Narrativas Juanita #2

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ilustração: Líbero Malavoglia | 2013

XIII Lei de Fomento a Dança - São Paulo

Relatório II | Pesquisa de dança-literatura


TRILHA DAS NARRATIVAS

Narrativa 1 | Isabel Tica Lemos “Somam-se os corpos, os livros, os sons, as luzes, as roupas, os desenhos, os espaços e a interpretação de tudo isso organizada em dança” Narrativa 2 | Cristiano Bacelar Esse caminho tem coração Narrativa 3 | Gisele Calazans A “Integridade” dos corpos para torna-los, cada vez mais, capazes de ouvirem e manifestarem uma dança própria Narrativa 4 | Georgette Fadel As flores formais desse caminho Narrativa 5 | Ana Roxo Arqueologia de uma presença de espírito Narrativa 6 | Andrea Drigo Sobre a música Narrativa 7 | Eugênio Lima E o som se fez Narrativa 8 | Maitê Freitas Corpos-rupestres na escrita virtual Narrativa 9 |Cristiano Bacelar Trajetos e trajes Narrativa 10 | Iramaia Gongora Juanita Narrativa 11 | Ciro Godoy Criação de Luz: Ambientes e Experiências Narrativa 12 |Bettina Turner Grãos de despertencimento Narrativa 13 | Jerusa Messina Desenho-dança em Juanita Narrativa 14 | Líbero Malavoglia Rabisquinsights, por Líbero Malavoglia Anexos Fotos ensaio aberto, oficina Flyer eletrônico


“SOMAM-SE OS CORPOS, OS LIVROS, OS SONS, AS LUZES, AS ROUPAS, OS DESENHOS, OS ESPAÇOS E A INTERPRETAÇÃO DE TUDO ISSO ORGANIZADA EM DANÇA” Isabel Tica Lemos

No debate que ocorreu após o ensaio do dia 20/7/2013 observei o seguinte pensamento diante de algumas perguntas sobre o trabalho corporal e a colaboração entre os artistas. Antes de claramente elaborar meu pensamento me peguei narrando a seguinte passagem do livro Viagem a Ixtlan: A escalada foi algo penoso. Era um verdadeiro alpinismo, só que não tínhamos cordas para nos ajudar e proteger. Dom Juan me disse repetidamente que não olhasse para baixo; e teve de me puxar umas duas vezes, quando comecei a deslizar pela pedra. Eu estava muito embaraçado porque dom Juan, tão velho, tinha de me ajudar. Disse-lhe que estava em má forma física porque tinha muita preguiça de fazer exercício. Respondeu que uma vez que a pessoa alcançasse um certo nível de poder pessoal (um sentimento, uma sensação, estado de espírito ), os exercícios ou qualquer treinamento desse tipo não eram necessários, pois a única coisa que se precisava, para estar numa forma impecável era empenhar-se em não fazer (quebrar o habitual, expandindo a consciência para outras percepções)

O que de fato me fez pensar que o processo de pesquisa da energia em vibração e gesto deste trabalho apesar de tão claramente explicito não estava tão claro em relação a uma possibilidade de funcionamento quântico no seu âmago. Exponho aqui um detalhe do nosso funcionamento: Sim somos disciplinados e temos levado a risca nossos treinamentos físicos que são intensos, incluindo 2x por semana um treino de respiração “aiki” (união da energia – harmonia do universo com o indivíduo) as 7:00 horas da manhã com Ono Shihan, mestre japonês de 86 anos de idade e fundador da APA (Associação Pesquisa de Aikido) a qual sou filiada. No entanto, não raras vezes, pelo menos duas vezes por semana, quando vamos ao (tiro) -nome dado ao estudo, ensaio geral das pesquisas de improvisação – nos encontramos não tendo tempo suficiente para o que deveria ser um aquecimento apropriado, devido a demanda do encontro com todas as outras áreas de colaboração da pesquisa, sim sempre há um básico esticar e espreguiçar do corpo, questão de sobrevivência, estamos falando de 5 minutos, mas quando é hora de iniciar o tiro, temos feito uma prática meditativa, basicamente para nos acalmar/zerar tudo o que foi dito e nos transferir para o corpo, mudar o plano de frente, que acabou se tornando até agora a marca inicial dos ensaios abertos diante do público, a formação em cruz reta também é uma harmonia com as direções. E assim acabamos praticando um conceito muito moderno: aquecimento quântico, qdo através da meditação você alcança estados desejados em relação ao corpo físico porque você se conecta mental, espiritual e emocionalmente a sua memória desses estados. Há aqui para além da pesquisa da dança também um entendimento da dinâmica de criação entre os colaboradores dessa pesquisa. Lemos, estudamos, praticamos e então zeramos para dar conta de criarmos em coletivo. Estamos entendendo esse não fazer. Essa possibilidade quântica na troca entre todos, o que captamos e manifestamos para além do que é dito. E que o cotidiano para além dos ensaios é quando muito é percebido. Perguntaram também se praticávamos os passes mágicos. “paralelamente e no entanto na mesma estrada, ocorreu o encontro com uma técnica que é fruto e continuação do trabalho que Carlos Castaneda desenvolveu em vida. Esse encontro se deu com o que “Goethe” denominava “coincidência”. No primeiro encontro que os bailarinos tiveram para dar início a pesquisa do 13º edital do fomento, Nov de 2012, saiu no jornal “a folha de São Paulo, no suplemento equilibrio” o anúncio de um curso que teria início no próximo fim de semana e que se chamava: “ser energia” e que tinha como assunto, “O código: girando a Roda do Tempo” e que seria ministrado por aprendizes diretos de Carlos Castaneda, Aerin Alexander e Miles Reid (inclusive é ele um dos modelos que demonstra os movimentos de “tensegridade” no livro “Passes Mágicos” . Diante de tal coincidência achamos que era um sinal a escutarmos (um augúrio) e fui eu a fazer o curso. Foi intensíssimo, fiquei alquebrada, as vezes me sentia num treinamento de Box, as vezes brincando como criança tal a poesia. O código, é uma sequência de movimentos de mais de 20.000 mil anos, sim é o que dizem, desenvolvida pelos xamãs mexicanos para atuar em nosso código genético e promover um circuito energético, uma redistribuição de energia que nos dê suporte para sustentar a transformação da consciência e profundo bem estar (importantíssimo no trabalho de D. Juan). No próximo ensaio exatamente um dia depois, a Maia perguntou: e ai, como é que foi? , me mostra alguma coisa! E me foi absolutamente impossível lembrar dessa sequência, sei lá, composta de uns 100, 200 movimentos, dependendo de como ou o que consideramos um movimento completo,


