Real Gazeta do Alto Minho DIRECTOR JOSÉ ANÍBAL MARINHO GOMES REDACTOR PORFÍRIO SILVA Edição do Centro de Estudos Adriano Xavier Cordeiro com a colaboração da Causa Real
Janeiro 2021
ESPECIAL
GONÇALO RIBEIRO TELLES
REAL GAZETA DO ALTO MINHO
Índice Testemunhos de uma “Revolução Tranquila”, por José Aníbal Marinho Gomes - pág. 3 Vénia a um cultivador de utopias, por Abel Coentrão – pág. 9 O Visionário, por António de Souza-Cardoso – pág. 11 Ribeiro Telles, e as graves assimetrias do País, por António Moniz Palme – pág. 13 Gonçalo Ribeiro Telles – Um Homem Extraordinário, (que me marcou profundamente, e a toda a minha geração), por António Pimenta de Castro - pág. 15 Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, por Gen. António Ramalho Eanes – pág. 17 Gonçalo Ribeiro Telles - Farrapos da Memória de um grande Português, por Augusto Ferreira do Amaral - pág. 18 Gonçalo Ribeiro Telles, por Aurora Carapinha – pág. 21 Memórias simples, por Bento de Morais Sarmento – pág. 23 Gonçalo Ribeiro Telles, a Paisagem, o Homem, a Natureza, por Carlos Pimenta – pág. 24 Recordar Gonçalo Ribeiro Telles, por Fernando Pessoa – pág. 26 Ribeiro Telles – a herança de um território salvaguardado, por Francisco Ferreira – pág. 28 O eterno jovem sábio, por Gonçalo Ribeiro Telles (JR) – pág. 30 Gonçalo Ribeiro Telles e Viana do Castelo, por Horácio Faria – pág. 31 Gonçalo Ribeiro Telles e a Ilha Terceira, por Jácome de Bruges Bettencourt – pág. 33 Um exemplo a não esquecer, por José Cortez Lobão – pág. 36 A excentricidade de ter razão, por José Manuel Pureza – pág. 37 Gonçalo Ribeiro Telles, o monárquico, referência na República, por José Ribeiro e Castro – pág. 39
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Uma herança, por Leonor Martins de Carvalho – pág. 42 Gonçalo Ribeiro Telles na Universidade de Évora, por Manuel Carvalho e Sousa – pág. 43 Ribeiro Telles – uma pegada ecologista que fica para o futuro!, por Manuela Cunha – pág. 45 Gonçalo Ribeiro Telles – O Arquitecto Paisagista, por Manuela Raposo de Magalhães – pág. 47 Memórias, por Margarida Cancela d’Abreu – pág. 50 Gonçalo Ribeiro Telles – Memória viva, por Maria Calado – pág. 51 Arquitecto Ribeiro Telles, pedagogo do Ambiente e da Natureza, por Mário Leitão – pág. 53 Ribeiro Telles, o professor, por Nuno de Mendoça – pág. 56 Gonçalo Ribeiro Telles, uma impressão pessoal, por Nuno Miguel Guedes – pág. 58 O Gonçalo e eu, por Paulo Trancoso – pág. 60 Homenagem a Gonçalo Ribeiro Telles, por Pedro Bacelar de Vasconcelos – pág. 62 Gonçalo Ribeiro Telles – Para além da revolução, por Pedro Quartin Graça – pág. 63 Em Nome da Terra, por Rita Saldanha – pág. 65 Gonçalo Ribeiro Telles. Um homem do seu tempo e à frente do seu tempo, por Teresa Andresen – pág. 67 E se fosse como o Gonçalo Ribeiro Telles?, por Teresa Côrte-Real – pág. 68 Cumprir Ribeiro Telles, por Vasco Maldonado – pág. 69 Gonçalo Ribeiro Telles, por S. A. R. Dom Duarte de Bragança – pág. 70
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Testemunhos de uma “Revolução tranquila” JOSÉ ANÍBAL MARINHO GOMES* DIRECTOR DA REAL GAZETA DO ALTO MINHO, PRESIDENTE DA DIRECÇÃO DA REAL ASSOCIAÇÃO DE VIANA DO CASTELO, MEMBRO DA COMISSÃO EXECUTIVA DA DIRECÇÃO NACIONAL DA CAUSA REAL
Sou natural de Ponte de Lima e, em Agosto de 1974, com apenas 14 anos de idade, aderi à Juventude Monárquica Revolucionária (JMR) – a Juventude do PPM, pela mão de dois bons amigos de Braga - o Carlos Magalhães e o Armando Malheiro da Silva. Entre 1974/75 eu e o Carlos Magalhães, e mais tarde com o António Fernandes (Tone Terrafeita) e o Luís Abreu Coutinho (filho do Dr. Pedro de Magalhães de Abreu Coutinho, membro destacado da LPM e do PPM), percorríamos, de bicicleta, várias freguesias do concelho, para fazermos sessões de esclarecimento às populações, que nos ouviam com muita atenção e nos colocavam algumas perguntas, sobretudo quando falávamos da reforma agrária, comunalismo (cheguei a ouvir comentários do género: “estes monárquicos são comunistas???…”), regionalização, a ecologia e, a culminar, na monarquia. Fazíamo-lo com tanta convicção que até parecíamos grandes entendidos na matéria. Mas o especialista era, na verdade, o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles, que tinha tomado posse como Secretário de Estado do Ambiente a 16/05/1974 no I Governo Provisório de Portugal. Sempre que o ouvia na TV ou na Rádio, ou o que lia na imprensa escrita, ficava entusiasmado com o que ele defendia para Portugal: a democracia comunalista e popular, com um árbitro independente que era o Rei; a defesa do poder local, do qual derivava o poder central e não o contrário pois a partir das comunas a sociedade estruturava-se em municípios, regiões, províncias até chegar ao âmbito nacional; do desenvolvimento equilibrado do país, favorecendo todas as regiões, baseado na ecologia, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida das pessoas; de uma reforma agrária baseada no Homem, na Terra e nas comunidades e de uma nova ruralidade que honrasse os ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
agricultores e conduzisse à diversificação da agricultura atendendo às características de cada região; de uma politica florestal (contra a cultura de eucaliptos) que protegesse a mata e conduzisse à sua integração no mundo rural e uma outra ideia de que não me esqueço e que talvez tenha afastado muitos monárquicos do PPM, que era a da negação de títulos nobiliárquicos como forma de privilégio social. As ideias do Arq. Ribeiro Telles fascinavam-me de tal forma que estava ansioso por conhecê-lo pessoalmente, o que acabou por acontecer por volta de 1978, num Congresso do PPM. A partir desta altura comecei a ter uma ligação com aquele que posso considerar como o meu mentor ideológico - GRT. Devido aos cargos que fui desempenhando a nível nacional na Juventude Monárquica e no PPM (membro de várias Comissões Políticas Nacionais) aprofundei o meu relacionamento com GRT e pude, cada vez mais de perto, verificar que se travava de uma pessoa invulgar, um visionário, que viveu antes do seu tempo. Participei em várias campanhas eleitorais a seu lado, sobretudo no Norte do país, quer do PPM quer da Aliana Democrática (AD) e regozijei-me com a sua eleição para deputado, em 1979, bem como quando assumiu a pasta de Ministro de Estado e da Qualidade de Vida entre 1981 e 1983, sucedendo ao Dr. Augusto Ferreira do Amaral.
GRT com Francisco Sá Carneiro e Diogo Freitas do Amaral, numa manifestação da Aliança Democrática na Avenida da Liberdade, a 29 de outubro de 1979
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Por esta altura encontrei-me frequentemente com ele em Lisboa, em Conselhos Nacionais, Congressos do PPM e sobretudo em reuniões do Directório Nacional. Enquanto ministro, visitei-o também algumas vezes na Rua Prof. Gomes Teixeira, que era a sede da Presidência do Conselho de Ministros. Recordo uma visita que o Arquitecto Ribeiro Telles, na altura Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, efectuou a Ponte de Lima, no dia 21 de Março de 1982. Nesse Domingo, depois da missa das 11 horas, na Igreja Matriz deslocámo-nos à sede do Partido Popular Monárquico, onde ele foi saudado pelo grande número de correligionários e simpatizantes que ansiosamente aguardavam a sua chegada e, aqui, dissertou sobre o programa que o PPM iria propor ao eleitorado para as próximas eleições autárquicas, em particular a regionalização do país - criticou os seus pares no governo que defendiam uma regionalização a partir do Terreiro do Paço, enquanto que o PPM defendia que a regionalização devia começar debaixo para cima, ou seja a partir das autarquias locais e com base nas regiões naturais. Terminada esta visita à sede do PPM, seguiu-se um almoço no Restaurante Manuel Padeiro, no qual participou Delfim Pereiras Amorim, conhecido cantador ao desafio, também ele militante do PPM, que interpretou algumas canções com rimas apropriadas ao momento. A finalizar, o Arquitecto Ribeiro Telles abordou alguns aspectos económicos internacionais e nacionais, referindo que a EDP estava a tornar-se um autêntico monopólio nacional, e que as autarquias deveriam dispor de energia produzida dentro do seu próprio território. Em 1985, nas eleições para as autarquias locais, que ocorreram no dia 15 de Dezembro, fui eleito para a Assembleia Municipal de Ponte de Lima, numa lista do Partido Socialista, como independente do PPM. Os socialistas deram total autonomia ao grupo dos monárquicos e assim foi apresentado um programa eleitoral próprio, denominado “o Homem no Centro da Mudança”, para cuja elaboração contamos com o apoio e os ensinamentos do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles. O nosso programa para este mandato autárquico, era ambicioso e inovador. Dele faziam parte ideias como um novo urbanismo, contrário à especulação do solo urbano, que levava à ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
ocupação dos melhores terrenos de cultura agrícola e ao despovoamento do centro histórico da vila, a criação de uma Reserva Ecológica na Lagoa de Bertiandos, que GRT visitou e que eu acompanhei, no dia 1 de Dezembro de 1985, juntamente com o Dr. António Mário Leitão, após o encerramento da III Semana de Ecologia de Viana do Castelo, assim como a defesa da manutenção no espaço urbano da vila, das quintas e conjuntos rurais e a criação das chamadas hortas sociais.
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Quando o programa foi apresentado, em 1985, algumas pessoas consideravam-nos “doidos”, por defendermos estas ideias. Regozijo-me que, em Dezembro de 2000 - 15 anos depois -, a pedido da Câmara Municipal de Ponte de Lima, tenha sido criada a Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e São Pedro de Arcos, classificada como área protegida de âmbito regional e, em Novembro de 2009 - 24 anos depois - o Município limiano tenha criado as hortas urbanas…. Após terminar a AD, em 1983, o Arq. Ribeiro Telles sai do governo e o PPM perde a representação parlamentar que tinha. Para as eleições de 6 de Outubro de 1985, Gonçalo Ribeiro Telles foi eleito como independente nas listas do Partido Socialista, da quais também fazia parte Augusto Ferreira do Amaral. Este acordo com o PS caiu mal nalguns sectores mais conservadores do PPM, que iniciaram uma campanha insidiosa contra o GRT e exigiam a sua demissão, esquecendo-se que, através dele, o partido continuou a ter uma voz activa no parlamento, para além de nunca terem compreendido que esse acordo veio financeiramente possibilitar que o PPM concorresse às eleições autárquicas desse ano, às primeiras eleições para o Parlamento Europeu e às legislativas seguintes. No congresso extraordinário que ocorreu em Lisboa, em Novembro desse mesmo ano de 1985, os ânimos alteraram-se e GRT foi acusado por alguns militantes de “traição ao ideal monárquico” e algumas distritais, designadamente a de Viana do Castelo, apontavam para a sua saída do PPM. A Juventude Monárquica era contra e apoiava incondicionalmente o Arquitecto Ribeiro Telles. Comecei então a contactar os associados do meu distrito, explicando o que se estava a passar e, aos que não iam estar presentes no Congresso, pedi procurações, tendo acabado por conseguir para cima de 50. No dia decisivo no Congresso Nacional, fomos a votos - de um lado, os que estavam contra GRT, do outro, os que estava a favor. Orgulho-me de o nº de votos que representei (com as procurações) ter sido decisivo para a vitória do Arquitecto Ribeiro Telles.
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Em 1988, Ribeiro Telles, decide não se candidatar à liderança do PPM por considerar ser tempo de renovação dos quadros dirigentes, colocando pessoas mais novas nesses lugares, e gracejando dizia que já era velho e que na política portuguesa mais velho do que ele só o Álvaro Cunhal!
GRT, Laureana Matias, António Machado e José Aníbal Marinho Gomes
Fui um dos secretários da Mesa do XXII Congresso Nacional do PPM, que ocorreu em Lisboa, na sede do partido, sita na Rua do Picadeiro, nos dias 16 e 17 de Abril do referido ano e recordo-me de ter sido o primeiro proponente e subscritor de uma moção que foi aprovada e que se congratulava pelo reconhecimento público dos méritos do Arq. Ribeiro Telles consubstanciado na condecoração que lhe foi atribuída pelo chefe de Estado (GrãCruz da Ordem Militar de Cristo) e pela lucidez demonstrada ao abandonar os cargos cimeiros da política partidária, passando a dedicar-se, dentro do partido, exclusivamente à acção doutrinária.
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Foi com grande emoção que pelas 15h do dia 16 de Abril de 1988 ouvi a sua intervenção de despedida da liderança do partido, ao fim de 14 anos à frente dos destinos do mesmo, unanimemente aplaudida por todos os congressistas. A moção que apresentou ao Congresso, não foi mais do que o seu testamento político e baseavase em cinco pontos programáticos: independência nacional, prosperidade para todos, amor à terra, liberdade e justiça. Todos passavam pela defesa da Monarquia democrática, que se traduzia na continuidade e a existência de valores e recursos que possibilitavam a transmissão da herança às gerações futuras e permitia todas as transformações – a revolução tranquila – que a evolução da Humanidade e das comunidades nacionais ia exigindo. No entanto o PPM não podia ser o partido dos monárquicos, senão negava a sua própria ideia, uma vez que tinha um programa político à semelhança de qualquer outro partido político. Criticou a ideia de um governo único para a Europa, que iria destruir o que esta tinha de mais valioso e levar a um grande centralismo e advertia para o risco de o federalismo ibérico poder vir a ser consumado. Recusava a diluição dos eurodeputados portugueses no Parlamento Europeu através de uma integração total nas ideologias internacionais e defendia uma “Europa das pátrias”.
Propunha um novo modelo de desenvolvimento para Portugal. Entendia que tanto o socialismo como o liberalismo tinham a mesma raiz pois entendiam como factores de produção o capital e o trabalho e, ao invés, pugnava pela humanização de todo o sistema, considerava que aqueles factores deviam ser a gestão da energia e da matéria, censurava a visão mecanicista e matemática do mundo, o positivismo e o cientismo absolutista e compreendia a informação no seu aspecto mais global, cultural, científica, tradicional e técnica. Criticou o governo liderado por Cavaco e Silva, pela sua opção exclusivista por uma política económica com base num liberalismo exacerbado, condenando o crescimento sem limites, pois para ele, não se devia explorar a natureza, mas antes geri-la, a fim de se poder viver em solidariedade e justiça, de forma a transmitir às gerações futuras todos os valores e potencialidades, referindo que eram destruídas paisagens laboriosamente construídas pelo Homem e defendia uma agricultura na sua função primordial de fixação de comunidades à terra, e ao equilíbrio da cidade e do campo.
Apontamentos do secretariado do XII Congresso
Ribeiro Telles dizia que Portugal não podia ser um “caótico aglomerado industrial entre Setúbal e Guimarães, uma floresta a servir a produção europeia de papel e uma praia de turistas de terceira no Algarve”. ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
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Também deixou algumas palavras para quem criticou a sua eleição como independente, nas listas do PS, sustentando que com este acordo o PPM demonstrara; à opinião pública, que a Monarquia não era apenas defendida para direita reaccionária, antidemocrática e anti-parlamentar. No dia 17 de Abril de 1998 é eleito como Presidente do Directório e da Comissão Política do PPM, Augusto Ferreira do Amaral, passando GRT a ocupar um lugar no Conselho Nacional. Nos anos 90, o Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles começa a afastar-se do PPM e em 1993 é um dos fundadores do MPT – Partido da Terra. Aqui voltei, mais tarde, a encontrar-me com GRT. E continuei a estar com ele e a aprender, sempre. Com estas linhas que escrevo não pretendi de forma alguma traçar uma biografia de GRT, mas antes relatar aquilo que presenciei ao longo dos anos em que foi seu companheiro no PPM. No entanto não posso deixar de referir, embora de uma forma muito sucinta, alguns dos seus contributos para que Portugal fosse um país melhor. Por ter pertencido à Convergência Monárquica (organização considerada pelos militares de Abril, como opositora ao anterior regime), GRT foi convidado a integrar o governo e como subsecretário de Estado do Ambiente nos I, II e III governos provisórios após o 25 de Abril, tendo desempenhado também a função de secretário de Estado para a mesma pasta no I Governo Constitucional de Mário Soares. Em 1981, integrou o VIII Governo Constitucional como Ministro de Estado e da Qualidade de Vida. No desempenho de cargos governativos foi responsável pela criação das zonas protegidas da Reserva Agrícola Nacional, da Reserva Ecológica Nacional e das bases para os planos directores municipais, assim como pelo afastamento da opção do nuclear para Portugal. Como deputado, são da sua responsabilidade as propostas da Lei de Bases do Ambiente, da Lei da Regionalização, da Lei Condicionante da Plantação de Eucaliptos, da Lei dos Baldios, da Lei da Caça, e da Lei do Impacte Ambiental. Como dizia Luís Coimbra: Os “lóbis do cimento, da celulose e da electricidade” foram, ao longo da vida de Gonçalo Ribeiro Telles, “os três monstros” contra os quais “nunca se cansou de alertar”.
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Como vereador na Câmara Municipal de Lisboa (CML) destacam-se a criação do Parque Periférico de Lisboa, o Projecto do Corredor Verde de Ligação do Alto do Parque Eduardo VII ao Parque Florestal de Monsanto e a Proposta de Estudo de uma Estrutura Biofísica e Cultural para o Concelho de Lisboa. No conjunto da sua obra é de destacar o jardim da Fundação Calouste de Gulbenkian, juntamente com António Facco Viana Barreto. Por aquilo que fez, foi agraciado por diversos Chefes de Estado em Portugal com o Grau de Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago (1969), GrãCruz da Ordem Militar de Cristo (1988), Grã-Cruz da Ordem da Liberdade (1990) e Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (2017). A nível internacional, foi distinguido com o Prémio da Latinidade Troféu Latino «João Neves Fontoura» (2010) e o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe (2013). Orgulho-me de, enquanto membro da Direcção Nacional da Causa Real, ter sido um dos promotores, ainda em vida do Arq. Gonçalo Ribeiro Telles, da criação de um prémio de Arquitectura Paisagista com o seu nome, que, no início deste ano e na sua primeira edição, distinguiu a Arq. Teresa Andresen. Ribeiro Telles para além de ficar na história do país por tudo aquilo que fez, vai ficar na história como o único monárquico que desempenhou funções de Primeiro-Ministro numa república, quando em Maio de 1982 substituiu Pinto Balsemão e João Salgueiro que se encontravam ausentes de Portugal. Obrigado Arq. Ribeiro Telles por tudo aquilo que me ensinou e por tudo o que deu e deixou a Portugal. Bem haja e até sempre! * O autor não escreve segundo o acordo ortográfico de 1990.
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Vénia a um cultivador de utopias ABEL COENTRÃO* JORNALISTA DO PÚBLICO
Gonçalo Ribeiro Telles não foi árvore com que me cruzasse na vida. Mas provei dos seus frutos, senti a sua sombra. Sei que ele amava o sobreiro, ícone do Sul, como eu amo outro Quercus, o carvalhoalvarinho, rei-deposto da paisagem do Norte. E eu, que sou filho do mar, onde a natureza se exprime de outras formas, nem sei porque me atraem as árvores, se lá em casa, na minha infância, só conhecíamos os pinheiros, de alguns piqueniques em lugares onde, fui percebendo com a idade, os eucaliptos foram ganhando espaço. Foi o tempo, imagino, o que me levou até elas. E ele, o único arquitecto paisagista que todos os portugueses conhecem, estava nesse caminho. Levo pouco mais de duas décadas de jornalismo – carreira iniciada no desarrumo paisagístico do Minho, e nesse expoente da betonização do espaço urbano, Braga, onde aprendi, mais do que tudo, a angústia dos que choram o património perdido para um modelo de desenvolvimento já então em contraciclo. E neste tempo, dedicado que estive quase sempre às questões do planeamento urbano e da mobilidade, foi-se agudizando, na minha consciência e no meu trabalho, a percepção dos desafios ecológicos das cidades: essa incrível invenção onde se concentram cada vez mais população e problemas, repositórios de oportunidades e de crises para os quais a humanidade tem vindo a desenvolver soluções. Quem procura respostas para os problemas das cidades acabará, em Portugal, por chegar a Gonçalo Ribeiro Telles. O antigo ministro de Estado e da Qualidade de Vida do início dos anos 80, teria sido, num país que soubesse articular políticas públicas que acrescentassem resiliência ao seu sistema urbano, um enorme ministro das Cidades, nas décadas seguintes. Porque, embora
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tarde, já vamos percebendo quão importante era o seu grande combate: acabar com a dicotomia funcionalista entre cidade e campo; ultrapassar a ideia de que o desenvolvimento implica a pulverização do espaço urbano sobre o espaço rural: rasgado, este, por auto-estradas, parques industriais e habitação avulsa, enquanto o primeiro estiola sem sombras dignas desse nome, espoliado da permeabilidade do seu solo e de qualquer arremedo de ruralidade. Quem não esteja distraído já aprendeu que o equilíbrio do espaço urbano, e a nossa sobrevivência, com qualidade de vida, nas cidades, depende desse homem do futuro, “o homem que vai juntar a cidade e o campo”, como ele, quase messianicamente, anunciava. E agora que, acelerado o passo rumo ao abismo climático e ecológico, nos dava jeito um milagre, mais do que nunca essa profecia, que apela à consciência cívica de cada um de nós, precisa de fazer caminho. Já não temos Gonçalo Ribeiro Telles para nos ajudar, é certo, mas ele não plantou só jardins. E apesar de sabermos o quanto o país menospreza a arquitectura paisagista, os seus herdeiros não podem sucumbir à desesperança de lhes parecer que ninguém escuta. A ele também poucos o escutaram – por muito que muitos o aplaudam. E ele nunca desistiu. Há alguns sinais de mudança. Comecei 2020 a fazer uma entrevista com um dos seus alunos, o arquitecto paisagista Manuel de Carvalho e Sousa, sobre o eterno problema das podas radicais de árvores em espaço urbano. Os casos sucedem-se, a cada Inverno, e a nossa conversa desaguou obrigatoriamente no mestre ou, neste caso nos mestres, Ribeiro Telles e Francisco Caldeira Cabral, e no livro que ambos escreveram há 60 anos, e que urge reeditar: A Árvore em Portugal. Pelo
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que vemos, poucos perceberam as suas lições, mas a entrevista foi um estranho caso de sucesso, mesmo num jornal com abundante noticiário sobre Ambiente, como o PÚBLICO, o que me leva a acreditar que, se insistirmos, a mensagem, e as árvores já agora, medrarão. A verdade é que, num ano marcado por uma inesperada pandemia, nós, os urbanos, suspiramos pela natureza que não vemos da varanda. E o debate sobre a (falta de) qualidade das nossas cidades recrudesceu. Foi assim um pouco, em Portugal, mas também em todo o mundo. E nessas reflexões, os jardins de proximidade, os corredores verdes e as hortas urbanas ressurgiram, a par dos circuitos pedonais e cicláveis, como elementos considerados essenciais para a salvação física e mental de uma sociedade há muito confinada num modelo de cidade também ele doente. A ironia é que, sobre isso, Ribeiro Telles já nos tinha feito um desenho, muitos desenhos. Óbvios para crianças, mas aparentemente incompreensíveis para adultos arrancados à terra, e transplantados para a aridez de uma existência centrada até aqui, numa ideia de crescimento económico que nunca teve em conta as “externalidades” ambientais, sociais ou outras que fossem.
