Jornal do Campus - Edição 431 (out/2014)

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Jornal do Campus Primeira quinzena | outubro 2014

www.jornaldocampus.usp.br

nº 431

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TAUÃ MIRANDA

TRAGÉDIA NA USP Festas na USP são suspensas Eleição por falta de segurança presidencial

Desde 1997, três pessoas já morreram na Raia Olímpica da USP. Conheça o histórico p. 9

Medida adotada por algumas unidades e pelo Cepeusp prejudica finanças de entidades estudantis p. 2

GABRIELA ROMÃO

Morte de Victor Hugo não foi a primeira na Raia

Uspianos votam conforme suas ideologias p. 5

Instituto Injúria racial é proferida Butantan tem por advogado de professor trabalhadores contra aluna na EACH em situação Um dos advogados do ex-vice-diretor teria mandado a estudante negra ir "se lavar" quando ela exigiu irregular p. 8 esclarecimentos sobre a área contaminada p. 11


OPINIÃO

Proibir festas é medida extrema e falha Para entidades estudantis, decisão não resolve os problemas de segurança no campus e afeta projetos voltados à sociedade THIAGO QUADROS

Um jovem de 20 anos desaparece. Três dias depois, seu corpo sem vida é achado boiando. Não se sabe quem é o assassino (ou se houve um). Em outro episódio, um garoto é atingido na cabeça por um tiro e morre no estacionamento de sua faculdade. A cada noite, novos casos de estupros, sequestros, assaltos, furtos, brutalidades. Para Datena nenhum colocar defeito, a Cidade Universitária parece um microcosmos do Brasil, onde a desigualdade social e a segurança deficiente escancaram a violência. Com as fotos de Victor Hugo Santos estampando as páginas dos jornais, as autoridades correm para tomar as medidas que a sociedade exige. Ao proibir confraternizações envolvendo bebida alcoólica nas dependências da Escola Politécnica, o diretor José Roberto Castilho Piqueira, em fala para o Estado de S. Paulo, foi categórico ao afirmar: “Universidade não é local de balada, de bebida, de festa!” Se o problema é esse, que proibamos os estudantes de ocuparem o vazio do campus onde circulam. E se maratonistas são atropelados nos sábados de manhã, oras, é porque a Universidade também não é lugar de fazer cooper. Alguns setores da sociedade concordam com a medida, embasados por uma visão de que a USP se tornou um antro de baderneiros

Locação do Velódromo para festas é questionada após morte de estudante inconsequentes. O que tais pessoas custam a entender é que festas não são meras desculpas para atentar contra a moral e os bons costumes. Com o Grêmio Politécnico ainda preferindo não se manifestar sobre a proibição de festas, fui procurar outras entidades que vão sentir as implicações do banimento. No Centro Acadêmico da Engenharia de Produção, a vice-presidente do departamento financeiro Nathalia Sadocco explica: “Aprendemos muito com o planejamento de eventos desse porte. Mas nós somos, antes de tudo, es-

Expediente – Jornal do Campus Nº 431

paços de convivência. Precisamos do dinheiro das festas para manter esses espaços, pagarmos as contas, organizarmos eventos acadêmicos e para projetos voltados aos alunos e à sociedade”. No caso da faculdade, são exemplos o Poliglota, curso de idiomas, e o Cursinho da Poli, que ministra aulas pré-vestibular; ambos mantidos pelo Grêmio. E se a moda pegar em outras instituições? “A Veterinária não costuma realizar eventos grandes dentro da USP com muita frequência”, diz Brenda Alcântara, presidente da Associação Atlética

Tiragem: 6.000 exemplares

Universidade de São Paulo – Reitor: Marco Antonio Zago. Vice-Reitor: Vahan Agopyan. Escola de Comunicações e Artes – Diretora: Margarida Maria Krohling Kunsch. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração – Chefe: Mayra Rodrigues Gomes. Chefe Suplente: Ciro Marcondes Filho. Responsável: Daniela Osvald Ramos. Redação - Diretora de Redação: Victoria Salemi. Diretor de Arte: Thiago Quadros. Editor de Imagem: Arthur Aleixo Editor Online: Dimitrius Pulvirenti. Opinião - Editora: Gabriela Romão. Repórteres: Rafael Bahia e Maria Alice Gregory. Entrevista - Editora: Anaís Motta. Repórter: Thiago Neves. Cultura - Editor: Otávio Nadaleto. Repórter: Thaís Freitas. Universidade - Editoras: Fabíola Costa, Maria Beatriz Melero e Sara Baptista. Repórteres: Ana Helena Baptista, Carolina Shimoda, Dimitrius Pulvirenti, Gabriel Lellis, João Paulo Freire e Pedro Passos. Em Pauta Editora: Júlia Pellizon. Repórteres: Ana Luisa Abdalla e Breno França. Ciência - Editora: Ana Carla Bermúdez Repórteres: Ana Carolina Leonardi e Bruna Larotonda. Esporte - Editor: Otávio Nadaleto. Repórter: Thaís Matos. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, bloco A, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-900. Telefone: (11) 3091-4211. Fax: (11) 3814-1324. Impressão: Gráfica Atlântica. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 4° semestre do curso de Jornalismo Matutino, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo Impresso II.

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Acadêmica (AAA) IX de Setembro. “A proibição de festas dentro do espaço da Universidade afetaria, sim, nosso rendimento, mas não consideravelmente, já que as promovemos também fora daqui.” Brenda, porém, acredita que a segurança não será melhorada com proibições, mas com restrições: maior controle sobre quem entra, ainda que as festas possam ser barradas para os não alunos. Já na AAA de Farmácia e Bioquímica, o presidente Daniel Campello pensa a proibição de maneira diferente. Para ele, as medidas não são equivocadas, mas extremas, e a proibição prejudicará bastante o orçamento das entidades, que contam com esse lucro para manterem atividades. “A segurança poderia melhorar com a contratação de equipes com mais experiência e com parcerias com a reitoria para aumentar o contingente de segurança em dias de grande circulação no campus”, expõe. Enquanto o debate se prolonga, as associações tentam se equilibrar na corda bamba com o que têm. Na Escola de Comunicações e Artes, os frequentes casos de furtos e assaltos colocaram em xeque o happy hour semanal Quinta i Breja. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o professor Paulo Saldiva da Medicina diz que a próxima festa Carecas no Bosque, promovida pela Atlética da faculdade e recentemente envolvida em um caso de estupro, não acontecerá. É certo, porém, que os diretores partidários da proibição enfrentarão mais que estudantes insatisfeitos. Quem não está gostando nada dos burburinhos dentro dos muros da USP é a Ambev. Nada a ver, porém, com a defesa de ideias políticas progressistas. A gigante do ramo de bebidas tomou postura contrária ao veto pois é responsável pelo patrocínio de 86% das agremiações estudantis na cidade de São Paulo. Ao menos nesse caso, os estudantes podem contar do seu lado com a força avassaladora dos interesses econômicos.

por Rafael Bahia


OPINIÃO

Estado laico está só no papel Projetos de leis pró-LGBT e aborto esbarram em processo histórico de laicidade no Brasil

Alguns brasileiros têm a certeza de que gozamos de um governo no qual não há interferências religiosas, e dormem tranquilos resguardados pelo artigo 19º da Constituição – que diz que é proibido aos governantes “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”. Na reta final ante o primeiro turno das eleições, porém, muitas questões deixam o povo brasileiro hesitante. Vamos eleger um presidente religioso? Como fica a laicidade do Estado? Devemos esperar menos de um candidato que fala abertamente sobre suas crenças? Como governaria um presidente ateu? E um evangélico? Nos últimos anos, com a ascensão de grupos políticos cunhados em igrejas, a relação Estado–religião tem recebido especial atenção. Os equívocos começam com o próprio conceito do que é um Estado laico, conforme o que afirma a Constituição. Seu artigo 5º diz que a liberdade de consciência é inviolável e que ninguém será privado de direitos por sua crença religiosa. Dessa forma, um Estado laico (o nosso, inclusive), seria um governo em que há respeito por todas as práticas religiosas, desde que não atentem contra a ordem pública. Como as autoridades não apoiariam uma religião apenas,

não haveria barreiras para nenhuma forma de expressão espiritual. Por outro lado, a legislação também afirma que é assegurada a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva. Em outras palavras, isso significa que, apesar de sua laicidade, há uma valorização da religião do Estado brasileiro, apesar de não haver uma preferência expressa por um tipo religioso específico. Isso quer dizer que, no modelo de laicidade adotado, a relação com a religião permanece, ainda que por debaixo dos panos. “A laicidade do Estado é um processo, uma construção social e política”, afirma a professora Lídice Meyer, que ministra Ciências da Religião na Universidade Presbiteriana Mackenzie. “Historicamente, a Constituição de 1891 foi a primeria a oficializar a separação entre o Estado e a Igreja Católica, tornando o Brasil um país laico. Todas as demais constituições que se seguiram mantiveram a neutralidade religiosa. Neutralidade, esta, porém, vista apenas no papel”, explica. De forma geral, observa-se que em diversas situações na democracia brasileira houve influência direta da Igreja Católica nas questões governamentais, através de concordatas com o Estado do Vaticano. A dificuldade no emplacamento de leis pró-direitos LGBT, ou na legalização do aborto, bem como o descaso com crenças tidas

como profanas nessa cultura são exemplos dessas influências. Além disso, mais recentemente, devido à dificuldade encontrada pelo Estado em suprir as necessidades na área das políticas públicas, o governo estabeleceu parcerias com igrejas para colaboração nos programas de distribuição de leite, cestas-básicas, combate às drogas e em outros programas assistenciais. “Vê-se, portanto, que a tão pregada laicidade do Estado Brasileiro está ainda por se constituir. Não basta a separação entre a igreja e o Estado apenas”, pontua a professora. Nesse debate, outro tema discutido em meio ao clima eleitoral é: o ensino religioso deve ser uma disciplina obrigatória no currículo escolar? Que tipo de consequências essa decisão acarretaria? “Sem dúvida, não há problema algum em levar ao ensino público a discussão sobre as relações entre igreja e Estado, religião e política”, afirma Ricardo Mariano, doutor em Sociologia da Religião pela USP. A questão que permanece em aberto é se a escola pública deve se transformar num espaço de formação e inculcação político-ideológica. “Independente do conceito de laicidade a ser debatido ou ensinado, isto é, tanto a que pretende reduzir o espaço do religioso na esfera pública ou privatizá-lo, quanto a que pretende estender sua influência a todos os âmbitos da política e do Estado, todas elas, no fim, são eminentemente normativas, políticas, ideológicas”, pontua. Em outras palavras, é preciso pensar se o espaço escolar é o ambiente mais adequado para abrir o debate, uma vez que sua diretoria acadêmica e seus mestres estarão sujeitos às suas próprias visões político-ideológicas, podendo passar conceitos de forma enviesada aos estudantes. “A laicidade do Estado não é algo dado de uma vez; está em debate, sob pressão e julgamento de um sem-número de agentes laicos e religiosos interessados em demarcá-la e configurá-la conforme seus valores e interesses”.

