Edição 533 (Abril/2023)

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Passar na USP... e não entrar

Entenda os motivos de estudantes aprovados dizerem “não” à melhor universidade da América Latina p.8 e 9

DIVERSIDADE

Na ECA, carreiras ilustres são todas brancas

Evento tradicional da Semana de Recepção recebe críticas pela ausência de negros p.7

EM PAUTA

UNIVERSIDADE

Critérios pouco claros marcam novo auxílio permanência

Apesar de reajustes nas bolsas, estudantes reclamam de demora para acessar benefícios p. 10

PERFIL

50 anos do assassinato de Alexandre Vannucchi

Morto pela ditadura, sua história ainda é símbolo de resistência estudantil p.5

Policial com fuzil no campus evidencia as dificuldades da Universidade para resolver seus próprios conflitos

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JORNAL DO
WWW.JORNALDOCAMPUS.USP.BR instagram @JORNALDOCAMPUS facebook.com /JORNALDOCAMPUS twitter @JORNALDOCAMPUS ANO 41 – Nº 533 SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 Produzido por alunos de Jornalismo da ECA-USP
CAMPUS
FERNANDO CARDOSO [ FOTO ]

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JORNAL DO

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N. 627 – TIRAGEM: 5 MIL ExeMplares

CONSELHO DE LEITORES

Um convite para você, leitor(a) do Jornal do Campus

THAÍS BRIANEZI – DOCENTE DA LICENCIATURA EM EDUCOMUNICAÇÃO DA ECA/USP

EDITORIAL

Ser e estar na USP

HUMOR

Em uma rápida pesquisa na internet, você encontrará os respectivos significados para as palavras “ser” e “estar”: possuir identidade, particularidade ou capacidade inerente; possuir ou expressar certo estado temporário. Dada essa breve explicação, muito mais do que despertar a sua atenção com o jogo de palavras, a expressão ser e estar uspiano tem por objetivo apontar uma contradição ainda presente: nem todos os uspianos se sentem pertencentes à universidade e nem todas as pessoas têm condições de se tornarem uspianas. Por isso, os "cadeados" que fecham os portões da Universidade de São Paulo (USP) são apresentados na imagem de capa.

E é justamente a partir desses desafios que pensamos a 533ª edição do Jornal do Campus (JC) com reportagens relacionadas ao acesso, à diversidade, à permanência e à vivência de acontecimentos marcantes no campus. Isso porque esses assuntos fazem parte da vida de todos aqueles e aquelas que compõem a maior e melhor universidade pública do Brasil.

Ao folhear cada página deste exemplar, você encontrará reportagens pensadas cuidadosamente por toda equipe de editores e repórteres do JC, baseadas nesses quatro tópicos. Contudo, adiantamos que não temos a pretensão de noticiar somente o novo, pois, apesar dos avanços, problemas estruturais persistem na USP e precisam ser noticiados.

A multiplicidade de trajetórias se impõe. Afinal, mesmo que 50% das vagas nos cursos de graduação sejam reservadas a estudantes oriundos de escola pública, a manutenção desse grupo na universidade é ameaçada pela fragilidade das políticas de permanência estudantil. Além disso, ainda que a implantação das cotas étnico-raciais tenham sido um avanço, a ausência de ex-uspianos negros e ilustres na semana de recepção da Escola de Comunicações e Artes (ECA) aponta o racismo estrutural dentro da USP. Esses são apenas dois exemplos que versam sobre diversidade e pertencimento, e que podem ser conferidos nas páginas a seguir.

Não falta, também, o noticiário dos fatos mais relevantes dos campi, como o relato da ação desmedida de um policial civil portando um fuzil na Cidade Universitária, uma reportagem que aborda a relação entre tabagismo e estresse na juventude, além de produções na área de Cultura: uma sobre os 60 anos do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC) e a outra a respeito da programação de início de ano no Cinusp, "Para Gostar de Cinema".

Boa leitura!

No número anterior do Jornal do Campus, o editorial intitulado “Por que imprimimos?” conversava com os leitores(as): “Se a nós, jornalistas, cabe a responsabildiade de reinserir o JC como base da comunidade uspiana, do lado de vocês está a tarefa de nos lembrar, constantemente, do nosso compromisso com a coletividade”. Queremos agora aprofundar esse diálogo e fazer um convite: venha participar do Conselho de Leitores(as) do JC, instância que está sendo criada como parte das comemorações dos 40 anos deste importante jornal laboratório, para contribuir com seu aprimoramento contínuo.

Os valores que norteiam o JC desde sua fundação, em 1983, são a defesa da democracia, do ensino público de qualidade e do patrimônio físico e intelectual da Universidade de São Paulo. Eles estiverem presentes quando fiz parte dos(as) estudantes de Jornalismo que produzia o JC, em 2000, experiência que contribuiu de maneira decisiva para minha formação profissional e cidadã. Entender a notícia como acontecimento relevante para o debate público, para avançarmos na busca por solução para os problemas coletivos, é o que me fez propor aos(às) estudantes da Licenciatura em Educomunicação que a disciplina Atividades Teórico-Práticas de Aprofundamento III (ATPA III) neste semestre tivesse como foco a interface entre educomunicação e a prática jornalística. É preciso valorizar o jornalismo como espaço do relato confiável, baseado em fatos. Na educomunicação, a produção colaborativa e a leitura crítica das mídias caminham juntas, se retroalimentando em um processo dialógico. Por isso é tão significativo instituir um Conselho de Leitores(as) para o JC, de modo que representantes das diversas instâncias e grupos da Cidade Universitária e seu entorno possam interagir com os(as) jornalistas em formação, ao avaliar os conteúdos publicados e sugerir pautas e abordagens. Nossa inspiração é a experiência histórica conduzida por Washington Novaes em 1982 e 1983, quando foi diretor de redação do “Diário da Manhã”. O Conselho de Leitores do jornal goiano tinha 50 representantes de diversos segmentos atuantes no município, como partidos políticos, sindicatos de trabalhadores, sindicatos patronais, associações e igrejas. Ele contribuiu para o desenvolvimento de uma forma de fazer jornalismo radicalmente democrática, fundamentada no espírito público e baseada em amplo diálogo popular, que repercutiu inclusive nas vendas: O Diário da Manhã se tornou o mais lido de Goiás.

A turma matriculada em ATPA III, da Licenciatura em Educomunicação, ainda está planejando a composição e a dinâmica do Conselho de Leitores(as) do JC. Mas já temos as datas das duas reuniões públicas deste semestre: 16 de junho e 7 de julho, ambas sextas-feiras, à noite. Na próxima edição, traremos novidades sobre como participar dessa iniciativa. E se, desde já, você também quiser contribuir com o desenho dela, é só escrever para tbrianezi@usp.br.

Universidade de São Paulo – Reitor: Carlos Gilberto Carlotti Junior. Vice-Reitora: Maria Arminda do Nascimento Arruda. Escola de Comunicações e Artes – Diretora: Brasilina Passarelli. Vice-Diretor: Eduardo Monteiro. Departamento de Jornalismo e Editoração – Chefe: Luciano Guimarães. Chefe Suplente: Wagner Souza e Silva. Jornal do Campus – Professores responsáveis: Rodrigo Ratier, Ricardo Alexino Ferreira, Luciano Guimarães e Wagner Souza e Silva. Redação – Secretária de Redação: Damaris Lopes. Editoria de Arte – Editora: Adrielly Kilryann. Arte: Adrielly Kilryann. Gabriela Lima, Gabriele Koga e Rian Damasceno. Editoria de Fotografia – Editor: Rian Damasceno. Fotógrafos: Adrielly Kilryann, Beatriz Ferreira, Dani Alvarenga, Fernanda Real, Fernando Cardoso. Editoria Online e Redes Sociais – Editora: Ana Paula Medeiros. Opinião/Diálogos – Editora: Damaris Lopes. Repórteres: Gabriele Koga e Mateus Cerqueira. Perfil – Editora: Damaris Lopes. Repórteres: Pedro Fagundes e Rafael Canetti. Universidade – Editora: Ana Paula Medeiros. Repórteres: Breno Queiroz, Diogo Leite, Guilherme Bento e Mavi Faria. Diversidade – Editor: Rian Damasceno. Repórteres: Letícia Naome e Guilherme Castro. Em Pauta – Editora: Gabriele Koga.