e eu me lembrava de uns 3, ou mais de uma atitude, que repetia desesperada para ver se a memória abria e nada. Tive um semestre de saga, correndo atrás de quem sabia, algumas pessoas que conheci no curso, mas ainda assim um pouco difícil, quem sabia um pouco mais tava ralando igual, melhor que eu, mas também não sabiam. Mas o Daniel, que também estava no curso e que mora em Salvador e esse sim conhece bem os movimentos do código e ainda assim precisa de uma cola, (sobre isso posso contar outra pequena estória), apareceu em Sampa para passar uns dias e coincidiu de ser exatamente a semana posterior aos primeiros ensaios abertos, Maio de 2013. Tivemos então, e dessa vez o grupo todo, 3 dias de encontros para estudar os movimentos vindos da fonte Carlos Castaneda. (achamos isso uma concordância). Passes Mágicos é o título de um dos livros da obra de Carlos Castaneda, onde ele próprio separa e organiza tudo do aprendizado que foi referente ao movimento do corpo para o ato da redistribuição da energia. Ele chama esses movimentos de “tensegridade” - a união das palavras-conceitos tensão e integralidade - um livro magnífico, interessantíssimo e evidentemente dentro do assunto total dessa pesquisa: “Juanita um projeto de dança-literatura, baseado na obra de Carlos Castaneda”. No entanto a codificação é tão drástica, reta e de uma estética particularmente “estranha”, talvez eu devesse dizer feia e chata, por gentileza, reparem que é particular, totalmente pessoal minha impressão, mas a partir dessa impressão não quis abordar sua obra a partir desse livro, mas deixá-lo chegar em ordem de estudo da sua obra literária. Os textos contidos nesse livro, são como em todos os outros livros, estupendos e no entanto todo o estudo que procurei fazer diante da descrição dos movimentos me foram inacessíveis, talvez devesse apenas dizer que a dança e o movimento de qualquer natureza, enquanto descrições através da linguagem escrita são de fato uma coisa muito difícil, essa sempre foi uma questão dentro do mundo da dança muito considerada, sendo o Laban, inclusive reconhecido para além do fato da sua criação em estudo espacial e coreográfico, por seu estudo em escrita do movimento. Mas essa dificuldade ultrapassou a questão da leitura, pois foram produzidos alguns vídeos e eles também me foram muito estranhos. O que me levou a decidir com muita clareza que a abordagem corporal se daria diretamente da literatura, sem me preocupar em aprender os passes mágicos.

CARLOS CASTANEDA, QUEM É? Desde quando o encontrei através da sua obra e me encantei, nunca tive o menor interesse em descobrir os possíveis desdobramentos ou informações sobre sua vida privada. A obra pareceu suprir essencial e substancialmente minha alma. E essa é a abordagem feita nessa pesquisa, um beber puro e límpido. No entanto mesmo sendo a minha revelia, informações foram chegando a mim e a esse trabalho, como narrei acima, diante do encontro com a “being energy”. Aqui e ali fui descobrindo que existem e existiam grandes encontros ao redor desse trabalho da “tensegridade”. Que um coletivo de estudantes do Castaneda e ainda sob sua orientação fundaram um grupo de trabalho do qual o “being energy” já é uma dissidência e que ainda em vida Castaneda trabalhava com grupos de centenas de pessoas e ainda que a BBC havia feito um programa especial em 6 episódios abordando sua vida e o mistério do seu desaparecimento e um dia no ensaio na pesquisa sonora, chegamos a ver 10 minutos para meu absoluto choque diante da maneira sensacionalista como era conduzido o roteiro do programa, na minha opinião o que de pior a TV americana pode produzir. De maneira que apesar das informações irem chegando, elas sempre foram um pouco ricocheteando. Dizem que talvez ele seja brasileiro e que foi inclusive ajudado pelo avô de uma amiga...nunca tive o menor interesse e o que prevalece é o natural encontro com a obra.


