para a forma líquida. Como o ar não tem condições de conter mais umidade, não é capaz de secar nenhum produto, nem mesmo a roupa no varal.


O QUE É MESMO UMIDADE RELATIVA? (CONTINUAÇÃO) Se o cafeicultor não entender bem o que significa umidade relativa do ar, dificilmente, vai entender bem a secagem. Por exemplo, a 22 °C, 1 kg de ar pode conter, no máximo, 17 g de vapor de água. Se ele contiver apenas 8,5 g de vapor de água, dizemos que a umidade relativa é de 50%, ou seja, a umidade relativa é igual à quantidade de água que o ar contém, dividido pela quantidade máxima de água que poderia conter, multiplicado por 100. Desse modo, a umidade relativa do nosso exemplo seria: (8,5/17) x 100 = 50%. Se não entender o significado teórico, a pessoa deve procurar entender o significado por meio da sensibilidade. O ar muito seco dificulta a respiração pelo ressecamento das mucosas nasais. Por outro lado, o ar muito úmido dificulta a transpiração (muito suor) sobre a pele. Geralmente, o ar ambiente ideal é aquele em que sentimos confortáveis e dizemos que o clima está agradável. Nessa situação, a temperatura do ar está em torno de 20 °C e a umidade relativa, em torno de 62%. De modo geral, a umidade relativa do ar é mais baixa durante o dia e mais alta durante a noite. Pode-se dizer também que durante o dia o ar é mais seco e durante a noite é mais úmido.


O QUE É MESMO UMIDADE RELATIVA? A uma umidade relativa média de 62% e a uma temperatura média de 22 °C, o café irá secar até 12,5% de umidade, e não mais por mais tempo que ficar exposto a esse ar. Por outro lado, se as condições médias forem 50% de umidade relativa e 22 °C de temperatura, o café secará até 11% de umidade. Se a umidade relativa for 40%, o café secará até 9,5%. Por outro lado, se a umidade relativa média for 80%, o café só secará até 16%. Isso acontece muito com o café secado em terreiro suspenso em regiões de montanha. Se as condições acima permanecerem inalteradas, o café entrará em equilíbrio com o ar não perdendo nem ganhando umidade.


PORQUE OS SECADORES SECAM MAIS RÁPIDO DO QUE NO TERREIRO? Mais uma vez voltamos a sugerir a participação nos programas de treinamento. O cafeicultor deve ser orientado para entender um pouco mais sobre o processo de secagem e as relações entre UMIDADE RELATIVA e temperatura do ar de secagem. O cafeicultor deve entender que todas as vezes que ele aquecer o ar (por meio de fornalhas ou queimadores), o calor irá reduzir a UMIDADE RELATIVA desse ar. Portanto, na entrada do secador ele estará insuflando um ar mais quente e mais seco. Nas condições de quente e seco, o ar passa a ter maior capacidade de remover a água do café do que nas condições ambientais. É bem semelhante com o que acontece com o secador de cabelo ou secadoras de roupas. No caso do café e do cabelo, deve-se ter muito cuidado com a temperatura do ar. Assim, se o ar tem maior capacidade de secagem, menor será o tempo necessário para remover o excesso de água (dissemos excesso de água).


QUAL O MOTIVO DE REVOLVER A CAMADA DE CAFÉ ? Essa pergunta é, depois das anteriores, de suma importância, não só para o café, mas para o cacau e muitos outros tipos de “grãos”. Para se ter rigor sobre o assunto, a única maneira de secar frutos de café sem o devido revolvimento é quando ele está na planta. Nesse caso, a secagem se caracteriza com natural (coisas de Deus). Uma maneira para se aproximar da secagem na planta (natural) seria colocar, devidamente espalhado, um lote de café sobre um terreiro suspenso. Nesse caso, a altura da camada seria equivalente ao diâmetro dos frutos. O terreiro suspenso deve sofrer ventilação natural, como acontece na planta de café. Por outro lado, a falta de homogeneidade na secagem será notada de alguma forma por um classificador profissional criterioso.