Repórteres: Dani Alvarenga, Fernanda Real e Mateus Cerqueira. Cultura – Editor: Guilherme Castro. Repórteres:

DIÁLOGOS 2
SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS
CAMPUS
L DAMARIS LOPES [ EDITORA ]
bxaro
Fernando Cardoso e Gabriela Lima. Esporte – Editora: Mavi Faria. Repórteres: Erick Lins e Leonardo Vieira. Ciência – Editor: Pedro Fagundes. Repórteres: Beatriz Ferreira, Diogo Leite, João Dall’ara e Murillo César Alves. Endereço: Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 433, prédio 2, sala 19, Cidade Universitária, São Paulo, SP, CEP 05508-020. Telefone: (11) 3091-4211. Impressão: Grafinorte. O Jornal do Campus é produzido pelos alunos do 5° semestre do curso de Jornalismo Noturno, como parte das disciplinas Laboratório de Jornalismo: Jornal do Campus e Laboratório de Fotojornalismo. REDAÇÃO 1: REPRODUÇÃO/TWITTER [ FOTO ]
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Paródia a partir da imagem real do restaurante universitário da USP Ribeirão Preto

Fuzil no campus e a dificuldade da USP resolver seus conflitos

Alunos protestam contra a presença de policial no campus Butantã

O episódio viralizou. Quem ia em direção ao bandejão da USP por volta das 13 horas do dia 22 de março presenciou uma cena preocupante: um homem – depois identificado como policial civil –portava um fuzil e andava pelos arredores da moradia estudantil, próximo ao refeitório central da universidade. Ele estava acompanhado por um guarda da USP e uma delegada. Os três procuravam uma aluna para entregar uma intimação acerca de um possível crime de racismo.

Pedindo para não ser identificada, a jovem afirmou, em entrevista ao JC, que foi informada por colegas sobre um policial armado perguntando por ela. “Eu os presenciei abordando uma estudante preta, com o fuzil apontado para ela. O cara apontou o fuzil para ela e perguntou se ela era eu”. Com medo, entrou em contato com a professora Adriana Alves, do Instituto de Geociências (IGc), que já a acompanhava em questões relacionadas aos auxílios na universidade.

Ao avistar o policial com o fuzil e vestido com uma camiseta dos Justiceiros – filme da Marvel que aborda a vingança realizada com as próprias mãos –, a professora pegou o celular e gravou a abordagem. O oficial, ao vê-la filmando, soltou a arma e afirmou estar ali apenas para entregar a intimação. A aluna questionou se o processo é sempre feito daquela forma e recebe a resposta de que ele não poderia deixar o armamento no veículo.

A estudante conta que esse é mais um capítulo de uma perseguição política que vive dentro da universidade. Ela declara que,

por entrar em disputas com outros moradores e com a gestão do Conjunto Residencial da USP (Crusp), passou a vivenciar “cenas de repressão”, em especial com a Guarda Universitária.

De acordo com o relato de um porta-voz, que pediu para não ser identificado, da Associação de Moradores do Crusp (Amor-Crusp) foram as discussões dentro do local que fizeram com que ela passasse a enfrentar uma investigação, que culminou na entrega da intimação no dia 22. Durante um bate-boca, a aluna, que também é negra, afirmou que outro morador imigrante agia como “capitão do mato”.

Após o conflito, uma pichação apareceu nas paredes do bloco G, com os dizeres “Volta pra África”. A jovem diz não ser responsável pela frase racista e afirma ainda que outros colegas também passaram a ser perseguidos pela guarda e policiais dentro da instituição.

A associação de moradores do Crusp defende que o processo de racismo não justifica a violência vivenciada na abordagem policial. “A gente defende que a investigação continue, mas, ao mesmo tempo, a gente não concorda com essa abordagem violenta. O policial justifica no vídeo que eles fizeram outras diligências durante o dia, por isso estavam armados daquele jeito, mas a gente acha bem desproporcional e sem necessidade”, afirmou o porta-voz.

A relação conturbada dos estudantes com as forças de segurança não é nova. Alunos relatam abordagens mais agressivas desde que a universidade passou a ter parceria com a Polícia Militar.

Em 2022, em meio aos protestos pela falta de água no Crusp, moradores também pediram a saída da PM do campus, que possui uma base na universidade desde 2020. De acordo com os manifestantes, eles já haviam vivido situações de ameaças por parte dos agentes.

Telma Vinha, especialista em resolução de conflitos e professora da Unicamp, explica que a presença da polícia em ambiente estudantil pode ser contraproducente, trazendo uma militarização que não condiz com o espaço de aprendizado. “Por que um conflito entre estudantes e mesmo dentro da Universidade tem que ser resolvido com a polícia como primeira alternativa? Quando você entra com uma polícia dentro da Universidade, você está tentando resolver um conflito de uma maneira violenta. A abordagem violenta intimida, mas não transforma concepções”, aponta.

Telma também ressalta que é necessário combater casos de violência. De acordo com a profissional, as universidades precisam de ferramentas que resolvam o conflito imediato e a longo prazo, com atividades preventivas.

“Você planeja tanta coisa na universidade, você tem que planejar uma cultura em que o diálogo é valor, uma cultura de aprendizagem, de resolução não-violenta.

Tem um espaço de diversidade, um espaço de uma riqueza enorme de convivência na universidade, só que isso tem que entrar a seu favor”, justifica a especialista.

Em resposta ao ocorrido, a Divisão de Promoção Social e Esporte da Pró-Reitoria de Pertencimento e Inclusão (PRIP) publicou uma nota enfatizando que “a Universidade NÃO REQUEREU

NEM CONCORDA [maiúsculas no original] com ações dessa natureza, da forma como foi realizada”. Informou ainda que profissionais estão averiguando o caso para que não ocorra novamente.

O JC entrou em contato com a Guarda Universitária, mas não obteve resposta até o fechamento da edição. Policial caminha pelo Crusp segurando um fuzil

3 JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 EM PAUTA L
[ EDITORA ]
GABRIELE KOGA
DANI ALVARENGA [ REPORTAGEM ]
Ação armada para entrega de intimação recebeu críticas até da PRIP; especialista vê “militarização”
1 2 1: FERNANDA REAL/JC [ FOTO ] 2: REPRODUÇÃO/TWITTER [ FOTO ] L INSEGURANÇA

L EDUCAÇÃO

Existe etarismo na USP?

FERNANDA REAL E MATEUS CERQUEIRA [ REPORTAGEM ]

Exclusão dos círculos sociais, distanciamento em sala de aula e posturas hostis por parte de uspianos mais novos. Estas foram algumas das dificuldades enfrentadas pela estudante Ana Caperuto, 65, na época em que cursava Oceanografia, e na atual graduação em Letras. “Na Oceanografia eu senti uma certa rejeição de primeiro momento por conta da minha idade, mas que foi mudando conforme o tempo”, relata. “Na FFLCH [Filosofia, Letras e Ciências Humanas], nesses dois anos de curso, nos dois primeiros semestres, eu senti uma certa exclusão por parte dos colegas”.

A estudante também revela que alguns dos professores do Instituto Oceanográfico da USP tinham um tratamento diferenciado com ela por conta de sua idade. “Percebi que alguns professores me tratavam como se eu fosse um caso dispensável, ou uma aposentada matando o tempo ali”, aponta.

Esse conjunto de atitudes tem nome: etarismo, termo que o dicionário define como “preconceito contra pessoas por causa de sua idade”. O caso da Ana pode parecer isolado, mas práticas etaristas, como estereótipos, discriminações e preconceitos estão presentes no campus Butantã. Durante a apuração, alunos de graduação testemunharam

já terem observado atitudes preconceituosas por colegas contra estudantes mais velhos.

Apesar disso, os estudantes com mais de 40 anos ouvidos pelo JC contam que a universidade continua sendo um espaço construtivo para suas vidas. “Eu me redescobri depois dos 60 na USP”, diz Ana.

DOS 40 AOS 71 Para Geovane Rodrigues, 42, bancário, foi na USP que descobriu o curso dos seus sonhos após ter desistido de um tecnólogo em saúde pela Unifesp e duas graduações. “Foi aqui que me encontrei e pude ver o que realmente queria. Hoje, faço Oceanografia e termino ainda este ano”.

Quanto às suas relações em sala de aula, ele afirma que não sentiu tanta diferença no tratamento dos colegas, mas que já foi alvo de piadas por conta da sua idade no início do curso. “Não levei tão a sério, pois foi na esportiva. No geral, não tinha muita barreira entre a gente”.

Geovane também aponta que, ao iniciar a graduação, observou uma grade pouco adaptada para pessoas de sua faixa etária. “Se formos pensar no etarismo na graduação, ele começa aí: cursos pensados para pessoas mais novas e restritos para aqueles que têm outras ocupações, como é o caso dos cursos em período integral”.

A percepção de Geovane pode ser fruto do baixo número de ingressantes nos cursos de gradua-

ção com idade igual ou superior a 40 anos. Segundo a Pró-Reitoria de Graduação (PRG), dos 11.147 alunos ingressantes de 2021, 230, ou 2,06%, tinham essa faixa etária, com o ingressante mais velho com 69 anos. Já em 2022, dos 10.992 ingressantes, 284, ou 2,58%, tinham 40 anos ou mais, com o ingressante mais velho com 71 anos.

CULTO À JUVENTUDE O etarismo mais frequente é aquele que ocorre às pessoas mais velhas, o que, para Esny Soares, pesquisador do Instituto de Psicologia da USP, é um desdobramento do “culto à juventude”, injustificado em um país com uma população que se torna cada vez mais longeva como no Brasil.

O perfil da população brasileira não é mais o mesmo de 20 anos atrás, e a pirâmide etária já não ilustra uma base com muitas crianças e jovens. Por isso, a sociedade ainda reproduz um comportamento agressivo em universidades e centros acadêmicos.