por Maria Alice Gregory

OMBUDSMAN

Opinião é que nem bunda Viram, pessoal? A diferença que um título de impacto faz? Coloquei uma bunda aí em cima e aqui está você, lendo meu papo-furado. Agora: quem é que se sente convidado a entrar numa massa opaca de texto batizada de “USP e empresas juniores vivem paradoxo” ou “Diretor da Adusp fala sobre a crise”. Acho que o JC está tímido, e essa timidez se manifesta em títulos que dizem pouco – e que chamam pouco. Outra coisa que eu quero discutir é a organização do jornal – ela não é muito explícita, e não ajuda muito quem lê. Por exemplo, essa edição tem várias matérias sobre a greve, espalhadas, quase todas focadas numa unidade específica. Em vez disso, eu preferia ver uma análise que vá além das notícias isoladas – tipo um “Entenda a greve”. Se esse jornal fosse meu (e até é um pouco, já que sou cidadão paulista), eu repensaria toda a estrutura das retrancas. Acho a divisão “opinião”, “em foco”, “ciência”, “esportes” um pouco burocrática. Fora que opinião é que nem bunda, cada um tem a sua (pronto, justifiquei o título). Mais que opinião, acho que o JC tem que ter análise, contextualização, tudo baseado em apuração sólida. E se tivéssemos menos retrancas, mais bem delimitadas, que realmente dividissem o jornal em “cadernos”? E se fossem retrancas mais instigantes, como por exemplo “ideias”, para tentar refletir o ambiente intelectual vibrante da maior universidade do país? (E forçar vocês a saírem da ECA procurando cérebros e pesquisas pelos campi). Bom, tem coisa boa na edição também, mas não tenho nada a ver com isso. Trabalho de ombudsman é achar problema, não é? Denis Russo Burgierman escreveu para o Jornal do Campus em 1993, como aluno. Hoje é diretor de redação da Superinteressante. denis.burgierman@abril.com.br

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ENTREVISTA

“A política deixou de ser algo periférico” Bruno Torturra vê sofisticação dos debates políticos a partir de 2013 e avalia internet como ambiente paralelo à realidade O ano de 2013 foi intenso para o jornalista Bruno Torturra. O ex-diretor de redação da revista Trip e fundador da Mídia NINJA ganhou projeção pública durante as manifestações de junho de 2013. Sua participação foi tão notada que recebeu sondagens para se candidatar como deputado federal - não topou. Ao final do ano passado, afastou-se da Mídia NINJA para estabelecer um novo projeto, o Estúdio Fluxo, uma redação que pretende explorar novas possibilidades para o jornalismo. O Jornal do Campus foi ao prédio onde se hospeda o Fluxo, no Vale do Anhagabaú, conversar com Torturra sobre o papel das novas mídias, das redes sociais e das manifestações de junho na atual corrida eleitoral.

Mas a Luciana Genro defende que, quando vai às ruas ou explora algumas das “bolhas” em redes sociais, se sente mais apoiada do que esse 1% das pesquisas. Com certeza, mas as pesquisas não traduzem isso. Então não vou dar crédito nem pra Luciana ou pras pesquisas, vou olhar o resultado eleitoral. Aí sim é possível medir. Sabendo quantos votos ela teve dá pra ter uma idéia da contribuição da internet. Se a internet tiver um peso tão forte quanto a gente acha que ela tem, a Luciana tende a ter uma vota

CAROL QUINTANILHA

Você acha que a utilização das redes socias pode igualar a disputa no que se refere a divulgação e promoção dos candidatos? Ainda não iguala a questão, por exemplo, do tempo de televisão. A tendência é que a grande mídia paute, de fato, o debate que está acontecendo na internet. Mas a gente tem de ser realista em relação ao país em que a gente vive: é preciso lembrar que 90% dos lares brasileiros tem uma televisão. Essa cifra não chega nem próxima ao índice de conexão à

rede, ainda mais pensando em presença nas redes sociais. Outro ponto que talvez seja mais importante é o fato que a internet não é um veículo. Ela é um ambiente, um sistema. A internet cria suas próprias bolhas, suas próprias tribos e seus próprios ambientes cognitivos. Uma experiência interessante é notar que a intenção de votos dos seus amigos e pessoas próximas não tem nada a ver com as pesquisas eleitorais. E acarreta num resultado estranho, porque a Luciana Genro, por exemplo, apresenta apenas 1% [das intenções de voto], mas no meu círculo social ela tá ali disputando com a Dilma e com a Marina.

Bruno Torturra, fundador da Mídia NINJA e do projeto Estúdio Fluxo

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ção um pouco mais expressiva. Se ela tiver 3% dos votos, já são três vezes mais do que projetaram as pesquisas eleitorais. Uma pauta que ganhou força nessa eleição e que diz respeito à possibilidade de maior igualdade na disputa é a discussão sobre o financiamento público de campanha. Esse tema tende a ganhar espaço? Espero que sim. O financiamento público de campanha é uma das pautas mais importantes no país. Não é simplesmente eleitoral, pois o modelo de financiamento de campanha tem profunda influência no modelo de gestão que vai ser feito depois. Não só os escândalos de corrupção quase sempre tem a ver com isso, mas é perceber o tipo de doador que financia as grandes campanhas e a influência que eles tem depois que os governantes são eleitos. Se cria uma relação de gratidão e dependência dos candidatos em relação ao grande capital. Outra questão é o isolamento de candidaturas menores, que em geral tem plataformas mais ideológicas, ou que de fato pretendem trabalhar na base de transformação econômica do país. Talvez não estejamos falando de um movimento meio que inevitável? De algo que vem naturalmente de baixo pra cima? Acho que tem de ser uma via de mão dupla. A gente não pode ignorar o financiamento público de campanha e se apoiar no fato de que um dia a internet vai chegar lá. A campanha digital da Dilma é algo muito profissional. Diferentemente da TV, o foco não é a apresentação de propostas, mas sim a transformação de um imaginário. O que está sendo feito pra descontruir a imagem da Marina Silva, por exemplo, é um trabalho seriíssimo, muito intenso. E não é que o eleitorado será abalado por isso na internet, mas gera a conversa, vira o “telefone sem fio”, e ao longo das semanas é possível sentir o efeito eleitoral.

Após as manifestações de junho de 2013, criou-se uma grande expectativa de como esses movimentos iam se refletir nas eleições. Pautas progressistas ganharam força, mas também ficou evidente um certo conservadorismo. Você percebe esse processo? Houve um processo muito complexo pra ser definido entre “sim” ou “não”. Mas sim, polarizou mais, e também sofisticou. Eles [os movimentos de junho] fortaleceram muitas forças, forças antagônicas. Você não leva um milhão de pessoas pra rua que concordam entre si, nem a Diretas Já fez isso. E agora, observando a composição das manifestações quando junho se ergueu, quando deixou de ser sobre 20 centavos, e passou a ser sobre o que, mesmo? Tinha tudo lá! Tinha gente querendo golpe militar, gente querendo a estatização dos bancos, reforma agrária, mais saúde, gente contra a PEC 37, contra o ato médico, tinha tudo. O que aconteceu foi uma súbita politização do país. Por essa discussão se dar de forma repentina, massiva, sem uma narrativa possível de se entender de onde esse movimento veio, sem nenhuma liderança presente, o debate se polariza, as pessoas ficam mais histriônicas e começam disputas. Por outro lado, nós conseguimos sofisticar muito o debate político, abrir novos campos e emergir novas vozes nessa interpretação política. Pessoas que não eram tão presentes assim na mídia começaram a despontar, senão como líderes, como articuladores de idéias, de pensamentos, de pessoas ou de causas. Com isso, a política deixou de ser algo periférico na discussão das pessoas, ou pelo menos das pessoas da minha bolha (risos). O que o mês de junho provocou na política foi a possibilidade de ver o que tinha de melhor e o que tinha de pior no pensamento, no debate e na articulação política. por Thiago Neves


CULTURA

Mostra evidencia chagas das ditaduras “Operação Condor”, exposta no Paço das Artes, recria o cenário autoritário dos países do Cone Sul da América Latina THAÍS FREITAS DO VALE