No entanto conhecer os dois estudantes do Castaneda e encontrar uma abordagem dos movimentos ao vivo foi extremamente prazeroso e fizeram me sentir em casa, como quando faço os cursos de dança com excelentes criadores e professores. A informação porém, é outra da dança e das artes marciais mas muito prima das duas e atende ao interesse geral dos amantes do alinhamento energético e físico contido em todos os outros treinamentos desse projeto. Fez todo o sentido treinar e sentir o vigor dos movimentos propostos por ele. Definitivamente acrescentou ao nosso vocabulário. Queremos um pouco mais disso e ver onde vamos e o que é. As perguntas que tínhamos para quem vinha assistir aos ensaios abertos eram: está interessante o suficiente para reter a atenção do espectador? Alguma possibilidade de narrativa foi apresentada? Em absoluto significa querer conter a narrativa dentro de margens, quaisquer que sejam. Mas, prover um passeio imagético preenchido de potência. A resposta mais importante a essas indagações foi a perplexidade de ver crianças entre dois e quatro anos entretidas. Outro sinal foi o fato de uma espectadora, em determinado momento do espetáculo, reconhecer a literatura do Castaneda, informação que apesar de toda nossa comunicação ela não tinha, e ela havia lido, quase todos os livros há mais de 25 anos e de repente Tchans! lá estava a memória . Não que as imagens criadas pelos interpretes sejam infiéis, pelo contrario, sugamos tudo da literatura, porém o espaço improvisacional é amplo o suficiente para que as associações sejam livres. Muito foi feito no treinamento e ensaios abertos e uma força performática se apresentou, “aterramento expandido” (me disse a quito). Buscaremos perseguindo a integração dos corpos para torná-los, cada vez mais, capazes de perceberem, suportarem e manifestarem a energia em movimento numa dança própria. Através da continuidade aos estudos anatomicos do corpo humano, para que a soma das imagens e sensações, potencializem a criação autoral do movimento. Dentro de um espaço íntimo, que contém mais naturalmente a força individual e o suporte mútuo entre os colaboradores, como foi feito até agora, houve esse florescimento. O novo desafio é verificar se este trabalho se firma, se esta potencia é verdadeira. E se, além de verificar a potencia que se apresentou, somos capazes se expandi-la; motivo pelo qual desejamos realizar nossos ensaios abertos em novos e maiores espaços: espaços menos protegidos, como parques e/ou praças e possivelmente o teatro. envolvimento da luminosidade natural, experimentar horários diferentes, poder experimentar diferentes luminosidades mas dar prioridade ao lusco fusco- a transformação da luminosidade é evidente. Somam-se os corpos, os livros, os sons, as luzes, as roupas, os desenhos, os espaços e a interpretação de tudo isso organizada em dança.


ESSE CAMINHO TEM CORAÇÃO Cristiano Bacelar Gontijo

Sinto que nesta etapa nossos corpos: /montanha/figurino/respiração/palhaço/literatura/linha do tempo/distancia/ir para casa/voltar para o ensaio/cotidiano/ cafezinho/o código/sonho... Estavam com o ponto de encaixe mais firme. FIGURINO: Agora com figurino novo desenhado pela literatura, nos trouxe um encontro com outras formas e forças já lidas na literatura. Sendo ele um objeto à revelar, nos levando a estar ou não acessível ao movimento do corpo presença da cena. SONS: com o novo encontro com o DJ, filosofo e bailarino Eugenio Lima, trazendo uma musicalidade bem diferente, pode dizer que se parecia com a Loucura Controlada. Nossos corpos lidando com uma musicalidade bem orgânica e bem estranha, nos levando para lugares difíceis de lidar. Ser levado pelo o som ou deixar que ele penetre e encontre com o que tem dentro... um encontro muito feliz e ainda em processo de entendimento. Durante um ensaio fui levado pelo som o que me fez desligar completamente do restante do grupo, mas somos um grupo, um time, não adianta jogar sozinho e mais legal jogar juntos, JUNTOS SOMOS MAIS FORTES. Percebo em mim ainda uma integra total pela força, preciso entender que o que me leva fazer um movimento, me sinto meio Carlos Castaneda, ainda não sabendo lidar com o que acontece com ele e Don Juan ensinando para ele cada etapa, cada momento... CONSCIENCIA seria a palavra para mim desta etapa, tomar frente do que acontece com meu corpo, porque estou fazendo esse ou aquele movimento, qual intenção existe em cada movimento... levo esse CONHECIMENTO para a minha vida, saio dos ensaios completamente conectado com o que o que acontece comigo, mesmo ainda não sabendo lidar, pois é no cotidiano que acontece coisas incríveis, e a sutileza de cada instante nos mostra o que devemos fazer, coisa que acontece também na literatura de Castaneda, a cada encontro uma mudança, a cada momento um encontro com o CONHECIMENTO. Ao mesmo que tudo não tem importância, e como fazer e VER tudo com leveza. DOS ENSAIOS ABERTOS. Olha, vejo que nesse outra etapa estávamos mais conscistentes em nossos movimentos, embasados pelo o tempo. Mais maduros em nossas escolhas, mesmo sabendo que cada momento é o ultimo e o passado já foi... Nesta outra etapa, outro encontro a musica/dança de Eugenio Lima e Adriana Drigo, duas musicalidades bem distintas e se casarem tão bem, foi um encontro lindo, dois CONHECIMENTOS musicais. Dentre os três dia de ensaio aberto aconteceu um gráfico aonde perdemos o primeiro tempo, exageramos no segundo e equalizamos no terceiro. Três dias incríveis. Fica a vontade de continuar neste caminho do coração e nos lançar para o infinito, para o desconhecido. SIM, ESSE CAMINHO TEM CORAÇÃO.