O caso de etarismo na faculdade privada em Bauru, no interior de São Paulo, é um exemplo disso. Em março, três estudantes de Biomedicina da Unisagrado debocharam de Patrícia Linhares, uma colega de classe, pelo fato dela ter “40 anos”.

“Quando um idoso chega na universidade, é comum que ele se sinta estranho. Há uma ideia na cabeça deles de que serão rechaçados. E não é incomum que

os jovens também entendam que aquele não é um ambiente do idoso”, conta Esny. A mudança desse tipo de comportamento, para ele, irá ocorrer somente com a quebra do culto à juventude. A partir daí, o jovem pode não se amedrontar com o envelhecimento e o idoso pode se sentir bem-vindo no espaço acadêmico.

A entrada nos cursos de graduação é marcante em qualquer faixa etária e pode ser uma experiência positiva para os mais velhos, pois torna a vida mais ativa, aumenta o ciclo de interações sociais e, em alguns casos, retarda doenças degenerativas. Juvenal Pereira, agora com 77 anos, experimentou isso aos 64, ao iniciar o curso de antropologia da FFLCH. “Fui um excelente aluno. Não faltei e não ‘bombei’”. E mesmo que tenha se sentido deslocado de início, os anos como aluno na USP renderam a Juvenal participações em atividades extracurriculares, como performances artísticas e bancas de doutorado.

Sua experiência ilustra uma universidade mais acolhedora e que gerou benefícios profissionais e sociais. “Durante esses seis anos que estive por lá, sempre fui valorizado por ser um cara de experiência”, completa Juvenal.

Confira os relatos desses e de outros estudantes no Spotify.

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS EM PAUTA 4 L GABRIELE KOGA [ EDITORA ]
A partir dos relatos de uspianos com mais de 40 anos na graduação, o JC apurou casos de preconceitos contra estudantes mais velhos
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REAL/JC [
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FERNANDA
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Estudantes de Turismo Celia Fonseca e Lucia Cerqueira em sala de aula
Eu me redescobri depois dos 60 na graduação da USP
Ana Caperuto, 65 ”

50 anos sem Alexandre Vannucchi: a luta pela verdade e democracia

Assassinado pela ditadura, a memória do líder estudantil da USP ressoa até hoje

Assassinado. Alexandre Vannucchi Leme teve sua vida tirada pelo Estado – e não por Deus. Assim se manifestou o arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, perante uma Catedral da Sé tomada por mais de 3 mil estudantes. Não foi atropelado. Não se suicidou. Não fugiu. Não era indigente. O garoto de Sorocaba, cidade de São Paulo, de 22 anos, estudante do curso de Geologia da Universidade de São Paulo (USP), foi capturado, torturado, morto e sepultado pelo DOI-Codi.

Em 23 de março de 1973, após um dia e meio de tortura, Vannucchi foi encontrado morto no x-zero – cela forte, totalmente escura, onde ele ficava detido nos intervalos do suplício. A falácia, portanto, começa no registro da data. Não foi preso,

tampouco assassinado no dia indicado. Tratava-se do 17 de março, sábado, quando Vannucchi padeceu no cárcere e deu início à série de mentiras patrocinadas pelo exército.

O professor de jornalismo da Cásper Líbero e primo de segundo grau de Alexandre, Camilo Vannuchi, conta como, em um primeiro momento, os policiais divulgaram aos presos políticos a versão do estudante ter se matado com uma lâmina de barbear. Durou poucos dias. Em 23 de março, data “oficial” da morte, os órgãos de segurança veicularam o óbito como decorrência de um atropelamento. Supostamente, Vannucchi teria corrido da polícia e, na fuga, batido de frente com um caminhão.

Diante do anúncio, José de Oliveira Leme dirigiu-se ao Instituto Médico Legal de São Paulo para verificar o cadáver do seu

Homenagem a Vannucchi no corredor do DCE filho. Como resultado, o ultraje. Vannucchi havia sido sepultado como indigente, sem caixão, em cova rasa, forrada de cal virgem para acelerar a decomposição do corpo e apagar a história. Em resposta, 30 centros acadêmicos de São Paulo e Rio de Janeiro propuseram celebrar uma missa de sétimo dia. O natural seria realizá-la em 30 de março. Porém, parte dos diretórios, em tom provocativo, insistiu no dia 31 — aniversário do Golpe.

Para o diretor da Oboré e, à época, militante do Centro Acadêmico Lupe Cotrim (Calc), Sérgio Gomes, a mudança era uma cilada. Além disso, ninguém acreditava ser possível contar com a presença do arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. “Taxavam-no como um direitista latifundiário. Porém, bastou uma carta e o padre mostrou-se aberto.” Assim, a celebração foi realizada no dia 30 de março, na Catedral da Sé, ministrada pelo próprio Dom Paulo e contou com a presença de mais de 3 mil estudantes.

A liturgia foi um ato pacífico e inaugurou um mártir. Até aquele instante, conta Sérgio, a luta política era algo restrito aos heróis, dispostos a morrer em combate. Com a morte de Vannucchi, ficou provado como sujeitos comuns poderiam, juntos, realizar grandes atos. “Alexandre marcou a história, não pela vida e individualidade, mas por sua morte não ter ficado em vão.

Os 3 mil na Catedral jogaram luz a Vannucchi, uma luz acesa até os dias de hoje”.

Manchete do Jornal da Tarde divulga versão adulterada da morte de Vannucchi

Familiares presos, um contato com a Aliança Libertadora Nacional (ALN), experiência no centro acadêmico e críticas à construção da Transamazônica fizeram parte do processo de conscientização política de Alexandre – o “minhoca” para seus colegas. Sempre participativo

nos eventos da faculdade, ele morreu como alguém que não era: clandestino.

Após a sua morte, em 1976, o DCE (Diretório Central dos Estudantes) da USP foi reorganizado e renomeado, com a adição do termo ‘livre’ e o nome de Alexandre Vannucchi. Um espaço de resistência, que se propunha a denunciar o horror da ditadura. A vereadora Luna Zarattini (PT) sintetiza a importância de se preservar essa luta na memória: “A lembrança é um dispositivo de construção do futuro. Recordar da ditadura é fundamental para não repetirmos a história”.

Ulisses Vakirtzis, diretor da EMEF Alexandre Vannuchi, acrescenta outro aspecto da memória de Vannuchi: “Procuramos utilizar a imagem dele como patrono da escola. Visamos desmistificar as mentiras propagadas pelo governo na época da ditadura. Tratamos do quão relevante é a luta social. Exaltamos a sua característica estudiosa, como um aluno exemplar”.

Frente ao atual cenário político, Gomes aponta uma crítica à mobilização estudantil: “Os gregos diziam que é do espanto que vem a curiosidade, e da curiosidade o conhecimento; falta espanto e perplexidade com a atual conjuntura — pandêmica, política e social — por parte dos movimentos estudantis”. A gestão atual do DCE, por outro lado, tem uma concepção diferente. Embora a luta contemporânea seja desafiadora, na visão do Daniel Lustosa, da chapa ‘É tudo pra Ontem’, há conquistas, como as bolsas e os auxílios de permanência. “A categoria dos estudantes na USP tem uma organização enraizada com centros acadêmicos. A tendência é mantermos essa boa relação com as entidades de base, pois apenas o DCE não é suficiente para suprir toda a necessidade”.

5 JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 PERFIL L BRENO QUEIROZ [ EDITOR ] L MEMÓRIA
PEDRO FAGUNDES E RAFAEL CANETTI [REPORTAGEM ]
como símbolo de resistência, do DCE à escola pública
1 2 1 ADRIELLY KILRYANN /JC [ FOTO ] 2 COMISSÃO DA VERDADE [ REPRODUÇÃO ]

Luar, do povo originário Sateré-Mawé, se interessou em fazer mestrado na USP em Psicologia Experimental

L POVOS ORIGINÁRIOS

Eles representam apenas 0,13% dos alunos da Universidade, mas aportam outra visão de mundo. Conheça a trajetória de dois estudantes

Indígenas na USP: “a academia não pode seguir ilhada”

“Entendo que a participação de indígenas na universidade é de extrema importância, sobretudo na produção do conhecimento, pois coopera para a desconstrução de estereótipos que deram margem para a existência do racismo científico e outras formas simplórias de compreensão da diversidade humana.”

O autor da frase se apresenta como Luar, mestrando em Psicologia Experimental no Instituto de Psicologia (IP) da USP e integrante do povo Sateré-Mawé, no Amazonas. “’Sateré’ significa lagarta de fogo e ‘Mawé’, papagaio falante, curioso e inteligente”, explica. O pesquisador é formado em Direito e tem especialização em Direitos Ambientais, Indígenas e Humanos.

Luar é a exceção das exceções. Na USP, o número de estudantes autodeclarados indígenas é extremamente pequeno se comparado ao total de alunos de graduação, pós-graduação e doutorado. O Anuário Estatístico da USP de 2021 aponta que de 106.320 alunos, apenas 137 são autodeclarados indígenas, o equivalente a somente 0,13%. Além disso, do total, 53.904 se declararam brancos, aproximadamente 51%.