E se, aparentemente, encontramos uma vacina para este coronavírus, urge encontrar a cura para aquilo que nos vem desligando do mundo natural. “A inquietação tem que existir. Todos estamos numa marcha. Em que altura da marcha estamos, não sei”, disse ele um dia, numa entrevista que citei, no momento da sua morte, a 11 de Novembro do ano mais estranho das nossas vidas. Coube-me, no Público, fazer-lhe a primeira vénia no momento da sua partida, num curto obituário que já se alimentava, como tinha de ser, da celebração da sua vida. Gonçalo Ribeiro Telles, o Cultivador de Utopias é, de longe, e até ao momento em que escrevo estas outras palavras, o meu trabalho mais lido de sempre, com números que só demonstram a grandeza deste português. E se é bom saber o quanto o temos em tão boa conta, no momento da sua morte, melhor seria que puséssemos os pés na terra, e cultivássemos os seus ensinamentos, na expectativa de deixarmos um país melhor aos nossos filhos. Só assim Portugal o merecerá.
* O autor escreve segundo o antigo acordo ortográfico.
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O Visionário ANTÓNIO DE SOUZA-CARDOSO* MEMBRO DO CONSELHO SUPERIOR DA CAUSA REAL
Ouvi-o pela primeira vez há 45 anos. Tinha uma galhardia especial naquilo que defendia. Uma dicção miserável, mas uma mente brilhante que a boca e as palavras não conseguiam acompanhar. Cativou-me desde a primeira hora pela enorme vivacidade do seu olhar, pela imensa capacidade de ler o mundo e as sua contradições, pelo fino sentido de humor que equilibrava com a busca incessante da verdade e a consciência aguda que tinha da fragilidade humana. Foi o primeiro a falar-me da natureza que eu sempre amei, da ecologia, do ambiente. Em palavras, às vezes atrapalhadas, mas no final cheias de sabedoria e à volta de coisas simples como os rios e a água que corre, a floresta mediterrânica ou, simplesmente, a destruição permanente desse Homem predador. Fundou o único partido em que militei – o PPM, e a Ele, a Henrique Barrilaro Ruas, a João Vaz Serra, a Francisco Sousa Tavares, devo o essencial da minha formação monárquica e democrática. O homem simples e livre que era Gonçalo Ribeiro Telles não vestia bem num grande partido – onde a logica de poder primeiro nos inebria e depois nos enreda, nos compromete, nos corrompe. Gonçalo não era assim. Queria mesmo defender a coisa pública. Com a energia e vivacidade daqueles olhos, sempre iluminados. Fiz com ele as primeiras campanhas do PPM. Eu, na nervosa excitação de uma adolescência que queria participar em tudo. Ele, sempre arrebatado e com o ímpeto missionário e de serviço que punha nas coisas em que acreditava. Achei mais cedo do que ele que a continuação do PPM como partido, não servia os objectivos do movimento monárquico. Mas claro, eu tinha muito menos compromissos e cantos de sereia do que o Gonçalo Ribeiro Telles, cuja sinceridade o impedia de deixar de acreditar nas pessoas e nas coisas. Só foi tão admirado na política porque todos percebiam que era um visionário. Alguém
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que sistematiza o pensamento de uma forma brilhante, nem sempre na mais límpida formulação, mas sempre com uma inteligência torrencial. E alguém que é capaz de antecipar as realidades sociais, económicas e políticas. Sejamos claros! O monarquismo de Ribeiro Telles era visto pelos seus pares, mesmo os da Aliança Democrática que lhe abriram as portas do poder, com a mesma bizarria com que todos o viam defender, apaixonadamente, o equilíbrio e a preservação do ambiente e do planeta em que vivemos. Hoje todos lhe admiram a inteligência vibrante, o poder de antecipação, o homem visionário que ele foi. Ouço António Costa dizer que só quebrou a disciplina de voto partidária para votar em Ribeiro Telles e sorrio pelo preconceito que o partido socialista, talvez com a excepção de Mário Soares, Manuel Alegre, José Luís Nunes, Sérgio Sousa Pinto e poucos mais, ajudou a instalar na sociedade portuguesa sobre a monarquia, insinuando o seu pretenso elitismo e a dúvida perturbadora da falta de vocação democrática do regime. Como se a República não tivesse, por uma revolução violenta que começa no bárbaro assassinato do Chefe de Estado, todas as declinações tão perturbadoras dos primeiros 16 anos, em permanente guerra civil e constante violação dos direitos humanos, ou a leda e solitária ditadura de 48 anos que nos separou de quase tudo. No final, preferiram tudo abraçar em nome de uma ética republicana que para além do romantismo dos seus fundadores, nunca verdadeiramente praticaram. Vejo Marcelo decretar luto nacional e admiro-me por este Presidente excessivo em quase tudo, não sair de si próprio para resolver o problema da Fundação da Casa de Bragança a que presidiu e cuja história não dignifica os portugueses.
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Vejo José Luís Carneiro, a propósito do Chega e dos Açores, falar do alvitre de se porem em causa os limites materiais da Constituição defendidos no artigo 288º e penso no tique fascista da sua alínea b) que impõe a forma republicana de regime, nunca sufragada pelos portugueses. Como se as monarquias, mesmo a portuguesa quando violentamente derrubada, não fossem parlamentares, constitucionais e democráticas (?). Veja-se o nível de bem-estar social e cultural que proporcionam em Países tão antigos como Espanha e Inglaterra, ou tão democraticamente avançados como a Suécia, a Dinamarca e a Noruega, para falar apenas do Velha Europa de que somos parte.
E, finalmente, penso em Gonçalo Ribeiro Telles e no legado que nos deixa: A defesa do Meio Ambiente que é a Casa de todos os Homens e a supremacia da Monarquia como forma de regime que qualifica a democracia e nos reconcilia com a história e a identidade. Se hoje o primeiro é já consagrado como um desígnio e um valor intrínseco das sociedades modernas fico com a esperança, nesta hora de partida de um dos nossos Maiores que vingue a ideia que Gonçalo Ribeiro Teles sempre defendeu - das vantagens para Portugal de uma Monarquia que valorize e dignifique um sistema democrático, em acentuada crise de valores. * Jurista, empresário, ex-presidente da Causa Real.
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Ribeiro Telles, e as graves assimetrias do País ANTÓNIO MONIZ PALME* ADVOGADO
Mesmo que não acreditasse que a chefia de Estado Monárquica era a preferível para Portugal, teria enfileirado nas hostes de Gonçalo Ribeiro Telles quando este e o grupo de intelectuais que o rodeavam congeminaram um modo de acabar com as injustiças abissais provocadas pelas diferenças existentes entre o Interior e o Litoral Portugueses. A situação aterrorizava-me, por injusta, em relação aos habitantes perdidos da província. Na verdade, quando era adolescente, via claramente a gradual desertificação das Terras do Interior e uma crescente proletarização dos habitantes dos pequenos meios urbanos, sempre que despontasse uma pequena indústria ou uma exploração agrícola que empregasse mão de obra, além da exercida pelo proprietário. Esse motor de degradação social vinha sempre acompanhado por outro pecado grave, a destruição acelerada dos existentes laços culturais, sociais e económicos que ligavam os elementos de toda a comunidade, fosse qual fosse o seu nível económico. Esta situação, além da inevitável destruição da paisagem e do meio ambiente, não modificava o panorama da pobreza rural existente, apesar da construção civil desordenada e das poucas Obras Públicas por um lado e, por outro, das excepcionais qualidades de trabalho do Homem da Província. A esperança, para mim, renasceu, trazida pelo PPM, e pelo espírito e sabedoria de Ribeiro Telles, com um projecto de Regionalização, baseado em condições objectivas muito claras que definiam as chamadas Regiões Naturais. E tal projecto foi apresentado, no Parlamento, pelo PPM, e teve a aceitação de todas as forças partidárias em confronto democrático. Porém, perante tal projecto, apenas apareceram simples propostas de alteração de competências das autarquias e mapas com a divisão do País em Regiões, determinadas por critérios sem qualquer
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fundamento científico visível, a não ser retalhar o Território Nacional com o objectivo ilegítimo de o adaptar aos seus desejos eleitorais…! Uma vergonha. Inexplicavelmente, dividiam zonas tradicionais, com comunhão de vida desde há séculos, de hábitos e costumes comuns para, separando parte da respectiva comunidade, fazerem um composição geográfica, a seu belo prazer, que lhes facilitasse os ganhos eleitorais em determinado círculo! Com este tipo de comportamento, como se poderia acabar com as assimetrias entre o Interior e o Litoral?
Augusto Ferreira do Amaral, Madalena Rebechi, Gonçalo Ribeiro Telles, António Moniz Palme.
Ora. A formação das Regiões Naturais residia no aproveitamento da convivência pacífica mantida desde sempre, entre populações próximas do Interior e do Litoral, na exploração dos laços sociais e económicos, mantidos desde sempre, através da sedimentação de interesses comuns. Como exemplo, direi que havia um projecto de Região Natural, com gente que tinha entre si uma perfeita simbiose, apesar da larga área que ocupavam. Estou a falar da comunidade humana constituída pelos habitantes da raia, delimitada pelo Côa, pelos habitantes do Planalto de Viseu e pelos que se espraiavam pelos campos do Vouga até à Ria de Aveiro. Região Natural que incluía, por consequência, a Guarda, Viseu e Aveiro, aprovada num Congresso realizado em Viseu e que teve o acordo expresso do deputado socialista Carlos Candal, de Aveiro. Pois bem, apareceu um
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projecto com uma Região Natural formada pela Guarda e por Castelo Branco. Além da ancestral animosidade das populações entre si, por causa da transumância, juntava-se a Interioridade com a Interioridade, a fome com a vontade de comer… Só podiam estar a gozar! Claro que tais desmandos fizeram desacreditar a Regionalização perante o Homem Comum. Almeida Santos confidenciou-me que tais actuações estavam a impedir a Regionalização e que as pessoas sensatas, que com Ela sonhavam, não podiam concordar que fosse feita não em benefício das populações, mas sim para satisfazer interesses obscuros partidários. Então seria melhor deixar estar tudo como estava. Não pude deixar de lhe dar razão, visto que os objectivos do PPM tinham sido aleivosamente subvertidos. Na verdade, o grupo de intelectuais do PPM, liderados por Gonçalo Ribeiro Telles, estavam muito à frente da maioria dos políticos que constituíam a tessitura parlamentar. Além de outros aspectos, Ribeiro Telles tinha uma visão ambiental humana, era um pedagogo e defensor da tão maltratada Natureza. Essa faceta transformou-o numa espécie de profeta da preservação do ambiente e um dos portugueses com ideias mais marcantes e esclarecidas do Séc. XX. Aliás, tal foi reconhecido internacionalmente, tendo recebido o Prémio Sir Geoffrey Jellicoe, o maior galardão mundial da arquitectura paisagista. A sua Reforma Agrária constituiu uma pedrada no charco em matéria agrícola nacional. Conseguiu criar a Reserva Agrícola e a Reserva Ecológica Nacionais, instrumentos de gestão
territorial que impediram a construção desordenada e anárquica, contra a qual o Estado não tinha meios para controlar, muitas vezes impedido por interesses partidários de conjuntura, com laivos visíveis de corrupção. Assim, foram delimitados e protegidos os escassos espaços nacionais com solo arável ou com interesse ecológico, além das zonas com limitações por serem expostas a riscos naturais, tais como cheias e derrocadas. Procurou Ribeiro Telles impedir a construção de edifícios em locais perigosos, apesar do alto valor comercial desses locais, ocasionado pelas vistas soberanas que todos pretendiam possuir! A construção sobre as Ribeiras da Madeira, teve a oposição do PPM, sem qualquer êxito. Enfim, no primeiro temporal de grandes dimensões, as casas foram arrastadas pelas encostas abaixo, provocando cerca de cinco dezenas de vítimas, além de prejuízos incalculáveis. Ribeiro Telles e os elementos do PPM conseguiram transformar o seu partido na segunda organização partidária portuguesa, onde todos votariam, mas em segundo lugar…! Sentimentalmente, eram do PPM, como dizia Natália Correia. A sua linguagem incómoda, a pouco e pouco, foi entrando nos programas políticos ligados à governação. No fundo, uma vitória de Ribeiro Telles e dos seus princípios. Não era seu amigo íntimo e, dentro do partido, tívemos, por vezes diferentes pontos de vista em relação à estratégia partidária. Mas, para mim foi um dos Homens mais Esclarecidos do nosso tempo, devendo ser recordado, pelas futuras gerações, como um exemplo, sempre que, contra ventos e marés, pretendam mudar Portugal para melhor.
D. José Paulo Lencastre, António Abel Pacheco, Gonçalo Ribeiro Telles, António Moniz Palme, Augusto Ferreira do Amaral e Armando Prisco. Madalena Rebechi, D. José Paulo de Lencastre, Gonçalo Ribeiro Telles, António Moniz Palme e um membro da Juventude Monárquica.
ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
* Deputado pelo PPM na II Legislatura (1980).
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Gonçalo Ribeiro Telles – Um Homem Extraordinário,
(Que me marcou profundamente, e a toda a Minha Geração) ANTÓNIO PIMENTA DE CASTRO
PROFESSOR DE HISTÓRIA NO AGRUPAMENTO DE ESCOLAS DR. RAMIRO SALGADO DE TORRE DE MONCORVO
Introdução
Gonçalo Ribeiro Telles foi para mim, e para toda a minha geração, uma figura incontornável e que nos marcou profundamente. Nasci em 1953, e desde muito jovem ainda que, sentindo-me monárquico, me filiei na única organização que era conhecida para mim na altura, na “Causa Monárquica”, (nesta altura vivia na cidade de Braga), e, também desde muito novo, assinei o jornal monárquico que conhecia, “O Debate”, em que cheguei a colaborar, na secção da juventude. Como filiado na “Causa Monárquica”, ainda muito jovem ainda, cheguei a ser “promovido” a “Delegado-Adjunto para os Serviços Administrativos no Distrito de Braga”. Um pouco mais tarde, conheci um pequeno jornal/panfleto “Consciência Nacional”, do Sr. Camarate dos Santos[1], da cidade do Porto, em que também colaborei e distribui, quer na cidade de Braga, onde vivia, quer, mais tarde, na Faculdade, na cidade do Porto. Contudo, as minhas ideias monárquicas, não eram neointegralistas e, muito menos ainda ultraconservadoras, por isso, foi como um verdadeiro deslumbramento que conheci as ideias do nosso Gonçalo Ribeiro Telles, com que me identifiquei imediatamente. Foi num livro da “Seara Nova”[2], que eu li um seu artigo (escrito) para mim deslumbrante, falava ele de uma monarquia e de uma filosofia, com que logo me identifiquei. Imediatamente a minha filosofia se “juntou” a este grupo, lembro-me de uma sua ideia que aqui cito: “ É necessária a recuperação do mundo rural e da sua dignidade e a sua modernidade. Mas não é o que se está a fazer: Está-se a fazer uma exploração da terra sem o mundo rural, sem a ocupação, sem a
ocupação do território, apenas com a exploração do solo. Isso é grave”. Estas palavras de Ribeiro Telles e outras que fui ouvindo e lendo conquistaram-me imediatamente. Por isso me juntei imediatamente aos grupos que fundou ou que aderiu. “Em 1969, integra a Comissão Eleitoral Monárquica, que se junta às listas da Acção Socialista Portuguesa, de Mário Soares, na coligação Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), liderada por Soares, para concorrer à Assembleia Nacional. Não seria eleito, tal como os restantes membros das listas da oposição democrática. Em 1971, ajudou a fundar o movimento Convergência Monárquica, reunião de três movimentos da resistência monárquica: o Movimento Monárquico Popular, A liga Popular Monárquica e a Renovação Portuguesa”[3].
[1] - Este Senhor, Camarate dos Santos, que não pensando exatamente como eu, foi um grande exemplo para mim, uma vez que muito “apegado” às suas ideias monárquicas, chegava a pagar do seu bolso, muitas edições do “Consciência Nacional”. Grande exemplo, por isso colaborei muito com ele. [2] - O meu primeiro texto por mim lido, direi “devorado” dele foi. “Da Formação do Solo à Socialização da Paisagem”, páginas 55 a 149, na revista “Seara Nova- Coleção Ecologia e Sociedade”, publicado em 1975. Até aí só o foi ouvindo, ou lendo pequenos artigos, nos jornais ou revistas. [3] - Convergência Monárquica (1970), Antologia do Pensamento Político Português, por José Adelino Maltez, Centro de Estudos do Pensamento Político, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa.
ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
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UM TESTEMUNHO DE ADMIRAÇÃO
Gonçalo Pereira Ribeiro Telles, nasceu em Lisboa em 25 de maio de 1922, e faleceu, também em Lisboa no dia em 11 de novembro de 2020. Este Homem merece o respeito e admiração de todos os portugueses que lutaram por um Portugal Moderno, Democrático e Ecologista. Não falando do seu vasto curriculum profissional, de arquiteto ambientalista, político e de grande ecologista, por todos nós conhecido, lembrarei apenas alguns episódios que ele e o seu grupo[4] fizeram para o bem deste país. Muito sucintamente, após a Revolução do 25 de Abril, fundou, com Francisco Rolão Preto, João de Camossa de Saldanha, Henrique Barrilaro Ruas, Augusto Ferreira do Amaral, Luís Coimbra, entre muitos outros, o PPM (Partido Popular Monárquico), a cujo Diretório presidiu. Nos inícios dos anos 80, eu fiz parte integrante do “Diretório Nacional da Juventude Monárquica”. Ribeiro Telles foi Subsecretário de Estado do Ambiente nos I, II e III Governos Provisórios, e Secretário de Estado da mesma pasta, no I Governo Constitucional, também chefiado por Mário Soares. Nos governos da AD (Aliança Democrática), para além de outros cargos, nos governos de Pinto Balsemão, (1981-1983), como Ministro de Estado e da Qualidade de Vida, assume um papel importante no estabelecimento de um regime sobre o uso da terra e o ordenamento do território, ao criar as zonas protegidas da Reserva Agrícola Nacional, da Reserva Ecológica Nacional e as bases do Plano Diretor Nacional. Ainda “Enquanto deputado na Assembleia da República teve responsabilidades nas propostas da Lei de Bases do Ambiente, da Lei da Regionalização, da Lei Condicionante da Plantação de Eucaliptos, da Lei dos Baldios, da Lei da caça, e da Lei do Impacte Ambiental[5]”, entre muitas outras. Um facto que eu próprio presenciei
pessoalmente, que decorreu (creio que nos anos oitenta), Gonçalo Ribeiro Telles, iniciou em Mogadouro, onde eu vivo habitualmente, no restaurante “A Lareira”, uma campanha eleitoral, que depois seguiu para Lagoaça (concelho de Freixo de Espada à Cinta), para contestar a construção de uma central nuclear em Sayago (Zamora) e de um “cemitério” nuclear em Aldeia D’Ávila (Salamanca). Isto mostra o seu amor ao interior, ás pessoas e à ecologia. Podia falar do seu curriculum profissional e de muitas outras obras que ele realizou se calhar da mais emblemática (como é o jardim da Fundação Calouste Gulbenkian), ou ajudou a realizar, mas outras pessoas, com mais conhecimento destes assuntos aqui irão falar. Quero despedir-me deste Grande Senhor, que ainda me continua a servir de Grande Referência, com um sincero obrigado, obrigado por ter existido, obrigado por ter sido uma grande referência da minha “inquieta” geração. Só peço, como era costume dizer antigamente: “Que Deus o tenha na Sua Santa Guarda”.
[4] - De entre eles, e são todos dignos de memória, quero lembrar o João Camossa de Saldanha (JOÃO CAMOSSA (1926 – 2007), activista monárquico, opositor ao regime fascista, fundador do Centro Nacional de Cultura (1945) e do PPM (1974), João Carlos Camossa Saldanha passou pelas prisões da Ditadura, foi vítima de maus tratos na PIDE, por ter participado activamente, entre outras acções, na Revolta da Sé (1959) e no Golpe de Beja (1961). Participou, como advogado, ao lado de Manuel João da Palma Carlos, Salgado Zenha, Abranches Ferrão, Mário Soares, Duarte Vidal, entre outros, em julgamentos de presos políticos, efectuados no Tribunal Plenário de Lisboa. Retirado de Helena Pato, in “Antifascistas e Resistência”. [5] - Gonçalo Ribeiro Telles, wikipedia a enciclopédia livre.
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Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles* GEN. ANTÓNIO RAMALHO EANES EX-PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Muitos são os homens que Deus – ou, se quisermos, a natureza – dotou de dons excepcionais. Poucos são, já, os que, no trabalho árduo, que marca o quotidiano do percurso do homem na terra, cultivam, com acrisolado e coerente empenho, esses dons, fazendo frutificálos em benefício dos seus semelhantes, das suas comunidades, da sua tradição e do seu presente e futuro. Na oportunidade e prazer que sempre tive de, em múltiplas ocasiões, com ele, contactar e, assim, pessoalmente, o apreciar e de com ele aprender, pude aperceber-me que Gonçalo Ribeiro Telles é um destes raros homens – seja pelo seu trabalho, tão plural, diversificado e competente, pela sua personalidade irreverente ou pela sua forte capacidade operacional. Profissional de exemplar competência, tem mantido uma grande interferência e conquistado uma imagem de prestígio e reconhecimento junto da profissão de Arquitecto Paisagista e dos jovens, não só da sua profissão, como de jovens que gostam das artes da natureza.