A “INTEGRIDADE” DOS CORPOS PARA TORNA-LOS, CADA VEZ MAIS, CAPAZES DE OUVIREM E MANIFESTAREM UMA DANÇA PRÓPRIA Gisele Calazans

Nesta próxima etapa do projeto, seguiremos perseguindo a “Integridade” dos corpos para torna-los, cada vez mais, capazes de ouvirem e manifestarem uma dança própria. Daremos continuidade ao estudos anatomicos do corpo humano, para que a soma das imagens internas e sensações, potencializem a criação autoral do movimento. Ao mesmo tempo, a pesquisa em contato improvisação caminhará em direção à Plasticidade, prontidão e leveza - usufruir do contato com outro corpo num jogo sensível de recepção do peso e pressão, ter a gravidade como aliada, e rastrear o centro de gravidade do corpo(ou corpos!) em contato e em movimento - serão os principais temas de trabalho. Além da percepção da criação de poesia na dança a dois! Sentir, instante a instante, a criação de imagens poéticas.

AS FLORES FORMAIS DESSE CAMINHO Georgette Fadel

Semente, caule , folhas, e agora a síntese da flor. Vejo a minha participação nos proximos passos dessa pesquisa como a criação de ambiente propício para que se expanda e se aprofunde o alfabeto cênico que já começou a ser criado, fruto da “natural” intersecção das vertentes que a priori estavam sendo desenvolvidas separadamente (contato improvisação, aikidô, respiraçao, BMC, palhaço, e a obra de Carlos Castañeda). A confiança no crescimento orgânico dessa obra vem da certeza que os objetivos não são puramente formais. As experiências e conhecimento adquiridos pretendem e realmente realizamtransformações e alinhamentos que resultam na presença de artistas renovados diante do público. E portanto a dramaturgia, que se apóia na saga de Castañeda, se revela por SER a saga de cada um. Minha tarefa parece ser contribuir para a clareza da consciência dessas “flores formais” que estão surgindo, criando repertório


ARQUEOLOGIA DE UMA PRESENÇA DE ESPIRITO Ana Roxo

Segundo Mircea Eliade, em “O Sagrado e o Profano”, o rito (sagrado) se destaca da vida comum (profano) por apresentar um rompimento no contínuo de espaço e de tempo. As artes cênicas – que tem origem no rito – também são uma experiência desse mesmo rompimento. O que diferencia o rito de uma apresentação de teatro ou de dança é, grosseiramente falando, a presença da plateia e a falta da PRESENÇA - de quê? De Deus? Ou do que chamamos mesmo de presença: corpo presente, presença de espirito, presença de palco, FÉ CÊNICA. Nesse sentido, o trabalho de dramaturgia é organizar uma estrutura que propicie esse rompimento espaçotemporal, é uma linha traçada no chão por onde bailarinos se equilibram, é um guia que possa conduzir quem assiste pra lá do tempo, pra outra experiência do espaço. É uma estrutura firme o suficiente para dar sustentação aos saltos. Dramaturgia é osso. Mas onde está essa estrutura? Num primeiro momento, meu olhar - já mais ou menos treinado (ou deveria dizer viciado?) - pensou em assistir o que já havia sido feito para identificar e organizar ações e cenas já esboçadas num primeiro momento (afinal o processo de ensaio já havia tido um primeiro ciclo de cerca de um ano), ler um livro por mês e finalizar os nove meses de projeto com uma estrutura sólida de repertório e caminhos para improvisar. Mas logo no primeiro mês entendi que é um pouco antes, e um pouco mais devagar. Por isso um pouco mais profundo, por isso um pouco mais no osso do que eu pensava. Na estrutura. Mas não essa estrutura que estava treinada, acostumada, viciada, essa uma estrutura que resolve. Antes disso: a gente precisava de uma estrutura que REVOLVE. Por isso, fomos nós para o nosso corpo achar a nossa coluna. E o que é a coluna de uma trajetória de 9 livros, uma narrativa elíptica, que se auto refere, que se reescreve, que se refaz, que amplia seu olhar, que se distancia do ponto de partida não só em tempo, não só em espaço, mas na fenda xamânica e ritual da ampliação da consciência do narrador-personagem? A coluna, nesse caso é a espacialização do tempo: é um traçado no espaço que explicita esse tempo. Simplificando: é uma linha do tempo. Daquelas que a gente fazia na escola e escrevia “Queda da Bastilha” e puxava uma setinha em 14 de julho de 1789”. Nessa linha - que tem quase 12 metros de comprimento - traçamos sua coluna: um metro pra cada ano de ensinamento, de 1960 (primeiro encontro de Castaneda com D. Juan) até 1971 (fim do ensinamento). E traçamos os fatos minuciosamente tirados dos três primeiros livros de Castaneda: A Erva do Diabo (que teve anotações em vermelho), Uma estranha realidade (em verde) e Viagem a Ixtlan (em azul). Foi bonito de ver e entender como os livros, organizados por conteúdo e não por tempo, se interpenetram. Como se completam, revelando uma estrutura de narrativa muito muito muito complexa – como a vida. Um trabalho minucioso e, portanto, lento.