Nas paredes, as fotos de vítimas das ditaduras latinoamericanas. Nas prisões e nos centros de detenção, elas eram reduzidas de humanos para números “O conceito universal de vítima é um princípio arraigado no direito internacional e dos direitos humanos. Daí que a luta contra a impunidade seja obrigação de todos, porque todos somos afetados: a indiferença de uns poucos nos marca a todos”. Garzón, Baltazar, CONDOR. Essa frase, escrita em uma das paredes da exposição “Operação Condor”, sintetiza bem o objetivo do evento. Realizada no Paço das Artes, dentro da Cidade Universitária, a mostra reúne 113 imagens do fotógrafo João Pina e visa retratar a dor, o desolamento e o descaso para com os que vivenciaram as ditaduras. São histórias de brasileiros e outros sul-americanos diretamente afetados, principalmente pela Operação Condor. O evento apresenta fotos de campos de concentração na América Latina, onde os presos políticos ficavam confinados sem direito a julgamento. No Brasil, Pina fotografou antigos centros de detenção, como a antiga sede do DOI-Codi em São Paulo, que hoje abriga a 36ª DP, na Vila Mariana. Há também imagens de centros de tortura e interrogatórios,

ossadas incompletas, cemitérios em que a identificação das valas consiste apenas em placas com números, ou que nem possuem identificação. Porém, o objetivo da mostra não é chocar o público com imagens fortes ou mórbidas. O tom de inconformidade e de abandono é o que predomina nos corredores. Por isso, logo na entrada há uma seqüência de fotografias de individuos segurando uma placa com números, mas não há nenhum nome para identificá-las. São desconhecidos, cuja identidade se perdeu (ou lhes foi roubada) no processo político. Em contraste, encontram-se famílias desoladas, incompletas. São filhos que buscam por seus pais, senhoras que esperam notí-

cias de seus filhos – há mais de 40 anos. O fotógrafo consegue captar a dor que a ausência de um ritual tão comum como o funeral pode causar: é preciso superar o luto para seguir em frente. Porém, sem notícias dos desaparecidos é como se o luto não começasse, e ficasse só o vazio da espera. É justamente pela sensibilização do público que o fotógrafo visa incentivar e humanizar a discussão sobre o tema. Na inauguração do evento, Pina afirmou que não vivenciou esse período, mas que os resquícios dele ainda estão presentes em todos os países. Entender e debater sobre esse passado sombrio é uma premissa para a concretização da democracia na América Latina. A exposi“A polícia matar e não ser ção permaneresponsabilizada é um resquício ce aberta para da ditadura. Isso é muito grave para visitação, no um país democrático. No Rio de Janeiro Paço das Arforam 1700 mortes oficiais em um ano, tes, até o dia 7 e a desculpa é que eles eram bandidos, de dezembro. como se eles não tivessem direito a serem A entrada é julgados por um tribunal. Para as pessoas gratuita e não individualmente isso é ruim, há necessidamas para um Estado é ainda pior” de de realizar inscrição pré- João Pina, fotógrafo viamente.

A Operação Condor União entre os governos ditatoriais da América do Sul e os Estados Unidos, a Operação se deu entre as décadas de 1970 e 1980. Ela foi uma aliança político-militar entre os regimes militares da América do Sul — Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai com a CIA dos Estados Unidos. O principal objetivo da ação era coordenar a repressão aos opositores desses governos, que eles julgavam serem líderes de esquerda instalados nos países do Cone Sul. A maioria dos presos políticos não passava pelo processo judicial de acusação e tampouco tinham direito a defesa. Em sua maioria, as prisões nem eram documentadas — e muito menos os métodos de tortura utilizados nos interrogatórios. Montada por iniciativa do governo chileno, a Operação Condor durou até a onda de redemocratização, na década de 1980. O nome foi inspirado no condor, abutre típico da região dos Andes que se alimenta de carniça, como os urubus. por Thaís Freitas do Vale

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UNIVERSIDADE

Obras no P1 vão acabar depois de outubro cos da Subprefeitura do Butantã só estavam responsáveis pela fiscalização das obras até meados de julho. Por questões administrativas, as reformas agora estariam sendo fiscalizadas por meio da Assessoria Técnica de Obras e Serviços (ATOS), a qual não divulgou posicionamento algum sobre os atrasos e afirmou não ter nenhuma informação em relação à fiscalização da obra. O objetivo principal da obra é acabar com os frequentes alagamentos na área, que prejudicam tanto os moradores da área quanto o acesso à Cidade Universitária. Para isso, os trabalhos foram divididos em três etapas para a instalação de novas tubulações de concreto que ligam as bocas de lobo da Rua Alvarenga ao Córrego Pirajuçara, na CUASO. A primeira fase foi de março até maio, com os trabalhos concentrados na rotatória da Praça Prof. Reynaldo Porchat, provocando a interdição de uma das

CAROLINA SHIMODA

Previstas para acabar em agosto, as obras da Portaria 1 da Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira (CUASO) estiveram paralisadas por cerca de 20 dias e foram retomadas no último dia 23, terça-feira. A paralisação, que contribuiu para postergar a conclusão da obra, não tem ligação com a greve dos funcionários da USP, uma vez que as reformas são municipais e de responsabilidade da Subprefeitura do Butantã, e nenhum dos trabalhadores foi contratado pela Universidade. Segundo a Prefeitura do Campus USP da Capital (PUSP-C), no início de agosto, foi enviado um ofício à Subprefeitura do Butantã, para reforçar os prazos da obra, que deveria ser finalizada naquele mês. Em resposta, a Subprefeitura comunicou que os trabalhos serão concluídos até o final de outubro. A assessoria da Subprefeitura, quando questionada sobre o atraso das obras, afirmou que técni-

Máquinas usadas na obra do P1 ficaram paradas por cerca de 20 dias faixas. Depois disso, as obras afetaram a Av. Afrânio Peixoto entre junho e julho, no sentido da entrada da USP. Agora, em sua fase final, as obras acabam dificultando a saída do campus, gerando engarrafamentos e atrasos das linhas de ônibus, principalmente dos circulares. Para minimizar os transtornos que afetaram o trânsito ao redor das obras, a PUSP-C orientou a

comunidade a evitar a Portaria 1, através de faixas que indicavam rotas alternativas, como a Portaria 2. Além disso, o horário de funcionamento do portão da Rua Teixeira Soares, próxima à Rua Alvarenga, foi estendido e a entrada de veículos pode ser feita das 5h30 às 20h, de segunda à sexta-feira. por Carolina Shimoda

Nova iluminação ainda causa debate na USP Após 14 meses de implantação, o novo sistema de iluminação do campus da USP foi entregue por completo, no dia 21 de julho deste ano. O projeto teve sua concepção iniciada em 2010, com o início do estudo sobre os tipos de iluminação mais adequados para as necessidades da Cidade Universitária. Após o assassinato do aluno Felipe Ramos de Paiva, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), em 2011, a comunidade universitária passou a cobrar da reitoria a aceleração da implantação de um novo sistema de iluminação que melhorasse a visibilidade noturna nos espaços do campus. Foi criado um grupo de trabalho para estudar a implementação desse novo sistema em todos os campi da capital. Após dois anos de estudos práticos e licitações, o novo sistema começou no dia 22 de maio de 2014, um dia após sua aprovação, e com duração prevista de oito meses, que foram acrescidos de mais seis. A

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licitação teve custo de 39,5 milhões na cidade universitária, somados a 99 milhões nos outros campi. Além disso, de acordo com a prefeitura do campus, os contratos preveem a manutenção do sistema pelos próximos cinco anos. “As empresas ficaram responsáveis pela retirada e destinação adequada das antigas lâmpadas e postes, bem como pela manutenção imediata das luminárias”, informou a assessoria da prefeitura. “Portanto, a recente crise orçamentária não trará danos à manutenção do sistema”. Ainda de acordo com a Prefeitura do Campus, a escolha das novas luminárias LED foi baseada na busca de uma iluminação que facilitasse o reconhecimento das pessoas por câmeras e trouxesse uma maior sensação de segurança. “Além disso, as luminárias possuem maior vida útil estimada, superior a 60 mil horas, enquanto as lâmpadas convencionais atingem no máximo 20 mil horas”, disse a assessoria da prefeitura.

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Novas propostas Com a finalização do processo de implantação das novas luminárias, o corpo universitário pode mensurar as mudanças em diferentes pontos do campus. A ouvidoria da Prefeitura do Campus tem recebido as críticas e elogios e tem passado às empresas responsáveis pela manutenção os pontos que precisam ser melhorados. Para o estudante Lucas Fabbro, membro do Centro Acadêmico Visconde de Cairu (CAVC) da FEA, houve melhoria na iluminação dos locais onde antes havia um sério déficit. “A implementação do sistema de iluminação foi um avanço. No entanto, tal medida isolada, não foi suficiente para que a segurança no campus tenha de fato melhorado”. Para ilustrar que o problema não foi solucionado, Lucas fala sobre os casos de furtos e sequestros no campus. “Ainda ocorrem diversos casos de violência na cidade universitária, que vão de furtos

até situações mais graves, como assaltos e sequestros relâmpago”. O CAVC tem investido esforços na busca de espaços de discussão da segurança dentro da USP, o que inclui a criação do Fórum Felipe Ramos de Paiva, no qual professores e alunos da FEA passaram a debater as melhores formas de trazer segurança para a Cidade Universitária. Ainda segundo Lucas, “outras medidas propostas para além da iluminação e do convênio com a Polícia Militar, como a criação do Fórum da Cidadania pela Cultura da Paz, que seria um espaço para o debate de estudantes, professores e funcionários, juntamente com especialistas, não tiveram avanço”. Ele também acrescenta: “a comunidade universitária deve passar a tratar a questão da segurança como uma de suas prioridades e não apenas quando mais uma tragédia ocorrer.” por Pedro Passos


UNIVERSIDADE

Descarte de lixo no Crusp é clandestino PUSP-C, SAS e FMVZ são as principais acusadas pelo despejo nos blocos A1 e B do conjunto de moradias estudantis

FERNANDO ROCHA

Campus afirmou que responsáveis pela gestão do serviço de limpeza de bocas de lobo foram até o local e constataram que os resíduos ali depositados são de origem vegetal - restos de galhos, folhas de palmeiras - e também resto de colchões. Ela ainda reiterou que “parte deste descarte pode ser clandestino, ou seja, unidades mal orientadas que venham realizando um manejo inadequado de seus resíduos, ou mesmo pessoas de fora que, porventura, estejam deixando aqui estes dejetos”. Um caminhão da PUSP-C foi visto em 24 de setembro despejando lixo no Crusp. Indagados, os funcionários afirmaram que são orientados a de1ixar ali resíduos vegetais. Também havia placas de propaganda política e plásticos. A SAS informou que “parte do

Plástico encontrado no meio dos despejos e que indica material infectante

FERNANDO ROCHA

Aprofundando a reportagem sobre o acúmulo de lixo clandestino no Crusp, publicada na edição 430 do Jornal do Campus, identificamos alguns dos responsáveis pelo descarte de resíduos em área da moradia estudantil, com a contribuição de Fernando Rocha, morador do Bloco B. Fernando afirma que o lixo foi despejado tanto por funcionários da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) quanto por funcionários da própria Prefeitura do Campus da Capital (PUSP-C) e Superintendência de Assistência Social (SAS). São eles os órgãos responsáveis pela contratação das empresas Molise Serviços e Construções Ltda. e Higilimp respectivamente, empresas estas que também são acusadas de despejar lixo no local. Questionada, a Prefeitura do