Ele conta que a motivação para estudar na Universidade nasceu a partir de um convite do professor indígena Danilo Guimarães, do IP-USP, quando fazia uma formação na Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Então, acabou se “interessando em pesquisar sobre saúde mental no contexto indígena”.

Sobre a formação, Luar acredita que qualquer área de estudo traz seus próprios desafios, é transformadora e promove novas oportunidades de “registrar perspectivas de uma alteridade, que subsiste historicamente ao longo das diferentes formas políticas de dominação”. Como no caso dos povos indígenas que, ao longo da história, foram “vistos apenas pelos estereótipos impostos pelos diferentes processos de dominação”, complementa.

No IP-USP, Luar explica que foi criado um espaço cultural voltado à pessoa indígena, de modo a fugir daquilo construído pelo homem branco no atendimento psicológico, como os prédios e consultórios. “Se estamos afirmando a existência de uma psicologia indígena, não podemos fazê-lo como sempre foi feito, ou seja, o branco ou não indígena dizendo como o indígena pensa.”

Outra aluna do IP-USP, a doutoranda Julieta Paredes Carvajal, que pertence ao povo originário Aymara, da Bolívia, destaca o porquê de ser fundamental estudar para os indígenas. Como Luar, ela busca trazer diferentes perspectivas de mundo e cultura, quebrar estereótipos e ocupar um espaço acadêmico ainda dominado por brancos.

Ela explica que os documentos que retratavam os territórios indígenas eram escritos no idioma colonizador – em espanhol, no caso de Julieta e, português, no Brasil. “Era imprescindível para nossos povos que nós aprendêssemos a ler e escrever no idioma do coloniza-

Doutoranda do IP-USP e pertencente ao povo Aymara, Julieta estuda Políticas Públicas de Gênero

dor para entender o que estava acontecendo com nossos territórios e com nossas vidas.”

Julieta conheceu a USP também por meio do professor Danillo Guimarães. Em entrevista ao Jornal do Campus , contou que tinha um projeto de pesquisa e Guimarães a convidou para fazer o doutorado na universidade. Após apresentar o projeto à banca de avaliação, foi aprovada para fazer o doutorado no IP-USP e continuou os estudos que já havia começado com o mestrado, na área de Políticas Públicas de Gênero.

Para Julieta, a academia no geral, não somente a USP, exclui os povos originários. “O território da Bolívia também é assim. As academias, as universidades,

são excludentes”, explica. “O acesso ao conhecimento não é para quem está por fora de uma burguesia branca, composta por homens, principalmente.”

Apesar disso, a pesquisadora acredita que a universidade tem papel fundamental para “aportar as mudanças que os povos e a sociedade precisam”. “A academia não pode seguir ilhada, isolada dos processos políticos revolucionários”, afirma, ressaltando que a Lei de Cotas é um avanço, mas que deve vir apoiada por políticas de investimento para promover a educação indígena. “A força de nossa espiritualidade e sabedoria vão dialogar, aportar e acrescentar à sabedoria desse lugar que se chama academia.”

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS DIVERSIDADE 6 L RIAN DAMASCENO [ EDITOR ]
1, 2 : ADRIELLY KILRYANN/JC [ FOTOS ] 2 1

Na ECA, carreiras ilustres são todas brancas

Evento com egressos na Semana de Recepção de 2023 recebe crítica por ausência de negros. Organização fala em rever critérios

GUILHERME CASTRO [ REPORTAGEM ]

Reunidos em um palco modesto, em cadeiras confortáveis e sob a luz média dos holofotes, para não ofuscar a importância que lhes é de direito, inúmeros personagens memoráveis: cineastas, radialistas, atrizes e atores, repórteres e fotógrafos.

Todos egressos de uma mesma Casa do Saber, e com semelhanças muito palpáveis. Seria o sucesso no ramo em que escolheram atuar uma constante? Sim, mas há outra coincidência: o tom de pele.

Não, sua carreira não é ilustre. Se você for negro, é claro. Esta é a mensagem extraída do evento Ex-Ecanes Ilustres, uma das ações da Semana de Recepção da Escola de Comunicações e Artes (ECA) em 2023.

O evento anual, destinado aos novos ingressantes, apresenta as oportunidades possíveis dentro da universidade — seja na graduação, na pesquisa e extensão, em empresas juniores, intercâmbios, ou ouvindo de ex-alunos que obtiveram sucesso em suas carreiras.

As atividades deste ano começaram no dia 13 de março e se encerraram no dia 17. Ao longo dos dias, uma ação em particular chamou a atenção de parte da comunidade acadêmica: a seleção de personalidades ilustres não apresentava pessoa negra alguma.

O desfalque não passou batido e gerou questionamentos nas redes sociais da instituição. O levante mais expressivo se deu por parte do coletivo negro da ECA, a Opá Negra, que publicou uma nota contestando o déficit de

pessoas racializadas no evento. Em parte do texto o grupo indaga: “qual mensagem um evento que se propõe a ser acolhedor passa aos bixes negros? Quando eles não se veem representados, nem ao menos em um momento de boas-vindas”.

Eunice Prudente, professora da Faculdade de Direito da USP, relata que essa disparidade na representação é herança de um passado excludente da universidade, que valorizava a meritocracia na academia e não exercia a equidade necessária. Dessa forma, os quadros de egressos negros foram e continuam sendo, naturalmente, escassos.

Mas a situação vem mudando. “Com políticas afirmativas na USP, já temos resultados, que é a excelência e a participação desses alunos cotistas”. Isso significa que, embora em menor número, profissionais negros ilustres oriundos da Universidade de São Paulo existem. No caso da ECA, pode-se citar o ilustrador Marcelo D’Salete, vencedor do Prêmio Jabuti de Histórias em Quadrinhos, ou Naruna Costa, atriz conhecida por seu papel como Lila, na novela Todas as Flores, do serviço de streaming Globoplay (veja outros exemplos no quadro abaixo).

A organização do evento afirma que só recebeu três sugestões, dentre elas Clayton Nascimento — melhor ator pelo trigésimo terceiro Prêmio Shell. Nenhuma foi incorporada ao casting final.

Em nota ao Jornal do Campus, o grupo expressa que medidas já estão sendo tomadas para que nada parecido aconteça

A gente não vai ser capaz de construir uma escola que segue pensamentos decoloniais apenas com pessoas brancas.

Opá Negra

no próximo ou em outros anos.

“Além de estarmos trabalhando para oferecer uma segunda mesa mais diversa, também planejamos usar nossas redes como um espaço para ampliar outras vozes”, contam. Eles acrescentam que estão considerando maneiras de dar mais visibilidade e alcance ao processo seletivo da gestão anual, para que a diversidade comece dentro da própria organização. A escassez de pessoas negras conduzindo o evento pode explicar a curadoria de convidados pouco abrangente.

Eunice Prudente destaca que um direcionamento razoável, similar ao que acontece na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, seria a instalação de uma diretriz oficial promovida pela instituição: os eventos só se-

riam passíveis de realização caso cumprissem um percentual fixo referente à diversidade.

Celso Eduardo Lins, vice-presidente da Associação de Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), complementa que uma alternativa possível para evitar a falta de representação é a criação de uma rede de apoio entre discentes, docentes e demais profissionais da USP. Através dessa coalizão, seria mais fácil elaborar políticas públicas de e para pessoas racializadas, com profissionalismo e eficiência.

A Opá Negra tem posicionamento parecido. De acordo com a entidade, ter um espaço de acolhimento e de reconhecimento é essencial para que se prolongue a vivência dos estudantes dentro da Universidade.

7 JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 DIVERSIDADE L RIAN DAMASCENO [ EDITOR ]
Antigos alunos negros da ECA conquistaram sucesso e reconhecimento
L SEMANA DE RECEPÇÃO 2 1 : GUILHERME CASTRO/JC [ ARTE ] 2 ARQUIVOS PESSOAIS [FOTOS]
“ ”

POR QUE ALGUÉM DIZ NÃO À USP?

DIOGO LEITE E MAVI FARIA [ REPORTAGEM ]

Em 2023, a USP abriu 11.147 vagas para a graduação. Considerada pelo QS Ranking a melhor universidade da América Latina, ela atraiu mais de 190 mil inscritos em suas duas modalidades de ingresso: a Fuvest e o recém inaugurado Enem USP. Isso quer dizer que 17,6 candidatos competiram por cada vaga, o que mantém a instituição entre as mais concorridas do país.

Mas parte dos que venceram a difícil barreira do vestibular decidiram não vir. Considerando as lis-

tas de segunda e terceira chamada da Fuvest, foram 438 desistências. Frente aos números do Enem USP, esse valor é pequeno: em quatro convocações, foram 4.569 vagas dispensadas por candidatos desta modalidade, que, por não exigir prova específica, atrai vestibulandos de outras regiões.