Então veio o ensaio aberto de 01o e 02 de junho. Percebi ali, que o buraco era mais embaixo. Ou mais em cima, eu não sei, mas não era em nenhum lugar que eu já conhecesse. E que o buraco talvez fosse uma brecha, uma fenda, um portal. E percebi então, que estávamos cavocando os ossos do tempo, porque muito já tinha sido absorvido por aqueles corpos, muito já tinha TOMADO CORPO (com trocadilhos). Por que, acima de tudo, o que aquela experiência propiciava, era a própria fenda do tempo espaço, a materialização de uma presença – se não do sagrado em si, pra não ser pre-potente, e sim potente – de algo de diferente, proveniente de um estado não cotidiano com cheiro de sagrado. Para mim, no entanto, restou além do im-pacto, a questão: que lugar da intuição, do inconsciente, do corporal fez aquelas escolhas e mais: que escolhas? Assim, o segundo momento, foi o trabalho arqueológico de escavar as reminiscências da escolha: povoar a linha do tempo dos trechos de cada livro que apareciam com mais frequência nas improvisações. No meio disso, outro entendimento: o desejo de um outro mapeamento, conceitual e comparativo, ou seja: que conceitos explicitantes de uma visão de mundo, da visão de D.Juan estão sendo formulados nessa narrativa? E qual o paralelo que podemos traçar com os conceitos da improvisação e do contato? Assim, temos 12 metros de trabalho pela frente, num passo lento de quem cava cada passo na profundidade da experiência viva, encarnada na ossatura: nos vestígios dos corpos, na intelecção de conceitos, na maravilha da narração. Ainda temos outros 6 livros para mapear a narrativa e corporificar os gestos/sons/estados de espírito. Depois, escavar os corpos em movimento, aprender e apreender quais são as escolhas/caminhos. Depois (se houver folego), começar tudo de novo e conceituar o aprendizado de 12 anos. Ou talvez isso num outro momento, numa outra fenda de tempo-espaço, numa nova consciência.

Ana Roxo, inverno de 2013


SOBRE A MÚSICA Andréa Drigo

Me baseei nos textos da literatura, onde tinha o sentido da sonoridade das palavras. Busquei intervir com sons, mas não para apoiar a dramaturgia do texto, mas para ressaltar palavras, idéias. Acreditava que havia com os movimentos dos interpretes timbres, notas com referencia da literatura. Cada intérprete ao se movimentar a compunha com timbres e notas, cada bailarino tinha um leit motiv próprio. Para cada direção havia umas duas 2 ou 3 notas. O desenho do corpo fazia com que as notas fossem tocas. Fiz um mapeamento do espaço cênico e do corpo no espaço, com desenhos melódicos e timbres. As notas dentro do pentagrama eram os corpos dos bailarinos, o sul tinha determinadas notas e timbres, o norte outras, a leitura do corpo no espaço era feito com voz, instrumento no instante do acontecimento. Devemos buscar a forca da improvisação com um espaço de experimentação grande, mas com um esqueleto, e termos a confiança de continuar experimentando. Desejo o frescor na trilha sonora de compor junto, corpo e som, mantendo a liberdade.

E SOM SE FEZ Eugênio Lima

A pesquisa busca a interação entre o corpo/dança e as sonoridades presentes no espaço, uma ponte entre os produzidos pelos dançarinos, os estímulos sonoros e a ambientação amplificada. Uma percepção advinda do universo imaterial presente na obra de Castaneda. Uma cartografia sonora em busca de sentido, amplificar para revelar aquilo que está em segredo submerso pela massa sonora da cidade, dialogar para buscar o padrão que une som e movimento, dissonâncias que criam novas rotas, retroalimentação. Microfones, mesa de som, caixas amplificadas, processadores de efeitos. Na busca dos buracos sonoros Ventos soprando pelas folhas, num ritmo, ao fundo um cantarolar, uma melodia ao longe, o apito de uma sirene de fábrica, o som de um lamento, um gemer baixinho, choro, soluços, gargalhadas, um assobio que parecia estar em todos os lugares ao mesmo tempo, então nada parecia ter mais tempo. E som se fez.


CORPOS-RUPESTRES NA ESCRITA VIRTUAL Maitê Freitas

Do que aprendi com Juanita neste processo de criação de registro da fisicalidade (corpo,dança) na palavra escrita-virtual, escrita, oral, virtual? A palavra tem o seu tempo. O corpo tem o seu discernimento. A virtualidade binária tem o seu momento. Ao longo deste processo de criação, manutenção, construção e descontrução da forma-conteúdo do blog juanitadanca.blogspot.com o aprendizado de se harmonizar com o tempo foi necessário. Manter a conexão, ora lendo a obra do Casteñeda, ora conversando com os escritores-bailarinos, ora revendo os registros e ora se ausentando do processo e apenas percebendo-o, tudo se fez aprendizado e compreensão de que o tempo da sala de ensaio não é o tempo sala cibernética. Nesta pesquisa, o blog é mais um personagem que aos poucos é apropriado, assimilado e digerido pelo processo. Juanita é uma pesquisa de construção narrativas transdisciplinar onde o tempo de cada elemento é assimilado e incorporado ao organismo vivo que faz esse projeto. Com o tempo, compreendi que não adiantava querer postagens, textos, novidades... A literatura, o corpo e a construção poética convocam um outro tempo, um outro modo de escrever e perceber a história, de ser a própria dança e a própria palavra. juanitadanca é mais um espaço, extensão da sala de ensaio, tear onde a pesquisa é tecida, bordada e compartilhada com os navegantes. Se compreendido como uma tela de pintura, uma folha de papel, um chão de madeira, quando adentramos esta outra face da sala de ensaio, percebemos que a memória das intuições e das intimidades deste processo estão ali publicadas, orbitando o não-espaço e o não-tempo de mais um meio de expressão dessa dança-narrativa. Com o tempo compreendi que só se converte em texto aquilo que se assimila “celular-mente”. Gratidão, dons Juanita.