Funcionários da prefeitura despejam lixo na área próxima ao Crusp local [entre os blocos A-1 e B do Crusp] está sendo utilizado pela Prefeitura do Campus, sem prévia autorização da SAS, como área de acúmulo de restos vegetais de algumas unidades da USP”. Além disso, a Superintendência afirma que tem exigido da PUSP-C a limpeza do local e que recebeu do referido órgão a garantia de que os resíduos seriam retirados de lá com o término da greve de funcionários, mas nada foi feito ainda. Esclarecimentos Entramos em contato também com a empresa Molise, contratada para prestar “serviços de limpeza e desobstrução mecânica e manual de caixas de bocas de lobo, galerias e tubulações de águas pluviais e serviços complementares de conservação urbana” de acordo com o Diário Oficial da União de 15 de outubro de 2013. A empresa esclareceu que executa os serviços acima citados geralmente às sextas-feiras e que os resíduos sólidos coletados são enviados para empresa especializada, enquanto que os resíduos líquidos são enviados à Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Frente à informação de que um caminhão com identificação da empresa foi visto despejando resíduos na área de moradia estudantil em 17 de setembro, quarta-feira, a Molise nos informou que

lhe foi solicitada a remoção de terra de obra em uma área da Cidade Universitária para outra próxima ao Portão 3, portanto nada deveria ser deixado no Crusp. A empresa se comprometeu a analisar os dados de GPS dos caminhões que prestam serviços dentro da USP e nos esclarecer a respeito do fato relatado. Porém, até o fechamento desta edição, não obtivemos retorno. Segundo Fernando, na última semana, Marcia Mauro, do Serviço Técnico de Gestão Ambiental da PUSP-C, foi até o Crusp e garantiu que o local será limpo e revitalizado, com plantação de grama para absorção da água que estava se acumulando devido à compactação do solo pelo peso dos caminhões de lixo. Ainda que o problema pareça estar próximo de ser resolvido, é fato que o estabelecimento da área, ainda que temporariamente, como local para descarte de resíduos vegetais, estimulou o despejo de resíduos de todo tipo ali, tornando a área um ponto viciado de descarte, como a própria Prefeitura do Campus afirmou em matéria da edição passada do JC. As declarações na íntegra da PUSP-C, SAS e mais fotos no site do Jornal do Campus. por Ana Helena Rodrigues

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UNIVERSIDADE

Trabalho irregular no Instituto Butantan Instituição pode ser responsabilizada por precarização de mão de obra em contratação de empresa terceirizada trata de trabalho análogo ao de escravo, em que os trabalhadores são privados de direitos mínimos, estes são afastados e levados para locais seguros, onde recebem assistência, o que não foi o caso”, afirma. A empresa contratada pelo Butantan para executar as obras é a construtora Tenatech que, terceirizou a contratação da mão de obra através da empreiteira Estrela. Não há no local placa oficial com informações sobre valores, prazos e nem o nome das empresas contratadas. O prazo para que a Fundação Butantan e a construtora Tenatech regularizassem os registros dos trabalhadores, com data retroativa ao início dos serviços, expirou em 23 de setembro sem que a situação fosse resolvida. O prazo foi estendido para o dia 02 de outubro e caso a Tenatech não regularize a situação, o Butantan deve arcar com a responsabilidade, já que a jurisprudência consolidada da justiça do trabalho estabelece que todas as empresas envolvidas nas terceirizações respondam por violações de direitos trabalhistas. Em 23 de setembro a construtora se apresentou ao MTE, comprovou o registro de alguns

trabalhadores e se comprometeu a absorver a mão de obra, mesmo que cesse a prestação de serviço ao Butantan. De acordo com o relato de um dos trabalhadores, que preferiu não ser identificado, a Tenatech recolheu as carteiras de trabalho no dia seguinte à visita da SRTE/SP e até o fechamento desta edição ainda não as tinha devolvido, apesar do prazo estabelecido pela CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas) ser de 48 horas para que essa devolução seja feita. O trabalhador afirma ter tentado entrar em contato com a construtora por diversas vezes, sem obter resposta. Ele também não recebeu pelo último mês de trabalho, mas diz querer somente a carteira de trabalho de volta para poder procurar outro emprego, pois tem medo de ser despejado do quarto que aluga por falta de pagamento. Exploração de imigrantes Com escolaridade equivalente ao ensino médio brasileiro, em geral fluentes em mais de dois idiomas, apesar de alguns não falarem português, os imigrantes fazem diversos tipos de trabalhos informais que encontram através de divulgação boca a boca.

GABRIELA ROMÃO

No último dia 18 de setembro a Fundação Butantan foi notificada por irregularidades trabalhistas em obras nos imóveis do núcleo habitacional dos funcionários da instituição, que estão sendo adaptados para funcionar como laboratórios e salas administrativas. Auditores da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/ SP) constataram que 24 trabalhadores estavam sem registro em carteira, com os salários atrasados, não possuíam uniformes adequados e não tinham à disposição vestiários nem local apropriado para descanso e alimentação. A denúncia das irregularidades partiu da Rede Brasil Atual, que descreveu a prática como trabalho análogo à escravidão. Porém, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), órgão responsável por essa avaliação, não classificou dessa maneira. Segundo Sérgio Aoki, auditor fiscal do trabalho, a situação não se caracteriza como trabalho análogo ao de escravo, pois apesar das irregularidades, os trabalhadores não estavam sujeitos a condições extremas, como jornadas exaustivas ou serviços penosos. “Quando se

Eles são refugiados de regiões em conflito, como Burkina Faso, Guiné-Bissau e Mali, e se sujeitam a condições de trabalho muitas vezes injustas, pois além de garantir a própria sobrevivência, precisam enviar dinheiro aos familiares que deixaram em seus países. Nosso contato relatou já ter trabalhado com carteira assinada, mas abandonou o emprego por sofrer preconceito racial, receber salário baixo e ser privado de direitos básicos, o que não acontecia com os demais funcionários da empresa. Paralisação das obras As obras foram suspensas em 24 de setembro. Com a carteira assinada, ainda que os trabalhadores sejam dispensados, eles têm direito a receber o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), a multa de 40% sobre o FGTS, o aviso prévio indenizado e férias e 13º salário equivalentes ao período trabalhado. Questionada sobre o caso, a assessoria de imprensa do Instituto Butantan respondeu em nota que este tomou conhecimento no último dia 10 do atraso nos pagamentos, e “exigiu da empresa o pagamento em até 12h, sob pena de multas e outras sanções contratuais”. Segundo a mesma nota, o Butantan “solicita de suas empresas contratadas documentação que comprove a relação de trabalho dos funcionários que irão atuar no Instituto”. Informa ainda que a construtora afirmou ter regularizado os salários no prazo estipulado. Nada foi esclarecido em relação às demais irregularidades, aos termos do contrato firmado com a Tenatech, à falta de licitação, situação dos trabalhadores ou à paralisação das obras. Íntegra da nota em: www.jornaldocampus.usp.br

24 trabalhadores estão sem registro em carteira, com os salários atrasados e não têm uniforme adequado

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por Ana Helena Rodrigues


UNIVERSIDADE

Tragédia faz questionar segurança na raia Morte de Victor é a terceira registrada na história da raia. Nenhum dos casos chegou a ser totalmente esclarecido O ainda não esclarecido caso do garoto Victor Hugo Santos foi a última ocorrência envolvendo morte na raia olímpica da USP. Não é a primeira vez que ela se torna cenário de um óbito, e o fato de um corpo ser encontrado na água mostra a existência de uma falha de segurança num local com média de frequentadores diários beirando 400 pessoas e cuja fama é a de abrigar treinos de remo em alto nível de equipes como Pinheiros e Corinthians. A raia olímpica possui cerca de 2.250 metros de comprimento, profundidade entre 3 e 5 metros e foi projetada como um tanque fechado sem nenhum tipo de ligação externa com córregos ou correntes d’água. Ela é totalmente circundada por 4.600 metros de grades. Apesar disso, há alguns pontos com fendas e outras brechas. Segundo funcionários do Centro de Práticas Esportivas (CEPE), a raia possui quatro portões de acesso, e apenas um deles f ica aberto, com controle, para a entrada do público. Dois seguranças terceirizados são responsáveis pela segurança de toda sua extensão. O suposto horário de desaparecimento de Victor foi próximo da troca do turno da noite, que inicia às 22h e termina às 6h. Não há câmeras de segurança que possam ter gravado imagens relacionadas ao caso. Alguns também confirmaram casos de invasão de pessoas na raia e no CEPE, entretanto, sendo mais comuns ocorrências neste último. Segurança esportiva A ausência de salva-vidas na raia é questionada por muitos frequentadores do local como um problema de segurança na área esportiva. Porém, segundo o professor José Carlos Simon Farah, diretor técnico do CEPE na área de remo, essa não seria uma medida necessária: “O equipamento de

remo é controlado apenas para usuários que possuem uma credencial especial após passarem por um teste de natação. Durante as aulas fornecidas pela USP, há sempre um instrutor por perto orientando”. Alguns usuários contestam a veracidade sobre a obrigatoriedade do exame de natação. Segundo o estudante Luciano Eiken, frequentador da raia há mais de três anos, foi apenas no começo de 2014 que começou a existir um controle mais rígido sobre quem frequenta o local:

“Recomendamos apenas a presença de um salva-vidas em período de eventos, e avisos indicando ao público o risco de afogamento”. Histórico A morte de Victor Hugo é o terceiro caso documentado de morte na raia olímpica da USP. Em 1997, um garoto de quinze anos, morador da comunidade São Remo (ao lado do Portão 3 do Campus), foi à raia com um grupo de amigos para nadar. A atividade era proibida no local.