PODERIA DAR MAIS DETALHES SOBRE ISSO? Simplificando a teoria de secagem, podemos dizer que uma camada de café seca como se fosse composta por uma superposição de várias camadas finas. Também, para efeito de simplificação, pode-se considerar uma camada fina de café como aquela cuja espessura corresponde ao diâmetro do fruto de café ou da espessura do grão em pergaminho. Admitamos que o café cereja tenha um diâmetro de 1,0 cm e o grão em pergaminho, uma espessura de 0,5 cm. Assim, um secador tipo “caixa”, que comporta uma camada de 50 cm do produto, deve ser analisado como se fosse formado por 50 camadas finas de frutos de café ou, aproximadamente, 100 camadas finas do café em pergaminho. Nessa “caixa” secadora, o ar de secagem (aquecido ou sob temperatura ambiente) entra na parte inferior pela primeira camada fina que está sobre a chapa de sustentação (chapa perfurada) e é liberado para o ambiente (exaustão) depois de passar pela última camada fina (camada 50 para frutos ou camada 100 para grão em pergaminho, no exemplo dado).


PODERIA DAR MAIS DETALHES SOBRE ISSO? (Continuação) Na secagem em secador tipo “caixa” ou em camada fixa, o ar entra quente e seco e é exaurido frio (menos quente) e úmido da superfície superior da camada de café, como se pode observar na Figura 1. Simplificando um pouco mais, ao atravessar a camada total de café e atravessando cada camada fina, o ar vai sendo esfriado e umidificado pela água liberada dos grãos da camada fina anterior. Assim, na Figura 1, cada camada apresenta uma umidade diferente, e é representada por cores, em que a cor amarela clara representa grãos mais secos e quentes e a cor vermelha escura, grãos mais úmidos e frios.

Figura 1 – Comportamento do ar de secagem em secador de Camada Fixa.


PODERIA DAR (Continuação)

MAIS DETALHES SOBRE ISSO?

Dependendo da temperatura do ar de secagem, do fluxo de ar empregado, da umidade inicial do café e da altura da camada dentro da “caixa”, a secagem ocorre segundo uma faixa ou frente que se move de baixo para cima. Os projetistas de secador chamam essa faixa de frente de secagem, conforme esquematizado na Figura 2. Essa figura indica que, depois de passadas várias horas de secagem (20 horas, por exemplo), formou-se a frente de secagem e ela já se moveu. Abaixo da frente de secagem, todo o produto está seco e em equilíbrio com o ar de secagem, ou seja não seca mais. Com o passar do tempo (100 horas, por exemplo), a frente de secagem terá atravessado toda a camada de grãos e todo o produto estará seco com o mesmo teor de umidade ou na umidade de equilíbrio com o ar de secagem.)

Figura 2 – Comportamento da frente de secagem em secador de Camada Fixa.


PODERIA DAR MAIS DETALHES SOBRE ISSO? (Continuação) Como você entendeu tudo o que foi explicado, poderá dizer: então o fabricante do “Secador Caixa” está com a razão, ou seja, não precisa revolver a camada de café se todo o café está seco com o mesmo teor de umidade. Aí é que mora o perigo! Pois todo o café atingiu a umidade de equilíbrio com o ar de secagem em alta temperatura e baixa umidade relativa e, portanto, com o ar muito seco. Suponhamos que na região de Manhuaçu, durante a secagem do café, as médias de temperatura ambiente e umidade relativa do ar sejam de 22 °C e 62%, respectivamente. Se o ar nessa condição fosse passado por uma camada de café de 50 cm, depois de certo tempo (250 horas, por exemplo), todo café estaria seco a uma umidade de 12,5%, como foi mostrado. Acontece que um café úmido, mesmo gastando 250 horas para secar, pode ter sofrido alguma fermentação nas camadas superiores e prejudicado a qualidade final do produto. Para acelerar o processo de secagem, a única solução seria aumentar a temperatura de secagem.