Personalidade de convicções fortes, bem sedimentadas numa reflexão cuidada e própria, assumiu posições distintivamente interessantes em matéria ecológica. Não raras foram as vezes em que impressionaram as suas mudanças de posição para se manter fiel aos seus ideais e grandes propósitos. Ribeiro Telles é também um operacional porque mostrou ter entendido saber que só através da política se podem introduzir grandes modificações na evolução virtuosa e grandes contenções na evolução perversa da vida na sociedade. Esta percepção levou-o, numa demonstração de lucidez política, como dirigente do Partido Monárquico, a ter entrado em coligações com partidos republicanos e a ter participado no governo. Esta personalidade, de múltipla e multifacetada acção, tem ainda um traço impressivamente empático, que a todos, penso, impressiona e que se traduz no entusiasmo manifestativo que, categorialmente, se pode designar de juvenil.
* Por questões de agenda, não foi possível ao Sr. General Ramalho Eanes, escrever um texto para esta publicação. No entanto, sugeriu que o pequeno depoimento sobre o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles, que escreveu para o livro de homenagem intitulado “Gonçalo Ribeiro Telles. A fotobiografia”, editado pela Argumentum, em 2011, fosse publicado, neste número especial.
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GONÇALO RIBEIRO TELlES Farrapos da Memória de um grande Português AUGUSTO FERREIRA DO AMARAL*
ADVOGADO, MEMBRO DO CONSELHO SUPERIOR DA CAUSA REAL
O tempo deu razão a Gonçalo Ribeiro Telles. Poucos políticos deixaram um rasto de ideário hoje tão consensual, no nosso País dos últimos 50 anos, como ele. De variados quadrantes, erguemse louvores à sua firme e constante dimensão cívica de militante pela democracia, pela liberdade e pelo progresso de Portugal; ao seu pioneirismo, lúcido no meio da bruma generalizada, pela causa do ambiente; à sua constante intervenção, coerente e obstinada, de crítica a ideários ainda fechados para os problemas que o Homem moderno pode causar à sustentabilidade da biosfera. O prisma com que via Lisboa – a sua cidade – é hoje enaltecido, como guia precioso da teoria propagandeada. Mas, em muitos casos, essa invocação e a pretensa identificação com o seu pensamento são mais aparentes do que reais, mais superficiais do que genuínas. Uma das maiores contrariedades que enfrento, ao recordar, como frequentemente o faço, esse querido companheiro e respeitado líder de mais e meio século, é a de ele já não se encontrar vivo entre nós. Porque, se o estivesse, por certo lhe ouviria – como tão incontáveis vezes ouvi, em público e em privado - o seu agudo rigor crítico a verberar slogans e palavras ocas, a comentar acções e inacções dos poderosos à luz da sua exigente doutrina, e a descobrir os “freis Tomases que bem prègam”. A doença que o afectou nos anos finais de vida já o tinha impedido de nos brindar com esses comentários. Mas o convívio tão prolongado que com ele tive, no aceso da política, permite-me conjecturar,
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como ele reagiria ao entorno da visão ecológica que se foi instalando na vida cívica, a ponto de hoje assentar numa camada de lugares-comuns colados com cuspo e com palavreado, e que são aproveitados e desviados para fins exteriores ao genuíno humanismo ambiental. Tento fazê-lo não apenas para dar o seu a seu dono – neste caso GRT – mas sobretudo para que se percebam os aproveitamentos indevidos que por vezes se fazem da sua genial visão, e se não adultere a essência das suas posições, tantas vezes captadas para serviço de derivações bastardas, as quais ele decerto denunciaria se não tivesse deixado o nosso convívio. Se me é lícito, portanto, trazer à colação o que me parece ter sido o verdadeiro pensamento de GRT nesta área, comecemos pelos fundamentos éticos.
O fim último O ecologismo de GRT não reconhecia outro objectivo final senão o que reside e aponta para um arreigado humanismo. O valor último é o Homem. O que está em causa, em última instância, não é todo e qualquer valor cósmico imanente, nem todo e qualquer resultado da criação por uma divindade transcendente, nem sectores ou planos parciais das criaturas, sejam ou não da biosfera. Esses são valores intermédios. O que está em causa, sempre entendeu GRT, é a sustentabilidade da biosfera onde se insere o Homem e porque este interage com ela. O Homem é que é o supremo valor da criação. É ao seu serviço que deve estar a
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defesa do ambiente. E não espanta, pelo contrário bem se compreende, por que GRT era simultaneamente um arreigado ecologista e um cristão profundo e genuíno. Porque foi Cristo quem expressamente considerou idênticos os dois mandamentos fundamentais que o Pai ditara e quem igualou em valia e poder salvífico o serviço a Deus e ao próximo (leia-se “Homem”). Mas não ao homem unidimensional, massificado, desprezado ou discriminado. Ao Homem com raízes, integral, livre, personalista, respeitado, realizado na vida em comunidade. Ora o Homem, assim concebido, está em permanente diálogo com a Terra, isto é, com o ambiente que o rodeia e que ele tem capacidade para moldar, com as outras e diversificadas espécies animais e vegetais, com os recursos minerais. O Homem deve preservar e valorizar, quanto possa, a biodiversidade, não para coleccionar mais numerosas de abundantes espécies, mas porque essa biodiversidade é vital para o equilíbrio do ambiente e para a sustentabilidade de si próprio. A Natureza não deve ser conservada porque seja um fim em si, mas porque o Homem nasceu no meio dela e, para se realizar, carece de preservá-la, de cuidá-la, de frui-la. É certo que tal fim último, em geral, não contradiz, antes sustenta, os fins intermédios da causa ambiental. Mas se esta causa se ficar apenas por eles, sem um sentido último humanista, enredase em atalhos, perde qualquer norte verdadeiramente superior e tomba em desvios arbitrários que a comprometem.
A cidade e a ruralidade Outra das traves-mestras da doutrina de GRT era a apologia da ruralidade. Não como ideia-força contraditória da urbanidade. Mas para que seja, em si, valorizada. Para salvar um dos assentos mais sãos para o desenvolvimento do Homem. Para contrabalançar o fascínio por uma falsa ideia de aparente progresso urbano, a qual ele se não cansava de desmascarar. Para evitar uma
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unilinear e desequilibrada busca da concentração urbana. Ele via superiormente como o ordenamento do território podia ser um instrumento único para se opor ao mundo descontrolado do urbanismo à solta. Para ele, o próprio pensamento da cidade nada era, sem uma compreensão do seu papel compaginado com as zonas suburbanas, com o território concelhio, comarcão, provincial e nacional.
O conservacionismo, a ordenamento do território
poluição,
o
Os meios que preferia, para fazer face às necessidades ambientais eram vários. Mas nem todos valiam o mesmo. Ele não manifestava especial interesse pelo combate à poluição, que encarava como um aspecto muito técnico e parcelar, incompleto para atingir os fins de qualquer política profundamente ecológica. A sua abordagem era muito mais integrada do que essas políticas específicas, que não lhe tomavam demasiada atenção. E desconfiava mesmo de que uma simples visão antipoluente pudesse gerar outro género de desequilíbrios, igualmente desaconselháveis. Também entendia que uma política à defesa, meramente conservacionista, enformada por um naturalismo folclórico e autojustificado, não fazia sentido senão transitoriamente, para acudir a situações mais críticas. Os parques e reservas naturais tinham o seu papel, assim como tiveram as reservas nacionais, a ecológica e a agrícola. Mas eram insuficientes. Era necessário ser mais ambicioso e não perder de vista uma política ambiental holística e humanista. Privilegiava, pois, como o grande instrumento dessa política integrada, o ordenamento do território. Esse sim, permitia que os vários aspectos da intervenção humana no território pudessem equilibrar-se e harmonizar-se, por forma a garantir-se o verdadeiro progresso. Um
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progresso sustentável, que começasse pela nossa casa de portugueses e pudesse ir sendo disciplinado de baixo para cima, não movido por ideias-força e panaceias, mas pela vivência e convivência humana desde a pequena comunidade rural, até uma cidade que nunca deixe de respeitar a escala humana e, finalmente até o território nacional como um todo.
Um novo modelo de desenvolvimento Por isso, o pensamento ambiental de GRT se não satisfazia com uma focagem exclusiva na poluição, nem na natureza, nem sequer na cidade. Reclamava muito mais. Demandava mesmo aquilo que ele denominou “um novo modelo de desenvolvimento”.
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Não um modelo de conservadorismo sistemático, mas de busca do verdadeiro e integral desenvolvimento do Homem. Esse novo modelo, que ele intuía como necessário, era um mundo fervilhante de sonhos que interagiam. E não é fácil captar cabal e resumidamente num trecho curto, essa utopia que desinquietava e mobilizava GRT. Terá de ficar para outra ocasião a minha tentativa para expor essa utopia com vista a que possa entender-se por que GRT foi verdadeiramente um visionário.
* Secretário de Estado da Estruturação Agrária no III Governo Constitucional (1979), Ministro da Qualidade de Vida no VII Governo Constitucional (1981), deputado à Assembleia da República pelo Partido Popular Monárquico (1980-1983). Presidente do PPM (1988-1990) e Presidente da Causa Real (19961997).
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GONÇALO RIBEIRO TELLES AURORA CARAPINHA
ARQUITECTA PAISAGISTA, PROFESSORA UNIVERSITÁRIA
“Li algures que os gregos antigos não escreviam necrológios, quando alguém morria perguntavam apenas: tinha paixão? […] “ A Faca não Corta o Fogo, Herberto Helder. Tinha! Gonçalo Ribeiro Telles tinha paixão. E muita. Paixão pela vida, paixão pela paisagem, paixão pelas pessoas. Paixão que sabia partilhar com todos aqueles que com ele privavam. Desde muito novo que esta paixão se fez sentir nos vários movimentos e associações que integrou — quer de natureza política, cultural quer de natureza religiosa — e nos cargos governativos que desempenhou, onde o sentido de serviço esteve sempre presente. Em todos lutou pela qualidade de vida das populações e defendia que esta devia assentar: no conhecimento da história como ferramenta para compreender e ler mundo actual e para pensar o futuro; na compreensão das dinâmicas dos sistemas naturais; na consciência da paridade existente entre todos os seres vivos; na responsabilidade que o Homem tem de ser criador de beleza e de uma ordem que condigam com a beleza e a ordem de uma Natureza matricial. Os preâmbulos das leis da área da paisagem e o ambiente, que saíram do pensamento de Ribeiro Telles ou a partir da sua coordenação, são um testemunho desses quatro pontos que atravessam o pensamento e a prática de Gonçalo Ribeiro Telles. E é ainda a esse quadro legal (ainda que muito estropiado) que permite que em Portugal se encontrem ainda áreas onde se faz sentir: o pulsar dos sistemas naturais tão fundamental para o equilíbrio físico, psíquico das comunidades; a presença da tão falada biodiversidade; os valores identitários fundamentais que garantam um futuro vivo e dinâmico num país cada vez mais mergulhado, mais perdido numa visão de tempo ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
curto e como tal fragmentada, numa objectualização descartável não reprodutiva e desnecessária. Desde o desaparecimento, a 11 de Novembro, do Jardineiro de Deus, como lhe chamou Eduardo Lourenço, muito se tem escrito sobre Gonçalo Ribeiro Telles. Revisitaram-se artigos, entrevistas, documentários, as redes socias encheram-se de depoimentos sobre a sua vida e obra. Tantos tributos, tantos depoimentos, tantos quanto a vida longa de Ribeiro Telles. Tudo foi dito. Melhor parece que tudo foi dito, mas não. Há ainda muito para dizer. E, sobretudo para fazer. Por concretizar estão muitas das suas ideias que por vezes foram consideradas como utópicas, mas que hoje são tidas como possibilidades de resolver a crise social, económica, ecológica que vivemos. Outras há, no entanto, que nem compreendidas ainda foram pelos decisores. Há que lutar por isso como Gonçalo Ribeiro Telles nos ensinou e sempre fez. Persistência e convicção duas palavras a não esquecer. De entre o que há por dizer (ou melhor a aprender) respigo um excerto, entre a muita informação que circulou no último mês, de uma entrevista que Ribeiro Telles deu a José Alex Gandum a 19 de Outubro de 2010 e que este jornalista publicou no seu blog “ duas linhas “(https://duaslinhas.pt/2020/11/um-mundourbano-utopico-destruiu-o-mundo-rural/) a 20 de Novembro de 2020: José Alex Gandum (JAG): “Professor, tem dito que em face do mundo actual toda uma filosofia sobre áreas protegidas – muitas das quais tiveram a sua assinatura – e sobre a conservação da natureza está ultrapassada. Porque razão tem essa ideia? Gonçalo Ribeiro Telles (GRT): Porque o mundo rural está a acabar. Não se pode inventar todas as potencialidades e funções do mundo rural através de uma nova visão de conservação da natureza. É preciso encarar o problema de frente e não é com o desenvolvimento das áreas protegidas e com novos estudos que se chega a alguma conclusão.”
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(JAG) “Mas as áreas protegidas não são importantes? “ (GRT) “As áreas protegidas têm importância e continuarão a ter, mas como laboratórios, referências, modelos, pedagogia… e isso interessa a quem? Interessa principalmente aos que não são do mundo rural. As áreas protegidas foram feitas para desenvolvimento científico como laboratório e para dar a conhecer àqueles que não são do mundo rural qualquer coisa que possa justificar esse mundo. Ah, e para criar bons empregos desnecessários a pessoas que fazem parte da elite governativa. Mas o que se verifica hoje – e que é gravíssimo – é a queda drástica do mundo rural, o que vai arrastar todas as políticas relativas às áreas protegidas.” (JAG) “E de quem é a culpa para a queda do mundo rural?” (GRT) O principal culpado é o fenómeno urbano, que afastou as populações das aldeias, condenando à morte as aldeias, e tornando este país num caos… foi também a reflorestação errada, que acabou por provocar… desflorestação. Aliás, a desflorestação foi o primeiro acto de despovoamento. A desflorestação é um fenómeno urbano, pois parte de decisões tomadas nas cidades, decisões que preferem criar um grande mercado internacional em detrimento dos mercados locais. E é assim que se mandam vir produtos de locais a milhares de quilómetros de distância, aumentando aquilo a que chama a pegada ecológica, quando esses produtos podiam ser produzidos localmente.
Numa pequena entrevista Ribeiro Telles de forma lúcida e sagaz faz um diagnóstico sobre os males da nossa paisagem. Na mesma, explica porque o modelo de áreas protegidas e conservação da natureza que lhe foi tão querido, que qual defendeu e implantou com uma equipa, se perdeu. Perdeu-se porque a conservação da natureza só será possível com a presença do mundo rural. Ambos (o mundo rural e a conservação da natureza) só existem na sua dependência directa, um sem o outro definham. Deixam de servir as pessoas que ali habitam. Servem outros. As pessoas, as pessoas na sua relação com a paisagem nunca se afastaram do olhar de Gonçalo Ribeiro de Telles. A ele teremos sempre de voltar. E de cada regresso voltaremos mais felizes e com mais paixão.
[…] Em resumo, muita coisa contribuiu para o desaparecimento do mundo rural: o não aproveitamento dos baldios, o fim da pastorícia, o alastramento da agroquímica com culturas cada vez mais intensivas em detrimento da agricultura tradicional adaptada aos solos e ao clima, os interesses da floresta industrial e da celulose, e em grande parte também por culpa dos que decidem estas coisas a partir de gabinetes nas grandes cidades sem nunca terem sujado as mãos na terra.
Obrigada Professor!
O problema da sustentabilidade já não se põe com o mundo rural, mas com um mundo urbano utópico.”
Projecto de Gonçalo Ribeiro Telles para a quinta do Marquês de Pombal em Oeiras
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Memórias simples BENTO DE MORAIS SARMENTO* ENG.º QUÍMICO-INDUSTRIAL
Sem qualificações de biógrafo, não posso, contudo, deixar de participar nesta homenagem da Real Associação de Viana do Castelo, partilhando algumas memórias ligadas ao querido amigo Gonçalo Ribeiro Telles. Bem antes de o conhecer pessoalmente, de com ele colaborar na acção política e de termos estabelecido amizade, já a sua aura me tinha chegado, através de meu irmão Leandro que, tendo frequentado, algo fugazmente, o Instituto de Agronomia, trouxe para nossa casa em Coimbra, onde vivíamos, a forte impressão que o ensino do Arq. Ribeiro Telles lhe produzira e que o levava a falar-nos dele com entusiasmo e admiração, diga-se que ligando, naturalmente, ao seu o nome do Prof. Caldeira Cabral. Ainda nos tempos de Coimbra, recordo-me das célebres Semanas de Estudos Doutrinários que a Causa Monárquica nos anos sessenta organizou no discreto salão da então FNAT, sob a vigilância do poder político da época. Ficou-me de memória o choque que então se produzia entre a linha protagonizada, entre outros, por Ribeiro Telles, Sousa Tavares, Barrilaro Ruas e alguns mais novos e o sector monárquico “estadonovista” que dominava a CM. Foi só depois do derrube da “Situação”, pelo golpe militar do 25 de Abril, e com a fundação do PPM, que tive contacto mais directo com GRT, sobretudo quando passei a participar nos órgãos dirigentes do Partido. Foi a minha vez de poder apreciar e, com as minhas limitações, apreender, a sua visão e ambição de uma interacção harmónica da Pessoa com a Natureza, com inspiração bíblica no ideal do Jardim do Eden, na busca de uma perenidade que o seu pensamento configurava no princípio monárquico, pelo qual sempre pugnou, para coroar a vida sócio-política que sempre entendeu como serviço de realização pessoal.
Essa simbiose deixou no pensamento de GRT notável marca que, diga-se em abono da verdade, nem sempre estará plenamente percebida em muitas das homenagens, sinceras, que lhe têm sido prestadas. Homenagens provenientes dos mais distintos sectores, mostrando que a afirmação desassombrada, por vezes mesmo contundente, das suas convicções nunca levou Ribeiro Telles a criar muros que impedissem o estabelecimento de pontes com quem também aspirasse à liberdade e à justiça social. Mas ocorre-me decalcar, de memória, a judiciosa observação em um artigo de Miguel Esteves Cardoso, notando que, mais do que elogiar a obra de Ribeiro Telles realizada, haveria que dar concretização ao muito do seu pensamento cuja realização foi obstaculizada - e mesmo que repor o que, entretanto, foi sendo desvirtuado… Gonçalo Ribeiro Telles, um pensamento sempre comprometido com a acção nos campos social, cultural, político, ambiental... facetas a que deu total coerência derivada da sua visão transcendente da existência. O seu exemplo fica connosco.
Almoço dos 90 anos de Gonçalo Ribeiro Telles no Café Nicola em Lisboa. À esquerda: João Bettencourt, Augusto Ferreira do Amaral, Gonçalo Ribeiro Telles e Paulo Trancoso. À direita: Bento de Morais Sarmento, Luís Coimbra, Fernando Pessoa, Mendo Castro Henriques.
* Secretário Executivo da Associação Portuguesa de Energia, Presidente da Comissão Executiva Nacional do PPM (1985-1992), Subdirector-Geral da Direcção-Geral de Energia e Geologia (1982-1991)
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Gonçalo Ribeiro Telles, a Paisagem, o Homem, a Natureza CARLOS PIMENTA* ENGENHEIRO, AMBIENTALISTA
Em Junho de 1983 com a mudança de Governo da AD para o Governo do Bloco Central, coubeme suceder a Gonçalo Ribeiro Telles na tutela directa do Ambiente e Ordenamento do Território. Um discípulo que sucedia ao mestre. E Mestre era de verdade. Ensinou-me tanto, a começar pela visão da continuidade cidade – campo, ao invés da ideia corrente que assumia a normalidade da separação dos mundos do “betão” e da “província”. A cidade, reino do betão e do automóvel, condescendia aqui e ali em deixar um pequeno espaço verde, confinado entre ruas e paredes, sem continuidade nem corredores verdes, impedindo os cidadãos de usufruir um continuo natural essencial à vida. E quanto a ribeiras, nem vê-las... enterrá-las sempre que possível! Cidades de desertificação, de simplificação, de empobrecimento da alma dos seus habitantes e dos ecossistemas. Ele disse não ao que o deslumbramento material, a cegueira do “crescimento”, a corrupção da sensibilidade, o desprezo pela vida e a ignorância arrogante propunham como “progresso”. Sempre com uma inesgotável capacidade de olhar e imaginar soluções que o seu desenho fluido nos fazia ver e acreditar. Como os jardins e espaços públicos que concebeu e em que sua visão nos traz espaços de beleza, mundos em miniatura onde o microcosmo nos faz adivinhar o Universo. Ribeiro Telles foi pioneiro na oposição a este modelo de simplificação e destruição da paisagem, na defesa da convivência entre o humano e a natureza que só acontece com riqueza, segurança e sustentabilidade quando o homem a respeita e se adapta à sua complexidade e aos seus ciclos. Pedagogo, com uma rica cultura em que o manuseio dos livros o inspirava para novas maneiras de ver e compreender o território, ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
estudioso, profundo conhecedor dos ecossistemas e da lenta história dos homens, esteta, foi um verdadeiro humanista que nos fez ver como somos simultaneamente parte do fluxo da História dos homens e habitantes da Terra, nossa casa comum. A sua vida pública é bem conhecida. Deixou Escola, criou novos cursos, formou inúmeros profissionais, vários dos quais souberam reinterpretar a sua visão e criar novos espaços de beleza e fruição, multiplicando assim a sua marca na nossa vida. O Ministério do Ambiente foi sonho e obra sua. No calor do período revolucionário e do início da nova era de democracia constitucional, a maneira como apresentava as questões do Ambiente e da sustentabilidade desconcertavam, desarmavam e no final conseguia fazê-las aprovar mesmo quando parte dos colegas de Governo não percebiam bem o alcance do que estavam a ratificar. Foi o caso da RAN e da REN sem as quais o País seria muito mais pobre. Era acima de tudo um Homem Bom, um conversador que nos tocava e nos abria os olhos e a alma para o belo, que nos inquietava e desafiava. Lembro-me da “chacota” de que foi alvo quando defendeu as hortas urbanas. Hoje, na Grande Lisboa espera-se anos para ter um talhão numa pequena horta urbana disponibilizada pelos municípios. É só uma fotografia isolada de como Ribeiro Telles viu uma outra realidade e soube imaginar propostas de como para ela caminhar. Conviver com Gonçalo Ribeiro Telles, ouvi-lo, tentar pensar como aplicar a sua visão inspiradora, estudar novas formas de a projectar foi um dom e é um legado que ele me deixou para o resto da minha vida. * Secretário de estado do Ambiente (1983), Secretário de estado das Pescas (1985), deputado na Assembleia da República (19851987) e (1987-1991). Deputado Parlamento Europeu, eleito pelo PSD (1987-1989), (1989-1994) e (1994-1999).
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Conservação e o usufruto das dunas da Crismina no Guincho, em Cascais, que estariam destruídas e urbanizadas se não tivesse sido a luta de Ribeiro Telles, a que o Eng.º Carlos Pimenta deu sequência e conclusão, e que foi a primeira de muitas intervenções que fez por inspiração de Gonçalo Ribeiro Telles quando assumiu a pasta do Ambiente.