INFOGRÁFICO: VICTORIA SALEMI

“Antes eles só perguntavam e iam na sua fé. Então, se você mentia ou se por acaso achava que sabia, mas não sabia, não haviam provas. Até o ano passado eu tinha uma amiga que não sabia nadar, mas gostava da canoagem. Mudou para o remo e eu tive que avisar os professores de que ela não sabia nadar nada”. Segundo o Capitão Marcos Palumbo, do Corpo de Bombeiros, em locais de acesso restrito ao público em geral não existem regras de obrigatoriedade para a presença de salva-vidas. Os bombeiros também não realizam fiscalização, cabendo o zelo pelos usuários aos administradores do local:

Os garotos foram expulsos e, segundo eles, agredidos pelos guardas locais. O corpo de Daniel Pereira de Araújo foi encontrado boiando próximo a uma bomba de sucção. A universidade soltou uma nota oficial alegando que a área deveria ser destinada apenas para atletas e que os seguranças alertaram o menino do risco de afogamento. O caso causou revolta na comunidade São Remo e gerou uma série de protestos. No começo deste ano, o empresário Everaldo Miranda se afogou na raia enquanto praticava Stand Up Paddle, uma modalidade de remo em cima de uma prancha de surf. Ventava forte no dia, e a perícia

cogitou que Everaldo tivesse passado mal instantes antes de cair na água. O atleta não usava colete salva-vidas, pois este não é obrigatório para usuários da raia, principalmente porque atrapalha a prática do remo e da canoagem, segundo atletas. Victor desapareceu por volta das 5h do dia 20 durante a Festa de 111 anos do Grêmio Politécnico, no Velódromo. O corpo foi encontrado boiando na raia três dias depois. Algumas pessoas presentes na festa relataram via Facebook (através do evento da festa) terem visto uma pessoa muito parecida com Victor sendo arrastada de forma violenta por seguranças da empresa GE (terceirizada para cuidar do evento). Segundo o presidente do Grêmio Politécnico, André Simmonds, não havia nenhum tipo de relato de confusão no relatório pós-festa entregue pela empresa, e, até o momento, tudo se configura como boato. Ainda segundo Simmonds, não é a primeira vez que o Grêmio contrata a GE para a segurança de uma festa, e não havia ocorrido nenhum tipo de problema com a empresa até então. Não foi encontrado pela perícia nenhum tipo de marca aparente de afogamento no corpo de Victor Hugo. Apenas alguns machucados no rosto foram constatados, e as hipóteses são de agressão ou queda. Ainda se cogita que o corpo tenha sido jogado na raia três dias após a morte e mais informações devem surgir após novos laudos da polícia. por Gabriel Lellis

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UNIVERSIDADE

Depois de omissão, CO busca se recompor Órgão máximo da Universidade, Conselho Universitário está mais atuante, mas esbarra em estrutura conservadora

DIMITRIUS PULVIRENTI

Protegidos por grades no seu portão de entrada, os representantes da gestão, das unidades, dos docentes, dos servidores, dos estudantes e da sociedade paulista decidem os rumos da Universidade de São Paulo. O Conselho Universitário (CO) é o órgão máximo da universidade, com funções normativas e de planejamento, cabendo-lhe estabelecer a política geral da Universidade para a consecução de seus objetivos, segundo o artigo 16 do Estatuto da USP. Uma semana antes de cada reunião, seus integrantes recebem da Secretaria-Geral da USP a pauta do próximo encontro: um documento que varia de tamanho

Em 2013 o CO só se reuniu três vezes

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conforme a quantidade de itens previstos - chegando a ter 400 páginas. O relatório sobre os hospitais universitários chegou aos conselheiros quatro dias antes da reunião que tratou de sua desvinculação. Para cada item, seguem os pareceres das comissões. José Renato de Campos Araújo, representante dos professores doutores no CO, admite que o Conselho tende a seguir esses pareceres nas questões burocráticas, mas defende que questões polêmicas, como a desvinculação do Hospital Universitário, sejam discutidas com mais antecedência. Falta de representação Araújo, que votou contra a desvinculação do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, o HRAC, enxerga na estrutura representativa do Conselho a causa para a falta de debates na USP. Descontada a gestão - reitor, vice-reitor e pró-reitores -, 84 dos 114 integrantes são diretores de unidade ou representantes das congregações. “O CO é montado de uma forma que privilegia as unidades, representa pouco a diversidade da USP. Tinha que ter mais gente como eu, mais servidor, mais aluno. Qual é a representação lá? A burocracia”, disse. A cada ano, dez pessoas são eleitas para representar os alunos da graduação no Conselho Universitário. Uma deles, Gabriela Ferro, crê que essa representação é “praticamente simbólica, não serve pra nada, a não ser para fazer enfrentamentos em palavras, necessários, mas que não influenciam nas decisões tomadas”. Também representante discente, João Guilherme Ribas, todavia, acredita que a composição do Conselho representa os melhores interesses da USP. Para Ribas, os representantes da unidade fornecem uma visão gestora e da comunidade da unidade. “Há quem argumente que, no caso da graduação, existir apenas 10% de representantes dos alunos é muito pouco. Discordo, é o suficien-

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te para ter voz e conseguir apresentar e defender projetos para a Universidade”, afirmou. Adalberto Fischmann, diretor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e membro da Comissão de Orçamento e Patrimônio do CO, não acredita que o problema está na representação. “O problema está no conhecimento da matéria, compreender as consequências. Quando não há transparência sobre as informações, você pode cometer equívocos”. Sobre as reuniões do CO na última gestão, Fischmann disse: “Não havia uma análise, mas tabelas ininteligíveis. Era como abrir um catálogo telefônico. O Conselho não tinha conhecimento do que quer que se passava com as finanças”, disse. Em 2013, o órgão máximo da USP reuniu-se três vezes - neste ano, sete. Falta de comunicação Em 25 de março de 2014, o Conselho Universitário debateu sobre os trabalhos da comissão criada ainda na gestão Rodas para revisão do estatuto e dos regimentos da universidade. À ocasião, o reitor Marco Antonio Zago anunciou que aquela reunião estava sendo gravada: “Entendo que é indispensável mantermos um registro histórico disto para o bem e para o mal, para aqueles que no futuro quiserem entender o que se passou neste momento, na Universidade de São Paulo”, disse. A reunião marcou o início de uma série de discussões que iriam até o fim do ano para a reforma da Universidade. Mesmo assim, não virou pauta no dia-a-dia da Universidade, tanto por parte da Reitoria como dos representantes. O Diretório Central dos Estudantes Livre (DCE-Livre) não divulgou em seu site ou no Facebook sobre a reunião. Para Gabriela Ferro, a comissão só foi criada por Rodas pela pressão do movimento estudantil, mas é apenas um falso exemplo de diálogo utilizado pela Reitoria. “O ideal e mais democrático seria um Con-

gresso Estatuinte, divulgado entre todos os setores. Se fosse real a vontade de respeitar as demandas do movimento e de dialogar, a reunião não seria divulgada da forma mesquinha que é”, afirmou. Suprindo esse espaço, o professor José Renato de Campos Araújo criou um blog para se comunicar com os professores doutores que representa. “[O blog] virou referência na Universidade”, orgulha-se. Para Araújo, a Reitoria falha em não se comunicar bem com a comunidade universitária. “Eu não tenho um mailing dos professores doutores, a Secretaria Geral não quis me dar”, afirmou. Mudanças Para todos os integrantes ouvidos pelo Jornal do Campus, mudanças estruturais são necessárias para retomar a representatividade do Conselho Universitário, principalmente uma reforma estatutária. “Essa estrutura de poder que nós temos surgiu de um debate que ocorreu na Universidade no final do governo militar, no início da democracia. É muito tempo”, explicou Martin Grossmann. Para Martin Grossmann, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA), a USP precisa buscar autonomia para colocar em prática uma política de estado para a Universidade. “Nossa política é de governo, ela segue os parâmetros da política pública, onde há uma rotação a cada quatro anos. Nós não temos um plano que projeta o percurso dessa Universidade a longo prazo”. Em contato com a reportagem, a Reitoria afirmou que dará prosseguimento às discussões sobre a estrutura de poder e governança da USP. Duas reuniões já estão programadas, além de outra que irá definir a forma e o calendário das deliberações do Conselho. Todas as reuniões para debater e estabelecer as alterações necessárias no Estatuto estão sendo transmitidas pela IPTV. Por Dimitrius Pulvirenti


UNIVERSIDADE

Acusação de racismo marca CPI na EACH Advogado de professor teria mandado aluna “ir se lavar”. Caso aconteceu em CPI sobre a contaminação do solo da Escola fessor Edson Leite. De acordo com o Código Penal Brasileiro, o crime de injúria racial prevê pena de um a três anos de reclusão e multa. Alguns alunos da EACH promoveram uma interdição na última quinta-feira (25), chamada de “bate-papo semanal com Edson Leite”, numa de suas aulas depois de descobrirem que ele continua lecionando mesmo após ter sido afastado da direção da Escola devido às investigações sobre a contaminação do campus. Os organizadores do ato conversaram com os alunos, mas o professor não compareceu. No dia 26, a direção da EACH promoveu um seminário com a Faculdade de Direito chamado “Áreas Contaminadas no Direito: O caso da EACH”. Foram apresentados trabalhos de pesquisadores da oficina de Direito Ambiental da Faculdade de Direito. Houve também uma visita técnica às dependências da Escola. O campus da USP-Leste ficou interditado de janeiro a agosto deste ano por decisão judicial, depois que um laudo da Cetesb (Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental) atestou a

JOÃO PAULO FREIRE

Um grupo de alunos da EACH (Escola de Artes, Ciências e Humanidades) acusa um dos advogados do ex-vice-diretor da Escola, Edson Leite, de injúria racial. O caso teria acontecido ao término de uma reunião da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) das Áreas Contaminadas para a qual a antiga diretoria foi convocada a fim de prestar esclarecimentos no dia 23. Segundo uma nota de repúdio publicada nas redes sociais pelo #OrgulhoEACH, o advogado, que não teve seu nome divulgado, teria mandado uma aluna da Escola ir “se lavar”, depois de a estudante ter questionado a atitude do professor durante a CPI de não se responsabilizar por um aterro instalado de forma ilegal no campus no período de sua gestão. Foi gravado um vídeo em que alguns alunos questionam se a ordem de ir se lavar se referia à cor da estudante, que é negra, mas o material não foi publicado na web. A aluna, que não quer ser identificada, está emocionalmente abalada e preferiu não dar a sua própria versão para a reportagem. Existe a intenção de processar criminalmente o advogado do pro-