Os números da Fuvest de 2022 mostram que os alunos que vêm de longe são os que mais abrem mão da vaga. O JC ouviu as histórias de quem tomou essa decisão. Os motivos vão desde dificuldades financeiras, violência e distância até robustos “planos B”.

1º Lugar em Medicina na USP. Todos os anos, essa frase é ostentada em seletos outdoors, propagandas e posts de redes sociais. Em 2023, quem conquistou o posto foi Maria Clara Santana Lira, 17, estudante de uma escola pública de Cajazeiras, no interior da Paraíba.

Maria Clara foi aprovada no curso da Faculdade de Medicina de Pinheiros (FMUSP), na capital, considerado ano após ano o mais concorrido da Universidade. As relações candidato/vaga do Enem USP não foram divulgadas, mas, na Fuvest, em 2023, 118 estudantes competiram por cada cadeira

da FMUSP. Hoje, mesmo após vencer essa barreira, Maria é estudante de medicina da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

“Não foi culpa da USP em si”, explica Maria Clara. Para ela, foi a confluência de dois fatores — a distância e as dificuldades financeiras — que a fez desistir da vaga. “Se eu morasse em uma cidade mais próxima, mesmo com a questão financeira, eu poderia continuar visitando minha família. Por outro lado, se a questão financeira estivesse resolvida, eu poderia morar em São Paulo e ainda assim visitá-los.”

A vinda da estudante para São Paulo dependia também da venda de um patrimônio do seu pai, o que não deu certo. Ela

conta que foi procurada pela Pró-reitoria de Graduação e pela Profª. Magda Carneiro, titular da FMUSP, que lhe informaram sobre as políticas de apoio à permanência oferecidas pela Universidade. Segundo Maria, o auxílio seria suficiente para mantê-la na cidade, mas não para que ela pudesse visitar a família. Pensou na duração total do curso – seis anos – e decidiu pela UFPB, onde também fora aprovada.

Mas o sonho não acabou: “Ainda espero ir para a USP um dia. Quem sabe uma transferência no meio do curso, uma residência?”

“Eu não pensava tanto nessa dificuldade de ir e vir para a faculdade, mas depois de ouvir tantos conselhos…”, a situação mudou para Mariles Nascimento, 18. Aprovada no Direito matutino, ela conta emotiva sobre os três dias em que sentiu uma mistura de intensa felicidade com crises de pânico.

Influenciada pela mãe a tentar Direito, optou pelo curso no Enem USP, já que sua primeira opção, Economia, não seria viável pela nota mínima exigida em Ciências da Natureza. Passou, mas as coisas mudaram rapidamente. “O processo entre querer ir e desistir durou três dias”, diz.

No grupo de WhatsApp dos calouros, Mariles se viu cercada de avisos sobre como acessar a

Sanfran (Faculdade de Direito do Largo de São Francisco), localizada no centro de São Paulo. Para chegar, os estudantes têm três opções: as estações Anhangabaú, São Bento e Sé.

As “dicas” enfatizavam a falta de segurança e, nos três dias que envolveram sua decisão, o alerta dos veteranos foi confirmado: um deles foi agredido no caminho da Sé para a Sanfran; um grupo foi perseguido e outros dois assaltados na rua da faculdade.

A vinda para São Paulo já representaria uma distância de tudo que ela considera familiar – precisamente 720 quilômetros

de Patos de Minas, sua cidade natal. Mas as preocupações que deveriam ser comuns para quem vem de fora, como onde morar e como sobreviver sem a família, foram ofuscadas pelo pânico. “Fiquei com tanto medo que meu foco passou a ser mais a ansiedade de como ir e voltar para casa do que estar na melhor Universidade da América Latina”, conta.

Apesar disso, ela não se arrepende de ter dito não à USP. “Eu fiz a melhor decisão para mim, porque a UnB sempre foi meu sonho. Estava pressionada a vir para a USP, pelo prestígio da Universidade, mas o que eu realmente queria é Economia na UnB”.

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS UNIVERSIDADE L 8 ANA PAULA MEDEIROS [ EDITORA ]
“Fiquei com tanto medo que meu foco passou a ser a ansiedade”
“Se eu morasse mais perto, mesmo com a questão financeira...”
L APROVAÇÃO E DESISTÊNCIA
Só em 2023, mais de 5 mil alunos aprovados na melhor universidade da América Latina desistiram da vaga. Dificuldades financeiras, violência e bons “planos B” estão entre as razões

“Eu queria estudar nas melhores faculdades do mundo e, infelizmente, nenhuma delas estava no Brasil”. Vitor de Camargo, 19, conta isso em uma sala de estudos da Yale University, nos Estados Unidos, uma das dez melhores do planeta. Campeão em dezenas de competições nacionais e internacionais de Astronomia, Economia, Matemática e Robótica, Vitor também foi aprovado em Engenharia Aeronáutica na USP, pelo Sisu. Na época, esse curso tinha a maior nota de corte da Universidade: 821,52 (em 1.000 possíveis).

“Desde o Ensino Fundamental, eu sei que quero estudar fora do Brasil. Tinha um menino da minha cidade [São José dos Campos], que foi o primeiro ouro do Brasil na Ipho [Olimpíada Internacional de Física] e passou no MIT [Massachussets Institute of Technology, considerada uma das melhores instituições de ensino superior do mundo]. Eu lembro de ver a história dele e me inspirar nisso”, conta Vitor. “No Brasil, acho que faltam lugares de referência, desses ‘onde os gênios vão estudar’.”

No Ensino Médio, Vitor mudou de escola e começou a se dedicar a olimpíadas de conhe-

Um dos maiores empecilhos na decisão de vir ou não para a USP, a dificuldade financeira, também foi o motivo para José Gabriel Abreu, 17, desistir de se mudar para São Paulo. Ingressante do Enem USP, ele conta ainda sem acreditar como nunca cogitou passar na USP, principalmente em Ciências da Computação.

Mas a linha entre a felicidade da aprovação e o reconhecimento da impossibilidade é tênue, principalmente para quem mora longe. “Eu teria um mês para me programar para ir, arranjar um lugar para morar e me mudar”, afirma. Isso sem a certeza de que teria ajuda da universidade, como uma vaga no Crusp (Conjunto

Residencial da USP) ou o auxílio moradia do PAPFE (Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil).

O intervalo entre fevereiro e março ficou ainda menor para tentar tornar realidade o sonho, separado por 2.692 quilômetros. De sua cidade natal, em São João do Rio do Peixe, no interior da Paraíba, Gabriel já sabia que as chances para ele eram quase nulas. Mas ele tentou.

Teve ajuda de veteranos do IME (Instituto de Matemática e Estatística) para solucionar questões burocráticas como quais documentos são exigidos por cada

auxílio e como adquiri-los virtualmente. Mas, mesmo se conseguisse os auxílios da USP, sua frágil condição financeira tornaria quase impossível viver aqui.

Com a conscientização de que a USP não seria o seu destino atual, ele optou por sua outra aprovação — que menciona sem a devida pompa — em Medicina na UFPB. Apesar de não ser o curso que queria, é uma opção viável financeiramente e uma grande conquista. Afinal, Medicina continua sendo o curso mais concorrido do país.

“Pode ser que eu goste de Medicina no fim das contas”, diz. Mas, se não, Gabriel pensa em fazer o Enem novamente e, se estiver em situações mais favoráveis, finalmente vir para a USP.

cimento, competições em que acumulou medalhas que ajudaram na sua candidatura para as universidades estrangeiras. Aprovado em cinco grandes universidades nos EUA e Europa, Vitor fez o Enem a pedido da escola, e colocou a USP como opção no Sisu por conta da fama da Universidade aqui no Brasil. Para ele, ela é um dos poucos centros de referência existentes no país. Ainda no início do curso de Economia e Matemática, Vitor não sabe se voltará ao Brasil. “Posso talvez passar um tempo aí, não sei se para morar definitivamente.”

“Mãe, acho que eu passei”, disse Valda Novachi em algum ano da década de 1980. Com a inscrição paga por uma amiga, Valda tinha prestado vestibular para a Escola de Educação Física da USP (EEFE), e acabara de receber os parabéns de uma colega por sua aprovação. Foi correndo contar para a mãe, que respondeu prontamente que não teria dinheiro para bancar a filha em São Paulo (Valda é de Indaiatuba, a cerca de 100 km da capital paulista). Como “naquele tempo não se contrariava mãe”, ela nem olhou a lista de aprovados. Foi cursar magistério e trabalhou mais de 20 anos como professora.

Foi já depois dos 50 anos que, graças ao Prouni, Valda conseguiu

fazer faculdade. Aprovada três vezes no Enem, todas entre os 5% melhores colocados, como ela conta com orgulho, cursou nutrição, mas numa instituição privada.

Só em 2011 Valda conheceu a USP. Veio pela primeira vez ao campus para trazer seu filho, Dan Novachi, que acabara de ingressar no curso de Relações Internacionais. “Eu até chorei quando deixei ele na porta da USP. Chorei porque eu consegui o que a minha mãe não tinha conseguido.”