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Recordar Gonçalo Ribeiro Telles FERNANDO SANTOS PESSOA* ARQº PAISAGISTA
Já tanto se disse e escreveu sobre Gonçalo Ribeiro Telles que é difícil senão impossível não repetir muito do que já se falou. Mas há aspectos que se tem imperativamente reafirmar, como seja que ele foi um homem à frente do seu tempo – naquilo que ensinava, nas ideias que saíram da sua grande capacidade intelectual e nas propostas de intervenção no espaço biofísico. E também na sua qualidade de político democrata e inovador através dos seus próprios ideais monárquicos. As suas convicções monárquicas, que eu não partilhava, mas com as quais convivi durante quase sessenta anos e permitiram uma sólida amizade, eram inspiradas em valores da Cultura e da Tradição e contribuíram decisivamente, ao longo de décadas durante o regime do Estado Novo e depois após a restauração do regime democrático, para alargar os conceitos de democracia e de convivência dentro dos ideais da liberdade. Para ele as convicções no regime monárquico, como ideólogo popular e independente que era, cabiam numa ideia abrangente e de interligação entre a gestão da res publica e as preocupações de perenidade dos sistemas e da Vida, bem como na sábia utilização dos recursos naturais. A natural assunção das suas capacidades como técnico e como criador de ideias sobre a paisagem/ património, impuseram-no videntemente como um político indiscutível e indispensável naquilo que, a partir de 1974, se tornou numa prioridade nacional, até aí concebida apenas como uma ideia vaga e fragmentada: a defesa do Ambiente. É por isso redutor tentar separar em Gonçalo Ribeiro Telles a actividade profissional criativa e as convicções e propostas políticas, tendo transmitido à opinião publica – mas também ao universo intelectual e do pensamento português
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– o conhecimento da integridade e dimensão da sua personalidade. Foi significativo o que sucedeu em 1973, quando foi convidado a participar no Congresso de Aveiro que reunia a oposição ao Estado Novo, e foi impedido de chegar, sendo o também insigne intelectual Dr. Henrique Barrilaro Ruas a levar a sua mensagem. Para os monárquicos participarem no Congresso, que se designava “Republicano”, teve que se alterar a designação para “Oposição Democrática “ – o que diz bem do prestígio de que Ribeiro Telles já era senhor. A institucionalização do PPM foi muito importante no arranque do regime democrático, pois a ele se deveu, enquanto Gonçalo Ribeiro Telles o presidiu, o nascimento da Política de Ambiente e Ordenamento do Território, um dos factores de maior modernidade e reconhecimento internacional de Portugal do novo regime. A sua luta pela melhoria efectiva da qualidade de vida no espaço urbano e no espaço rural assentou numa das suas mais geniais propostas em termos de planeamento do espaço nacional: paisagem urbana e paisagem rural são duas faces da mesma Paisagem Global. As governações que tivemos no País nunca foram capazes de implementar esse desiderato, por submissão a interesses estranhos aos verdadeiros interesses do futuro, e nem sempre fizeram o melhor uso dos instrumentos legais de ordenamento que ele deixou, como a REN e a RAN, além dos PDMs e dos PROTs – um leque de possibilidades que permitiriam prosseguir o objectivo do efectivo ordenamento da paisagem em relação ao homem, sem destruir a Natureza. Esta é também a ideia magna da arquitectura paisagista que Gonçalo Ribeiro Telles ensinou ao longo da sua vida.
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Enriquecedora foi ainda a ideia de que o homem, no mais profundo do seu ser, pretende alcançar na sua existência dois objectivos simbólicos - o Éden e o Paraíso- o que se traduz na criação do jardim, nomeadamente no jardim tradicional português, que engloba a produção e o recreio: “O Éden como o vale fértil, portanto a fertilidade. E o Paraíso como o bem estar”.
Para finalizar, e repetindo o que já noutra ocasião escrevi, é a dimensão de visionário com os pés na terra que dá a Gonçalo Ribeiro Telles uma posição ímpar na história do pensamento e dos ideais de Democracia em Portugal. * O autor escreve pela antiga ortografia. Chefe de gabinete de Gonçalo Ribeiro Telles (1981-1983).
Gonçalo Ribeiro Telles em 2017
Aniversário de Gonçalo Ribeiro Telles em 2018
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Ribeiro Telles – a herança de um território salvaguardado FRANCISCO FERREIRA
PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E PRESIDENTE DA DIRECÇÃO DA ZERO - ASSOCIAÇÃO SISTEMA TERRESTRE SUSTENTÁVEL
Foram muitas e diversas as ocasiões ao longo das últimas três décadas em que tive a oportunidade de conversar com o Arquiteto Gonçalo Ribeiro Telles. De todas, e talvez a mais longa e profícua, foi em 1998, tinha eu 32 anos e ele 76. Éramos o mais novo e o mais velho de um grupo que passou um fim de semana inteiro em retiro numa estalagem em Colares (Sintra) para criarmos, com outros autores (Domingos Moura, Francisco Nunes Correia e Viriato Soromenho-Marques), um livro intitulado “Ecologia e Ideologia”, sob a coordenação de José Rebelo que viria a ser editado pela “Livros e Leituras”. Aí percebi a história de vida de Ribeiro Telles – as razões familiares da sua ligação urbana mas também ao campo, a influência de Caldeira Cabral para seguir Arquitetura Paisagista e o seu envolvimento a partir daí nas questões do ambiente e da ecologia, as idas a África e a entrevista televisiva sobre as cheias catastróficas do Tejo em 1967. Em paralelo, a sua vida política que passou pelo Movimento Monárquico Popular, clandestino antes do 25 de abril, e depois pelo Partido Popular Monárquico. O seu papel nos primeiros governos provisórios como Sub-Secretário de Estado do Ambiente indiciou o que mais tarde viria a concretizar e que se tornou uma marca indelével no ordenamento do território do país, aquando da sua participação no oitavo Governo constitucional da Aliança Democrática. Em 1983, Ribeiro Telles faz aprovar a legislação relativa à Reserva Agrícola Nacional (RAN), Reserva Ecológica Nacional (REN), e os elementos básicos dos Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT). Como ele diria nessa conversa, aquele foi um momento único, na medida em que as matérias em causa que iam contra muitos interesses instalados só possíveis aprovar num último momento da legislatura em que “quase toda a gente estava
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cansada das lides governamentais.” Ribeiro Telles viria ainda a ser coautor da primeira Lei de Bases do Ambiente em 1987. Ao longo dos anos, a sua intervenção vai marcar a paisagem de Lisboa, concebendo estruturas e corredores verdes, ecológicos, fluviais (como ele inicialmente lhes chamava). Vale a pena explorar um pouco melhor o quão determinante foi a visão de Ribeiro Telles nestes diferentes diplomas. Na década de oitenta do século passado, assistíamos a uma enorme expansão urbana que maioritariamente não ponderava qualquer outro interesse que não a especulação imobiliária. Qualquer espaço de terreno bem localizado numa qualquer área urbana era um local apetecível. A Reserva Agrícola
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Nacional levou a que fosse muito difícil ocupar os solos mais produtivos que existem em diversos locais, em particular nas cidades, solos esses com quintas que abasteciam anteriormente a urbe e por onde era habitual passarem ribeiras que haviam levado à formação desses aluviões ricos em matéria orgânica. A RAN viria a classificar esses solos e a colocar um conjunto de obstáculos à sua ocupação e impermeabilização, que ao longo do tempo viriam a ser infelizmente ultrapassados em muitas das situações, mas onde muitas áreas foram efetivamente salvaguardadas. No que respeita à Reserva Ecológica Nacional, Ribeiro Telles assegurou que uma enorme parte do território tivesse também sido salvaguarda da ferocidade de uma ocupação incontrolada, tendo “contribuído para proteger os recursos naturais, especialmente água e solo, para salvaguardar processos indispensáveis a uma boa gestão do território e para favorecer a conservação da natureza e da biodiversidade, componentes essenciais do suporte biofísico do nosso país.” Acima de tudo, conseguiu-se reduzir o risco para as populações em zonas de forte erosão, de cheias, onde a salvaguarda do património natural se aliou à necessidade de assegurar resiliência para a ocupação humana.
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No que respeita aos planos regionais, foi mais uma vez a visão de que o território não pode ser visto de forma alguma apenas á escala municipal mas as opções têm de estar interligadas e integradas à escala regional que levou Ribeiro Telles na altura a criar as bases dos planos que ainda agora e no futuro são vitais para uma gestão mais abrangente do território. No que respeita à sua conduta mais próxima das organizações políticas e sociais, Ribeiro Telles foi desde sempre uma fonte de inspiração para o movimento ambientalista em Portugal pelos conhecimentos que tinha, pela vivência que transmitia e pelo rigor da sua conduta. Se considerado um conciliador, em nenhuma ocasião cedia aos interesses que punham em causa aquilo que considerava serem os valores a preservar. Não apenas intervinha junto de muitos que o conheciam e o acompanhavam, como politicamente se viria a envolver na fundação do Movimento Partido da Terra que foi genuinamente a primeira força partidária criada a partir da organização da sociedade civil em torno da defesa do ambiente. O território que temos preservado é uma direta herança do seu esforço e visão. Os portugueses têm muito a dever ao trabalho e à vida de Ribeiro Telles.
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O eterno jovem sábio* GONÇALO RIBEIRO TELLES JR.
CONSULTOR DE COMUNICAÇÃO E ANALISTA POLÍTICO
Vivemos e viveremos sempre com amostras da visão de Gonçalo Ribeiro Telles por esse país fora. Umas menos conhecidas, como a caminhada à entrada da Meia Praia em Lagos, que tive a sorte de percorrer várias vezes em criança e, depois, já na adolescência. Daqui, surge a tal longa caminhada desenhada e concebida pelo meu avô que eu fiz questão de batizar a título pessoal de “amazónica”, e onde se encontra uma passagem estreita de retas e curvas simétricas, ladeadas por uma vegetação que a preenche. Isso e as plantas que, além de criarem uma sombra completa e nos refrescarem, dão a sensação de entrarmos num outro mundo, antes de avistar a chegada à ilha. A tal ilha que é, simplesmente, a Meia Praia. Mas desta e outras amostras maiores como o corredor verde que liga o Parque Eduardo VII a Monsanto, os jardins da Gulbenkian, entre tantas e tantas outras, o mais gratificante, para além dessa utilidade, evocação da beleza natural e do mundo natural das coisas, é que em cada uma delas verificamos que tudo se coaduna com o que nos transmitiu e ensinou ao longo dos anos. Não existe uma separação entre estas criações e o homem. Entre a obra e o homem. Antes, foram os seus princípios e valores que o levaram a ver e projetar tudo desta forma. E isso foi um testemunho constante que nos foi dado. Único para a vida. Lembro-me de como falava da verticalidade e transversalidade como características essenciais ao ser humano e até isso são traços bem presentes nas relações que teve connosco, na sua obra arquitetónica, na ligação entre cidade e campo e mesmo naquilo que defendeu ao longo do seu trajeto político. No qual as ideias e causas prevaleceram sempre sobre o que podia cair pior ou melhor naquele que era o seu campo político
de origem. Ainda há poucos anos o ouvia falar com saudade do, entretanto, descaracterizado Movimento pelo Partido da Terra que ele criou. Recuo aos tempos em que nós, netos, até posters colocávamos nas nossas casas com a sua imagem pela floresta adentro. Relembro-me também da sua reação quando eu ficava visivelmente chateado com algumas críticas que lhe faziam, desconsiderando ou até mesmo ridicularizando o seu ideal ecológico “desfasado da realidade.” E ele reagia com uma indiferença às mesmas que tanto me espantava como fazia admirá-lo ainda mais. Era uma espécie de suspiro característico que não era mais do que um “perdoai-lhes, Senhor, eles até podem julgar que sabem o que fazem, mas sabem que não sabem o que dizem”. Também isso, representativo de uma certa forma de estar no combate político pelas suas ideias e ideal que tão pioneiras eram, levava-o a responder sem qualquer desconsideração ou amargura. Antes, a paixão por tudo aquilo em que acreditava levou-o a uma constante e apaixonada pedagogia que não só a nós nos cativava, como mais tarde viria a cativar o país transversalmente. Foi sempre um eterno jovem sábio aos meus olhos. Até há poucos anos e antes de ficar doente, já com 90 anos, era um dos espíritos mais jovens que conheci. Nunca se deixou embevecer pela obra que deixava ao país. Nunca reivindicou a razão que teve antes de tempo e de tantos não o compreenderem ainda a tempo de muito mais. Em vez disso, a sua conversa era sempre virada para o futuro. Para os próximos 50, 100 anos. Procurou sempre esse futuro. Tinha um conhecimento aprofundado e ímpar da história e do passado do país, contextualizavao à atualidade como poucos, mas vivia o seu presente, pensando sempre no futuro. Até isso ele foi. Um homem do futuro. O meu avô.
Este artigo foi publicado no jornal “Público” a 12 de novembro, que aqui se reproduz com as devidas autorizações.
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GONÇALo RIBEIRO TELlES E VIANA DO CASTELO HORÁCIO FARIA
ENGENHEIRO DO AMBIENTE
O meu primeiro contacto com a obra ímpar do Arquiteto Paisagista[1] Gonçalo Pereira Ribeiro Telles (Lisboa, 25 de maio de 1922 — Lisboa, 11 de novembro de 2020), ocorreu no verão de 1976, quando visitei o Jardim da Fundação Calouste Gulbenkian[2], vencedor do prémio Valmor, no ano anterior. Não obstante já conhecia a ação política[3], deste obreiro da Paisagem e defensor do Ordenamento do Território, para além da intervenção, enquanto cidadão, nas áreas e domínios do Mundo Rural, Uso e Ocupação do Solo, Ambiente e Políticas de Urbanização. Recorda-se que, desde meados do século XX, o Arqt.º Ribeiro Telles manifestou uma preocupação constante com o planeamento e ordenamento do território, a ocupação do solo e as cheias, o planeamento biofísico, a conservação e proteção dos recursos naturais e culturais, a árvore e os espaços verdes, os corredores verdes urbanos, etc. Releva-se o pioneirismo das chamadas “Estruturas verdes principal e secundária da Área Metropolitana de Lisboa”, o embrião, presentemente, dos tão propalados corredores ecológicos urbanos. No ínicio da década de oitenta do século passado, para além da degradação da paisagem decorrente da inexistência de instrumentos de ordenamento e gestão do território com eficácia legal, Viana do Castelo viu-se confrontada com a intenção de construção de uma Central Termoeléctrica a Carvão na orla costeira a sul do rio Lima, no Baldio das Corgas da freguesia de Anha. Enquanto presidente da novel associação
Núcleo Amador de Investigação Arqueológica de Afife (NAIAA)[4], no decurso do II Encontro Nacional das Associações de Defesa do Património Cultural e Natural, realizado em Braga, de 9 a 12 de abril, manifestei a preocupação do NAIAA dando voz ao sentimento de repúdio da população, considerando o impacto ambiental e paisagístico que o aludido projeto da Central Termoeléctrica a Carvão acarretava para o meio ambiente e qualidade de vida dos vianenses. Aliás sublinha-se que o verão de 1980, em Viana do Castelo, tinha ficado marcado por uma das maiores manifestações realizadas em Portugal em prol da defesa do meio ambiente e qualidade de vida das populações dos distritos de Viana do Castelo e Braga, com a finalidade de contestar e repudiar a instalação da Central Termoeléctrica a Carvão. No referido encontro nacional das associações o saudoso Arquiteto Fernando Távora, representante da associação a “Muralha” de Guimarães, sensibilizado com as preocupações do NAIAA, teve a gentileza de me apresentar ao Ministro da Qualidade de Vida Dr. Augusto Martins Ferreira do Amaral a quem entregamos um documento[5], sobre a matéria em apreço. Nesta mesma altura o Dr. Augusto Amaral, simpaticamente, facultou o contacto do Arqt.º Ribeiro Telles dado, segundo ele, nos poder também ajudar nesta luta. Estabelecemos
[1] Licenciou-se em Engenharia Agrónoma e também concluiu o Curso Livre de Arquitetura Paisagista, no Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade Técnica de Lisboa. [2] Um jardim no seio do tecido urbano de Lisboa, com 9 hectares, inaugurado em 1969. Foi desenhado por António Viana Barreto em 1957, contando com a colaboração de Ribeiro Teles na década de sessenta. Trata-se de um espaço verde com uma flora e fauna diversificadas, integrando riachos, um lago, trilhos por entre arvoredos, terraços ajardinados e um anfiteatro. [3] Subsecretário de Estado do Ambiente no I Governo Provisório liderado por Adelino Palma Carlos (16/5/74 a 9/7/74) e no II Governo (9/7/74 a 30/9/74) e III Governo (30/9/74 a 26/3/75) de Vasco Gonçalves. [4] Criado em 1973 e constituído como associação em 16/2/1980. [5] Preparado pelo NAIAA com a preciosa colaboração da Dona Angelina da Costa Barros.
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contacto com o Arqt.º Ribeiro Telles que de imediato se prontificou e disponibilizou para auxiliar nesta contenda dando-nos de imediato indicações sobre algumas diligências que deveríamos realizar e que de facto se vieram a revelar cruciais no desfecho desta luta ambiental. Curiosamente passados dois meses o Arqt.º Ribeiro Telles, passou a integrar o VIII Governo Constitucional (4/9/1981 a 9/6/1983) chefiado por Francisco Pinto Balsemão, como Ministro de Estado e da Qualidade de Vida. Recordamos a colaboração e o apoio prestado ao NAIAA nesta luta e o incentivo para apresentarmos no III Encontro Nacional das Associações de Defesa do Património Cultural e Natural realizado entre 1 e 4 de abril em Torres Vedras, a comunicação “Princesa do Lima Ameaçada por uma Central Termoelétrica a Carvão”, com a finalidade de manter-se este assunto na agenda política, devido às pressões de outros ministérios no que concerne à construção da aludida central.
Salienta-se que no exercício das funções ministeriais o Arqt.º Ribeiro Telles teve um papel absolutamente pioneiro e inovador, ao conceber e criar as zonas protegidas da Reserva Agrícola Nacional – RAN (DL n.º 451/82 de 16 de novembro) e da Reserva Ecológica Nacional (DL. n.º 321/83 de 5 de julho) e ao estabelecer, no plano técnico jurídico, um regime sobre o uso da terra e o ordenamento do território, ou seja, as bases dos Planos Diretores Municipais. Sempre disponível para esclarecer e ajudar desenvolvemos uma amizade, que extravasou também para o plano profissional, salientando entre muitas coisas o colóquio que realizamos em 25 de junho de 1987, em Viana do Castelo, no âmbito da comemoração do Ano Europeu do Ambiente, subordinado ao tema “A Orla Marítima e o Ordenamento do Território”. Recordo também com muito apreço os conselhos e indicações que me deu aquando da elaboração das cartas da Reserva Agrícola Nacional e da Reserva Ecológica Nacional do Plano Diretor Municipal de Viana do Castelo, publicado em 31 de dezembro de 1991.
Orla costeira de Viana do Castelo a sul do Rio Lima Arqt.º Gonçalo Ribeiro Telles
Fontes https://pt.wikipedia.org/wiki/Gon%C3%A7alo_Ribeiro_Telles consultado em 8/12/2020. https://pt.wikipedia.org/wiki/Jardim_da_Funda%C3%A7%C3%A3o_Calouste_Gulbenkian#:~:text=Jardim%20da%20Funda%C3%A7%C3%A3 o%20Calouste%20Gulbenkian%20%20%20,Funda%C3%A7%C3%A3o%20Calouste%20Gulbenkian%20%202%20more%20rows%20 consultado em 8/12/2020. Bibiliografia FARIA, Horácio (2009). Alterações Climáticas, Uso e Ocupação do Litoral de Afife. Revista Estudos Regionais, II Série n.º 3, Viana do Castelo: CER, p. 169 - 238. FARIA, Horácio (2014). O Litoral Minhoto e as suas Gentes. Revista Estudos Regionais, II Série, n.º 8. Viana do Castelo: CER, pp. 77-109.
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GONÇALO RIBEIRO TELLES E A ILHa TERCEIRA JÁCOME DE BRUGES BETTENCOURT
ESCRITOR, CÔNSUL HONORÁRIO DA REPÚBLICA DE CABO VERDE NOS AÇORES
É, com o maior prazer que aceito dar um testemunho a convite do Presidente da Direcção da Real Associação de Viana do Castelo, que de parceria, com a Causa Real, pretendem homenagear em número especial da Real Gazeta do Alto Minho Gonçalo Ribeiro Telles, meu Amigo de há cinquenta e seis anos, que conheci desde o início da minha militância activa na Causa Monárquica, Lisboa, datada de 1964, em que era ao tempo um jovem. E, nunca mais nos perdemos de vista, mesmo quando regressei aos. Açores, ia a Lisboa uma ou duas vezes por ano encontrávamos e ele ia-me pondo a par do que se ia passando sobre os nossos interesses comuns nas esferas continentais do poder. Convidou-me para aderir em 1970 à Convergência Monárquica e em 1974 ao Partido Popular Monárquico, onde o acompanhei, saindo com ele em 1993. Mas sempre Monárquicos... Recordo, que em 1974, o então Governador Civil do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, Oldemiro Cardoso Figueiredo, médico, me telefonou a pedir que recebesse e acompanhasse (pondo o mercedes e motorista oficiais à disposição) o subsecretário de Estado do Ambiente G.R.T. do Governo Provisório. Pude então abraçá-lo com a maior alegria. Um pouco antes eu fora convidado, como representante monárquico do PPM, a fazer parte da Comissão Administrativa da Junta Geral do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo, em agosto de 1974. Aliás no início de julho de 1974, já depois de G.R.T. me ter convidado a aderir ao PPM, telefonou pedindo que convocasse, para uma reunião alargada, os monárquicos da Terceira e, se possível, com representantes doutras ilhas, pelo que deslocar-se-ia aí um membro do Diretório do Partido. O que de facto aconteceu, ainda nesse
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mês, na sala de espetáculos (cinema) da Fanfarra Operária, com a participação de Estevão Gago da Câmara e Francisco Martins de Bettencourt, respectivamente de S. Miguel e Faial, orientando os trabalhos, como dirigente nacional do PPM, João Vaz Serra e Moura. Foi ainda, escolhida uma Comissão integrada por Jorge Pamplona Forjaz, José Alpoim de Bruges, Humberto Almeida e Sousa, Valdemar Mota e Jácome de Bruges Bettencourt, tendo o PPM, a partir daí e diversas vezes concorrido a eleições para a Assembleia da República, Assembleia Legislativa Regional e Autárquicas nos Açores. Ainda, como membro de governos Constitucionais volta G.R.T. à ilha Terceira mais duas vezes, uma delas, já ministro de Estado e da Qualidade de Vida, acompanhado pelo seu chefe de Gabinete, fiel colaborador, desde os tempos de seu aluno no I. S. A. o arquiteto paisagista Fernando Santos Pessoa, depois professor universitário. Em março de 1984 está em Angra para uma reunião com os representantes do PPM nos Açores entre os quais participam Humberto Almeida e Sousa, José Alpoim de Bruges, Estevão Gago da Câmara, Jácome de Bruges Bettencourt, Francisco Fernando de Borba e Francisco Jorge Ferreira, com vista à preparação para eleições próximas. Porém, à sua ilha de eleição, onde sempre contou bons Amigos, e se situa a primeira cidade portuguesa a merecer a classificação de Património Mundial pela Unesco, Angra do Heroísmo, voltaria aqui mais algumas vezes, assim como à Praia da Vitória, cidade, também com História, nesta mesma ilha.