EACH tem caso de injúria racial praticado por advogado de professor inadequação do espaço para aulas devido a presença de gás metano no subsolo, com risco de incêndio e explosão. As aulas foram transferidas para outros prédios da USP e universidades privadas, voltando a funcionar no campus apenas depois da instalação de equipamentos para captação e ventilação de gás metano. Foi criada uma CPI na Câmara Municipal de São Paulo em 8 de abril para investigar denúncias de áreas contaminadas na cidade, dentre as quais o campus da USP-Leste. A Comissão é presidida pelos vereadores Rubens Wagner Cal-

vo (PMDB) e Valdemar Silva (PT). O professor Edson Leite foi procurado, mas não respondeu até o fechamento desta edição. Ele estava acompanhado de dois advogados, que não tiveram seus nomes divulgados e não foram encontrados. Ainda não se sabe se eles representavam apenas o ex-vice-diretor ou a USP. Questionada sobre o caso, a Diretoria da Escola afirmou por meio de sua assessoria que “aguarda o encerramento das investigações para se pronunciar”. por João Paulo Freire

USP faz convênio de educação a distância Plataforma Coursera começará a disponibilizar aulas produzidas pela USP entre fevereiro e março do próximo ano A USP firmou convênio com a Coursera para disponibilizar cursos gratuitos e a distância na internet. As atividades devem começar no início do próximo semestre letivo, entre fevereiro e março de 2015. Inicialmente, quatro opções de curso produzidos por professores da USP serão publicados na página da empresa americana: “Origens da Vida no Contexto Cósmico”, “Fundamento e Linguagem de Negócios”, “História da Contabilidade” e “O Sistema Previdenciário Brasileiro: Características e Aspectos Distributivos”. O primeiro está ligado ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) e os demais à

Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). Os cursos terão duração média de oito semanas e ainda estão em processo de gravação de vídeos e elaboração de atividades. Segundo Cláudia Fuller, da Pró-Reitoria de Pesquisa, as inscrições para cursos da USP devem ser abertas até o fim do ano. O professor da FEA Edgard Cornacchione, responsável por dois dos cursos iniciais, destaca que a participação da USP no projeto é uma “ruptura do modelo educacional” praticado pela Universidade. Para o docente, a USP cumpre um papel fundamental de expansão ao aumentar a sua visibilidade para

além de seu corpo discente, que não chega a 100 mil alunos. O Brasil é o quinto maior público da iniciativa, com cerca de 300 mil inscritos, 3% do total. No entanto, apenas 26 dos cerca de 750 cursos que são oferecidos pelo Coursera estão disponíveis em português. Os países com maior número de alunos são, respectivamente, EUA, Grã-Bretanha, Rússia e Índia. A plataforma, lançada em 2012, reúne cursos no estilo MOOC (massive open on-line course) de universidades de prestígio no mundo inteiro. Os dois fundadores, Daphne Koller e Andrew Ng, são professores de ciência da computação da Universidade de Stanford.

A USP não dará certificado aos alunos que participarem de seus cursos on-line, mas é possível receber uma “verified signature” do próprio Coursera a um custo de U$49. Cornacchione diz que não há uma maneira totalmente segura de garantir que o aluno inscrito é o mesmo que faz as atividades. Porém, haverá um sistema de registro de participação através de exercícios, atividades e fotos que restrigem a possibilidade de fraudes. No caso brasileiro, são também parceiros do Coursera a Unicamp e a Fundação Lemann. https://www.coursera.org/ por João Paulo Freire

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EM PAUTA

Escócia diz “não” e fica no Reino Unido Após plebiscito, país decide permanecer no Reino Unido, mas outros movimentos separatistas ainda acontecem na Europa

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mas, com a recente crise econômica, houve um agravamento desse desejo por independência. “Entendo que o retorno desses movimentos está atrelado à crise do neoliberalismo, pois a perspectiva da globalização neoliberal prega certa homogeneização e a cooperação em comunidades e blocos de integração, e tudo isso está sendo questionado hoje”, comenta Edilson. Outros movimentos De forma geral, os movimentos separatistas europeus se apoiam em dois pilares. Em primeiro plano está uma demanda histórica por mais autonomia, que é amparada em questões de caráter social e cultural. O segundo aspecto é a perspectiva desses lugares de um futuro mais próspero, considerando que conseguem manter certo sucesso econômico em meio à crise europeia

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ou possuem riquezas que alimentam essa visão, como é o caso do petróleo do Mar do Norte que banha a Escócia, do rico território de Flandres e da indústria catalã. Essa é uma região localizada ao norte da Bélgica. Lá o idioma é similar ao holandês, enquanto em Valônica, região sul, a língua falada é francês, o que faz com que a capital, Bruxelas, seja oficialmente bilíngue. Os flamengos reivindicam por sua autonomia não somente baseados no fator linguístico do país, mas em suas diferenças culturais e sociais. A região também é responsável por mais da metade da economia belga, e reclama de estar subsidiando economicamente a Valônia. A força política da região está na Nova Aliança Flamenga sob o comando de Bart De Wever. Se a Bélgica já se comprometeria com a perda de Flandres, a Espanha tem catalães e bascos

com fortes tendências separatistas, sendo ambos de regiões ricas do país. E essa briga é muito antiga. “Se você realizar uma varredura da Espanha desde o início do século XX, especialmente no período de Franco, verá que o separatismo sempre esteve ativo em catalães, tal qual em bascos”, afirma Edilson.

INFOGRÁFICO: ARTHUR ALEIXO

A Escócia votou, no dia 18 de setembro, para se tornar um Estado independente ao Reino Unido. Enquanto o sentimento nacionalista pesava pela separação, o fator econômico pendia para a permanência da união. O “não”, que respondia a pergunta “A Escócia deve ser um país independente?”, venceu nas urnas escocesas com apoio de 55% dos eleitores contra 45% do “sim” à cisão — foram 2.001.926 votos frente a 1.617.989. A vitória mostra que os separatistas não conseguiram convencer que o país teria mais a ganhar do que a perder com a separação. “O fato de não ter uma moeda própria foi decisivo. Nem a libra esterlina nem o euro poderiam ser adotados. No discurso econômico da questão por parte dos separatistas, o maior benefício seria as riquezas petrolíferas do Mar do Norte, que acreditam os nacionalistas. “Uma Escócia independente teria maiores vantagens, mas isso não foi suficiente para convencer”, explica Edilson Adão, geógrafo e mestre em Ciências pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Relações Internacionais da Faculdade de Campinas (Facamp). A tentativa escocesa de independência foi falha, porém deu mais notoriedade aos movimentos dissidentes que populam pela Europa há anos. O sentimento nacional-separatista europeu pode ser observado, pelo menos, desde o fim da Guerra Fria,

Espanha dividida No País Basco, a luta separatista ficou famosa pela organização militante clandestina ETA (Euskadi Ta Askatasuna - Pátria Basca e Liberdade) que em 50 anos de tentativas separatistas causou mais de 800 mortes. O grupo, porém, há três anos abdicou formalmente da violência. Em outubro do ano passado o Partido Nacionalista Basco venceu as eleições regionais, fortalecendo a aspiração separatista da área. Na região catalã, a luta possui mais chances de ser vitoriosa. Atualmente, o lugar possui uma certa autonomia cultural e política, além de ter seu próprio parlamento regional. Porém isso ainda não é suficiente. “A Catalunha é uma região rica, assim como o País Basco, mas a identidade nacional nessas duas regiões é fortíssima; eles não se sentem espanhóis, simples assim”, explica o geógrafo. O parlamento catalão havia aprovado no último dia 19 um plebiscito consultivo acerca a independência da região, porém o Tribunal Constitucional da Espanha adiou por cinco meses essa consulta, que passará agora por um período de avaliação no órgão espanhol. “Eu não apostava na independência da Escócia, mas aposto na independência da Catalunha. Vamos ver em novembro, isso se Madri permitir que o referendo ocorra. Caso ocorra, a Espanha corre sérios riscos de se desmanchar, pois seria difícil (de) segurar os separatistas bascos e galegos”, comenta Edilson. Por Ana Luisa Abdalla


EM PAUTA

Para cientista político, elementos ideológicos pesam na hora da escolha do candidato

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campanha para o eleitor brasileiro. “De modo geral, boa parte dos eleitores ainda vive condições materiais muito difíceis no Brasil. Portanto, a política econômica que o governo decida fazer tem um impacto direto sobre a situação de cada um e mesmo que o eleitor não tenha uma consciência plena sobre essa situação, tem uma espécie de intuição que leva ele a procurar a escolha mais benéfica possível para sua necessidade”, afirmou Singer. Entretanto, a tomada de decisão dos estudantes da Universidade

AÉCIO NEVES – PSDB

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As eleições 2014 chegam na reta final e os eleitores têm até o próximo domingo para decidir quem serão seus representantes. O Jornal do Campus foi procurar saber como os estudantes da USP escolhem seus candidatos e os porquês. São as eleições presidencias que estão Em Pauta. André Singer, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, acredita que as propostas econômicas dos candidatos são as mais relevantes nesta

Eu não concordo com as outras candidatas. Não quero que nem a Dilma nem a Marina vençam, então eu prefiro que o Aécio ganhe. Gostei muito do que ele disse sobre a segurança pública, porque me sinto muito insegura principalmente aqui em São Paulo e ele foi o que mais falou sobre isso. — Luísa Fini, 22 anos, Esporte

DILMA ROUSSEFF – PT

Eu aprecio muito as ideias da Luciana Genro, mas acho que pelas pesquisas ela ainda não tem uma força necessária pra ganhar, então eu prefiro votar na Dilma. Sempre que você busca beneficiar uma população carente é sempre muito vantajoso, acredito nisso. Eu acho que o presidente deveria assumir essa postura de defender os mais necessitados. — Carla Ferreira da Silva, 28 anos, Letras

LUCIANA GENRO – PSOL

No começo dá vontade de fazer um voto útil entre as três opções, mas a Dilma já está na frente. Na Marina eu não votaria porque eu acho ela muito contraditória e no Aécio também não. Além disso, eu sinto que a Luciana propõe a mudança mais real. Eu não sou tão alinhado economicamente com ela, mas socialmente eu sou muito alinhado, então acho que ela é uma pessoa capaz de trazer uma mudança de fato para o país e não ficar só no discurso atual.