PODERIA DAR MAIS DETALHES SOBRE ISSO? (Continuação) Suponhamos, agora, que o cafeicultor decidiu aumentar a temperatura de secagem para 40 °C. Nesse caso, a umidade relativa do ar de secagem passa a ser de 25%. Com esse ar (40 °C de temperatura e 25% de umidade relativa) e depois de determinado tempo, a massa de café, até a última camada fina ter secado, terá atingido uma umidade final de 7%. Toda a massa de café está homogênea em temperatura e umidade, entretanto ela está muito seca e sujeita a quebras durante o beneficiamento, trazendo grande prejuízo financeiro por causa, principalmente, da perda de peso e do consumo de energia. Para solucionar parte do problema, em função do não revolvimento da camada, os projetistas procuram, para determinada situação, dimensionar a altura máxima da camada de grãos igual à espessura da frente de secagem, tolerando os gradientes de temperatura e umidade para aquele grão em especial. Dos grãos mais comuns, o único que permite uma variação gradual no teor de água é o milho comum e, nesse caso, é de três pontos percentuais entre a camada mais seca e a mais úmida, para uma umidade média final de 13%.


PODERIA DAR MAIS DETALHES SOBRE ISSO? (Continuação) Infelizmente, para um café de qualidade, a tolerância máxima é de 0,5 pontos percentuais, que é o tolerável para um bom medidor de umidade. Caso a variação de umidade entre os grãos aumente, o café apresentará um dos mais sérios defeitos, que é a “torra má”. Na Figura 3a, observa-se que os grãos são inferiores ao café mostrado na Figura 3b, que é de boa qualidade. Na Figura 3a, nota-se, claramente, a quantidade de grãos passados na torra. Isso não é bom.

(a) (b) Figura 3 – (a) Seca desuniforme dos grãos, (b) Seca homogênea dos grãos.


PODERIA DAR MAIS DETALHES SOBRE ISSO? (Continuação) Diante do exposto, pode-se dizer: é quase impossível secar café e muitos outros tipos de grãos sem o devido revolvimento das camadas se a temperatura do ar de secagem estiver 5 °C acima da temperatura ambiente e a umidade relativa estiver muito abaixo de 50%. Portanto, o café deve ser revolvido continuamente ou no máximo, dependendo da temperatura e do fluxo do ar de secagem, de duas em duas horas. Para que se tenha ideia sobre o assunto, vamos admitir que o secador “caixa” seja operado com o ar a 40 °C e com as condições ambientes (22 °C de temperatura e 62% de umidade). A 40 °C, a umidade relativa do ar de secagem passa a ser de 25%. Com esse ar (40 °C de temperatura e 25% de umidade relativa), e depois de um tempo relativamente curto, os cafés, na primeira camada fina, terão atingido uma umidade final de 7%. E, nesse tempo, as camadas finas superiores ainda estarão secando.


PODERIA DAR MAIS DETALHES SOBRE ISSO? (Continuação) Se o operador parar o secador porque amostras retiradas das camadas superiores atingiram 12% de umidade, ele descarregará o secador com a massa de café apresentando uma umidade média de 9,5% sob um gradiente de umidade de cinco pontos percentuais (5 pontos de umidade entre a primeira e última camada fina). Suponhamos agora que o operador retire amostras com cuidado e de todas as camadas do “Secador Caixa” e interrompa a secagem quando a umidade média das camadas atingir 12%. Nesse caso, as camadas superiores poderão estar com umidade superior a 18%, portanto, “é impossível fazer mágica com um processo físico”. Nenhum profissional classificador honesto aprovará esse café depois de uma análise criteriosa. Devemos lembrar que os determinadores de umidade não medem a umidade de grãos individualmente. Ele fornece o valor médio da amostra. Uma secagem desuniforme só será notada durante a torra do café, que é feita por ocasião da classificação por bebida. Juarez de Sousa e Silva


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