Revista Self-service - O que a mídia oferece pra você

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O que é self?

A natureza do eu

Projeto simbólico

Tecendo uma narrativa

Interação face a face?

Os relacionamentos mediados

Desenvolvimento da mídia

A dessequestração da experiência

Vivendo em um mundo mediado Absorvendo símbolos


"O desenvolvimento da mídia não somente enriquece e transforma o processo de formação do self, ele também produz um novo tipo de intimidade que não existia antes e que se diferencia em certos aspectos fundamentais das formas de intimidade características da interação face a face" (Thompson, 1998, p.181)


Expediente Edição nº 1 - maio de 2013

Revista criada por estudantes do curso de publicidade e Propagada da universidade de fortaleza como prérequisito de aprovação para a disciplina de Teoria da Comunicação II de 2013.1, ministrada pela professora Alessandra Oliveira Araújo Projeto Gráfico e diagramação: Fernanda Carneiro Juliana Holanda Redação: Fernanda Carneiro Juliana Holanda Mansueto Bruno Melissa Marinho Ramon Bernan REFERÊNCIAS: • THOMPSON, John B. O Eu e Experiência num Mundo Mediado. In:___. A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia. Tradução de Wagner de Oliveira Brandão. Petrópolis, RJ: Vozes, 1998. • MORIN, Edgar. Os olimpianos. In:___. Cultura de Massas no Século XX: neurose. 9ª edição. Tradução de Maura Ribeiro Sardinha. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 1997. Imagem da Capa: shutterstock_69656554.jpg

editorial

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sta é a primeira edição da revista Self-service. Idealizada e criada por uma equipe composta por cinco alunos de Comunicação Social da UNIFOR. Com o intuito de desenvolver um produto que trate sobre certos aspectos estudados pela Teoria da Comunicação. Mais precisamente sobre as influências da mídia e do ídolo em relação a formação do self. Apesar do nome dado a revista, o termo self-service não é referente aos assuntos gastronômicos, mas sim no que melhor pode significar o eu (self) servindo-se do que a mídia oferece. Assim, como o próprio termo diz: self-service (servir a si mesmo), estamos nos servindo e deixando que outros se sirvam não só de experiências mediadas, mas também de todo um leque de opções que nos levam, como indivíduos, a busca pelo que somos e como nos formamos na sociedade moderna vigente. Correndo atrás de meios para autenticar e validar a própria identidade. Nosso foco leva-nos ao estudo do conhecimento do ser; do indivíduo como ele próprio se conhece. A sua formação e identidade sob aspectos mediados por diretrizes locais, regionais; nacionais e, muitas vezes, internacionais. Nesta edição, aprofundaremos um pouco sobre o self e como a mídia atua sobre nossas decisões e atitudes. Seja bem-vindos, e sirvam-se à vontade Fernanda Carneiro Equipe Self-service


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O que é self?

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A natureza do eu A princípio, nosso ponto de partida para estudarmos o que se passa com o self (eu) surge do contato com um texto que aborda como se dá a relação do self com o mundo mediado. O texto, “O eu e a experiência num mundo mediado” (pp.181-203), capítulo 7, do livro A mídia e a modernidade: uma teoria social da mídia, do autor John B. Thompson, apresenta de forma sucinta a relação entre o indivíduo, sua identidade e sua formação por meios externos que, de uma forma bem distante, acabam por influenciar mais do que o contato com aqueles que estão bem próximos. introdução

Diante da formação do self, o desenvolvimento da mídia na modernidade produz uma intimidade com o indivíduo que foge à regra da intimidade que se tem face a face. Tal contato íntimo que, por vezes, não é recíproco, mas faz parte do cotidiano, estrutura-se assimetricamente e disso uma nova configuração de relação ganha dimensões “palpáveis”, tangíveis