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G.R.T. foi um dos apoiantes e impulsionadores da defesa e promoção das Vinhas dos Biscoitos (freguesia do concelho da Praia da Vitória) e da Paisagem local. Inclusivamente colaborou, a nosso pedido, na revista "Verdelho", nº 7 - 2002 com "A Paisagem Açoriana dos Biscoitos". Em 1991, a convite do Presidente da C. M. da Praia da Vitória, o médico Carlos Lima, G.R.T. dissertou no salão nobre dos Paços do Concelho, com a autoridade que sempre se lhe reconheceu, sobre o Património Imóvel do Ramo Grande, durante o lançamento da obra "Arquitetura Popular do Ramo Grande". No dia 10 de março de 2007, 14º aniversário da Confraria do Vinho Verdelho dos Biscoitos, P. Vitória, Terceira, sendo eu seu grão-mestre, tive a honra de o investir e lhe entregar as insígnias e diploma de Confrade de Mérito, em cerimónia realizada na igreja da Lapa, com um almoço regional na Casa dos Açores, onde participaram 50 convidados. Devo referir que ele conhecia bem, sobretudo as ilhas Terceira, S. Miguel, Faial e Pico, que visitou.
Grande defensor da protecção legal dos parques naturais, dos jardins e hortas urbanas, os seus extraordinários projetos como arquiteto paisagista moldaram de forma significativa não só Lisboa, como a área metropolitana. Curiosamente, numa visita nos anos 80 que G.R.T. fez em Angra, ao Palácio dos Capitães-Generais, em obras, pois ficara arruinado pelo Sismo/80, e onde provisoriamente na Sala das Carrancas, funcionava a Direcção Regional dos Assuntos Culturais - S.R.E.C. do Governo Regional dos Açores, foi-lhe pedida, pelo então Director Manuel Lamas de Mendonça, uma sugestão para o seu jardim e ele, in loco, logo rabiscou, numa folha de papel, em 5 minutos, o que hoje lá está, muito simples, agradável e de fácil manutenção, mas com a dignidade que o sítio merece. Homem da Cultura, do Pensamento e da Acção, foi um Grande Senhor, com um extraordinário exemplo de vida a todos os níveis, que fisicamente nos deixou, mas continuará presente através do seu imenso legado.
Fernando Santos Pessoa, Gonçalo Ribeiro Telles e Jácome de Bruges Bettencourt. Casa dos Açores de Lisboa, 2007.03.10.
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Homenagem a Ribeiro Telles num mural em na zona de Alvalade, Lisboa, da autoria do artista Styler
Centro Interpretativo Gonรงalo Ribeiro Telles em Lisboa
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um exemplo a não esquecer JOSÉ CORTEZ DE LOBÃO SECRETÁRIO-GERAL DA CAUSA REAL
Quase um século de vida, com obra feita ao serviço da Pátria, obra feita, o amor dos seus próximos e certamente conciliado com Deus, é tudo o que um homem pode desejar. Não foi uma surpresa a partida de Gonçalo Ribeiro Telles, mas é certamente uma grande perda. Gonçalo Ribeiro Telles foi sempre para mim uma presença, por ser amigo e colega de curso de meu pai como agrónomo. Era uma figura constantemente presente nos temas das conversas políticas em família. A sua inteligência viva, as suas firmes convicções como político e como técnico, que sabia defender como ninguém sempre com simpatia, cativava todos, mesmo os que dele discordavam. Foi sempre um homem de convicções fortes que teve razão antes de tempo. Como agrónomo e arquitecto paisagista quis sempre trazer o campo para dentro da cidade. Os jardins que projectou são um deslumbramento. Foi na verdade um “jardineiro de Deus”! O seu sonho era integrar os espaços verdes no ambiente urbano. Portugal deve-lhe muito e graças a ele, grande parte da paisagem rural e urbana deste país foram protegidas, apesar das muitas barbaridades que se fizeram e continuam a fazer. A ele devemos a ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
criação das REN e RAN, bem como a legislação que criou os Parques e Reservas Naturais. É a Gonçalo Ribeiro Telles e ao Prof. Caldeira Cabral que devemos o nascimento da arquitectura paisagista em Portugal. Como político e como monárquico deixou uma marca indelével na história recente de Portugal. Foi um dos poucos homens, talvez o único, respeitado por todos no meio político português. Da esquerda à direita, mesmo os que tinham opiniões muito diferentes, o ouviam atentamente e com admiração. Em boa hora a Causa Real, associando-se a outras entidades de reconhecida relevância na sociedade portuguesa, instituíram um prémio para o ambiente e paisagem com o seu nome. Marcou a sua geração e a minha, e espero que não seja esquecido pelas próximas. Seria uma perda inqualificável. Das muitas vezes que tive a oportunidade de conversar com Gonçalo Ribeiro Telles fiquei sempre com a sensação de conversa inacabada. Bem haja Prof. Gonçalo, até um dia…
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A EXCENTRICIDADE DE TER RAZÃO JOSÉ MANUEL PUREZA* PROFESSOR UNIVERSITÁRIO
Aquilo da ecologia era uma esquisitice. Era de desenvolvimento que se falava, de reforma ou revolução, de propriedade e gestão, de setor público ou privado, de militares e civis, de Atlântico ou Mediterrâneo. Claro que tinha havido Ferrel, a impor que discutíssemos todos se o nuclear era o suporte energético de que precisávamos para o futuro, algo que Three Mile Island e depois Chernobyl ajudaram a balizar. Claro que havia a memória de uma reportagem de uma televisão a preto e branco em que um então jovem arquiteto paisagista falava, no que é hoje o fundo da Calçada de Carriche, com Odivelas, Senhor Roubado e Santo António dos Cavaleiros à vista, algures em 1965 ou 1966, advertindo que a impermeabilização que se estava a fazer na várzea de Loures ia condenar todas aquelas pessoas a uma tragédia quando a chuva caísse em maior abundância. As cheias de novembro de 1967 deram a essa entrevista um tom terrivelmente profético. Mas nada disso impedia que a agenda política de Ribeiro Teles nos finais da década de setenta e na década de oitenta soasse invariavelmente a excentricidade aos ouvidos de uma sociedade alheada de uma reflexão sobre os limites do crescimento e sobre o valor de uma política do território. Estamos hoje a pagar – e pagaremos durante muito tempo – esse alheamento mais ou menos preguiçoso. Porque foi dessa preguiça que se alimentou o chico-espertismo da hiperconstrução e da delapidação dos recursos do território, algo que fez (faz?) o dia a dia do poder local – e mesmo nacional – há tempo demais. Das lutas de Gonçalo Ribeiro Teles que ganharam mais notoriedade, eu quero destacar a sua luta pelo ordenamento do território. Porque ela, levada a sério como ele o fez, é das transformações estruturais mais importantes do país. No pensamento e na ação de Gonçalo
Ribeiro Teles sobre o ordenamento do território não houve cedências a um ruralismo saudosista nem a uma recriação idílica do tempo préindustrial. Nas figuras da Reserva Ecológica Nacional e da Reserva Agrícola Nacional, por ele pensadas, o que emerge é um território pensado e organizado, por oposição a um território construído ao sabor dos interesses dos mais fortes do momento e da improvisação que os beneficia. Não é por acaso que a REN e a RAN tiveram e têm tantos inimigos figadais, nem é por acaso que as leis iniciais sobre ambas foram sendo objeto de estratégias de esvaziamento, sempre em nome da ‘razoabilidade’ e do ‘equilíbrio’, mas sempre a servirem os mesmos interesses. A alegada excentricidade de valorizar a defesa dos ecossistemas mais sensíveis e a defesa dos solos de maior potencialidade agrícola é, afinal, a expressão de uma racionalidade superior, porque aos ganhos momentâneos de uns poucos opõe os ganhos coletivos de todos, materializando na perfeição a palavra de ordem fundadora do movimento ecologista: “não herdamos a terra dos nossos pais, tomamo-la de empréstimo dos nossos filhos”. Em Gonçalo Ribeiro Teles a proteção do ambiente e a valorização do território foram sempre muito mais que uma causa técnica ou que uma saudade sem razão. O território, a paisagem, os ecossistemas foram sempre, para ele, campos de luta pelo belo. Um belo que Ribeiro Teles queria estender de um jardim local ao desenho de uma cidade ou ao corredor ecológico ao longo do país. O espaço do ambiente, o seu desenho, a sua ordenação ao belo são seguramente grandes legados de Gonçalo Ribeiro Teles. A sua tenacidade em acreditar nesses primados e em fazer deles política contra tantos interesses poderosos só qualifica e enobrece esse legado.
* Deputado do BE.
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Gonçalo Ribeiro Telles – o monárquico, referência na República JOSÉ RIBEIRO E CASTRO* PRESIDENTE DA SOCIEDADE HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL
Gonçalo Ribeiro Telles era praticamente da idade de meu pai. O meu pai era de Julho, Gonçalo Ribeiro Telles, de Maio. Digo-o, para que se compreenda melhor o tempo com que o olho. Foi também engenheiro agrónomo como meu pai, ambos formados na grande escola do Instituto Superior de Agronomia. Ribeiro Telles enveredou, porém, pela Arquitectura Paisagista, área a que dedicou a sua vida profissional e intelectual e domínio em que o vejo como um fundador em Portugal. Foi, porém, na política que o conheci e em que mais o recordo e respeito. Gonçalo Ribeiro Telles foi um monárquico consequente. Com o seu carácter, o seu estilo, a sua fidelidade, a sua coerência, conseguiu resolver a quadratura do círculo: ser um político monárquico e uma referência na República. Ao mesmo tempo, foi também até uma referência da República, sem quebra de coerência ou de fidelidade. Conseguiu, aliás, superar outra quadratura do círculo: ser grande num partido pequeno. E nunca precisou de pôr-se em bicos de pés – nem essa era a sua maneira de ser. Tudo o que fez e conseguiu foi com naturalidade e simplicidade. A questão monárquica vertida em partido político não é uma questão pacífica entre os monárquicos. Não tenho competência para me pronunciar sobre isso. Não direi qualquer opinião. Compreendo a dificuldade do problema e apenas o assinalo. Uma das dificuldades está, por exemplo, em não ser um partido revolucionário, que desatasse a pôr bombas para derrubar a República ou, sem cair no extremismo, desenvolvesse uma permanente actividade sediciosa nos espíritos e contra as instituições. Outra dificuldade, que é
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sobretudo um risco, está em evitar e conseguir impedir que o partido pudesse ser instrumentalizado por oportunistas, que pretendam cavalgar o prestígio da ideia monárquica e das figuras da Casa Real para próprio uso e proveito politiqueiro. Outra das dificuldades está em saber que há espíritos mais ou menos monárquicos em todos os partidos e, por conseguinte, é muito difícil um partido monárquico conseguir concentrar a totalidade do voto monárquico. Última dificuldade, conexa com esta, está em conseguir evitar que se estabelecesse a ideia errada de que o regresso da Monarquia corresponderia a um regime de partido único, qual fosse o partido monárquico alçado ao poder do regime. Na nossa História, aliás, o último século da Monarquia corresponde ao período da monarquia constitucional e mostra um período de democracia pluripartidária que, apesar das suas crises, foi estável em largos períodos e muito mais saudável do que a I República. Podemos até dizer que, nesta perspectiva da democracia e do institucionalismo, a nossa Monarquia Constitucional foi mais “republicana” que a I República.
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Ribeiro Telles falou e interveio sobre estes temas várias vezes. É ele que deve ser lido e relido – oxalá alguém compile, organize e edite os seus artigos, discursos, entrevistas e outros escritos políticos. Porque ele é que soube porquê e como tomou as opções fundamentais que tomou, na exacta oportunidade que existiu e perante os desafios que se colocaram. O seu caminho como político e líder monárquico foi definido, ainda durante a “primavera marcelista”, quando se pressentia já o fim do regime anterior. Em 1971 funda, com outros, a Convergência Monárquica. E, logo pouco depois do 25 de Abril , duas semanas depois do PPD, surge o Partido Popular Monárquico em 23 de Maio de 1974, por impulso da Convergência Monárquica. Gonçalo Ribeiro Telles seria o líder do PPM até 1993, quando o abandonou para fundar outro partido: o MPT – Movimento Partido da Terra. Nas eleições nacionais, constituintes e legislativas, o PPM nunca foi além dos 30.000 ou 25.000 votos, que obteve logo em 1975 e 1976, correspondendo a cerca de 0,5%. Era, portanto, um partido pequeno, que nunca conseguiu eleger deputados por si só. E, todavia, conseguiu ser um partido marcante e influente. Esse peso e prestígio foi obtido sobretudo no quadro da AD – Aliança Democrática. Na esteira das reuniões tripartidas chamadas de Convergência Democrática, lançadas ainda em 1978, o PPM foi sempre visto por PSD (Sá Carneiro) e CDS (Freitas do Amaral e Amaro da Costa) como parceiro fundamental no projecto a que começaram a dar forma. E, em 1979, apesar da diferença de dimensões, os líderes dos três partidos da AD apareceram sempre em paridade desde o primeiro dia da Aliança Democrática. Essa ficou a imagem de marca e o referencial histórico do ambicioso projecto nacional e democrático: Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Telles, sempre lado a lado.
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lO PPM, assim como os chamados “reformadores”, eram percebidos pelos dirigentes e estrategas da AD como factor qualitativo de alargamento político, mesmo que, à partida, o seu contributo eleitoral quantitativo parecesse pouco relevante. E esse efeito pretendido produziu- se: PSD, CDS e PPM somavam 40,5% em 1976; nas eleições de 1979 e 1980, a AD e seus partidos atingiram 45% e 47,5%. Para isso, a AD capitalizou algumas mais-valias. Uma delas foi o PPM liderado por Gonçalo Ribeiro Telles. Não se pense que isto não passava de cosmética em que o PPM era usado como flor na lapela ou retrato a óleo na parede do salão. Nada disso. Ribeiro Telles era genuinamente respeitado pelos seus pares, líderes do PSD e do CDS, ouvido e levado em conta. Participava, isto é, realmente fazia parte. E o mesmo aconteceu com outros dirigentes mais destacados do PPM, assim como com os deputados monárquicos eleitos nas listas da AD em 1979 e 1980. Gonçalo Ribeiro Telles só iria para os governos da AD depois da morte de Sá Carneiro em Camarate. E mais uma vez marcaria. Na área a que dedicou boa parte da sua vida – o ambiente e a política ambiental -, já tinha sido chamado a funções governativas a seguir ao 25 de Abril: como subsecretário de Estado nos I, II e III Governos Provisórios (1974-1975) e como secretário de Estado do I Governo Constitucional, liderado por Mário Soares (1976-1977). Em 1981, quando foi necessário responder a uma crise interna da AD, acompanhou o regresso do líder do CDS, Freitas do Amaral, ao governo e, como líder do PPM, avançou para ministro de Estado e da Qualidade de Vida do VIII Governo Constitucional, liderado por Francisco Pinto Balsemão. Já não havia Sá Carneiro, mas era preciso ter outra vez os três líderes partidários lado a lado, na frente política, para tentar salvar o projecto comum, muito abalado desde a tragédia de Camarate e a derrota nas eleições presidenciais.
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Gonçalo Ribeiro Telles fica, na memória colectiva como monárquico comprometido, muito fiel, amigo e leal ao “seu” Rei D. Duarte Pio, que sempre reconheceu e afirmou como cabeça da Casa Real, figura maior da ideia e da memória monárquicas em Portugal. E fica como um ambientalista avant la lettre, alguém que cuidava de política ambiental quando quase ninguém falava dela. Um inconformado teimoso que deixou alertas inúmeros, sem ser um velho do Restelo. Os seus alertas eram verdadeiros e não se ficou por eles: apresentou propostas para diante.
O seu ambientalismo, aliás, não era antieconómico: tinha preocupações com a economia e procurava articular economia com ecologia e ecologia com economia. Dedicou a sua vida àquilo de que foi ministro por pouco tempo, em 1981/83: a economia com qualidade de vida. Foi um avisador precoce para a questão da sustentabilidade e prolongou a sua influência por muitos anos e muitas décadas. Grande é o seu legado.
* Advogado, Presidente do CDS/PP (2005), deputado à Assembleia da República (1976, 1980, 1999, 2009 e 2011, Secretário de Estado Adjunto do Vice-Primeiro-Ministro Diogo Freitas do Amaral, nos governos da Aliança Democrática (1980 a 1983), Eurodeputado (finais de 1999, 2004 a 2009).
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Uma herança LEONOR MARTINS DE CARVALHO MEMBRO DO CONSELHO SUPERIOR DA CAUSA REAL
Nascida em família de fundadores do Integralismo Lusitano e de sócios do Centro Nacional de Cultura, o nome de Gonçalo Ribeiro Telles sempre soou familiar, mas só a partir de 1974 esta ainda adolescente criatura pôde dar finalmente uma cara ao nome. De imediato foi o fascínio. Falava sobre assuntos que nunca tinha ouvido na minha curta vida: ecologia, defesa do meio ambiente, protecção da paisagem, ligação do campo à cidade, sabedorias ancestrais revisitadas...
Como a sede do PPM, onde minha mãe se filiou na altura e eu de seguida, era perto de casa, digamos que passava lá a vida pós-liceu, mais a desajudar que a ajudar, vendo os comunicados que se sucediam a velocidade vertiginosa a serem reproduzidos por stencil, ouvindo os sábios e absorvendo o que podia. Numa dessas ocasiões, apareceu uma delegação de agricultores de Sines (entre eles uma mulher, a mais eloquente), produtores de laranja essencialmente, apavorados com a retoma da
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construção da refinaria de Sines, em busca de apoio. O Gonçalo ouviu-os pacientemente e foilhes dando mais argumentos, tanto mais que sempre dizia que Sines e Alqueva eram projectos de Marcelo Caetano, uns elefantes, ideias megalómanas no pólo oposto das suas bem-amadas mini-hídricas mais ao jeito e à escala portuguesa, com respeito pela paisagem e meio ambiente, numa economia de escala humana. Anos depois de ter saído do PPM, encontrava-o uma vez por outra perto da Gulbenkian vindo a pé de sua casa, como sempre. E não, não vou contar a famosa história (provavelmente inventada) da tentativa de tirar a carta de condução, que pretendendo ser um pouco trocista por quem a contava, acabava sendo uma história ternurenta reveladora da sua simplicidade e das suas paixões. Não me esqueci de tudo o que ouvi do Gonçalo, aprendi, absorvi e, sem me aperceber, mudou para sempre a minha visão de Portugal, da sua paisagem, do seu território, da importância dos nossos pequenos gestos. E quando, desde o metropolitano, espreito as hortas de Lisboa na zona das Olaias, vem-me sempre ao pensamento, lembrando a sua ideia de aproveitar espaços nas auto-estradas, mantendo viva a ligação à terra das gentes urbanas desenraizadas. Tanto nos deixou em herança... Uma herança viva, nossa para dar.
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GONÇALO RIBEIRO TELlES NA UNIVERSIDADe DE ÉVORA MANUEL CARVALHO E SOUSA ARQUITECTO PAISAGISTA
Em 1984 parti para Évora, para me matricular não no curso que queria, Arquitetura Paisagista, mas no que consegui entrar, Engenharia Biofísica. Mais tarde consegui mudar para o curso de Arquitetura Paisagista, profissão que me realizou e que abraço com muito gosto. Conhecia Gonçalo Ribeiro Telles da televisão, sabia que era Arquiteto Paisagista e gostava das suas ideias e da forma como tornava simples, aquilo que depois vim a saber que era complexo. Tinha conhecimento de que tinha sido ele, um dos responsáveis pela criação do curso de Arquitetura Paisagista em Évora e um dos autores dos Jardins da Fundação Calouste Gulbenkian. Conhecia bem estes jardins que sempre me fascinaram, onde as plantas cresciam livremente, podendo serem elas mesmas na sua verdadeira dimensão. Tinha estas referências que foram suficientes para me fazerem rumar a Évora, que na altura, sem as autoestradas de hoje, ficava muito longe da minha aldeia, na Póvoa de Lanhoso. Os dois cursos, Engenharia Biofísica e Arquitetura Paisagista, faziam parte do mesmo Departamento de Planeamento Biofísico e Paisagístico e, por isso, apesar de ainda não estar no curso que queria, sabia que estava perto. O corpo docente era praticamente o mesmo e rapidamente percebi que estava no sítio certo, apenas que tinha de mudar de caminho. A minha vontade de alterar o percurso académico foi atendida e ingressei então no curso de Arquitetura Paisagista, onde tive a sorte de ter um leque de professores brilhantes, de que destaco Aurora Carapinha, Nuno Mendoça, José Alberto Machado, José Maria Pinto Barbosa, Margarida Cancela d’Abreu, Alexandre Cancela d’Abreu e claro Gonçalo Ribeiro Telles. Mais do que ensinar, estimulavam-nos a pensar, a criar e a decidir.
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Sinto hoje que fui um privilegiado pela formação que tive, numa universidade que para mim é única. Estava numa outra cultura, a alentejana, muito distinta da que trazia comigo do Minho, numa realidade que para mim tinha muitas novidades. O sol de inverno era muito mais frequente como era regular o vento frio que vinha de Espanha. O ritmo cromático da paisagem era outro e os sons também, como os dos chocalhos do campo e dos cantares das tabernas de Évora. Os aromas da gastronomia e da paisagem também eram diferentes e o modo de estar era muito distinto do meio onde nasci. Tudo isto me fez relacionar e relativizar as minhas referências. Era de facto um mundo novo para mim, pois foi pela primeira vez a Évora para me matricular, numa longa viagem de comboio, sete no total, com as várias mudanças em estações e apeadeiros, que culminou numa chegada à cidade já pela noite dentro.
Gonçalo Ribeiro Telles intervindo no 6º Congresso Ibero-americano de Parques e Jardins Públicos, que decorreu de 23 a 27 de Junho de 2009, na Póvoa de Lanhoso.
