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BI-RADS® sexta edição: o que vem por aí?

m meados da década de 80, a “American Cancer Society” iniciou a recomendação de mamografia anual para o rastreamento do câncer de mama. Com o aumento da utilização do método, surgiram problemas relacionados à ampla variabilidade das práticas, tais como dose de radiação, qualidade das imagens, bem como falta de uniformidade dos laudos, tornando difícil a orientação de condutas e a publicação de resultados relativos à mamografia.

Em 1992, o “American College of Radiology” (ACR), em um esforço conjunto com “American Medical Association”, “National Cancer Institute”, “Centers for Disease Control and Prevention”, “Food and Drug Administration (FDA)”, “American College of Surgeons” e “College of American Pathologists”, desenvolveu a classificação conhecida como BI-RADS® (Breast Imaging Reporting and Data System), visando a padronização dos laudos mamográficos.

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O ACR reconheceu que os descritores dos achados e a comunicação precisa das recomendações nos relatórios de mamografia eram partes importantes de um programa de garantia de qualidade. A primeira versão do BI-RADS® incluía orientações para a realização das imagens, estrutura para relatórios, o léxico de mamografia e as categorias finais de avaliação com recomendações de conduta. Após a criação inicial do BI-RADS® em 1993, mais 4 edições foram criadas (1995, 1998, 2003 e 2013) e, a cada revisão, adicionados componentes importantes para esclarecimento, gerenciamento e garantia de qualidade.

O progresso tecnológico, a evolução da multimodalidade da imagem mamária e a manutenção do léxico serviram como a base para a quinta e atual edição do BI-RADS®, lançada em 2013, facilitando ainda mais a comunicação entre os radiologistas e os médicos solicitantes.

O lançamento da sexta edição do BI-RADS® (Breast Imaging Reporting and Data System) está previsto para 2023. Todavia, já foram disponibilizadas prováveis mudanças na nova edição, as quais apresentaremos a seguir. Ressaltamos que as alterações discutidas neste artigo são preliminares e se tornarão oficiais somente após a publicação do novo BI-RADS®, e que as traduções oficiais serão realizadas pelo Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR).

Indica Es Cl Nicas

As indicações clínicas deverão ser colocadas de maneira padronizada em todas as modalidades (tabela 1), tornando-se mais detalhadas, o que facilitará a compreensão, interpretação dos achados, bem como classificação, auditoria e recomendação de conduta.

1 Principais Indicações Subcategorias Opcionais Históricos relevantes

TABELA

Rastreamento Alto risco Mutação Genética

Assintomático Mamas densas Alto risco calculado por Pós tratamento por câncer modelos matemáticos de mama

Outros

Diagnóstica: Avaliação Achados clínicos Tipo de achado clínico complementar Achados de imagem Tipo de achado de imagem

Follow-up categoria 3

Follow-up pós biópsia Avaliação de implantes Outros

Diagnóstica: Câncer Extensão da doença antes Localização e tamanho do de mama do tratamento definitivo tumor em estudos de Avaliação de resposta à QT imagem anteriores neoadjuvante Outros

Mamografia

A seção referente à mamografia apresentará atualizações de léxico, bem como ilustrações, com inclusão de imagens com tomossíntese e imagens sintetizadas. Além disso, o capítulo de orientação contará com novas questões, sobretudo relativas à adoção da tomossíntese na prática clínica. A seguir, serão abordadas algumas das prováveis alterações:

Tomossíntese

Esse método permite melhor visualização da localização e margens das lesões, podendo eliminar a necessidade de incidências adicionais. Seus benefícios incluem, ainda, maior taxa de detecção de câncer e redução das reconvocações.

Densidade Mamária

Assim como na edição atual, deverá ser baseada na área de maior densidade do tecido mamário, capaz de obscurecer um câncer subjacente. As quatro categorias serão mantidas, conforme demonstrado na figura a seguir.

As calcificações intracísticas, de aspecto semilunar/semicircular, que se depositam nas incidências em perfil, anteriormente denominadas “leite de cálcio”, provavelmente passarão a ser descritas como “em camadas”.

Ducto único dilatado

Na edição atual, tal achado deveria ser classificado como suspeito, exceto em casos de etiologia benigna demonstrada. Na 6a edição, o “ducto único dilatado” deve ser considerado benigno, exceto quando associado a nódulo, distorção da arquitetura, calcificações ou paciente sintomática, em cujos cenários a recomendação de biópsia percutânea deverá ser mantida.

ULTRASSONOGRAFIA

Nos capítulos referentes à ultrassonografia, além de novos termos e descritores, existe um trabalho em progresso que provavelmente abordará a inclusão da composição tecidual nos relatórios, visto que os diferentes padrões de tecido mamário podem interferir diretamente nos achados ultrassonográficos. Além disso, serão discutidas novas tecnologias bem como a possibilidade de relatórios com “linguagem leiga”, facilitando a compreensão dos pacientes que têm cada vez mais acesso às informações. Tal mudança será, provavelmente, um grande desafio para o Colégio Brasileiro de Radiologia, dados tantos regionalismos em nosso país.