— Emanuel Longa, 21 anos, Engenharia Mecânica

EDUARDO JORGE – PV

Basicamente, eu tenho problemas com as eleições porque eu tenho uma ideologia mais voltada pra direita e a direita é muito mal representada no Brasil. Ao mesmo tempo, eu também sou ambientalista e creio que o Eduardo Jorge é o único que consegue manter um discurso ecologicamente coerente e bem estruturado sem cair muito para o argumento socialista.

— Lucas Formigari, 19 anos. Engenharia Elétrica

é baseada em alguns critérios relativamente diferentes do que o restante da população. “Aqui, apesar de haver uma heterogeneidade natural num corpo social grande como a USP, predomina uma configuração de classe média e na classe média as necessidades materiais não são tão grandes. Desse modo, o que acontece quando você pega um público universitário, sobretudo de universidade pública, é que os elementos ideológicos têm mais peso do que os elementos econômicos”, observou o cientista político.Uma

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pesquisa com a intenção de voto dos estudantes da USP para presidente, governador e senador de São Paulo deve ser publicada na próxima quinta-feira (2) pelo Censo Universitário e pode comprovar a tendência do eleitorado uspiano. O Jornal do Campus, por sua vez, esteve na fila do Restaurante Universitário Central coletando a opinião dos estudantes sobre os candidatos à presidência na útima segunda-feira (29). Durante o período que a reportagem esteve no local, mais de 100 pessoas foram entrevistadas, porém os candidatos Eymael (PSDC), Mauro Iasi (PCB), Pastor Everaldo (PSC) e Rui Costa Pimenta (PCO) não foram citados. Os demais tiveram intenção de voto e justificativa relatados e reproduzidos a seguir: Por Breno França

MARINA SILVA – PSB

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Estudantes da USP votam diferente de outros eleitores

Eu acho que o Brasil está há muito tempo nessa dualidade entre PT e PSDB e que a Marina é uma pessoa nova que já provou que tem capacidade. Acho legal que ela vai continuar com os programas sociais que deram certo no governo Lula e Dilma e considero isso importante, pois ela não está desprezando o que eles fizeram. Além do viés que ela trás desde o Partido Verde de desenvolvimento sustentável. — Rafael Moreira, 20 anos, Esporte

LEVY FIDELIX – PRTB

Eu acho que o país está muito dividido entre PT e PSDB nos últimos 20 anos e gostei bastante das posições que ele colocou no debate da Band. Gostei do que ele falou sobre a privatização dos presídios, por exemplo. Eu sei que existem problemas maiores como educação, infraestrutura e taxa de juros, mas acho que resolvendo problemas satélites, a gente também consegue resolver problemas centrais. — Túlio Favarini, 23 anos, Física

ZÉ MARIA – PSTU

O PSTU é um dos únicos partidos que não recebem financiamento privado de campanha, o que eu acho que já estanca a corrupção. Além disso, é um partido alinhado com o interesse dos trabalhadores, não dos empresários, e na minha opinião o partido sempre esteve presente nas manifestações do ano passado que demonstraram de fato como deve ser a nova política. Além do viés que ela trás desde o Partido Verde de desenvolvimento sustentável. — Arielli Moreira, 24 anos, Letras

NULO

Eu não sou de direita e também não me considero socialista. Eu também acho que o PT não é uma representação boa. Então, ao eliminar todos esses, acho que votar nulo é uma melhor representação do que votar errado.

— Bruno Andretto, 23 anos, Engenharia Elétrica

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CIÊNCIA

Estudo desenvolve coração artificial no Brasil Professor da Escola Politécnica da USP pesquisa maneiras de tornar acessível o uso de ventrículos artificiais no país

Bombas mais eficientes Pai esclarece que, hoje, há dois tipos de corações artificiais produzidos no mundo: os rotativos e os pulsáteis. Na bomba pulsátil, há uma válvula responsável por aumentar e diminuir a quantidade de ar e sangue em uma câmara, ambos separados por uma membrana. Assim, ao inflar a câmara, o ar que está dentro é que irá empurrar o sangue para fora em jatos, como o coração natural faz. No entanto, esse tipo de dispositivo ainda

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é considerado muito grande, e por conta disso é ineficiente para bombas de longo prazo. Para compactar ainda mais, foram criadas as chamadas bombas rotativas, que funcionam basicamente como uma bomba de aquário. “O dispositivo é conectado no ventrículo esquerdo, seu mecanismo puxa o sangue para dentro e depois o joga na aorta, distribuindo para o restante do organismo”, explica o professor. Dentro dessa bomba, há duas partes principais: o estator e o rotor, sendo que o estator é a parte fixa, e o rotor é a parte móvel, que gira para impulsionar o sangue para a frente. Para manter esse rotor no lugar, de forma que ele gire em torno de um eixo fixo, é necessário ter um ponto de apoio, que é chamado de mancal. Prazo de validade O grande problema que ainda não foi solucionado nessa área de coração artificial refere-se à durabilidade das bombas. “A ideia de fazer uma bomba durar o máximo possível tem o objetivo de eliminar a necessidade de um transplante futuro”, declara Pai. Primeiro, porque toda vez que um paciente é operado ele passa por diversos riscos de contaminação, além de ter que tomar inúmeros medicamentos e imunossupressores para evitar uma possível rejeição. Segundo, pelo fato de que é muito difícil encontrar doadores, e muitos pacientes acabam por morrer na fila de espera para o transplante, sem contar os pacientes que sequer podem entrar na fila de espera, como os infectados pela Doença de Chagas, por exemplo. “A contribuição da minha pesquisa, dessa forma, além de desenvolver o coração artificial no Brasil como um produto nacional, é também encontrar formas de prolongar a sua durabilidade”, afirma Pai. A bomba rotativa, ainda que seja a mais duradoura, sofre desgaste no seu ponto de apoio, por conta do contato e do atrito. Além de estragar o equipamento com o tempo, o contato intenso pode até mesmo produzir calor, destruir as

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INFOGRÁFICO: ARTHUR ALEIXO

Corações artificiais não são nenhuma novidade tecnológica. Os primeiros modelos que surgiram foram desenvolvidos para substituir o coração natural e, portanto, eram muito grandes e pesados, além de serem passíveis de falhas ou defeitos. Frente a esses problemas, pesquisadores de todo o mundo passaram a estudar modelos alternativos que fossem mais práticos, adequados e seguros. O professor Pai Chi Nan, do Departamento de Engenharia Mecatrônica da Escola Politécnica da USP, é um desses pesquisadores. Ele explica que uma solução encontrada foi criar novas bombas que, ao invés de substituir todo o coração, apenas facilitam o seu funcionamento. “Nosso coração é dividido em dois lados, o direito e o esquerdo. Enquanto o lado direito manda sangue para o pulmão, o esquerdo manda para o restante do corpo, o que o torna mais suscetível a doenças. Então, já que trocar tudo é um risco, optou-se por um método não tão invasivo, que consiste em ajudar apenas o lado esquerdo a bombear sangue para todo o corpo. Isso começou a ser chamado de ventrículo artificial”, explica o professor. Dessa forma, a bomba de sangue é conectada ao ventrículo esquerdo do paciente, e assim ela auxilia na distribuição do sangue. A grande vantagem, além do tamanho reduzido do dispositivo, é que, se ele falhar, o paciente ainda tem o próprio coração funcionando por tempo suficiente para chegar ao hospital e trocar a bomba.

hemácias do corpo e, consequentemente, formar coágulos por alterar as proteínas. Assim, “ao invés de usar o mancal convencional, que exige contato, eu uso um mancal magnético, pois as forças eletromagnéticas mantêm o rotor levitando dentro da bomba”, explica o pesquisador. Novidade no país “Apesar de este novo modelo de coração artificial ou ventrículo artificial já existir no mundo, ele ainda não existe no Brasil”, declara Pai. “Atualmente, com o aumento da obesidade, as doenças cardíacas tornaram-se um problema mundial, então há muitos grupos fazendo pesquisa nessa área, principalmente em locais como Japão, EUA e Europa”. O problema de importar essa tecnologia, explica ele, é que ela é muito cara. “Cada bomba custa cerca de 500 mil dólares, mas não é só trazer a bomba para cá e implantar. Nós não temos hoje engenheiros habilitados a supervi-

sionar esses procedimentos, nem cirurgiões com experiência para realizar esse tipo de transplante”. Por isso, é importante que o Brasil desenvolva as próprias bombas de sangue, para que elas se tornem mais acessíveis à população que necessita desse dispositivo. “Com um apoio do governo, principalmente para financiar as pesquisas, eu acredito que em cinco anos nós poderíamos ver alguém, no Brasil, se beneficiar com essa tecnologia. O envolvimento do governo é fundamental”, ressalta Pai, “pois além de as empresas privadas serem relutantes a investir em pesquisa nessa área, o coração artificial, mesmo depois de pronto, não será barato e acessível para todos”. Assim, “fazer um produto que pode salvar vidas, mas que só quem tem dinheiro pode ter acesso fica muito restrito, e, para mim, não é nada justo”, afirma o professor. por Bruna Larotonda


CIÊNCIA

Possível obra de Portinari é estudada no IF Com técnicas de raio X e infravermelho, laboratório móvel permite análise da autoria de obra encontrada em Brodowski

Análise portátil O trabalho do grupo conta com equipamentos de raio-x e luz infravermelha. As informações levantadas não exigem a coleta de amostras que, ainda que pequenas, significam certo dano à obra de arte. Além disso, uma das grandes vantagens é a possibilidade de levar os equipamentos até o local de exposição. “Um vaso eu posso trazer aqui [na Universidade]. Mas nesse caso [por se tratar de uma pintura na parede], eu preciso, além das técnicas não destrutivas, que os equipamentos sejam portáteis, ou seja, um laboratório móvel”, afirma Márcia. O núcleo auxiliou na restauração das obras de Portinari na Igreja Matriz do Senhor Bom Jesus de Cana Verde, na cidade de Batatais, além de ter parcerias com o Museu Paulista, também conhecido como Museu do Ipiranga, o Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) e o Museu de Arte Contemporânea (MAC) – os três da USP.