Contava histórias que nós ouvíamos com encantamento, como as de um avô, que conta uma história fantástica ao neto. A aprendizagem
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foi uma constante, por estar a ler um território novo, mas simultaneamente mais antigo que a História. A Universidade de Évora acolheu-me e integrou-me, fazendo que os cinco anos de Alentejo fossem uma marca fundamental na minha vida, que me formou e me capacitou como profissional. Ao contrário de muitos outros docentes, Gonçalo Ribeiro Telles não tinha as aulas preparadas de um modo formal. Simplesmente falava da paisagem, de Portugal, do homem rural, das hortas urbanas, do ciclo urbano da água, nos aspetos biofísicos da paisagem e falava de nós enquanto agentes de transformação da paisagem. Perdia-se frequentemente no tempo e, nem ele nem nós, nos apercebíamos de que o tempo esta estava a passar. Muitas eram as vezes em que se assustava, quando olhava para o relógio e se apercebia que estava quase na hora de apanhar o autocarro para Lisboa. Arrumava rapidamente a pasta e partia em passo acelerado, sem nunca perder a sua imagem cuidada. Na altura, com a ausência de referências que tinha, não me apercebia da dimensão do que estava a aprender, não dava conta do quanto atual e moderno era, nem como Gonçalo Ribeiro Telles tinha razão nas ideias que defendia. Gonçalo Ribeiro Telles não era um homem acomodado, na política, na profissão nem no ensino. Criticava frontalmente as más opções políticas, que eram tomadas na área do ambiente e do ordenamento do território. Criticava a forma desastrosa como eram planeados muitos espaços verdes urbanos e, a forma negligente com que muitos eram geridos. Criticava a gestão pública, mas ao mesmo tempo apresentava as soluções corretas para a gestão integrada da paisagem. Criticava o mau planeamento rural e urbano, mas dizia como evitar os problemas na gestão da paisagem. Criticava o caos urbano, mas explicava como chegar a um desenvolvimento sustentável e equilibrado do país.
Terminado o curso, mantivemos sempre o contacto, através da Associação Portuguesa dos Arquitetos Paisagistas, da participação em congressos e em conferências. A última vez que estive com ele na organização de um evento foi na Póvoa de Lanhoso, quando o convidei para participar na homenagem pública que fizemos ao seu colega de curso, Ilídio de Araújo, no âmbito do 6º Congresso Ibero-americano de Parques e Jardins Públicos, em 2009. Deu-me os parabéns pela organização do congresso e agradeceu-me ter insistido com ele, para vir de Lisboa à Póvoa de Lanhoso. Guardo comigo uma memória fantástica, de um Homem que foi sempre grande e que nunca perdeu atualidade, mesmo quando a idade já ia avançada, porque era um homem do futuro.
Gonçalo Ribeiro Telles, José Marques Moreira e Ilídio de Araújo, três Arquitetos Paisagistas, nos Paços do Concelho da Póvoa de Lanhoso, durante a homenagem pública a Ilídio de Araújo.
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Ribeiro Telles – uma pegada ecologista que fica para o futuro! MANUELA CUNHA
MEMBRO DA COMISSÃO EXECUTIVA NACIONAL DO PARTIDO ECOLOGISTA OS VERDES
Foi com um profundo sentimento de pesar que Os Verdes e eu própria recebemos a notícia do falecimento do Arquiteto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles. A vida pode não ser eterna, mas há pessoas que deixam legados às gerações futuras, que perduram muito para além do espaço temporal da sua existência. É o caso de Gonçalo Ribeiro Telles. Da sua longa e preenchida vida, de 98 anos, ficam não só obras exemplares na área da arquitetura paisagista, das quais os magníficos Jardins da Fundação Gulbenkian, cuja autoria partilha com António Viana Barreto, são um dos exemplos mais emblemáticos, mas também todo um pensamento e uma ação pautados por preocupações ambientais vanguardistas. Os Verdes reconhecem e valorizam o contributo inegável de Gonçalo Ribeiro Telles para o conhecimento e a reflexão das problemáticas ambientais, em Portugal, e sua ação determinante na implementação de respostas legislativas decisivas em matéria de ordenamento do território. Gonçalo Ribeiro Telles ficará para sempre conhecido como o "pai" da RAN (Reserva Agrícola Nacional) e da REN (Reserva Ecológica Nacional), instrumentos que implementou quando exercia o cargo de Ministro da Qualidade de Vida, em 1982 e 1983, e que se verificaram e verificam, ainda hoje, pese embora todas as violações e contornos aos mesmos, da maior importância para a defesa a salvaguarda dos nossos solos, dos recursos hídricos e dos ecossistemas naturais.
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Este Ribatejano, natural da Vila de Coruche, onde tive muitas vezes a oportunidade e o prazer de o encontrar em debates promovidos pela Câmara Municipal, então gerida pela CDU, teve sempre uma preocupação rara, e contracorrente, com o mundo rural, sublinhando a sua importância para um desenvolvimento equilibrado do país e para o bem-estar humano. Mas o arquiteto paisagista, o cidadão comprometido com um melhor ambiente, também não esqueceu as cidades. A defesa dos corredores verdes urbanos, a importância de preservar os espaços seminaturais das cidades e vilas, a chamada de atenção para o importante papel dos vales no sistema hídrico e na mitigação das cheias, o seu alerta contra a betonização e ocupação do Vale de Alcântara ou do Vale de Chelas, em Lisboa, ficarão para sempre como exemplos de um conhecimento posto ao serviço da defesa de um melhor ambiente. Apesar das divergências políticas e ideológicas que nos separam, agradeço-lhe os notáveis contributos que deu para a reflexão das problemáticas ambientais, e reconheço o contributo inegável que deu ao surgimento do ecologismo em Portugal. Para mim, e para todos Os Verdes que com ele se cruzaram, ficará sempre na nossa memória como um homem afável e com quem era muito aprazível conversar.
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Gonçalo Ribeiro Telles – O Arquitecto Paisagista MANUELA RAPOSO MAGALHÃES
ARQUITECTA PAISAGISTA, INVESTIGADORA DO LEAF/ISA/UNIVERSIDADE DE LISBOA
O desaparecimento do Professor Arquitecto Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles faz-nos repensar a sua actuação e dela tirar lições. Muito se tem dito sobre as suas características pessoais de integridade, de persistência, de afabibilidade, de dedicação ao interesse público, de generosidade, de alheamento dos seus interesses pessoais, da energia permanente posta ao serviço do seu trabalho, da enorme preocupação em ser útil à sociedade, da capacidade de proximidade com as pessoas, fossem quem fossem. Nesta oportunidade que me é dada refiro-me ao conhecimento que detinha e consequente entendimento da paisagem. Tal como Mário Grilo refere no filme que realizou "A Vossa Terra Paisagens de Gonçalo Ribeiro Telles", Ribeiro Telles dividiu as suas origens entre a quinta da família, em Coruche e a R. de S. José, em Lisboa. Na infância passada em Coruche, o contexto do Montado e das Baixas do Sorraia, marcaram-no profundamente, o que fica patente num comentário dito após uma reunião com a presença de gente ilustre, mas sem nenhuma sensibilidade para o ordenamento do território e o mundo rural: “agora é que eu vejo a sorte que tive em andar a correr atrás das bezerras quando era pequeno...”. Este contacto com o campo, complementado pela facilidade que tinha para ouvir as pessoas e as suas histórias, deu-lhe uma sensibilidade para a realidade do mundo rural que embebeu toda a sua actividade, ao longo da vida; por outro lado, a cidade permitiu-lhe o acesso às tertúlias do Café Lisboa e a entrada no meio político, mesmo em circunstâncias adversas à associação e reunião de pessoas. Esta fase, preparou-o para a actividade política intensa que desenvolveu após o 25 de Abril. A faceta de político distinguiu-o dos colegas da sua geração que limitaram a sua actividade à Arquitectura Paisagista, sem ter enveredado pela política como modo de divulgar aquilo que defendiam. Aliás, os que o acompanhavam na defesa das mesmas causas, olhavam para Ribeiro Telles como sendo ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
o seu porta-voz, atribuindo-lhe a “obrigação” de defender essas causas publicamente. A sua opção pelo Instituto Superior de Agronomia, onde obteve formação superior, está certamente em linha com a importância que dava ao mundo rural. No primeiro ano do curso havia uma cadeira de desenho organográfico leccionada pelo Professor Francisco Caldeira Cabral. E foi aqui que os dois se conheceram e que o Professor FCC teve oportunidade de reparar naquele aluno que desenhava muito bem. Ora o Professor FCC estava no ISA a organizar um curso de Arquitectura Paisagista equivalente àquele que tinha acabado de tirar na Universidade Técnica de Berlim, depois de se ter formado em Agronomia, no ISA. A Arquitectura Paisagista era uma profissão que tinha surgido para ajudar a resolver os problemas criados pela Revolução Industrial e, como tal, começou por se instalar nos Países que primeiro se industrializaram, com realce para o Reino Unido, a Alemanha e os EUA. A base científica desta profissão é o reconhecimento que o homem está inserido num Todo, do qual faz parte e que a sua actividade tem que se exercer com o conhecimento desse Todo – a Natureza – e não contra ele. Por outro lado, a actividade do homem, marcada por determinada Cultura, constitui o outro lado das matérias a que esta profissão recorre. Ecologia e Cultura compõem assim as duas grandes componentes da Paisagem, o objecto da intervenção da Arquitectura Paisagista.
Em 1999, na campanha para as Eleições Legislativas, pelo Movimento o Partido da Terra.
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A Ecologia teve origem em Alexander de Humboldt (1769 – 1859) que, pela primeira vez, estabeleceu a relação entre vários factores ecológicos – a vegetação, o clima e a morfologia do terreno – ao contrário do que se passava até então que consistia no estudo dos vários factores (biologia – animais e plantas, geologia, solo, clima, etc) e da classificação sistemática dos seus elementos. No entanto, a designação de Ecologia, para nomear a ciência que estuda a interrelação entre os organismos e o seu ambiente e entre eles próprios, só mais tarde foi instituída por Ernst Haeckel (1834 – 1919). A acepção do espaço e da actividade do homem com ele relacionada (a Paisagem), baseada na Ecologia, era completamente nova em Portugal e tinha repercussões radicais no projecto e no ordenamento do território. Não admira pois que tenha sido mal recebida pelos pares dos Arquitectos Paisagistas (arquitectos, engenheiros civis, agrónomos, silvicultores), mas também pelos que detinham o poder político e os promotores. Ressalvam-se algumas notáveis excepções, como Baeta Neves, Gomes Guerreiro, Delgado Domingos e poucos outros.A divergência entre estas duas perspectivas sobre a Paisagem: uma mais ecologista e outra mais neoclássica, característica da arquitectura do EstadoNovo e também mais mecanicista, quando se tratava da agricultura, da silvicultura, das grandes obras públicas, etc, ficou evidente através dos obstáculos postos no ensino da Arquitectura Paisagista e em projectos, como o da Avenida da Liberdade, desenvolvido por Ribeiro Telles e FCC para a Câmara de Lisboa (1956- 1960). As dificuldades de implantação da escola que informou a actividade de Ribeiro Telles como arquitecto paisagista justifica o espírito de missão que colocou em todas as suas intervenções e mostra o carácter inovador, não só em Portugal, mas também na Europa, das medidas que propôs como Secretário de Estado e como Ministro de Estado e da Qualidade de Vida. Até ao 25 de Abril elaborou inúmeros projectos no espaço urbano, fiéis à sua escola, caracterizados por uma estética naturalista e a utilização de vegetação autóctone, não talhada, dos quais o Parque da Gulbenkian é o exemplo mais representativo e objecto de admiração por todos os que o visitam. Mas também outros parques ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
parques públicos como o Parque da Moita e o do Vale das Abadias, na Figueira da Foz (1971) são exemplos notáveis de espaço público. Ainda nos anos 50 participa em planos de ordenamento de maior escala, como o Plano Regional de Ordenamento Paisagístico do Concelho de Loures (1958), a Proposta de Estrutura Verde do Plano de Urbanização de Lisboa (1959) assim como contribuições para Planos de Urbanização de várias cidades. Nos anos 70 destacam- se a Revisão do Plano Director da Área Metropolitana de Lisboa (1971) e o Plano Integrado de Almada-Monte da Caparica (19711974), no qual foram produzidos documentos que apoiaram várias gerações de projectistas. Depois do 25 de Abril, como membro de vários Governos, a sua actuação teve enorme impacto à escala do País. Nesta fase revela-se a sua compreensão do funcionamento ecológico e social da Paisagem, incluindo da paisagem tradicional. No que respeita aos ciclos de recuperação do fundo de fertilidade do solo e da água, propõe a protecção dos solos de maior qualidade, do relevo natural e do coberto vegetal, destruídos pela desconhecedora expansão dos aglomerados urbanos (1975). Com o Decreto-Lei no 613/76 propõe a protecção das áreas fundamentais necessárias ao funcionamento dos ecossistemas e também os sítios e lugares de interesse cultural. Este diploma é verdadeiramente progressista porque contém o embrião da Reserva Ecológica Nacional, criada quando foi Ministro e que não tem paralelo na legislação Europeia. Ribeiro Telles tem também um papel determinante na proposta de outros diplomas como o que criou os Planos Regionais de Ordenamento do Território e a Lei de Bases do Ambiente. Sem querer enunciar exaustivamente a legislação que propôs enquanto membro do Governo, não se pode deixar de referir a sua intervenção política em diversas matérias que não tinham eco na maioria das pessoas. Insurge-se contra a desarmortização dos baldios e a sua pinheirização, muitas vezes à força, iniciada com a Revolução Liberal e continuada pelo Estado Novo, desapossando as populações dos seus meios de subsistência, nomeadamente o gado que pastava nos terrenos comunitários.
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Estabelece a relação entre este processo e o abandono das aldeias e das terras e o êxodo das populações para a emigração ou a periferia das cidades. Quanto a estas, contesta a falta de planeamento que conduz à ocupação dos melhores solos ou dos leitos de cheia dos cursos de água, com as consequências que realçou e explicou após as terríveis cheias de 1967. Chamou a atenção para a má qualidade das periferias urbanas, nas quais a vida das pessoas tinha perdido o sentido. Neste âmbito lutou pela criação de estruturas verdes urbanas e, nelas incluída, a agricultura urbana, como modo de dar uma ocupação sustentável aos fundos dos vales e de dar utilidade e coesão social às populações mais desfavorecidas. Hoje já não se trata das populações mais desfavorecidas e os municípios, incluindo o de Lisboa, têm grandes listas de espera de pessoas interessadas. Em termos de intervenção a nível municipal destaca-se a cidade de Lisboa, em várias fases da sua vida e que culminou com a coordenação do Plano Verde de Lisboa, componente do primeiro Plano Director Municipal (1994). Como consequência desta intervenção Lisboa foi declarada Capital Verde Europeia 2020, no ano em que morreu. Defendeu os cafés (em rápido desaparecimento e substituição por agências bancárias) como locais de encontro e criticou a falta de atenção ao espaço público e a sua ocupação maciça pelo automóvel. Contra os loteamentos do modernismo operacional, criticou os edifícios isolados e particularmente as torres, e alertou para a inexistência de condições para o peão, num espaço cortado por auto-estradas urbanas. Ainda no domínio da paisagem rural lutou contra a destruição da compartimentação da paisagem provocada pelas operações de emparcelamento desregradas. Opôs-se persistentemente à generalização do eucalipto conducente à simplificação e degradação da paisagem e ao despovoamento, cujo resultado é hoje patente nos incêndios calamitosos que Portugal enfrenta. Aquilo que defendeu só agora surge, com expressão significativa, nas políticas da União Europeia. O País deve-lhe muito e tem a sorte de Ribeiro Telles, assim como Caldeira Cabral, terem deixado escola.
ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
Assim o País os oiça e reconheça o interesse do seu trabalho para prosseguir a obra de Ribeiro Telles..
Em 27.09.2010, na Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas, com Margarida Cancela d’Abreu, Manuela Raposo Magalhães e José Delgado Domingos, num encontro com um grupo de Arquitectos Paisagistas Chineses.
Em 14.12.2012, na inauguração do Corredor verde Parque Eduardo VII-Monsanto, com António Costa (Presidente da Câmara Municipal de Lisboa) e José Sá Fernandes (Vereador).
Em 27.02.2016, após a inauguração da Ponte Gonçalo Ribeiro Telles, com Alexandre Cancela d’Abreu, Manuela Raposo Magalhães e Margarida Cancela d’Abreu.
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MEMÓRIAS MARGARIDA CANCELA D'ABREU ARQUITECTA PAISAGISTA
Que bom ter memórias de momentos inesquecíveis, partilhados com o Professor Gonçalo Ribeiro Telles! Momentos de contemplação. Na Ria de Aveiro, em 1973, durante a elaboração do Plano Integrado de Aveiro-Santiago, em que o Professor abstraiu da equipa de uma dezena técnicos do Fundo de Fomento da Habitação e disse, sem desviar os olhos da paisagem, “esta luz da Ria é única, não me canso de a contemplar”. Numa passagem pelo Porto, em que o Professor parou, alheou-se dos 25 alunos e disse para o Nuno Mendoça “já estamos mesmo numa latitude diferente! Esta luz não o faz sentir que estamos numa cidade do Centro da Europa?” Ou nos vales dos Rios Sorraia, Mondego ou Lima, em que realçava a complementaridade daquelas terras férteis e das encostas e cabeços mais áridos. Ou ainda na Serra de Sintra, em que se entusiasmava a tentar transmitir a emoção de estar perante uma paisagem fortemente construída pelo Homem. E também memórias de momentos altos de transmissão de conhecimentos. Quando o Professor se empolgava com os alunos, quer nas belas salas de aula da Universidade de Évora, quer nas numerosas viagens de estudo. Nas aulas explicava gesticulando, desenhando de forma muito expressiva no quadro ou em cima dos projectos dos alunos. Quando lhe agradava um projecto dizia “sim senhor, tem sainete!” Nas viagens, sobretudo ao Norte do País, para os alunos conhecerem uma realidade diferente da do Alentejo, o Professor pedia repentinamente para parar a camioneta, saía saltitante e explicava com arrebatadamento que estávamos perante uma zonagem do território muito representativa; representativa das condições ecológicas do local e do trabalho humano secular na sua transformação. Os alunos amontoados na berma da estrada tentavam registar – desenhando e escrevendo. E num jantar em Monção perguntar “então vamos ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
Humanização. Componentes formais da paisagem
deixar o Minho sem estes alunos saberem o que é um Alvarinho? Por favor umas garrafas de Alvarinho, que os Professores pagam”. Recordo o seu empenhamento, perante qualquer auditório, para que sentissem, se entusiasmassem não só com a realidade presente, mas também com o sonho das transformações possíveis e desejáveis. Quando não sentia esse entusiasmo, desdobrava-se em explicações e frequentemente desenhava para melhor convencer. Foram numerosas as oportunidades de testemunhar o entusiasmo do Professor perante novos projectos, entusiasmo que manteve ao longo de toda a vida e era verdadeiramente contagiante.na criação do Sector de Espaços Verdes, no Fundo de Fomento da Habitação (1971-1974); na concepção dos Serviços de Ambiente e da legislação pioneira de Ambiente e Ordenamento do Território (1974-1983); na formação do Curso de Arquitectura Paisagista na Universidade de Évora (1976); na constituição da Equipa do Plano Verde de Lisboa (1995). Recordo a sua persistência na defesa de conceitos e soluções, quando estava convicto de que eram os mais adequados – corredores verdes, hortas urbanas, estrutura ecológica, entre outros. Pela aceitação e concretização de algumas ideias esperou décadas. Sem desanimar, continuando a argumentar! A sua actividade política foi uma oportunidade para executar e divulgar alguns conceitos e ideias fundamentais. Destacam-se das suas características principais o permanente entusiasmo e alegria com que actuava e dialogava com audiências e circunstâncias muito diferenciadas. Lega à Arquitectura Paisagista e ao País, uma Escola de pensamento e ideais, obras inspiradoras e profissionais convictos, que vão dando continuação às suas ideias e batalhas.
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Gonçalo Ribeiro Telles – Memória viva MARIA CALADO
PRESIDENTE DO CENTRO NACIONAL DE CULTURA
A vida, a obra e a ação de Gonçalo Ribeiro Teles são indissociáveis e interligam-se num universo próprio, rico e multifacetado. Figura ímpar, abriu caminhos essenciais para atuar no presente e perspetivar o futuro. Humanista por formação e convicção, resgatou o próprio conceito de tradição, que considerava essencial para garantia de universalidade, procura de harmonia e base de inovação. Evocar o seu percurso é também percorrer a História do último século, onde a sua geração teve papel relevante. Mas, para responder ao desafio lançado pela Real Associação de Viana do Castelo, ficar-me-ei pela lembrança do cidadão exemplar do mestre e do amigo. Conheci-o, através de Nuno Teotónio Pereira, outra figura relevante da geração de 1922, que me disse que um jardim também é uma obra de arte. Para uma jovem estudante do Curso de História da Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, que pretendia seguir o rumo da História da Arte, abriram-se novos horizontes. Com estes dois mestres, visitei o recéminaugurado edifício da Fundação Calouste Gulbenkian e o respetivo Jardim. Foi uma experiência e uma aprendizagem que nunca esquecerei. Frequentava regularmente a biblioteca e andava pelo jardim, com prazer, mas a grande novidade foi descobrir que o conhecimento amplia a fruição. Outras visitas e muitas conversas se seguiram, da minha parte sempre com grande atenção e crescente admiração. Os assuntos eram diversos, da cidadania à ecologia, do urbanismo às pequenas histórias da vida. O Homem, a Natureza e a Cidade acabavam por estar sempre presentes. Através dele, conheci outros mundos e outros amigos. Foi o início de uma longa amizade e de frutífera colaboração em diversos planos. Gonçalo Ribeiro Telles gostava de descobrir, de falar, de partilhar e de desenhar, mais do que de escrever grandes dissertações. Tinha uma
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extraordinária capacidade de se relacionar com os jovens e de os motivar e envolver. Foi um professor de referência e um extraordinário pedagogo, que marcou sucessivas gerações de arquitetos paisagistas e influenciou muitos outros perfis profissionais. Para além da atividade académica nos cursos que dirigia, aceitava, com agrado, novos desafios para conferências ou palestras que se tornavam lições apelativas e entusiasmantes. Mas, as visitas de estudo eram o método que perfilhava e onde verdadeiramente ensinava a aprender. Dizia sempre que também ele gostava de aprender e que, em todas as suas lições, ele próprio aprendia. A curiosidade era uma das suas grandes virtudes. Cordial, inquieto, corajoso, determinado, mas ao mesmo tempo sereno e confiante, entusiasmavase com as pequenas histórias da vida. E sorria! Se o campo era um ativo a potenciar, a cidade (com as suas múltiplas aldeias, periferias e metrópoles) era um rosto e uma condição de cidadania. Neste contexto, Lisboa foi tema e palco da sua reflexão e da sua intervenção como arquiteto paisagista e com o cidadão. Era uma das suas causas. Na década de 90 do século passado, os estudos para o Plano Diretor Municipal de Lisboa (aprovado em 1994), aproximaram-nos e envolveram trabalho de colaboração. Com responsabilidade em áreas distintas, mas complementares, trabalhámos ambos, regularmente, com as várias equipas municipais dirigidas pelo arquiteto Bruno Soares. Património histórico e Natureza eram duas componentes a proteger e a valorizar. Com especificidades próprias no plano analítico, estas duas áreas estavam interligadas no território da cidade, nas ambiências urbanas e na vivência dos cidadãos. Do seu lado, as grandes prioridades
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eram, então, a organização e a inclusão das hortas urbanas (sobretudo as do Vale de Chelas) no tecido produtivo da cidade e a preservação das azinhagas na respetiva morfologia urbana. Passo, a passo, os valores que defendia foram enraizando. Mais tarde, com a sua persistência, viu concretizadas a Carta Verde e Corredor Verde. Porque a perseverança era um dos seus grandes atributos. O Centro Nacional de Cultura foi um espaço que partilhámos. Era o sócio n.º 1 desta instituição, cujo perfil deve muito a este fundador. Lembro-me da sua presença, primeiro nas palestras do início dos anos 70 e, sobretudo, em múltiplas atividades a partir dos anos 80. Teve responsabilidades nos órgãos de gestão e, durante largos anos, foi Presidente da Assembleia Geral, cargo que desempenhava à data do falecimento. Defender o Património Cultural, difundir uma consciência ambiental, fomentar o associativismo, promover o conhecimento, articular gerações eram aspetos essenciais para o exercício da cidadania.