Halo ecogênico

Esse termo provavelmente será acrescentado ao léxico como “achado associado”, definido como um halo espesso de tecido ecogênico ao redor de todo ou parte do nódulo, provavelmente relacionado à reação desmoplásica ou edema peritumoral. Tal achado deverá ser incluído nas medidas do nódulo e apresenta maior valor preditivo positivo (VPP) para malignidade. Destaca-se que esse não deve ser confundido com a pseudocápsula, fina e uniforme, que recobre todo o nódulo, habitualmente com forma oval e margens circunscritas.

Lesões não nodulares

Considerada por muitos radiologistas como a alteração mais esperada da próxima edição, a categoria de lesões não nodulares será acrescentada como nova. Tal termo deverá ser utilizado para achados que não preenchem os critérios para nódulo (lesão tridimensional), e é definido por alteração identificada em dois planos ou apenas em um deles, sem definição de forma e margens. Assim como os nódulos, apresenta etiologias benignas e malignas e, nesses casos, mais provavelmente associados às lesões in situ

A tabela a seguir resume os descritores dessa nova categoria (tabela 2).

Ecogenicidade Hipoecogênica

Isoecogênica

Hiperecogênica

Ecogenicidade mista

Distribuição

Regional

Focal

Linear

Segmentar

Achados associados Halo ecogênico

Distorção arquitetural

Sombra acústica

Calcificações

Hipervascularização

Alteração anormal ou extensão ductal

Presença de pequenos cistos

Variáveis clínicas como achados palpáveis ou fluxo papilar, bem como associação com distorção arquitetural ou assimetria e correlação com achados em outros métodos de imagem (realces anormais em exames de RM ou mamografia com contraste) aumentam a probabilidade de malignidade.

Calcificações

Alguns termos deixarão de fazer parte do léxico, especialmente referente às calcificações. O termo “pipoca”, usualmente utilizado para descrever calcificações decorrentes de fibroadenomas em involução, deverá ser substituído por “grosseira”. Nesses casos, é importante a diferenciação das “grosseiras e heterogêneas”, menores e mais conspícuas, suspeitas e passíveis de investigação diagnóstica.

O termo “puntiforme”, anteriormente considerado uma subclassificação das calcificações redondas, utilizado para aquelas menores que 0,5 mm, foi excluído do léxico. Essas deverão agora ser descritas como “redondas”.

BI-RADS® Sexta Edição: o que vem por aí?

Parâmetros de aquisição

Os parâmetros de aquisição em RM foram revisados e expandidos. O protocolo padrão deverá apresentar pelo menos duas aquisições pós contraste. O protocolo abreviado foi acrescentado, e compreende um protocolo de mais rápida aquisição, habitualmente com menos de 10 minutos, devendo conter pelo menos uma sequência pós contraste. Deverão ser acrescentadas, ainda, breves considerações sobre técnicas híbridas, já empregadas em algumas instituições, também conhecidas como sequências “ultra-rápidas”. A primeira sequência adquirida entre 60-120 segundos pós contraste, anteriormente denominada “inicial”, agora será chamada de “pico”, uma vez que nos protocolos rápidos, a aquisição de imagem poderá ser realizada antes mesmo dos 60 segundos iniciais.

A difusão também será abordada como uma sequência a ser utilizada para avaliação complementar à fase contrastada a fim de fornecer informações para melhor caracterização de alguns achados, bem como predizer e monitorar resposta à terapia. No entanto, ainda não serão incluídas diretrizes para relatório e conduta em relação à difusão nesta nova edição do BI-RADS®

Foco

O termo "foco" será removido do léxico, já que técnicas modernas de RM permitem que um achado de realce menor que 5,0 mm seja adequadamente caracterizado como pequeno nódulo ou realce não nodular de distribuição focal. Além disso, observa-se heterogeneidade no uso do termo "foco" na prática radiológica e na literatura. Espera-se que pesquisas futuras investiguem características morfológicas e cinéticas desses achados.

Sinal em T2

O alto sinal em T2 foi acrescentado como descritor para nódulos. É sabido que tanto lesões benignas quanto malignas podem apresentar alto sinal nas sequências ponderadas em T2. No entanto, uma massa oval e circunscrita, e que apresente realce interno homogêneo ou septações internas escuras, com alto sinal em T2, tem probabilidade de malignidade menor que 2%, o que permite controle evolutivo. Os nódulos deverão ser caracterizados como “hiperintensos” quando apresentarem sinal uniformemente homogêneo em T2, com intensidade de sinal semelhante a um linfonodo normal.

Linfonodos

Assim como na seção de ultrassonografia, os linfonodos ganharão um capítulo em separado, visando melhor caracterização dessas estruturas. Nesse método é possível boa caracterização de linfonodos axilares e seus níveis, bem como intramamários e os das cadeias mamárias internas. Em relação à morfologia, deverão ser caracterizados subjetivamente como de aparência normal ou anormal, considerando-se avaliação da morfologia, espessura do córtex e ausência de hilo. Para tal, é fundamental a comparação com os linfonodos ipsi ou contralaterais.