Quando perguntada sobre as mudanças que viu no acesso à Universidade desde que foi aprovada, Valda é categórica: “Até

hoje, só entra na USP quem tem dinheiro. Existem programas sociais, mas a gente sabe que as bolsas nem sempre são suficientes, e as condições do Crusp, por exemplo, são terríveis”. Ela lembra que, em 2011, pagava 1.800 reais de aluguel para o filho (o salário mínimo era, na época, de 540 reais). “Meu filho tinha um amigo que morava em um barracão abandonado do campus.”

Para ela, o que as políticas de apoio à permanência fizeram foi oferecer perspectivas para que quem não tem dinheiro para se manter na USP pelo menos cogite realizar a graduação. “O que mudou é que hoje, mesmo que não tenha dinheiro, a mãe fala: ‘Vai’.”

9 JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 UNIVERSIDADE L
]
ANA PAULA MEDEIROS [ EDITORA
“Mesmo com os auxílios, não conseguiria me manter na USP”
“Até hoje, só entra na USP quem tem dinheiro”
ADRIELLY KILRYANN [ ARTES ] ARQUIVOS PESSOAIS [ FOTOS ]
“Infelizmente, nenhuma das melhores faculdades estava no Brasil”

Bandejões da USP têm ausência de peixe na dieta e indicação discreta em seus cardápios

Análise do ‘JC’ constata predomínio de carne bovina nos restaurantes da capital e peca na sinalização para alérgicos e intolerantes

LEITE,

Como os estudantes se alimentam na principal universidade da América Latina? O JC analisou, de 13 de março a 2 de abril, quais as opções oferecidas por cada um dos restaurantes universitários (RUs) da capital paulista — financiados pela USP. Na análise, dois pontos negativos: a ausência de peixe e valores calóricos acima dos níveis recomendados para uma refeição.

Os RUs da USP são, para alguns alunos, a única opção de alimentação no dia, ao preço de R$ 2. Os “bandejões” oferecem refeições completas, com carboidratos, proteínas, salada, acompanhamentos e sobremesa, além de opções vegetarianas, como lentilha ou PVT para substituir a carne. A Universidade disponibiliza, a cada semana, o cardápio de todas as unidades em seu site.

A USP conta com 17 bandejões entre seus campi. Somente na Cidade Universitária há quatro restaurantes: Central, Químicas, Física e Prefeitura. Cada um com um cardápio diferente. Os Restaurantes Universitários da Pró-reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) servem cerca de 20.000 refeições por dia, incluindo café da manhã — servido nos Restaurantes Central da EACH e da Faculdade de Direito —, almoço e jantar.

QUAL O MAIS CALÓRICO?

De acordo com o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), criado pelo governo brasileiro em 1976, visando melhorar a saúde nutricional dos trabalhadores, as principais refeições diárias, como almoço e jantar, devem conter de 600 a 800 kcal. Admite-se um acréscimo de 20%, cerca de 400 kcal, em relação ao Valor Energético Total (VET) de 2000 kcal por dia.

Nos bandejões da capital, os dados variam em cada unidade: no período analisado, a Enfermagem apresenta os maiores valores, com média de 1219 kcal por refeição, enquanto a FSP tem os menores índices — 878,25 kcal. Sem admitir o acréscimo de 20%, todos os bandejões da capital teriam seus níveis acima dos adequados. Em média, nas oito unidades dos restaurantes, os valores são de 972 kcal por refeição.

PROTEÍNA BOVINA EM ALTA Prato principal, proteína ou mistura. Independentemente do nome, a opção de carne em uma refeição é o diferencial para alunos, professores e funcionários escolherem entre bandejão X ou Y, a fim de gastar seus preciosos R$ 2. Mas quais são as opções em cada RU? Segundo o levantamento do JC, cada unidade da capital segue uma mesma tendência: um domínio de proteína bovina no cardápio (46%).

Frango e proteína de origem suína são outras opções com bastante repetição: 41% e 11%, respectivamente. Entretanto, há um alimento que, no intervalo analisado pela reportagem, ficou “esquecido” nos cardápios: o peixe. Apenas os restaurantes Central, Saúde Pública e Enfermagem apresentaram a proteína à disposição de seus clientes — cerca de 4%.

“Alguns peixes são fonte de gorduras benéficas ao nosso corpo. Sardinha e salmão fornecem ácidos graxos ômega-3, considerados essenciais, pois nosso corpo não é capaz de produzi-los”, explica Carol Von Atzingen, doutora e nutricionista pela USP. “Eles também influenciam em outras funções, como o desenvolvimento adequado do cérebro, da retina e também efeitos anti-inflamatórios.”

O QUE FALTA NOS RUS? Em alguns aspectos, os bandejões da Cidade Universitária deixam a desejar, se comparados a outros RUs da USP — tanto no interior quanto na capital paulista. Um dos problemas mencionados por estudantes ao JC é a ausência de indicação dos ingredientes que compõem o cardápio.

A unidade da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” da USP (ESALQ), em Piracicaba, tem indicações importantes para pessoas que possuem alergia a determinados componentes presentes nos alimentos. O cardápio do bandejão destaca se há a presença de glúten e lactose em cada item de uma refeição; o mesmo não ocorre na Cidade Universitária.

“Eu já deixei de pegar alguns alimentos no RU por não ter certeza se tinham leite em sua composição”, relata Beatriz Lopomo (21), estudante de jornalismo e intolerante à lactose.

A falta de indicação também é um problema para Giovana Galhardo (21), estudante de turismo, que tem doença celíaca, condição autoimune causada pela intolerância ao glúten. “É muito genérico o jeito que eles colocam no cardápio. Se você tem uma restrição, fica com insegurança”, comenta. Procurada pelo JC, a Divisão de Alimentos da Universidade de São Paulo informou que são disponibilizados aos usuários, ao lado da catraca de acesso aos refeitórios, os itens do cardápio e os ingredientes utilizados na preparação de cada refeição. No entanto, a Divisão alega ser inviável, do ponto de vista operacional, discriminar a composição dos ingredientes de origem industrializada, tendo em vista a grande variedade de ingredientes utilizados.

ORÇAMENTO

Os bandejões são uma das diversas políticas de pertencimento da USP. Por meio de subsídios, as refeições são barateadas, mas essa ação tem um custo. Conforme a proposta orçamentária da USP para 2023, são R$ 58 milhões para suprir as despesas dos RUs. Desde o último ano a PRIP (Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento) é responsável pelos bandejões nos campi da capital, enquanto em outras regiões eles ficam a cargo das prefeituras locais.

Em 2019, só o restaurante Central foi responsável por servir mais de 1,3 milhão de refeições. Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador (ABBT), o custo médio de uma refeição em São Paulo é de R$ 43,27 — mais do que 20 vezes superior ao valor cobrado nos bandejões.

11 JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 CIÊNCIA L
[ EDITOR ]
PEDRO FAGUNDES
DIOGO JOÃO DALL’ARA E MURILLO CÉSAR ALVES [ REPORTAGEM ]
FERNANDO CARDOSO/JC [ FOTOS ] RIAN DAMASCENO/JC [ ARTE ]
L ALIMENTAÇÃO
Peixe 2,4% Frango 40% Bovina 47,6% Suína 10%
Frequência dos tipos de proteína animal nas refeições dos RUs
Valor
calórico médio por refeição nos RUs

Apoio à permanência enfrenta críticas em ano de mudanças

Apesar de reajuste nas bolsas, filas de espera e critérios pouco claros marcam críticas dos estudantes

O Programa de Apoio à Permanência e Formação Estudantil (PAPFE), sob gestão da recém-criada Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP), teve toda sua estrutura reformulada em 2023. A iniciativa de suporte aos estudantes da USP em vulnerabilidade socioeconômica atenderá 15 mil alunos bolsistas. Até 2022, eram 14 mil, segundo dados divulgados pela PRIP.

Os valores também mudaram. O Auxílio Moradia subiu de R$ 500 para R$ 800 por mês. Quem tem o direito a uma vaga no Crusp, porém, recebe apenas R$ 300. A alimentação gratuita, antes só concedida a quem possuísse o Auxílio Alimentação, agora é estendida a todos os bolsistas. Os outros tipos de auxílio, como Auxílio Livros e Auxílio Transporte, foram excluídos. Além disso, neste ano, estudantes de pós-

-graduação em vulnerabilidade passam a receber o apoio.

A transição para o novo formato trouxe críticas ao processo de renovação dos auxílios e inclusão de novos alunos. Estudantes reclamam da demora do edital para a pós-graduação, falta de clareza das informações, falta de transparência dos critérios, lista de espera demorada e problemas no recebimento de ingressantes.

“Eu resumo minha situação como uma incerteza que pode custar minha permanência no programa”, diz Rafael Pankratz, ingressante do Programa de Pós-Graduação em Estudos Culturais da EACH. Sem a possibilidade de ter um emprego em tempo integral, porque as aulas ocorrem à tarde, Rafael apenas deu como certa a sua participação na pós depois de acompanhar as discussões de que os auxílios seriam estendidos a estudantes desse nível. Contudo, sem a previsão de lançamento de um edital,

ele assiste às aulas sem saber quando terá acesso ao apoio.