Os “Passeios de Domingo” e os diversos itinerários culturais impulsionados por Helena Vaz da Silva, têm o caráter e a marca de Ribeiro Telles. Guiou muitas destas visitas culturais, ajudando-nos a descobrir o território e a natureza e motivandonos para uma ação consciente e coerente. A ele se deve a criação dos Caminhos de Fátima como itinerários culturais e de natureza, que proporcionam a quem os percorre o conhecimento do território e das suas comunidades, num ambiente de verdadeira espiritualidade. Sempre atualizado e empenhado, trouxe regularmente para o centro da reflexão e do debate temáticas essenciais ligadas ao Património Cultural nas suas várias dimensões e expressões, tão diversas como a frente ribeirinha de Lisboa e o estuário do Tejo ou os muros de xisto que delimitam as propriedades em muitas zonas rurais do país. Sábio e culto, solidário cívico, a melhor herança que deixou foi o exemplo e a obra como cidadão pleno. A sua memória continua viva.
Gonçalo Ribeiro Telles em assembleia geral
Gonçalo Ribeiro Telles num passeio no Tejo em 1981
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Arquitecto Ribeiro Telles, pedagogo do Ambiente e da Natureza MÁRIO LEITÃO FARMACÊUTICO
Há precisamente 35 anos, de 29 de Novembro até ao dia 1 de Dezembro de 1985, tive a honra de estar ao lado do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles num grande evento ambientalista denominado III Semana de Ecologia de Viana do Castelo.
A III Semana de Ecologia de V. do Castelo foi um sucesso
Tratou-se da terceira edição de um certame organizado pelo Núcleo Amador de Investigação Arqueológica de Afife (NAIAA) e pelo Grupo de Estudo e Investigação das Ciências Experimentais (GEICE), patrocinado pela Câmara Municipal de Ponte de Lima, pela Câmara Municipal de Viana do Castelo e pelo FAOJ/Instituto da Juventude (1).
ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
A leitura do seu programa permite ratificar a afirmação de que se tratou do maior evento ecológico jamais realizado no Alto Minho, até hoje não ultrapassado. A par dessa constatação, é interessante imaginar a ousadia e os esforços associativos que naquela época tiveram de ser desenvolvidos para congregar entidades oficiais em torno do projecto. Para isso, bastaria referir que, naqueles já longínquos anos, ser ambientalista ou ecologista implicava geralmente uma conotação política negativa, esquerdista ou do “reviralho”, consoante o enquadramento partidário do observador maldizente. Durante os três dias em que acompanhei esse carismático arquitecto paisagista, tive com ele inúmeras conversas sobre temas da conservação da Natureza, ordenamento do território, poluição industrial e educação ecológica. Foi precisamente este último tema que mais tempo nos ocupou, suscitado pelo ambiente no auditório da Escola Superior de Educação, onde decorrera um interessantíssimo debate sobre os planos directores municipais, instrumento de ordenamento urbanístico e rural que começava a emergir na legislação da época. Na década de oitenta eu acompanhei com alguma profundidade a postura políticopartidária dos governantes Carlos Pimenta, Ribeiro Teles, Macário Correia e Fernando Real, os quais visitaram projectos e iniciativas que eu e outros entusiastas desenvolvemos no âmbito das associações do GEICE e do Clube de Vela de Viana. Dizia-me o saudoso arquitecto, nessa noite fria de sexta-feira, que o nosso País caminhava para um futuro perigoso em que a sociedade seria incapaz de resolver os problemas causados pela conjugação de três factores: a eucaliptização caótica do território, o abandono das zonas rurais e a ignorância ecológica da nossa sociedade. E (1) As anteriores Semanas de Ecologia de Viana do Castelo realizaram-se em 1983 (19-23 de Julho) e 1984 (16-24 de Novembro).
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explicou-me detalhadamente o seu ponto de vista acerca de cada um desses problemas. Retive, por exemplo, a sua preocupação pela crescente carga combustível que existia em algumas florestas abandonadas e a impotência dos governantes perante essa potencial ameaça. Mal ele sabia que no século XXI viriam a morrer várias dezenas de portugueses por causa dessa criminosa incúria! Lamentou, também, a incapacidade que o Estado manifestava perante as indústrias que provocavam a proliferação desenfreada do eucalipto no nosso território, que só poderia ser alterada através da efectiva consciencialização das populações. Para ele, a prioridade governativa deveria ser orientada para as populações e para as escolas, de modo a aumentar a sua consciência ecológica. Durante o almoço que eu, o Dr. José Aníbal Marinho e o Eng. Horácio Faria com ele partilhamos, o Arq. Gonçalo Ribeiro Telles surpreendeu-nos com o seu conhecimento acerca de duas iniciativas “épicas” levadas a cabo por ambientalistas vianenses. Referiu-se ao enorme significado da EDP ter desistido da construção de uma central térmica a carvão na Praia da Amorosa, como consequência directa da grandiosa manifestação de protesto que a população do concelho levou a cabo num dia de feira de setembro de 1981, e também à destruição do efluente soterrado do parque industrial levado a cabo pelo povo de S. Romão do Neiva, Castelo do Neiva, Anha e Chafé.
Essas suas referências, decorridos vários anos depois dos acontecimentos, eram uma prova inequívoca de que ele acompanhava empenhadamente a evolução industrial do País e as consequências que dela resultavam para a Natureza e o Ambiente. Confessou mesmo que a sua visita a Viana do Castelo havia sido motivada pela sua simpatia para com os movimentos ambientalistas, os quais poderiam intervir directamente no seio das comunidades como agentes pedagógicos. No último dia daquela sua estadia em Viana do Castelo acompanhei-o na visita programada à zona húmida de Bertiandos e S. Pedro d’Arcos, onde o GEICE desenvolvera inúmeras iniciativas pedagógicas desde 1975, direcionadas para as populações residentes e para as escolas do distrito (2). Foi um passeio calmo e demorado, durante o qual voltei a constatar a vocação pedagógica do Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles.
Ribeiro Telles elogiou a destruição do efluente do parque industrial do Neiva
Manifestação contra a central térmica da Areosa, da EDP
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Nessa ocasião falei-lhe do meu projecto de protecção daquela zona húmida, dos acampamentos juvenis para inventariação biológica, da comunhão de ideias com o Engenheiro Adolfo Macedo, director do PN Peneda-Gerês, da oposição acérrima do presidente da junta local em relação a esse desiderato conservacionista, e também sobre a prática da caça que então lá se fazia legalmente. Os conselhos que me deu foram todos no sentido de não desanimar, porque estava perante uma das mais valiosas causas pelas quais a condição humana pode lutar. E para sair vitorioso nessa
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batalha recomendou-me que investisse na educação ambiental junto de alunos e professores, que informasse os proprietários dos terrenos sobre as vantagens de uma área protegida na região, que trabalhasse de “mãodada” com a comunicação social e que enviasse relatórios regulares ao maior número possível de instituições e entidades oficiais. Em suma, revelou mais uma vez a sua ideia de que a transformação da consciência social só pode ser alcançada por via pedagógica, no sentido mais abrangente da palavra.
Decorridos trinta e cinco anos sobre este evento, é tempo de manifestar a minha gratidão por esses três dias de convívio com o Arquitecto Ribeiro Telles e de confessar que, olhando para a história da criação da APPLBSPA, cumpri cabalmente com as recomendações que então me fez. O seu nome ficará perpetuado como o mais puro dos ambientalistas portugueses.
(1) As anteriores Semanas de Ecologia de Viana do Castelo realizaram-se em 1983 (19-23 de Julho) e 1984 (16-24 de Novembro). (2) Quinze anos depois desta histórica visita, o governo conferiu protecção especial àqueles terrenos através da criação da Área de Paisagem Protegida das Lagoas de Bertiandos e S. Pedro d’Arcos (Dec. Regulamentar n.º 19/2000, de 11 de Dezembro).
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RIBEIRO TELLES: O PROFESSOR NUNO DE MENDOÇA
ESCULTOR, PINTOR, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO E INVESTIGADOR DO CENTRO DE HISTÓRIA DA ARTE DA UNIVERSIDADE DE ÉVORA
Pouco convencional, avesso à rigidez de horários e programas e outras coisas mais da vida académica, preferia a profundidade do assunto ao pormenor construtivo da ideia. Original, globalístico, criador de mentalidades, senhor de um discurso rico, intenso e imaginativo, conferia vida e expressão às ideias e às mais pequenas coisas da paisagem, sempre numa contemporaneidade activa, tolerante e construtiva. De graça natural, estimulante e provocador, olhava o mundo num esclarecido conceito relacional, onde tudo tinha um sentido e um lugar preciso e harmónico. A vida era uma engenhosa ordem sequente e bela, merecendo um olhar atento de criador encantado pelo lugar do homem na paisagem. O seu pensamento era a um tempo, estético, técnico e ético, abarcado por um profundo humanismo. Ouvi-lo numa aula divagando sobre um tema que lhe ocorria, era, para além do prazer de o escutar, uma saudável e inspiradora aprendizagem. Enquanto discorria em palavras simples e fluentes, o giz e a mão fluíam sobre o quadro preto, devolvendo expressivas imagens à ideia, também aqui numa globalidade pedagógica. E sempre com tempo para sorrir ou para uma graça oportuna a envolver a sua visão do mundo, graça essa muito característica da sua maneira de ser e apreciar a vida. Com humor saudável, enriquecia as coisas mais sérias dandolhes brilho e leveza. Com humor criativo, criticava o trabalho de um aluno sem jamais o humilhar. Apaixonado pelo desenho e excelente desenhador, desenhava como falava, privilegiando a expressão mais do que o rigor. Fazia questão de acompanhar o ensino da disciplina de Desenho e de apreciar um a um os desenhos dos nossos alunos. Fazia-o com
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verdadeiro interesse e apreço pela grande diversidade de expressões, e profundamente interessado na importância desta disciplina como formadora de um instrumento de trabalho para os futuros paisagistas. Naturalmente distraído, não porque estivesse fora do mundo ou porque não lhe interessasse o que nele se passava – antes ao contrário – mas porque o seu inato devaneio pelas coisas da paisagem e do homem, assim o ocupava por inteiro e em permanência. A integridade do seu carácter espelhava-se numa saudável pedagogia, pedagogia essa que convidava os alunos e os docentes do curso a confrontarem-se com uma prática da paisagem ou se quisermos, com uma experimentação da natureza, única forma de integrar a sua teorização. Entendia como fundamental para o futuro paisagista, o conhecimento das paisagens e lugares do nosso país, a sua grande diversidade e contrastes, o belo e o degradado, a rural e urbano, numa prática integrante de uma vivência que desejava muito próxima da terra e do homem. E que nas suas próprias palavras teria de ser baseada na ecologia, na cultura e na justiça. Ambicionava, sobretudo, desenvolver a formação universitária dos futuros paisagistas dentro de uma cultura com estes valores, ao fim e ao cabo a sua própria cultura que ele profundamente exercia. Adepto das visitas e viagens de estudo como situação privilegiada de aprendizagem para olhar e absorver a paisagem, instituiu, logo no início do curso de Arquitectura Paisagista da Universidade de Évora, esta eficaz pedagogia, integrando-a curricularmente. Ele próprio participava por vezes nas viagens, incluindo docentes de várias especialidades, com o intuito de obter uma mais vasta informação sobre as paisagens, os lugares e a vida rural.
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Por fim, é imperativo acentuar que enquanto docente e enquanto homem, deixou impressos os seus preciosos valores em todos quanto foram seus alunos, bem como nos docentes que com ele privaram no decorrer do ensino na Universidade de Évora. Visitante ocasional da minha sala de aula, comprazia-se a ver os trabalhos em curso, comentando aqui e acolá este ou aquele desenho, sempre com uma intervenção construtiva, um conselho, uma graça estimulante. No meu gabinete, sentava-se, e esquecido das horas, folheava os trabalhos das viagens de estudo, insistindo na importância de viajar, ver e desenhar a paisagem da ruralidade. E,
porque era naturalmente uma pessoa afectiva, sensível e de grande simpatia, o mestre e o amigo confundiam-se de há muito, numa generosa e mútua amizade. Professor e homem invulgar, pensador esclarecido, obstinado defensor daquilo em que acreditava, merecerá um lugar maior na história e a gratidão inerente à sua generosidade para com o bem público.
Visita de estudo aos jardins do Castelo do Alvito, com projecto de sua autoria,
Visita com alunos de Arquitectura Paisagista da Universidade de Évora à zona da Erra, em Coruche, em 1977.
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GONÇALO RIBEIRO TELLES, UMA IMPRESSÃO PESSOAL NUNO MIGUEL GUEDES*
JORNALISTA E MEMBRO DO CONSELHO MONÁRQUICO DA CAUSA REAL
O que é que falta para saberem olhar para o território? «Andar a pé, conhecer o país inteiro, as pessoas. É mais fácil deixar marcas na paisagem do que nas pessoas». Gonçalo Ribeiro Telles, ao Público. Por momentos, deixar de fora as datas, os números, os factos. Eles estão lá, límpidos e acessíveis desde há muito tempo. Por momentos, pedir a indulgência de quem lê estas palavras para falar de um homem e da forma como um homem pode marcar vidas, suave mas indelevelmente. Neste caso a minha. Sem o saber, Gonçalo Ribeiro Telles já me acompanhava desde a infância. Cresci num bairro lisboeta que ficava muito perto de uma das suas obras-primas de arquitectura paisagista: os jardins da Fundação Calouste Gulbenkian. Para lá ia muitas vezes passear ou brincar com os meus companheiros da altura, imerso naquela extraordinária harmonia de verde e água que era feita à dimensão das pessoas. Mais tarde, já adulto, tive a mesma experiência ao morar no Bairro das Estacas, em Alvalade, onde os espaços verdes foram também da responsabilidade do arquitecto. O meu olhar de criança foi por momentos devolvido com a certeza da admiração que a idade já dá: Gonçalo Ribeiro Telles era um visionário; melhor, um visionário realista em todas as acepções da palavra. Ter conhecido Ribeiro Telles foi um privilégio que irei acarinhar por toda a minha vida. Juntamente com Henrique Barrilaro Ruas e mais tarde com o meu amigo Luís Coimbra ensinou-me que ser monárquico não é um anacronismo. Que a monarquia é um sistema de chefia de estado que potencia a contemporaneidade, a democracia e a
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liberdade – valores e modos de vida que Ribeiro Telles sempre defendeu e lutou de viva voz antes e depois do 25 de Abril. Tenho gravado a ouro na minha memória a primeira troca de palavras com o arquitecto durante a campanha de Miguel Esteves Cardoso para o Parlamento Europeu como candidato do PPM. Com a sua incrível serenidade e a generosidade que sempre o caracterizou respondeu a todas as perguntas - e foram muitas – que este então jovem de 22 anos resolveu fazerlhe. A partir desse dia nunca o perdi de vista, quer em extraordinários encontros no seu atelier da Filipe Folque, onde um grupo de jovens admiradores o ouvia falar sobre monarquia e território, quer nas várias iniciativas e causas em que tive a honra de o acompanhar, desde manifestos até à criação do Movimento Partido da Terra. Gonçalo Ribeiro Telles nunca disse não a algo em que acreditasse e que achasse que fazia sentido, mesmo que isso significasse a extinção de algo que tivesse criado, como o Partido Popular Monárquico, que considerou a dada altura já ter concluído a sua função política e desvirtuado as razões da sua existência. Foi derrotado nessa intenção, mas saiu de consciência tranquila e uma vez mais com a razão do seu lado. A generosidade que mencionei acima levou-o, na minha opinião, a emprestar o seu nome a projectos e candidaturas menos dignas de si. Nessas alturas manifestei-lhe a minha discordância que ouviu com atenção e replicou com o argumento de sempre: “Desde que me deixem fazer”. Mas o que sempre foi verdade é que Ribeiro Telles nunca abdicou do que sempre pensou. E o que pensou – como é provado de
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forma clara na antologia que reúne os seus textos políticos (Porque Sou Monárquico, edição Razões Reais) – sempre esteve ligado à sua crença num sistema de chefia de estado orgânico que garantia a independência do chefe de estado ao mesmo tempo que melhor servia os interesses de Portugal – a monarquia. Por vezes a sua visão foi provada de forma trágica, como aconteceu nos terríveis incêndios de Pedrogão Grande, onde o seu conceito de
ordenamento do território voltou a ser relevante na medida em que se tivesse sido seguido muito poderia ter sido evitado. Gonçalo Ribeiro Telles foi, muitas vezes, um glorioso perdedor. Uma vez, durante um programa de televisão, foi-me pedido para lhe fazer uma pergunta. Perguntei-lhe se não estava cansado de ter razão. Respondeu-me: “Ter razão não cansa”. E outra vez teve razão, como sempre a irá ter.
* Colaborador permanente da revista Visão, guionista de televisão.
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O Gonçalo e eu PAULO TRANCOSO*
PRESIDENTE DA ACADEMIA PORTUGUESA DE CINEMA
Há pessoas que nos iluminam a vida. Nas ideias, nos caminhos, no serviço à comunidade, como se uma missão lhe tivesse sido confiada pelo destino. Foi com a sua indignação de voz desassombrada, durante as grandes cheias de 1967, que primeiro me apercebi da necessidade de um eficiente planeamento da cidade, face à desenfreada construção urbana. Foi assim que acompanhei de longe a sua iniciativa pioneira de criar as estruturas de proteção ecológicas, agrícolas e ambientais do país, hoje ameaçadas por constantes excepções que as colocam em causa.
Inauguração do Corredor Verde de Lisboa
É no Movimento Alfacinha, em meados dos anos 80, que começamos a conviver e eu a aprender, na sua luta por uma cidade melhor. Uma cidade com estruturas ecológicas, corredores verdes e agricultura urbana, periurbana e biológica. Sempre com olhos postos num melhor usufruto da cidade e na resolução dos problemas sociais que esta levanta, como é o caso do acesso e cultivo de alimentos frescos, na sua, muitas vezes incompreendida, cruzada pelas hortas urbanas. Sempre muito antes do tempo, o Gonçalo. É assim que o acompanho na fundação do Movimento Partido da Terra – MPT, em 1993, um movimento e um partido equidistante dos blocos ideológicos, que trazia a ecologia independente para a área política, e novas ideias, preocupações e práticas ambientais para que os portugueses, e de certa maneira os outros partidos, pudessem
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ser confrontados com o pensamento ecologista na figura emblemática, exemplar e de grande humanismo, de Gonçalo Ribeiro Telles. Foram cerca de dez anos de trabalho no MPT, o Gonçalo como Presidente e eu como Secretário Geral, e mesmo depois do Congresso de 2002 em que ele é eleito Presidente Honorário e eu passo para a presidência, o seu aconselhamento nos programas eleitorais nos tempos de antena, nas acções e na prática no terreno, foram sempre preciosos. Com o seu entusiasmo, a sua bonomia e a sua grande energia, corríamos o país, acudindo às iniciativas locais, aproveitando para ouvir com atenção os seus ensinamentos, as suas histórias, os seus discursos. Lembro, num repente, uma reunião em que ele, eu e o Professor Delgado Domingos, a convite de Marcelo Rebelo de Sousa, então presidente do PSD, nos deslocámos à Rua de Buenos Aires, e quando Marcelo pergunta se não temos um edifício sede do MPT, o Gonçalo diz: “Somos como o Caracol, a nossa sede, a nossa casa, está sempre connosco!”, o que motivou comentários de admiração elogiosa do actual Presidente da República. Em 2016 tive o grande prazer e orgulho de ser o produtor de um documentário realizado por João Mário Grilo, “A Vossa Terra - Paisagens de Gonçalo Ribeiro Telles”, sobre o seu pensamento e as paisagens que ajudou a criar.
Filmagens do documentário “A Vossa Terra”
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E recordo sempre e sempre, o som das suas palavras sorridentes quando nos encontrávamos: “Então e novidades, Paulo?” E começávamos uma conversa infinita, ele com o seu espírito curioso e atento ao mundo, imaginando cenários e paisagens tão magníficas como aquelas que nos deixou… * Membro fundador do Movimento Partido da Terra – MPT (1993), Presidente do MPT (2002-2009).
“Então e novidades, Paulo?”
Jardins da Gulbenkian
ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
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Homenagem a Gonçalo Ribeiro Telles PEDRO CARLOS BACELAR DE VASCONCELOS* PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, DEPUTADO
Pelo Tratado de Paris, firmou-se por fim um compromisso entre os Estados soberanos que exprime a tomada de consciência da necessidade imperiosa de construirmos uma nova relação com o planeta que habitamos, com as outras formas de vida que nele cresceram e de uma partilha responsável dos recursos que ele nos oferece. Esperamos que pela mão do novo Presidente eleito, os Estados Unidos da América regressem a este pacto que transpõe para o centro das políticas internacionais a urgência de uma resposta articulada à ameaça das alterações climáticas e que reclama uma paz e uma solidariedade inéditas entre os povos, em nome da sobrevivência da Terra e do futuro da humanidade. Desde os anos sessenta do século passado, antecipando a premência destes desenvolvimentos recentes e auspiciosos, emerge de entre nós a figura amável de um arquiteto, com as suas admoestações premonitórias, a sua insistência delicada e, sobretudo, a sua argumentação sedutora e persuasiva. A partida de Gonçalo Ribeiro Telles deixou um vazio doloroso e irreparável. Ficou sem protagonista
o combate de que foi pioneiro - quantas vezes sozinho! - pela tomada de consciência e pela defesa das causas ambientais. Perdemos o exemplo da coragem e da independência que desenharam, ao longo de toda a vida, um perfil singular de lúcida determinação e responsabilidade cívica. É triste ver partir alguém que tanto amou a vida, a natureza e a humanidade, alguém que dedicou o seu tempo e energia à reconciliação do campo com a cidade, da natureza com a ação humana, da preservação dos delicados equilíbrios ecológicos com os imperativos da economia e do desenvolvimento. Na arquitetura e no urbanismo, no combate político e na atividade governativa, soube imprimir com sofisticada elegância e desassombrada ousadia a sua marca inconfundível. Nunca temeu nem se vergou à chantagem brutal da ditadura. Nem se iria deixar seduzir por interesses mercantis ou conveniências espúrias, na era democrática da Segunda República que dele recebeu inestimáveis contribuições sem nunca dele conseguir o sacrifício das suas profundas convicções monárquicas.