Fotografia para a ciência Para as análises, são montadas luzes especiais para as técnicas de imagem: a fotografia de alta qualidade com luz visível permite a ampliação da imagem, evidenciando detalhes, diminuindo a necessidade de manuseio direto da obra, que por vezes pode ser prejudicial. Na fotografia com luz rasante, observa-se as pinceladas do artista e as texturas da obra, e também certas condições de conservação, como a presença de fungos e craquelamentos. Por último, a reflectografia de luz infravermelha permite visualizar camadas subjacentes da tela e traçados anteriores dos artistas, escondidos pela tinta da obra final. A técnica revela a maneira como o pintor planejou as obras, testando diferentes disposições para os cenários e personagens. Em alguns casos, desenhos ocultos podem ser identificados dessa forma, desde elementos que ficaram de fora da versão final da obra até telas reaproveitadas, que ori-

TECNOLOGIA REVELA PINTURAS OCULTAS HORA DA MÚSICA, 1901, ÓLEO SOBRE TELA, OSCAR PEREIRA DA SILVA,ACERVO DA PINACOTECA DO ESTADO DE SÃO PAULO, BRASIL

Durante a reforma da casa onde viveu o artista Cândido Portinari, finalizada este ano, foi encontrada uma pintura desconhecida na parede, oculta debaixo de quinze camadas de tinta por vários anos. Um grande número de artistas visitava o local na cidade de Brodowski, interior de São Paulo, hoje transformado em museu, portanto a autoria do afresco ainda é desconhecida. A professora Márcia Rizutto, coordenadora do Núcleo de Apoio à Pesquisa de Física Aplicada ao Estudo do Patrimônio Artístico e Histórico (NAP-FAEPAH), do Instituto de Física (IF) da USP, acredita que a física possui metodologias capazes de elucidar o mistério. “As técnicas de análise permitem levantar parâmetros que podem auxiliar na identificação da autoria da obra”, conta a pesquisadora. “Conseguimos identificar os pigmentos usados e os traços típicos do artista”. Trabalhando junto a historiadores de arte, essas informações podem ser comparadas a outras obras já reconhecidas.

ginalmente mostravam pinturas completamente diferentes (veja o quadro abaixo). No laboratório móvel, há também dois sistemas de fluorescência de raio X. Os tubos de raio X excitam os átomos presentes nos pigmentos em um ponto específico da tela, e, em resposta, eles emitem espectros de radiação que diferem de acordo com o elemento químico presente. Assim, é possível diferenciar, por exemplo, um pigmento vermelho de mercúrio de um pigmento vermelho de ferro. Na etapa seguinte, outro equipamento, de emissão de luz monocromática, mostra como esses elementos estão compostos: o vermelho de ferro é um óxido (Fe2O3) enquanto o vermelho de mercúrio é um sulfeto (HgS). Portabilidade ou precisão A professora esclarece que, se tratando de obras de arte, é preciso optar entre a precisão máxima, permitida pela coleta de amostras e pelo uso de equipamentos

tradicionais; e a portabilidade e não-interferência na obra, que implica em análises um pouco menos precisas, mas suficientes para responder às questões propostas pelos museus. “Com a amostragem, você tem uma precisão perfeita, mas não poderia mapear tantos pontos. Se restar alguma dúvida, posso retirar uma microamostra”, conta. Márcia Rizutto conta que a formação do projeto levou uma década. Ela chegou à USP em 2001, para trabalhar com física aplicada e, em 2005, surgiram os primeiros estudos com bens culturais, em parceria com o MAE. O NAP-FAEPAH só foi fundado em 2011. “Dez anos para mostrar as potencialidades da interface com outras áreas. É um processo lento, mas o NAP foi consolidado e o grupo está atuando, apesar da crise em que estamos”. por Ana Carolina Leonardi

O NAP-FAEPAH desenvolve trabalhos em parceria com a Pinacoteca do Estado de São Paulo. A análise da obra ao lado, Hora da música, de Oscar Pereira da Silva, revela o processo criativo do artista: a reflectografia de infravermelho mostra, por exemplo, que ele quadriculava a tela antes de começar a desenhar. Mais que isso, a ampliação em infravermelho da imagem revela uma obra oculta do pintor, em uma camada subjacente da tela. Por trás da saia da personagem que toca piano, é possível notar um elemento invisível na primeira imagem, fotografada com luz visível. Virada horizontalmente, ela exibe um outro estudo do pintor, com pessoas sentadas em uma fileira de bancos, como em uma estação de trem ou igreja. Esse tipo de situação, na qual uma tela é reaproveitada pelo artista para criar uma nova obra, é chamada de pentimento, palavra italiana para arrependimento.

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ESPORTES

USP é sede de torneio nacional de remo TAUÃ MIRANDA

Botafogo se destaca e sai como grande vencedor. No domingo, atleta Bianca Miarka foi espancada em tentiva de assalto

Gabriela Salles e Camila Serrão comemoram o ouro conquistado no domingo O Campeonato Brasileiro de Remo, que reúne os principais clubes nacionais do modalidade, foi realizado neste último final de semana (27 e 28) na Raia Olímpica da USP. O Botafogo conquistou o título do Campeonato Brasileiro Sênior pelo segundo ano consecutivo, após vencer oito das 20 provas disputadas. Além da categoria Sênior, houve também o Para-Remo, que foi liderado pelo Esporte Clube Pinheiros. O campeonato contou com clubes, associações e federações de nove estados e Brasília, como os tradicionais Flamengo, Corinthians, União, Saldanha da Gama e Esporte Clube Pinheiros. Foram mais de 200 embarcações competindo em 20 provas olímpicas, sendo 13 masculinas e sete femininas, além de quatro paralímpicas, sendo duas masculinas, uma feminina e uma mista. O evento acontece uma semana após encontrarem, na Raia, o corpo de um estudante desaparecido após uma festa no campus (ver matéria completa na página 9), e serve também para desestigmatizar sua imagem. Uma das preocupações do professor José Carlos Simon Farah, responsável do Cepeusp pelo Remo, era que os alunos e atletas deixassem de utilizá-la.

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A raia da USP é o principal polo da modalidade no estado e concentra competições importantes, além de servir de local de treinamento para clubes de São Paulo, como o Esporte Clube Pinheiros. Acostumada a competir nos melhores lugares ao redor do mundo, Fabiana Beltrame, campeã mundial em 2011 e referência nacional do remo, elogia a raia uspiana. “É uma raia dura, mas é boa porque não venta muito e, quando venta, não levanta marola. Tem marcação em todas as raias, diferentemente das do Rio. Eu gosto de competir aqui”. Polêmica Antes das eliminatórias, ocorridas na quinta e na sexta (25 e 26), a suspensão de três provas femininas gerou polêmica entre os atletas. O Botafogo retirou sua inscrição das categorias Double Skiff Peso-Leve e Aberto e a Oito Com e inviabilizou sua realização, já que sobraram apenas dois barcos em todas, do mínimo de três necessários. De acordo com o vice-presidente e diretor técnico da Confederação Brasileira de Remo, Marcelus Silva, a ação é comum no esporte como forma de estratégia. “A prova só é realizada com o mínimo de três inscrições.

O Botafogo viu que tinham apenas três barcos (na categoria Double Skiff peso leve feminino), e como era uma prova praticamente perdida, retirou sua inscrição para que não valesse pontos. Os clubes visam o resultado final e existe a rivalidade. Isso é até comum, é uma disputa acirrada e acredito que houve alarde demais”, explicou Silva em entrevista ao site do Globo Esporte. Fabiana Beltrame, que estava inscrita pelo Flamengo nas duas provas Skiff Peso-leve, publicou em sua página oficial que sentia vergonha da atitude tomada pelo clube rival. “Viemos para o Campeonato Brasileiro, com inscrições em todas as provas e, quando chegamos aqui, pessoas que não se importam com o esporte, mas só querem ganhar a qualquer custo, retiraram inscrições de provas que não tinham vitória garantida. Enquanto nosso esporte estiver nas mãos dessas pessoas, ele nunca terá um resultado expressivo. Estou muito triste, frustrada, desiludida”, desabafou. Já as remadoras paulistas que disputariam a categoria Oito Com, redigiram uma carta em protesto ao cancelamento para a Confederação Brasileira de Remo. Elas classificaram a atitude como “cartolagem”. “As regras da competição não deveriam permitir que o interesse dos clubes em ganhar o campeonato prejudique as equipes que se prepararam para as provas e querem participar independentemente do resultado”. Dificuldades Para Fabiana Beltrame, a modalidade ainda é pouco difundida no país. “Falta planejamento a longo prazo e renovação. Tem pouca gente remando, poucas competições. Temos atletas nos clubes, mas não treinando pra seleção. Precisamos de mais remadores”. A atleta salientou que é preciso massificar o remo através de sua difusão nas escolas e na procura e

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no investimento em novos talentos do esporte. O presidente da Federação Paulista de Remo, Tiago Garcia Clemente, elencou outra dificuldade da modalidade, mas em menor esfera: a baixa procura dentro da Universidade. Dos alunos que praticam a modalidade na raia da USP, apenas uma participou da eliminatórias. Apesar disso, segundo Clemente, boa parte dos remadores de clubes paulistas eram alunos da USP e frequentavam a raia. Por isso, o presidente considera a universidade fundamental para a difusão desse esporte e critica a baixa presença dos alunos. “Poderia ter um trabalho mais forte dentro das faculdades. Os alunos poderiam utilizar muito mais a Raia, mas eles não a procuram. O Cepeusp [Centro de Práticas Esportivas] oferece diversos equipamentos e barcos bons, além do barco-escola. Tá tudo preparado para o aluno, falta ele vir”. Violência Na manhã do domingo, Bianca Miarka, do Botafogo, foi espancada após sofrer uma tentativa de assalto quando chegava à Universidade. Ela foi abordada por duas pessoas numa moto, uma delas com uma arma. Ex-judoca, Bianca lutou com os ladrões e conseguiu pegar a arma, mas foi espancada e teve ferimentos no braço e na cabeça. A remadora, que não conseguiu disputar sua prova, questionou a falta de segurança no campus. Bianca concluiu este ano sua pesquisa de doutorado na Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. As informações são da “Folha de S. Paulo”. por Thaís Matos

VENCEDORES Veja quem levou as medalhas de ouro em cada categoria no site: http://goo.gl/X4FeBC


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