A lista de espera entre as três divulgações de resultados do Programa também foi motivo de insatisfação entre os estudantes.

Clara, que preferiu se identificar por um nome fictício por temor de represálias, veio do interior para cursar sua primeira graduação e contava com o auxílio para conseguir se estabelecer em uma república sem precisar morar de favor com parentes. Com as aulas já acontecendo, ela não foi contemplada na primeira lista de beneficiados – queixa recorrente entre calouros, que se vêem em “castigo”. Foi orientada a aguardar os resultados seguintes e, se necessário, entrar com recurso, que só terá o seu resultado divulgado no dia 10 de maio de 2023.

Segundo dados divulgados pela PRIP, no primeiro resultado foram contemplados 7996 alunos, com mais 2600 previstos para o segundo resultado divulgado em 6 de abril.

Insatisfações com o Programa integraram as pautas de ato no dia 23 de Março na USP

Na opinião de Mariana Mendes, Professora Adjunta na Universidade Estadual de Santa Catarina e Líder do Grupo de Pesquisa em Acesso, Permanência e Evasão (Grapeuni), o reajuste do valor dos auxílios com o aumento da inflação e do custo de vida é uma “medida imprescindível”. A concessão durante todo o período do curso também é um ponto positivo. Entretanto, “uma política de permanência justa deveria conseguir considerar as dimensões material, simbólica e participativa”, completa.

Em nota ao Jornal do Campus, a PRIP afirma que as mudanças pensadas para o programa objetivaram aprimorar e melhorar as políticas de permanência que já existiam e criar novas, como as ações unificadas do PAPFE, permitindo que o auxílio seja solicitado uma única vez pelo período completo da graduação, assim como ampliação dos valores e quantidades de bolsas fornecidas e a extensão dos auxílios para os discentes de pós-graduação.

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS UNIVERSIDADE L 10 ANA PAULA MEDEIROS [ EDITORA ] L AUXÍLIO ESTUDANTIL
GUILHERME BENTO E BRENO QUEIROZ [ REPORTAGEM ]
1 FERNANDA REAL/JC [ FOTO ] 1

ANA

Quem aí veio parar de fumar?

As relações entre juventude, tabagismo e o estresse, analisados a partir de uma reunião do grupo antitabágico do HU

BEATRIZ [ REPORTAGEM ]

Às 9h em ponto de uma terça-feira, Lotufo buscou os fumantes na recepção do Hospital Universitário: “Quem aí veio parar de fumar?”. Exceto por mim, quatro pessoas se levantaram. O médico João Paulo Lotufo é coordenador do projeto antitabágico do Hospital Universitário da USP. Também está por trás do programa de prevenção ao tabagismo nas escolas com o Dr. Bartô e Os Doutores da Saúde. Participei de um dos seus encontros regulares para aqueles que desejam parar ou se manter não fumantes. Ele me explicou que a reunião costuma ter cerca de trinta participantes, mas que a falta de uma medicação no hospital, o cloridrato de bupropiona, que auxilia na diminuição da vontade de fumar, afasta algumas pessoas do programa. Com os outros três que chegaram um pouco depois, éramos nove pessoas na sala. O médico começa a reunião expondo dados preocupantes. A nicotina é a terceira droga mais viciante, superada apenas pela heroína e pela cocaína. “Eu começo a brincar de fumar com os amigos, quando eu vejo já estou dependente, simples assim”. Parece exagero, mas é justamente a facilidade em desenvolver adicções na juventude que torna o cigarro tão popular e próximo.

A começar pela dependência psicológica. Segundo a psicóloga Beatriz Ávila, residente no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde do Adulto e do Idoso do Hospital Universitário de Aracaju (SE), é fácil criar um vínculo com o cigarro. Fumar em uma mesa de bar com amigos produz lembranças de satisfação que serão associadas ao fumo. Mais tarde, a partir da memória de relaxamento e por sua rápida ação no corpo humano — cerca de 10 segundos entre a tragada e a chegada das substâncias ao cérebro — o cigarro pode ser usado como fuga de situações desconfortáveis e fazer crer ao fumante que a saída mais rápida para resolver seus proble-

mas é colocando um fumo entre os lábios. Não coincidentemente, ainda segundo a psicóloga, “uma parcela significativa dos fumantes apresentam índices consideráveis de transtornos de ansiedade e depressão”.

Na juventude, os meios mais fáceis para solucionar problemas são os mais procurados pela impulsividade. Apesar disso, a dependência psicológica acompanha o fumante mesmo na fase adulta. Depois de perguntar a uma das pacientes do grupo há quanto tempo ela não fumava, Lotufo ouviu o que começou com: “No meu caso, doutor, veja bem, eu já vinha quase parando, mas…” e se tornou a explicação de como o estresse causado por um familiar a incentivou a voltar. A senhora de blusa azul e voz rouca, que preferiu não ser identificada, tem 60 anos e disse já ter fumado três cigarros àquela altura, mas “se deixasse, fumava um maço por dia”.

Ela foi acompanhada do marido, filho e nora, sendo esta última a única não fumante, com 18 anos. O filho permite que seu nome seja publicado: é Wagner, tem 39 anos e concorda com o doutor quando afirma que a recaída está muito amarrada a problemas emocionais: “É verdade, eu voltei a fumar no meu processo

de separação de um antigo relacionamento, na época não fumava havia 7 meses”. Lotufo completa: “Tem gente que só de vir aqui já fuma mais durante a semana. É o estresse, o medo”. Apesar da boa participação do grupo e a leveza da conversa, é evidente a vergonha que os fumantes sentem relatando seus causos.

O pai de Wagner, 58 anos, diz fumar a cada duas horas e ter sofrido 3 AVCs (Acidente Vascular Cerebral) recentemente. Não é por isso que consegue parar de fumar, e a mulher briga com ele por isso. Um homem de camisa xadrez levanta a mão e também conta sobre seu vício. Começou a fumar aos 12 anos de idade e hoje, aos 73, diz já ter passado por todo tipo de problema pulmonar — atualmente trata de um enfisema. Não fuma há três meses, “mas deu uma fissura semana passada. Moro na frente de uma tabacaria, pra não descer e comprar cigarro tive que ligar a televisão e dormir”.

Começar a fumar em uma fase em que o cérebro ainda está em desenvolvimento, antes dos 25 anos, aumenta as chances de dependência física. Em 2014, o tabagismo foi considerado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) uma doença pediátrica, uma vez que 90% dos usuários começaram

a fumar antes dos 19 anos. O preço baixo, o fácil acesso, a vinculação com lugares de diversão, as propagandas indiretas da indústria e a postura trazida, fazem parte dos principais fatores para a popularização do cigarro.

Acontece que fumar é bom. Claro que é. Se não fosse, ninguém fumava. A rápida conexão dos neurônios do cérebro com a nicotina leva o fumante a sentir prazer instantâneo, conseguir se concentrar melhor e simular algum agrado a si próprio. Ruim mesmo é a dependência: alterações de humor, estresse e anedonia, que é a perda de desejo e satisfação em realizar atividades cotidianas.

A dependência comportamental parece não ser tão perversa quanto as outras, ainda assim, é um agravante. Trata-se do prazer ou do mecanismo já incorporado no gestual de acender um cigarro, tirá-lo do maço, levar a boca, tragar… ou ainda, explica Lotufo, do que é feito quando não se está fumando: “O que eu faço com as minhas mãos agora?”. Lotufo deixa dicas para os momentos de fissura, que duram cerca de 5 minutos. Procure distrair a mente: caminhar, tomar água gelada, um banho, jogar ou controlar a respiração. O caminho é árduo, mas nesse caso, sim, quanto antes, melhor.

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS CIÊNCIA 12 L PEDRO FAGUNDES [ EDITOR ]
CIÊNCIA PEDRO FAGUNDES [ ] L SAÚDE
1 ANA BEATRIZ/JC [ FOTO ] 2 : REPRODUÇÃO/VHV.RS [ FOTO ] 1
fumam na escada do Crusp 2
Estudantes

Para além do futebol, basquete e vôlei: a diversidade de esportes da USP

USP abre portas para modalidades mais difíceis e pouco difundidas no Brasil, como o atletismo, o softbol e o rúgbi

O que é rúgbi?

Segundo a Confederação Brasileira de Rúgbi, esse esporte é coletivo e de intenso contato físico. Originado na Inglaterra durante o século 19, divide-se em dois tipos: Union, com duas equipes de 15 jogadores; e o League, de 13 jogadores. O esporte é famoso por ter originado o futebol americano.

O que é softbol?

O judô é um esporte cuja prática não é de fácil acesso. No Cepeusp há um espaço com tatames

Falar da vivência universitária e não citar a prática esportiva é algo muito difícil. E, mesmo com pouco incentivo para o setor no Brasil, saúde e pertencimento ainda estão entre os fatores que tornam o esporte universitário tão atrativo.

Mas, para além de esportes populares como futebol, basquete e vôlei, a universidade abre espaço para uma diversidade esportiva que engloba modalidades menos conhecidas.