* Deputado pelo PS.
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Gonçalo Ribeiro Telles– Para além da revolução PEDRO QUARTIN GRAÇA
JURISCONSULTOR, PROFESSOR UNIVERSITÁRIO, PRESIDENTE DO CONGRESSO DA CAUSA REAL
Não me recordo com precisão quando conheci Gonçalo Ribeiro Telles. À falta de uma data rigorosa, que creio ter sido no ano de 1982, lembro-me, todavia bem do local: a antiga sede do PPM – Partido Popular Monárquico, onde ambos militámos, ele como presidente do Directório e eu como recém membro da Juventude Monárquica, na Rua da Escola Politécnica em Lisboa. Fui na altura levado pela curiosidade e pelo entusiasmo de um amigo, eu que desde o longínquo ano de 1974, então com 11 anos, despertara para a política portuguesa e internacional, que já seguia pela leitura atenta dos jornais em casa: A Capital, o Diário Popular e o Diário de Lisboa, de tarde, seguiam-se invariavelmente ao matinal Diário Notícias. Tempos em que se lia e se lia muito. Desde cedo o contacto com Ribeiro Telles – Gonçalo para os amigos – foi fácil. As reuniões dos órgãos do partido e até mesmo as da sua Comissão Política do partido eram verdadeiramente informais, quase uma tertúlia onde até um recém-chegado podia assistir sem quaisquer constrangimentos. Lá estavam à volta da mesa em amena cavaqueira nomes como Henrique Barrilaro Ruas, Luís Coimbra, Augusto Ferreira do Amaral, Bento de Moraes Sarmento, Eduarda Rosa Silva, e muitos outros cujos nomes agora não consigo enunciar. Durante anos convivi com Gonçalo Ribeiro Telles. Por vezes diariamente. Durante horas sem fim. Nas várias sedes do partido: a da campanha do Bairro Azul, a da rua do Picadeiro ao Chiado, a da Rua Vítor Cordon, aquela junto ao Hotel Altis da Castilho, nos congressos, reuniões e conferências de imprensa onde ambos participámos lado a lado, nos restaurantes junto à Praça Luís de Camões ou próximos da sua querida Avenida da Liberdade. Conheci uma boa parte da sua família.
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Sede do PPM, Largo do Picadeiro, Lisboa 1989 Da esq. para a dir. Henrique Barrilaro Ruas, Gonçalo Ribeiro Telles, Pedro Quartin Graça e Rui de Oliveira Machado.
A sua incansável mulher, os seus filhos. Fiz, inclusive, o estágio de advocacia com o Miguel. Mas o que resultou de todos estes anos foram as ideias de Ribeiro Telles. Gonçalo era um revolucionário, mas um adepto de uma revolução tranquila. As ideias que defendia – a ecologia e a monarquia – faziam uma simbiose perfeita. A que só a falta de votos bastantes por força, fundamentalmente, da inexistência de uma estrutura profissionalizada, não permitiu que fossem vencedoras em termos eleitorais. Os votos a menos não impediram a influência de Ribeiro Telles ao longo dos anos junto da esfera do poder na defesa do ambiente e da qualidade de vida. Impediram fundamentalmente a concretização da sua obra como paisagista e pensador da cidade. E, ainda assim, o decurso do tempo e o empenho de uns quantos, anos depois, encarregou-se de fazer justiça e perpetuar finalmente a obra do criador. Recordo de Gonçalo Ribeiro Telles, entre muitas outras coisas, ao combate ao materialismo, nomeadamente a perspectiva materialista do Universo, que conduziu a humanidade à desigualdade, à fome, à injustiça, à doença e à guerra. Para Ribeiro Telles o que interessava eram
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as ideias e preocupava-o a total falta de visão de uns quantos. As suas, essas existiam em quantidade e qualidade suficiente e permitiamlhe ver – e fazer-nos ver - o futuro. Eram essas mesmas ideias e a clara noção das coisas, apesar dos adjectivos depreciativos com que os seus adversários o “brindavam” que permitiam a Ribeiro Telles afirmar que era importante pôr um travão à aplicação dos modelos de crescimento económico em vigor e deixar bem claro que as actividades económicas e sociais tinham de servir o Homem, promovendo a sua dignificação através do desenvolvimento e progresso das sociedades e da cultura. Gonçalo afirmava, muito sabiamente que, na sociedade futura, os direitos humanos só poderiam ser respeitados integralmente se esta reconhecesse como fundamentais os valores do espírito, num novo modelo que apelidou de “ecodesenvolvimento”, o qual teria por objectivo a dignificação do Homem, a justiça, a defesa da
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Vida, a humanização criativa do território e o melhor aproveitamento de todos os recursos, garantindo-se a permanência da capacidade de regeneração dos que são renováveis, ou seja, o máximo rendimento em cada momento, compatível com a manutenção desse rendimento e a sua possível diversificação e justa distribuição. Era, em suma, o papel do Estado a encarnar a Pátria, a defender a dignidade e a liberdade dos cidadãos, na reafirmação dos valores transcendentais e do subconsciente colectivo em que acreditava. Para Ribeiro Telles só a Instituição Real poderia consolidar a unidade e a liberdade dos portugueses, na diversidade criativa das diferentes propostas e opções dos partidos políticos. Era esta a Revolução. Que Gonçalo Ribeiro Telles iniciou e que muitos se encarregaram de continuar. Até sempre Gonçalo!
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Em Nome da Terra RITA SALDANHA JORNALISTA
Imaginem...Quase duas horas. Eu bem esgrimia todos os argumentos que me faziam querer realizar um documentário sobre o Gonçalo Ribeiro Telles, e ouvia; “Mas para que é que quer falar sobre mim? Há tanta gente interessante. Agora eu...”. Tentei, tentei e, voltei a tentar. “Sabe arquitecto, acho importante porque assim, quando os meus filhos crescerem, podem ver e ter uma referência. “De imediato; está bem, então eu faço!” Só viria a compreender a sua ideia de legado mais tarde. A herança que Ribeiro Telles nos deixa, é imensa e difícil de descrever. Em mim fica a partilha, a troca, e a necessidade de referências. Com a concretização da sua visão defendemos o que nos dá a vida, e numa tentativa de equilíbrio alteramos para sempre a nossa relação com o espaço, com a paisagem e ganhamos qualidade de vida. Sem pretensiosismos, o legado está cá, em mim, e penso que numa multidão de gente. Tomara nós, termos a sua capacidade de persistência! Ribeiro Telles sempre foi para mim uma referência. Vivi o jornalismo dos anos noventa, quando a informação diária vivia da exposição da verdade e da denúncia ambiental. Trocávamos notícias. Em busca da compreensão e da verdade dos factos, telefonava a Ribeiro Telles. E, era fortíssimo. Quando o ouvia ficava lúcida e inspirada. As explicações que me dava desmontavam a realidade e tornavam tudo tão óbvio, simples de explicar, e absolutamente contra corrente. Com fundamento. Porém, se a traição espreitava, ninguém era poupado. Aconteceu comigo. E, Ribeiro Telles fez questão de me contar os pormenores da verdade nua e crua, situando-se na questão. Lá está. O valor da integridade e da honestidade, consumado em atos. “Ele às vezes almoça aqui connosco, a gente gosta muito dele. É a única pessoa que defende o que nós fazemos. “E fê-lo com uma solidariedade
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Homenagem em 2009 na FCG
natural durante toda a sua vida, onde quer que estivesse, e mesmo quando hostilizamos a natureza, Ribeiro Telles nunca deixou de acreditar que a mudança era possível. O desenvolvimento sustentável ainda não era notícia nos jornais e Ribeiro Telles desenhou-me um mundo interligado. Se já sabia, consolidei as certezas. O que eu faço tem consequência na vida de um outro. Afinal, sem milhafres, os pombos invadem as cidades, sem cabras para comer o mato, o fogo vai queimar, os rios são desviados e as inundações garantidas. Um dia, perguntou-me se eu percebia para que eram aqueles pequenos lagos. Não, não sabia. Então, os pássaros precisam de água para viver nas cidades. Óbvio, mas a verdade é que nunca tinha pensado nisso. Questionei-me. Afinal, qual era o meu papel aqui? Conversámos. Mostrou-me que a capacidade de conseguir ver o pormenor me permitia perceber o subtil jogo de interdependências que compõe esta nossa grande casa. E, explicou-me mais. É o amor pela
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vida e pela natureza que nos move. Afinal, é mais fácil tirar partido das leis naturais do que teimar em interrompê-las. E se soubermos respeitar, não hipotecamos o nosso futuro. “Sabe qual é o recurso mais precioso e que é ignorado na decisão política? As Pessoas.” Ribeiro Telles sabia que os homens lidavam com um problema. “O futuro?! O futuro é brilhante, se alguém souber tratar dele”. Ao longo de todo o seu caminho Ribeiro Telles cuidou e esteve atento a cada um de nós. Saiu sempre em defesa da Terra, do mundo, de Portugal e de cada português. O seu espírito de missão, de serviço à Terra está para sempre entre nós. E, não só. “Agora que já fizemos isto que tal irmos beber uma cervejinha?”. São estas as coisas boas da
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vida. Trocas simples de sorriso fácil e olhos de menino maroto com um humor muito fino, capaz de arrancar umas boas gargalhadas. E, depois, há esse livro que Gonçalo Ribeiro Telles me recomendou; “O Jardineiro do Rei”. Um jardineiro, admirado pelo Rei Luís XIV, tudo estuda para optimizar os jardins e pomares de Versalhes. Convidado para as festas, observa a corte e suas intrigas, mas não abdica das suas estações do ano. Apesar de estimado pelos sábios, o jardineiro é um mistério para a corte, pois a sua vontade é sempre e apenas recolher ao seu jardim e à Terra.
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Gonçalo Ribeiro Telles.
Um homem do seu tempo e à frente do seu tempo TERESA ANDRESEN * ARQUITECTA PAISAGISTA
Intervenção de Teresa Andersen durante a cerimónia de entrega do Prémio Gonçalo Ribeiro Telles para o Ambiente e Paisagem.
Gonçalo Ribeiro Telles é um nome maior da arquitetura paisagista portuguesa. Formado em engenharia agronómica e em arquitetura paisagista no Instituto Superior de Agronomia preparou-se para um modo próprio de compreender o mundo. Diria que nele o exercício profissional se confundia com o modo de estar na vida sendo que Ribeiro Telles conjugava tudo isto com os seus princípios monárquicos. Por sua vez, também nele, o exercício da arquitetura paisagista e a luta política pareciam confundir-se. As causas do ambiente e da paisagem sustentável estiveram sempre no âmago do seu pensamento e da sua intervenção não se distraindo ou alheando. Estava sempre alerta e predisposto a agir. Reuniu um nível raro de consenso. Foi um homem de vanguarda com o enorme mérito de, com eficácia, ser capaz transposto a frescura e o vanguardismo da teoria e da prática da arquitetura paisagista, da causa ecológica e da sustentabilidade para o discurso político português. Ribeiro Telles foi dos primeiros discípulos de Francisco Caldeira Cabral, o fundador da arquitetura paisagista em Portugal e também ele monárquico. Formou uma geração de homens notáveis e persistentes na implantação de uma nova cultura na sociedade portuguesa nas décadas de 1950 a 1970. Entre eles estabeleceu-se uma enorme cumplicidade que perdurou ao longo de toda a vida. Todos reconheciam e ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
e respeitavam Ribeiro Telles. Homem com uma vida intensa dedicada à intervenção pública, empenhado em diversas causas cívicas, foi um exemplo de cidadania ativa. Apesar de todas as vicissitudes, na nossa paisagem perduram valores que podemos atribuir à visão e a gestos maiores de Ribeiro Telles. Refiro-me concretamente ao legado de uma legislação decisiva nos domínios do ordenamento do território, do ambiente e da conservação da natureza. Ribeiro Telles sabia muitas coisas e sobre muitos assuntos. Transportava-os com uma alegria inata e contagiante. O jardim estava bem no centro da sua intervenção e inspiração enquanto ecossistema de partida do arquiteto paisagista. E do jardim passava para a paisagem, para a paisagem total. A cidade de Lisboa esteve sempre no centro da intervenção de Ribeiro Telles. Quando a Fundação Calouste Gulbenkian em 2001, me convidou para fazer a exposição “Do Estádio Nacional ao Jardim Gulbenkian. Caldeira Cabral e a 1ª geração de arquitetos paisagistas” adquiri um vasto conhecimento sobre a obra projetual de GRT. Impressionada com o elevado número de projetos para a cidade, e em particular com a exemplar intervenção na envolvente da capela de São Jerónimo em Lisboa, perguntei-lhe qual o projeto que mais tinha gostado de fazer. A sua resposta marcou-me: “O último que fiz!”
A premiada no meio de Francisco Ribeiro Telles e Fernando Medina
* Vencedora da 1.º edição do Prémio Gonçalo Ribeiro Telles para o Ambiente e Paisagem.
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E se fosse como o Gonçalo Ribeiro Telles? TERESA CÔRTE-REAL PRESIDENTE DA CAUSA REAL
Esta pergunta, tantas vezes feita quando se fala de monarquia (ou de monárquicos), é o melhor exemplo do que significa para todos nós Gonçalo Ribeiro Telles. A resposta é invariavelmente a mesma: sim. Coerente, pragmático e sonhador, corajoso, lutador incansável nem sempre compreendido, conhecedor do país real, com uma visão holística da nossa sociedade e do nosso futuro. Porque era sempre o futuro que tinha em mente. Foi tudo isto que esteve na base da deia que levou à criação do Prémio Gonçalo Ribeiro Telles para o Ambiente e Paisagem: agradecer o testemunho, mas acima de tudo dar exemplo do que pode e deve ser um monárquico e um português. Focado no país que ele queria transformar sem perder a sua identidade. E pondo sempre em primeiro lugar o interesse de Portugal. Do meu lado, devo-lhe não só a sua visão de país e tudo o que por ele fez, mas também o facto de ver nele alguém que vivia pelas suas convicções, o idealista que fazia e a cujo percurso de vida tantas vezes volto. Cresci a admirar a sua coerência e a sua liberdade de pensamento e foi também por isso que um dia aceitei a Presidência da Causa Real. É que os ideais só valem se forem postos em prática e se o vivermos em cada parte do nosso percurso de vida. Mais, que quando defendemos o bem comum e o tentamos perspetivar no futuro, e independentemente das opções políticas de cada um, essa postura fará a diferença e será sempre parte da solução. Dá que pensar que o seu desaparecimento tenha acontecido exactamente no ano em que as suas grandes causas ganharam, se possível era, maior reconhecimento. Nunca com agora pensámos tanto na importância dos espaços verdes, na revalorização do equilíbrio entre o campo e a cidade, na importância do mundo rural e do papel transformador de cada um de nós. Nunca foi tão transversal esse reconhecimento. Há como ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
que um voltar à terra, às nossas raízes, àquilo que de facto é importante. Eu também voltei. E a uma Quinta onde Gonçalo Ribeiro Telles esteve muitas vezes, uma delas quando, com a Arquitecta Aurora Carapinha, aqui trouxeram para ser estudada como exemplo de Quinta portuguesa, alunos do Curso de Arquitectura Paisagística por ele fundado na Universidade de Évora. 2020 confirmou que também na necessidade da existência de reservas nacionais em diferentes áreas que nos tornem sustentáveis e garantam a nossa subsistência, soberania e independência enquanto país, ele tinha razão. É também aí, no campo da reserva nacional, que se insere a sua defesa do sistema monárquico de chefia de Estado. É que só um Rei, cujo capital natural histórico, simbólico e de imparcialidade congrega Passado e Presente, pode projectar o Futuro e levar à verdadeira unidade nacional promovendo as causas de coesão por que tanto lutou e que todos conhecemos. Disse uma vez que quando morresse queria deixar um país melhor. E deixou. Por tudo, mas muito especialmente pelo que nos ensinou do que é o verdadeiro sentido de cidadania: servir o país. Mais do que uma condição, uma maneira de ser. A única. Saibamos nós todos enquanto portugueses corresponder a tanto que ele nos deu. Saibamos deixar de navegar à vista e, guiando-nos pelas estrelas contruir e defender em conjunto uma visão estratégica de país. Porque foi essa, sem dúvida a sua grande causa congregadora de todas as outras: Portugal. Obrigado Gonçalo Ribeiro Telles. Por tudo.
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Cumprir Ribeiro Telles VASCO MALDONADO CORREIA
ESTUDANTE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL NA UNIVERSIDADE CATÓLICA PORTUGUESA
No dia 11 de novembro de 2020, deixou-nos Gonçalo Ribeiro Telles. Arquiteto paisagista, professor universitário, político, intelectual, ou qualquer outro nome que lhe possamos chamar, é uma das figuras mais importantes da História recente do país, e uma das mais unanimemente admiradas. Coisa rara, que um político seja lembrado com saudade numa era de polarização cada vez mais debilitadora. Num país onde uma causa como a ecologia é associada à esquerda, o seu maior defensor desafiou qualquer estigma ideológico. Ribeiro Telles percebia o mundo e antecipava soluções para os seus problemas. Recordo um episódio que li algures sobre uma reunião da AD em que estavam presentes os seus 3 líderes: Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Telles. Na altura, discutia-se qual seria a maior ameaça ao país. Para Sá Carneiro, era o eanismo. Para Freitas do Amaral, o comunismo. Ribeiro Telles não tinha dúvidas de que era o eucalipto. E as suas convicções refletem-se na sua obra. O Jardim Gulbenkian é talvez o espaço mais espantoso na cidade de Lisboa. Selvagem, desordenado, mas organizado. Uma selva exótica, mesmo ali ao lado do El Corte Inglés. Outras obras teve, mas para mim nenhuma se compara a esta. Este equilíbrio, este regresso da natureza ao espaço urbano, serve como modelo do homem que foi Ribeiro Telles. Moderado, sensato, atento aos problemas do futuro. E não é só para o futuro que ele é exemplo. Porque as alterações climáticas, e aquilo que podemos fazer em relação a elas, são um problema do presente. Se nada fizermos, as consequências no futuro (quer seja breve, quer não seja) serão devastadoras. Que não nos esqueçamos que a politização da ecologia é um passo a caminho do precipício. Ou seja, o clubismo ideológico à volta de um assunto que tocará a todos é meio caminho andado para o ocaso da humanidade. Ribeiro Telles sabia que um tema de importância nacional não era de esquerda ou de direita: era de todos. Também aqui transparecia o seu patriotismo. ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
Quando hoje vemos o movimento criado à volta de Greta Thunberg, muitos são os que se esforçam para se distanciar. Gostando ou não da personagem, talvez fosse importante ter mais atenção ao ponto crucial. Se Ribeiro Telles gostava ou não de Greta, não sei. Mas tenho a certeza que tinha alguma simpatia pela sua causa. Em ambos os casos, não comparando estilos, houve uma preocupação maior com o outro, com o mundo que deixamos para as gerações futuras, com a qualidade do ar que queremos que os nossos filhos respirem. Ter uma figura a encabeçar a luta pelo futuro é importante porque toda a atenção que conseguir gerar, será mais atenção focada num problema global. Ribeiro Telles percebia isso – como, aliás, percebia tantas outras coisas, desde a marginalização urbana, ao descontrolo da expansão urbana. São estas, e tantas outras, as mensagens que nos deixa Ribeiro Telles. Foi uma vida recheada, uma vida realizada e uma vida cumprida. Mas como ele bem sabia, havia problemas que ultrapassariam a sua duração surpreendentemente humana no tempo. Fica nas nossas mãos cumprir o que a biologia não permitiu a Ribeiro Telles fazer cumprir a tempo. E o futuro não se cumpre a relativizar ou a negar um problema que está mesmo à frente do nosso nariz. Na luta das nossas vidas, a morte de Gonçalo Ribeiro Telles lembra-nos do muito que ainda está por fazer.
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GONÇALO RIBEIRO TELLES DOM DUARTE DE BRAGANÇA
Jantar de homenagem a Gonçalo Ribeiro Telles em Dezembro de 2011
Desde a minha juventude que, para além de ter o Gonçalo como um verdadeiro amigo, sinto um grande interesse pelas suas posições ecológicas, políticas e culturais. Discordei dele por vezes, mas em geral acabei por concordar que estava certo. Foi alguém que teve razão antes de tempo, mas que viveu a hora certa para legar a Portugal a legislação sobre a Reserva Agrícola Nacional e a Reserva Ecológica Nacional. As homenagens que lhe foram prestadas, tanto pela sociedade civil como pelo Estado, são um excelente sinal de que Portugal compreendeu a justiça das suas bandeiras. No entanto, nota-se uma espécie de pudor em referir que o seu pensamento ecológico e político é indissociável da sua opção monárquica. Ele explicou sempre que ter o Rei como Chefe de Estado era a forma mais ecológica de organização política no nosso País. Este pensamento está muito bem explicado no livro “A Liberdade Portuguesa”, livro que resume o pensamento de Henrique Barrilaro Ruas, o qual foi o mentor político de Gonçalo Ribeiro Telles. Por isso tenho recomendado a leitura desta obra, recentemente publicada pela Real Associação de Lisboa por ocasião dos seus 30 anos. Obviamente que é também útil ler as próprias obras do Arq. Gonçalo Ribeiro Telles: A Utopia e os Pés na Terra, A Árvore em Portugal (em co-autoria com Francisco Caldeira Cabral), Plano Verde de Lisboa, ESPECIAL- GONÇALO RIBEIRO TELLES
e ainda Gonçalo Ribeiro Telles -Textos escolhidos. Embora politicamente, em certas alturas, não tenha sido muito oportuna e, em todo o caso, não tenha sido compreendida pelos monárquicos, a doutrina dos fundadores do Partido Popular Monárquico, a inspiração, em parte, vinha da doutrina do Integralismo Lusitano, cujo fundamento era “aportuguesar” Portugal. As soluções concretas variavam conforme o pensamento de cada um e da própria época em que foram apresentadas, mas o fundo sempre foi este. Por exemplo: o municipalismo, a defesa das comunidades e da economia rural, a organização do trabalho, da arquitectura da paisagem e das liberdades concretas dos Portugueses. Infelizmente a Segunda República, vulgo Estado Novo, utilizou o conceito de organização e representação política corporativa, mas desvirtuou a sua essência. Em vez de nascer de baixo para cima, representando todos os grupos profissionais, a Câmara Corporativa passou a ser controlada pelo Estado, perdendo autenticidade. A minha Família e eu juntámo-nos, muito sinceramente, às homenagens que foram prestadas a Gonçalo Ribeiro Telles e saudámos a sua Família que mantém vivas as suas convicções.
"A PAISAGEM COMEÇA NA NOSSA MÃO" Gonçalo Ribeiro Telles
1922-2020