e, esta quase-interação mediada, responde por ambos os lados presentes na relação. Seja, o lado do ídolo. Seja, o lado do fã, por exemplo. Livre de obrigações por conta de vínculos efetivos, que o face a face nos amarra constantemente à sociedade, a relação ídolo-fã aparentemente é saudável e descompromissada. No entanto, há casos em que a veneração ao ídolo por parte do fã acarreta à uma dependência por causa de uma ausência que o indivíduo/fã sente. Como uma espécie de vazio provocado pela falta de reciprocidade. Assim, da mesma forma que o desenvolvimento da mídia cria uma experiência possível entre o fã e o ídolo que se encontra distante, o mesmo cria uma outra experiência, até quase impossível de se vivenciar no dia a dia. Sendo uma forma de ver e conhecer o que nos é ocultado dentro da sociedade. Morte, dor, sofrimento, pobreza, e toda e qualquer forma de ação expurgada nos é mostrada pela mídia nos tornando íntimos daquilo que nos é desconhecido

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Projeto simbólico

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Tecendo uma narrativa Produto de uma construção ávida por símbolos externos, o self torna-se um projeto que vai sendo moldado de acordo com os materiais simbólicos disponíveis e ele próprio, o indivíduo, monta sua narrativa. Os materiais simbólicos que antes eram conseguido pela interação face a face e passados de pai para filho – geração após geração – agora são dispostos pela mídia como bens de escolha. Sem a necessidade do indivíduo se locomover para conseguir estas informações de outros locais e sem a limitação que o lugar onde se habita possui. Facilitando que o indivíduo viaje para longe de seu lugar de origem; ampliando seu repertório como pessoa. novas possibilidades

As inúmeras opções que surgem diante do indivíduo confronta-o quando o faz sentir que há mais de um caminho à seguir ou quando este percebe que suas referências simbólicas mudam constantemente e que não há um ponto de apoio ou um alicerce que o ancore em uma base estabelecida. Essa falta de estabilidade não impede que a organização reflexiva do self seja uma característica importante nas relações sociais. Mesmo porque, os inúmeros materiais simbólicos tornam-se parte da formação do self e proporcionam seu crescimento de um jeito que não se conseguia fazer antes. aspectos negativos

Para Thompson, existem quatro aspectos negativos para o self no momento em que se dá sua formação quando entra em contato com os objetos da mídia. O primeiro aspecto aponta para as mensagens ideológicas que servem apenas enquanto não alcançam seus propósitos e que sustentam, em nome do poder, relações desiguais. Assim, o desenvolvimento da mídia criou e preparou o terreno para introduzir estas mensagens ideológicas; mensagens mediadas com teor reflexivo e incorporadas ao projeto de formação do self e a vida do indivíduo da maneira que ele achar melhor.

Apesar das características inquietantes, as mensagens ideológicas também atuam no reforço de ações incorporadas e desta forma mantêm o poder. Estas incorporações são referentes ao gênero, etnia, e tudo que esteja ligado a uma concepção determinada. São mensagem que são expressas para internalizar no sujeito o modo como este deve se portar. Outro aspecto negativo que o desenvolvimento da mídia possui é o paradoxo entre a organização reflexiva do self e a dependência à instituições que fornecem os materiais simbólicos para a formação do self. O terceiro aspecto é o que Thompson chama de “sobrecarga simbólica”. Que ocorre da desorientação do indivíduo com o excesso de materiais simbólicos que tanto podem enriquecer o projeto de formação do self como também pode sobrecarregá-lo. O meio para escapar desta desorientação se dá na forma de confiança em alguém com um conhecimento que julgamos ser maior que o nosso, alguém com respaldo ao contrário de nós que pisamos em terreno movediço. A absorção do self por meio de uma quaseinteração medida é o último aspecto apontado por Thompson como` sendo negativo para a formação do self, pois os materiais simbólicos mediados podem deixar de ser um recurso e tornar-se o motivo de interesse e preocupação por parte do indivíduo


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Intimidade


Interação face a face?

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Os relacionamentos mediados A intimidade não recíproca que a relação mediada oferece ao indivíduo é prazerosa por não exigir determinadas ações que a interação face a face nos obriga a ter. Eximindo-nos de entrarmos na reciprocidade que a relação direta tem. Os amigos à distância não são complexos, nos divertem e auxiliam nos momentos caóticos. E mesmo assim, não somos vinculados por um forte laço de recíproca ação; o que parece ser um ônus ao indivíduo que faz uso deste tipo de contato.