TRAJETOS E TRAJES Cristiano Bacelar

Do que é revestido um organismo? De que temperatura? De que pele é feita uma montanha? Com essas e outras perguntas seguimos para decifrar qual figurino vamos utilizar em nosso ensaio aberto. Então fomos para literatura de Castaneda. Lá encontramos cores, ventos, lugares, direções, sentimentos... o cotidiano. O figurino ainda em processo de descoberta, retirado tudo o mais límpido possível da literatura, considerando fato de que eles sempre estavam com suas roupas cotidianas... Um primeiro momento vislumbramos um casaco-pele-organismo-bicho como saindo de sua pele para buscar em encontro com o desconhecido. E agora encontramos na direção leste um casaco-montanha, o que será que existe em cada montanha, qual energia é gerada dentro de cada montanha-corpo? TEMPERATURA Pele organismo, pele órgãos... Um figurino construído também inspirado no Bispo do Rosário, levando nossa intuição para vários lugares. E qual estado cênico nos leva um figurino... sendo ele um objeto à revelar, nos levando a estar ou não acessível ao movimento do corpo presença da cena.

JUANITA

Iramaia Gongora

Mergulhamos em nossa singularidade, vimos surgir, novas formas, movimentos autorais, descobertas corporais, novas possibilidades apareceram. Um primeiro momento me vi nua, limpa, depois de mergulhar em meu corpo, descobrir minhas dificuldades e idiossincrasias, aceitar meus limites e dançar com eles. A literatura de Castaneda me acompanhou, em cada momento, de forma que dialogava minhas dúvidas se refletiam em pensamentos escritos nos livros. Quando dançava, imagens de cenas dos livros apareciam em minha mente, e quando as fazia todos os dançarinos que me acompanhavam conseguiam a ler e embarcavam junto, assim como as imagens trazidas por eles me levavam a outros mundos. Viajar pela literatura, pelo meu corpo e as informações que ele carrega, encontrar universos impares de estados trazidos por cada um e navegar nesta narrativa, sem começo ou fim, só no caminho do meio. Encontrar o público foi uma outra etapa. Ainda dentro de nossa sala de ensaio, nosso ninho, dentro do útero de criação e liberdade, convidamos estrangeiros ao processo para nos acompanhar. Não foi fácil, o olhar de fora nos coloca sempre em uma outra dimensão, mas encaramos o desafio, que na verdade foi muito amoroso. O olhar receptivo daqueles que foram comungar de nosso processo nos transportou para um outro lugar de expansão e ampliação. Tivemos a alegria de sermos observados por pessoas que queriam compartilhar as vivências que tiveram durante a nossa apresentação. A resposta foi linda. Dançamos com alegria e prazer de apresentar o que até aquele momento tinha sido nossa pesquisa. Encerramos esta etapa, com muita satisfação de termos pesquisado, descoberto, encontrado e ampliado nossos horizontes. Espero logo seguir esta caminhada...


CRIAÇÃO DE LUZ: AMBIENTES E EXPERIÊNCIAS Ciro Godoy

A pesquisa durante o processo de criação em Juanita se desenvolveu a partir dos encontros com o grupo para leitura e troca de impressões acerca da obra de Castañeda, onde freqüentemente se apresentam o que chamei de “Ambientes de Luz” e “Experiências de Luz”, conceitos que serviram de base inicial na criação de luz para os ensaios abertos. Este primeiro conceito, “Ambientes de Luz”, é inspirado principalmente nas descrições da natureza, de seus elementos e movimentos, nas luzes dos ambientes visitados na obra literária, no nascer e no por do sol, o sol a pino do meio dia, o deserto, a escuridão da noite e do silencio. Em “Experiências de Luz” a inspiração veio diretamente das imagens “mágicas ”, apresentadas na obra literária como sendo “experiências de poder”, da expansão da consciência alcançada nos treinamentos e buscas de Castañeda junto a Don Juan. Alem destes dois pontos de partida vindos diretamente da obra literária, a visita aos ensaios do grupo e a observação direta de seus procedimentos e materiais corporais, abriram novos horizontes para a criação da luz cênica para o trabalho. A potencialidade do encontro entre os quatro interpretes em cena, as imagens corporais propostas, os movimentos, gestos, tensões, delicadezas...tudo me remetia a uma “dança ritual”, uma “dança de poder” que através de improvisação cênica e das relações dos corpos no espaço/tempo me remetia diretamente ao Xamanismo, ao Caminho do Guerreiro, as aventuras, buscas e desafios do fazer artístico e da vida. Sendo assim, diante deste universo apresentado pelo “encontro” de Juanitas, senti a necessidade de se manter o frescor e a descoberta vivos em cena, propondo ao elenco sempre novos desafios no que se refere a luz, efeitos de iluminação, cores, formas, áreas iluminadas, sombras, escuridões...uma vez que a improvisação é a grande ferramenta apresentada, nos dando permissão para experimentar o novo e o inesperado, o jogo. Passos para a continuidade do projeto... A partir daí, da literatura, do encontro e do desafio, pretende-se radicalizar na proposta do que seria a iluminação cênica para este trabalho, explorando novas fontes de iluminação, a luz natural, formas tradicionais e alternativas de luz adaptadas a cada tipo de ambiente e espaços cênicos ocupados, palcos, espaços não convencionais, áreas ao ar livre, parques, ruas praças...em cada novo ambiente, seu potencial de iluminação investigado, explorado e expandido.