Sistema de laudos

Dentre as prováveis alterações nesse capítulo, estão as subdivisões da categoria 4 em 4A,B e C, assim como nos exames de mamografia e ultrassonografia, cujos potenciais benefícios incluem melhoria na auditoria dos exames, correlação anatomo-radiológica mais fidedigna, bem como maior alinhamento entre as expectativas tanto dos pacientes como dos médicos prescritores.

Em relação às lesões BI-RADS® 6, que incluem aquelas com malignidade comprovada antes da abordagem cirúrgica, são esperadas novas definições e direcionamentos para categorização de achados adicionais ipsilaterais, que sejam contíguos ou difusos, porém com mesma morfologia da lesão index e alta chance de malignidade. Nesses casos, as orientações são (tabela 3):

Manter categoria 6 quando Achados próximos (<1-2 cm da lesão index)

Aumento da extensão total não exceda 1-2 cm

Não altere o manejo clínico

Evitar o termo "lesão satélite"

Lesões com distância > 1-2 cm da lesão index

Colocar categoria 4 ou 5 quando

E/OU aumento da extensão total exceda 1-2 cm

E/OU altere o manejo clínico

Linfonodos

A disseminação linfonodal é a principal via de metástase dos cânceres de mama; maior envolvimento linfonodal está intimamente relacionado à redução de sobrevida. Dessa maneira, a nova edição a ser lançada contará com maior aprofundamento quanto à caracterização dos linfonodos. Além dos linfonodos intramamários, os axilares deverão ser descritos em relação aos níveis (I, II e III), assim como menção àqueles localizados nas cadeias mamárias internas e supraclaviculares. Adicionalmente, compreenderá uma avaliação detalhada da morfologia dos linfonodos, considerando a relação entre córtex e hilo, com classificação entre subtipos I-IV, sendo o subtipo I com córtex imperceptível, mais benigno e IV mais suspeito, caracterizado como massa hipoecóica.

Lesões Benignas com potencial de upgrade Como último ponto de destaque, colocamos as lesões anteriormente chamadas como “lesões de alto risco” que, a partir da nova edição, passarão a ser denominadas “lesões benignas com potencial de upgrade”. Além da nomenclatura, haverá atualização da lista, com exclusão do papiloma ductal periférico e da cicatriz radiada / lesão esclerosante complexa, permanecendo nessa categoria apenas carcinoma lobular in situ (CLIS), hiperplasia ductal atípica (HDA), hiperplasia lobular atípica (HLA), tumor Phyllodes e atipia epitelial plana.

Conclus O

O rastreamento mamográfico do câncer de mama reduz a mortalidade por essa entidade. No entanto, as outras modalidades de imagem, como ultrassom e ressonância magnética, são ferramentas complementares fundamentais no rastreamento e avaliação das mulheres, especialmente as com alto risco para desenvolverem essa doença. O BI-RADS® permite uma melhor comunicação entre médicos solicitantes e radiologistas, bem como gerenciamento e garantia de qualidade dos exames de imagem. Com a evolução constante dos métodos diagnósticos e maior acesso à informação tanto dos profissionais da saúde e dos pacientes, é fundamental que tais protocolos sejam constantemente revisados e atualizados. Assim, o que se espera dessa nova edição são alterações que permitam cada vez mais exames padronizados, com linguagem de fácil compreensão e orientações de conduta que facilitem e melhorem a abordagem dessa doença ainda tão presente em nossa sociedade.

Refer Ncias

- Burnside E, Sickles E, Bassett L, Rubin D et al. The ACR BI-RADS® Experience: Learning From History. J Am Coll Radiol. 2009 Dec; 6(12): 851–860.

- Garcia E, Crowley J, Hagan C, Atkinson L. Evolution of Imaging in Breast Cancer. Clin Obstet Gynecol 2016 Jun;59(2):322-35.

- An J, Unsdorfer K, Weinreb J. BI-RADS, C-RADS, CAD-RADS, LI-RADS, Lung-RADS, NI-RADS, O-RADS, PI-RADS, TI-RADS: Reporting and Data Systems. RadioGraphics 2019; Vol. 39, No. 5

Autoras

Carla Cristina T. P. Benetti 1

Aline Campos Oliveira Mello 2

Marcela Caetano V. Lauar 3

RESSONÂNCIA MAGNÉTICA (RM)

A última das modalidades contará com alterações nas indicações clínicas, comparação com exames anteriores, bem como revisão dos parâmetros de aquisição, mudanças no léxico e categorização final dos exames.

1 Coordenadora médica do Setor de Imaginologia Mamária do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo

2 Médica radiologista do grupo de Imaginologia Mamária do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo

3 Médica radiologista, fellow em Imagem da Mulher do Hospital Beneficência Portuguesa de São Paulo