No entanto, esta quase-interação – uma relação unilateral – pode tornar um indivíduo dependente, pois a intimidade que surge deste convívio a distância representa algo grandioso para o indivíduo; tornando-se real para ele. O fã, por exemplo, pode se apaixonar por seu ídolo. Ter nele um amigo que nunca teve ou nunca terá. O ídolo passa a fazer parte de sua existência e a da sua vida, como sendo alguém da família ou o mais próximo que ele puder ser. Porém, apesar da dependência que o ídolo exerce no fã, o indivíduo como fã


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Ao tornar-se fã, o indivíduo molda-se de acordo com o produto ou evento que envolva seu ídolo. Sua vida rotineira, seja como fã

mas isso não necessariamente significa que o indivíduo/fã goste de um membro específico do grupo. E mesmo assim, ele continua sendo fiel a banda sem muita intensidade ao se relacionar em sua quase interação. A tietagem permite que o fã tenha interação face a face com outros que são fãs como ele e nesta relação surgem laços que são importantes para a construção do self. Ser fã e está associado a outros é reafirmar que não se está sozinho em suas escolhas. Os desejos mais íntimos podem ser partilhados e é possível sentir-se bem por saber que outros partilham dos mesmos interesses.

ou não, guia-se de acordo com o grau de seu fervor ao fanatismo. No geral, suas atividades giram em torno do consumo e da criação de coleções dos produtos ou artigos relacionados ao ídolo e mesmo que não haja um ídolo específico, há a fidelidade do fã para com a entidade ou o que seja que represente a figura do ídolo. Por exemplo, o fã de uma banda pode admirar o todo que esta representa; colecionar seus álbuns; possuir camisas e pôsteres,

Apesar das vantagens de ser fã, há o que pode ser observado como desvantagem: o fã cativo da vida do ídolo. Ao perder o controle de suas ações ele deixa de distinguir o que é real e imaginário e passa a viver de suas ilusões por se confundir inteiramente; permitindo que o self se misture de forma equívoca com o mundo midiático e desta forma o indivíduo passar a exercer apenas as atividades de fã deixando de lado a vida que tem

pode em sua relação não recíproca se desligar quando bem entender do ídolo depois que suas necessidades forem atendidas. A relação de intimidade à distância acontece como sendo de verdade; provocando culpa no indivíduo que vivencia uma vida imaginária e divergente da que vive na realidade e mesmo que gere algum desconforto ou culpa, é apreciada com louvor por aquele que a experimenta.

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Tietagem


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Desenvolvimento da mídia

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A dessequestração da experiência

Considerado um desenvolvimento importante, a dessequestração da experiência é outra vertente da mídia que, além das relações não recíprocas, ainda proporciona o contato com aquilo que nos foi “sequestrado”. Na prática, certas coisas nos foram sendo afastadas por meio da sociedade até chegarmos ao ponto de não termos mais conhecimento prático sobre isso. Como, por exemplo, as situações que envolvem loucura, doenças e toda forma de violência que até alguns séculos atrás eram presenciadas publicamente e não era oculta aos indivíduos. Ao contrário disso, a sociedade nos dois últimos séculos foi escondendo o que o havia de pior e tais mazelas foram sendo tiradas de nosso convívio, até então. E assim, chegamos ao ponto de termos tais situações consideradas como “sequestradas” do indivíduo. A mídia, no entanto, traz na modernidade os atos bárbaros e as mazelas para o indivíduo. Isto é chamado de “dessequestração da experiência”. Pois, o indivíduo passa a ter conhecimento sobre estes fatos; assiste por meio de qualquer dispositivo de comunicação, mas ele não tem contato direto. Está distante, apesar de diante dele tornando-se parte de sua rotina, ainda que não seja uma experiência de vida tangível: face a face. Para Thompson, há quatro aspectos que devem ser considerados: a experiência mediada que ocorre através de uma quase-interação e que não sofre influência do espectador ou