GRÃOS DE DESPERTENCIMENTOS

Bettina Turner

Viver o Juanita é viver a liberdade que norteia. Primeiro desnorteia, depois dá a direção, que pode ser o Norte, o Sul, o Leste, o Oeste. Pode ser o centro de mim, do grupo, da sala, da vida. A disciplina da vontade que entra pela barriga. BMC, respiração, aikidô, contato, linha do tempo, imagens saindo das células e entrando pelas lentes, movimentos na espiral. Etapa final de mais uma fase, como tudo que aqui me foi presenteado, com grandes fitas gordas e coloridas, abrindo surpresas: descolando máscaras, o humano desconstruído pelo riso, diante da especialidade do ser – palhaço! E o “being energy” , códigos para realinhamento energético, mágicos, o que dizer? Olho na minha linha do tempo os dezoito meses sobre os quais confiei, duvidei, andei, toquei, chorei, corri, girei, amei, desconfortei, gritei, dancei. Juanita é tanto que soa em silêncio. Declarações piegas não combinam com D. Juan. Risadas. Mas o feixe de artistas que compõem esse balaio de pesquisa em dança, literatura, imagens, som e luz coloca essa minha incursão pelo universo da criação dentro de um novo paradigma pessoal: o sentido da arte transcende a subversão; é a emanação da energia fina oitava acima cavando forma na densidade da matéria, tateando beleza e harmonia. Amor. Arte é cura, vivi isso: corpos e almas nos círculos concêntricos dos quatro dançarinos (círculo interno) e aglutinadores convidados (círculo externo), em movimentação compassada (ainda que porventura fora do compasso) quase solene em sua simplicidade essencial, no caminho que tem coração, integração. Ensaio aberto. Vamos tirando as camadas. Primeiro, estar ali. Segundo, estar ali comigo mesma. Na sequência, estar com o outro que me espelha. Depois, a alteridade refratada na plateia. Quem me vê? Eu me vejo, partes de mim que passam zunindo diante do que ainda não vejo. Cada elemento, cada frase da literatura de Castañeda, cada pulo no abismo é um ato de fé e de magia. Ninguém me perguntou por que estou deixando Juanita, talvez porque não seja possível racionalmente deixar Juanita. Eu penso que sei que a hora da escolha só foi possível depois que desafiei o medo e dei um passo na aprendizagem e ainda com tão pouco senti o encantamento. Agora dou o passo seguinte, e seguinte, respirando fundo a cada curva mais aberta do caminho, destravando os dentes, seguindo a batida do tambor, banhada na generosidade da vida. Gratidão. Gratidão. Gratidão. Coloco o chapéu na despedida. Já semidespertencida desse espaçotempo-grupal que vou desinstalando


DESENHO-DANÇA EM JUANITA Jerusa Messina

Minha pesquisa com o desenho no projeto Juanita vem tendo avanços significativos e ganhando novos contornos na medida de sua trajetória. Partiu da proposta aberta, libertária, de que os caminhos para o desenho seriam aqueles que eu desejasse, contanto que dialogassem com o processo investigativo do grupo em torno da literatura de Castaneda. Os desenhos realizados serviriam inicialmente para ilustrar o blog do projeto e os certificados de participação nas oficinas, mas eu carregaria no corpo uma prontidão receptiva aos novos desdobramentos. Iniciado o percurso, passei a entender, intuitivamente, que parte do desenvolvimento da pesquisa não seria uma prática pura e simples do desenho, mas um acompanhamento e vivência das experiências corporais dos dançarinos. Meu corpo também precisava ser preparado para compor o grupo de trabalho. Fui compreendendo, pouco a pouco, que apesar de composto por diversas linguagens, com suas especificidades, a pesquisa Juanita é um todo; um corpo complexo de artistas em busca de uma forma singular de produzir arte. Durante a caminhada e na medida em que compartilhávamos as leituras dos livros, também foi ficando cada vez mais claro que a literatura de Casteneda seria para mim muito mais que uma “referencia”; porque não interessaria simplesmente representar seus elementos enquanto formas externalizadas, mas sim apreender seus conteúdos, vivenciando em arte os ensinamentos mágicos ali compartilhados. A literatura de Castaneda passou a ter, então, o papel fundamental de me servir como alimento e ferramenta para mobilização e manifestação da energia em forma de arte. Assim fui me envolvendo cada vez mais com o projeto, que se revelou pra mim, inclusive, como um terreno extremamente fértil para o desenvolvimento do meu trabalho como artista. Me possibilitou acessar integralmente e sistematizar em pensamento meu processo de criação, abrindo espaço para novos entendimentos sobre o desenho e para a experimentação de outros formatos, suportes e materiais. Inicialmente a criação consistia em gerar imagens a partir de um certo acúmulo de informações e experiências resultantes da pesquisa junto ao grupo de artistas participantes de Juanita. Gerar imagens enquanto um “resultado” -- não no sentido projetivo, de uma elaboração racional do que elas viriam a ser, porque o improviso é a característica fundamental do meu trabalho, mas como o ponto auge de um processo -- parecia ser o objetivo da minha participação no projeto e era como eu me relacionava com ele num primeiro período. A partir do momento em que comecei a desenhar durante os ensaios, já não mais me entendendo como uma observadora externa, quase que como apêndice do processo, mas sim como “observadora componente” do ambiente instaurado pelos corpos em movimento, estando eu performaticamente em ação, o ato criativo ganhou, no meu entender, o tal status de “auge”. Com essa mudança de paradigma interno, o desenho passou também a ser dança. Então os papéis de suporte cresceram para receber o movimento mais amplo do corpo, apareceram materiais mais adequados à nova agilidade e escala do desenhar. Formatos novos chegaram, o caminho se abriu.


Neste novo processo, o próprio caráter de improviso foi ficando cada vez mais claro para mim como um campo forte do desenho; assim como a própria idéia de “improviso” ganhou finalmente qualidade mais consistente na minha consciência do que isso vem a ser; e acabou por estreitar meu compromisso com o Juanita e com a própria criação artística. Entendo agora, com mais clareza, que, no meu trabalho como desenhista, “improviso” é o nome que pode ser dado à manifestação em imagem do campo de forças que se estabelece e com o qual é feita a conexão no ato da criação. No caso de Juanita, nome dado à manifetação em imagem do campo de forças criado pelos artistas “aglutinadores” do projetos e todas as energias participantes, como aquelas invocadas pelas leituras dos livros de Castaneda e o público dos ensaios abertos. Buscando a origem das imagens que crio, agora visualizo que, caso se pudesse enxergar do ponto de vista do desenhista os vetores de energia combinados nesse campo de observação, então, muito provavelmente, se enxergaria multidimensionalmente o que no desenho se configura em duas dimensões. Essa é apenas uma suposição, mas também o indício de um rico campo de investigação sobre a arte enquanto manifestação concreta do sensível , que se abre a partir de agora. Ao final deste processo, passo a entender meus desenhos como cartografias subjetivas dos campos de forças que visito; ou, emprestando o termo criado por Suely Rolnik, como espécies de “cartografias do sensível”. E observo que meu trabalho enquanto artista ganhou segurança e conseqüente liberdade nos seus movimentos e trânsitos de linguagem. O projeto Juanita tem me proporcionado a expansão da consciência artística. APONTAMENTOS PARA O PRÓXIMO PASSO Vejo os passos dados até agora como o princípio de uma longa pesquisa. E já vislumbro o florecimento dessa consciência quântica que passo a ter sobre a maneira como produzo arte, em novas etapas de criação dentro do projeto Juanita. Me instiga a exploração de novas possibilidades do desenho-dança, para expandir os contornos dessa linguagem que surge. Assim, me coloco alguns desafios para próxima etapa de Juanita: como integrar mais ainda a ação do desenho à composição da dança, dialogando com os outros corpos em movimento durante a improvisação? Como a imagem gerada pode ter participação efetiva na composição, evidenciando-se como parte do ambiente e retornando ao campo de forças que a gerou como um novo elemento em ação? Em síntese, minha proposta concreta de participação na próxima edição de Juanita é ampliar e aprofundar a investigação em torno da idéia de desenho-dança, expandindo os movimentos corporais que geram o desenho e proporcionalmente aumentado a escala dos suportes, intervindo de forma mais evidente no espaço. Os desenhos gerados na improvisação em cena, configurados como instalações no espaço, passarão, assim, a compor cenograficamente o ambiente de apresentação.


RABISQUINSIGHTS Líbero Malavoglia

Comecei meu trabalho no projeto de pesquisa de dança – literatura “ Juanita “ na forma tradicional da ilustração, criando imagens para as minhas interpretações da releitura dos livros de Carlos Castañeda. Fiz assim, enquadramentos cinematográficos para algumas passagens de grande poder mágico e significado humano profundo destes livros. Esse início de trabalho não foi mergulho algum, pois usei técnica e linguagem que me são muito familiares. A verdadeira pesquisa se iniciou quando comecei a tentar desenhar os dançarinos em seus mergulhos , em seu movimento de corpo e alma em uma busca verdadeira por um encontro com a energia, o mistério e a vida. Inserido dentro deste círculo mágico , fui atravessado por correntes de energias , vibrações, sentimentos que se impuseram a mim exigindo passagem através do meu próprio corpo ao se traduzirem em gestos , espirais, curvas e retas que pela ponta de um lápis chegaram aqui, na matéria. Estes rabisquinsights se tornaram por sua vez a base para aquarelas , onde volto a usar as técnicas que aprendi na vida, mas desta vez realizadas sobre algo vivo, recém nascido , inspirado e transcendente ao meu intelecto. Agradeço muito o convite e a oportunidade de participar de “ Juanita “.


ensaio aberto


Oficina de danรงa-literatura


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