daquele que interage, não afetando em nada o evento ocorrido. O indivíduo participa, mas não pode interferir no acontecido, ao contrário do evento que, muitas vezes, influencia a vida deste, e atua na formação do self. Justamente por se tratar de uma relação à distância, mesmo que pese nas atitudes do indivíduo de alguma forma, a experiência mediada, não é capaz de causar tanta mudança no self como a interação face a face. A experiência mediada acontece de um jeito diferente da experiência de vida. Esta experiência é recontextualizada. O que acontece distante de nós é, por vezes, chocante e desconcertante, pois a miséria contrastante de outro mundo alcança à todos os que estão de fora e em certos momentos, surge a necessidade de fugir da realidade, da “má” realidade que parece cruel aos outros. Como se o que é visto por todos fosse demais para ser enxergado. Além disso, tais experiência mediadas não são partilhadas espacialmente pelos indivíduos, pois não foram enraizadas no mesmo espaço-temporal. Estas são experiências que em qualquer parte do mundo podem chegar aos indivíduos e mesmo assim, sem o contato direto, permitem servir como parâmetro, como forma similar de experiência de vida entre vários indivíduos de localidades diferentes; atuando como influência efetiva da experiência mediada


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Vivendo em um mundo mediado

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Absorvendo símbolos Cada vez que o indivíduo torna-se aberto ao que é mediado, o self dispersa-se. Mas ao contrário do que se pensa: o self como ser incoerente, na verdade o ele transforma-se e sua transformação deve ser vista com outros olhos. Agora, sendo capaz de experimentar quaisquer coisas de seu interesse, e interagir com outros indivíduos à distância, da forma que for, a natureza do self vai, assim como o indivíduo, se transformar devido a influência que sofre. Não sendo dissipada ou dissolvida por consequência do contato com as mensagens mediadas. Desta forma, a experiência de viver em um mundo mediado só ganha sentido quando ocorre de haver as diversas experiências que ele nos proporciona. A formação do self, para alguns, continua a exercer influência quando os eventos ou encontros o regem. Indo diretamente na direção oposta ao self dos indivíduos mais antigos. O self na sociedade moderna necessita e depende de tais experiências mediadas para se remodelar e constituir-se. O fã quando conhece o ídolo não está apenas o consumindo por mero acaso de consumo. Ele está experimentando a vivência, o estilo de vida que o ídolo oferece. Está almejando ser quem aquele que venera o é, ou parece ser. A imagem, que o artista, ou olimpiano moderno, como denomina Morin, passa ao seu fã forma e guia o self. São os olimpianos da mídia moderna que hoje surgem na tela da TV, na Internet e em todos os demais meios de comunicação em massa como símbolos de absorção. Eles tornam-se os mais novos suportes materiais da ideologia e são os novos signos que regem os indivíduos. Os moldando para a sociedade. Imag

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As informações que transformam os ídolos em seres “olimpianos”, as novas vedete da atualidade (modelos etnográficos de cultura), carregam em si uma digna e elevada bagagem de acontecimentos históricos destituídos de significação política; como os casamentos, os partos das celebridades, ou os divórcios. São os heróis, modelos que encarnam mitos da vida privada e desenvolvem uma mitologia, uma ação que vai além do consumo da estética. Ultrapassando o real e o imaginário. O Olimpo perdeu seu caráter divino e sacro ao transformar-se em um dos produtos mais originais da cultura de massa. As estrelas, já promovidas à divindades, foram humanizadas e multiplicaram suas relações humanas com o público. Desde que as célebres estrelas inacessíveis e sublimes “desceram à terra”, os olimpia-

nos vêm participando da vida cotidiana dos meros mortais. Assim, podemos acompanhar a verdade sobre seus amores lendários e seus sentimentos que agora são presenciados. O Olimpo presente na modernidade está além de tudo, acima do bem ou do mal. Acima até da estética, mas não chega a ser uma religião, mesmo com características míticas. Mesmo assim, o indivíduo é levado a escolher um lugar, uma posição ao defender ou tomar partido de uma causa ou ideologia que surge em um lugar distante de onde ele se encontra e, desta forma, ele luta por algo que nunca vivenciou. Apenas pela influência do ídolo, do time de futebol, ou mesmo da escolha política.


obrigado


selfservice.com.br


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