Na USP, o atletismo, o softbol e o rúgbi são esportes que, apesar do pouco apelo fora deste ambiente, possuem aderência dos estudantes e um espaço específico – o Centro de Práticas Esportivas (Cepeusp).

Karina Tarasiuk, 22, estudante de Jornalismo e diretora do time de atletismo da Escola de Comunicações e Artes (ECA), conta que, desde muito jovem, sempre foi muito ativa. “Fazia natação e corrida, mas foi só quando eu entrei para a equipe que passei a treinar em pista e com treinador”. Ela diz que, para atrair novos membros, estão “mais ativos no Instagram, tentam interagir e sair com a galera mais nova para gerar a sensação de pertencimento“.

Segundo ela, há uma ótima estrutura no Cepeusp, mas os equipamentos e materiais estão velhos e em condições ruins. Apesar disso, a USP ainda é uma das poucas que possui uma quadra para a prática do esporte e, por isso, ele ainda não foi incluído no JUCA (Jogos Universitários de Comunicação e Arte). Mas, a principal competição para o time é o Bife. “Ele é realizado uma semana antes das outras modalidades no próprio Cepeusp, já que as cidades sedes não possuem uma boa base para a prática do atletismo.

O encontro com o esporte também foi viável somente por meio da universidade para Bruno Lucca, 21, estudante de medicina e diretor de rúgbi da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP). O estudante cita a importância da prática para a aproximação entre os colegas de time: “É um esporte de equipe. Nós temos que estar bem conectados para os lances rolarem, além do confronto, que cria um vínculo com o time”.

O jovem também salienta as dificuldades impostas pelo rúgbi, modalidade pouco difundida no país: “Tentamos contornar isso sendo legais e incentivando os calouros, a partir de conversas e divulgação em redes sociais, já que eles precisam aproveitar

tudo que a faculdade oferece”. Assim como no atletismo, a USP é um diferencial devido à infraestrutura: “Não é todo lugar que possui uma quadra de rúgbi, só conheço a do Cepeusp e uma no Tatuapé”.

Já para Melissa Yamate, 22, estudante de economia da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) e atleta de softbol, os benefícios do esporte “vão desde adquirir mais disciplina e resiliência, até lições sobre respeito pelas pessoas e coragem para seguir em frente. A prática é complexa e exige habilidades específicas, então desenvolvemos a capacidade de adaptação”, conta.

A atleta também cita as dificuldades do softbol no meio universitário. Os horários de treino pouco convidativos para pessoas que precisam trabalhar e as dificuldades financeiras, visto que os materiais possuem um alto preço e são difíceis de se encontrar, são dois dos principais obstáculos. Por fim, Melissa destaca que o preconceito é uma das barreiras para a difusão plena da prática: “Precisamos refutar esse estrangeirismo ao deixar claro que sim, é um esporte cultural no Japão, mas isso não deve ser um motivo para pensá-lo como esporte de uma etnia específica”, argumenta.

jogos universitários.

De acordo com o Comitê Olímpico Internacional, softbol é um esporte praticado majoritariamente por equipes femininas em alta competição. Muito parecido com o beisebol, o jogo conta com algumas diferenças, como as dimensões da bola e do campo, a duração do jogo e o modelo de lançamento.

13 JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 ESPORTES L MAVI FARIA [ EDITORA ]
L MODALIDADES
ERICK LINS E LEONARDO VIEIRA [ REPORTAGEM ]
A pista de atletismo do Cepeusp abriga os treinos e a modalidade nos
1 E 2: DANI ALVARENGA/JC [ FOTOS ] 2 1

Do blockbuster ao “filme cabeça”: Cinusp exibe mostra eclética a calouros

Em busca de novos entusiastas do cinema, o Cinusp Paulo Emílio, um projeto de cinema público e gratuito dentro do campus

Butantã da Universidade de São Paulo (USP), realizou uma mostra no início do ano letivo para atrair os alunos recém-chegados para a frente das telonas, com uma seleção de filmes diversa e pouco convencional.

A mostra “Para Gostar de Cinema” ocorreu entre os dias 20 de março e 08 de abril, abrangendo justamente as primeiras semanas do ano letivo da USP, e levou à nova audiência um selecionado de 15 obras de diferentes gêneros e países, uma dose do que a sétima arte tem a oferecer em sua totalidade.

“A mostra oferece um conjunto eclético de filmes, de países, épocas e estilos diferentes, com a ideia de estimular a variedade de identificações possíveis. Filmes que brincam com as convenções de gênero, extrapolando essas convenções”, afirma Esther Império Hamburger, professora da disciplina História do Audiovisual na Escola de Comunicação e Artes (ECA-USP).

Entre os escolhidos, estavam filmes de diretores norte-americanos clássicos, como Alfred Hitchcock e Martin Scorsese, obras

brasileiras, documentários e outros longa-metragens que dificilmente seriam possíveis de assistir fora das duas salas de cinema do projeto, uma na Cidade Universitária e outra na rua Maria Antônia, no centro universitário homônimo.

Seja um blockbuster ou um filme soviético do século anterior, o objetivo do Cinusp foi trazer uma mostra profunda o suficiente para fazer o espectador refletir e ter contato com diferentes realidades dentro da sala de cinema.

“Conhecer cinemas diferentes pode ser muito enriquecedor. Ao relativizar nosso conhecimento, sugerem possibilidades éticas, estéticas e lúdicas”, explica a professora. “Um blockbuster pode ser muito complexo. Um filme hermético também pode ser muito complexo. Se o filme despertou alguma inquietação, se nos sensibiliza de alguma forma, podemos pesquisar sobre ele.”

A oportunidade de assistir a um filme diferente e gratuito fez com que as sessões da mostra tivessem sempre capacidade próxima do total. Calouros visando acumular suas primeiras experiências como universitários lotaram as salas. Foi praticamente impossível acompanhar algum filme sem chegar com muitos minutos de antecedência.

Cartaz divulgando a mostra “Para gostar de cinema”

“Os filmes que são escolhidos você não consegue encontrar de forma fácil em um cinema de shopping ou em serviços de streaming”, conta Giovanna Pereira, caloura da ECA-USP. “Há o conforto para assistir, apenas tendo que se deslocar na universidade e sem pagar nada.”

Se em um cinema comum o silêncio é cultuado, no Cinusp as cenas cômicas leves se tornam grandes gargalhadas e passagens polêmicas geram manifestações sonoras e comentários espontâneos.

A experiência certamente não é de um cinema convencional. Se em um cinema comum o silêncio é cultuado, no Cinusp as cenas cômicas leves se tornam grandes gargalhadas e passagens polêmicas geram manifestações sonoras e comentários espontâneos. O público se une e interage como se estivesse diante de um grande debate.

Alunos consultam programação na porta do Cinusp, que também está disponível no site e nas redes sociais

“Eu diria que é uma ótima oportunidade de ver um filme que te interessa em uma tela grande, de graça, e ainda poder conversar sobre o filme com as pessoas que você conhecer lá”, afirma Gabriela Cecchin, outra caloura da ECA-USP que teve a oportunidade de conferir um filme da mostra.

Além dos filmes, a mostra também promoveu atividades interativas. Em uma sessão, os alunos puderam votar na animação que deveria ser projetada. Em outra, os universitários participaram de um quiz sobre os filmes da mostra, com prêmios para os principais vencedores da noite.

A seleção de filmes também serviu como uma espécie de preparação para o resto do ano. Normalmente, as mostras do Cinusp são monotemáticas e trazem um catálogo mais integrado.

A mostra atual, por exemplo, traz como foco o Novíssimo Cinema Brasileiro, um movimento do cinema contemporâneo que contém filmes com temáticas sociais relevantes e acenam para técnicas de alguns dos períodos de maior sucesso na história da arte no país. Uma oportunidade para tentar criar uma nova demanda pelo produto audiovisual brasileiro.

“Os filmes brasileiros já foram muito populares e podem voltar a ser. Hoje, em sua maioria, circulam pouco, são prejudicados na produção e na distribuição e o pouco contato entre cineastas e público não ajuda a turbinar produções. Mas o cinema brasileiro conta com a vantagem de falar português”, conclui a professora.

A mostra Novíssimo Cinema Brasileiro está em cartaz até 30 de abril, com duas sessões diárias de segunda à sexta na sala da Cidade Universitária, e duas sessões diárias aos fins de semana na sala do Centro Universitário Maria Antônia, no bairro de Higienopólis.

CINUSP PAULO EMÍLIO

Localizado na rua do Anfiteatro, 109, dentro da Cidade Universitária, São Paulo, SP. Entrrada gratuita para o público geral. De segunda a sexta às 16h e 19h (exceto feriados).

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS CULTURA 14 L GUILHERME CASTRO [ EDITOR ]
FERNANDO CARDOSO [ REPORTAGEM ]
Mostra “Para Gostar de Cinema” trouxe para os novos alunos da USP uma diversificada seleção de filmes para aqueles que desejam se aprofundar na sétima arte
1 2 1, 2 : ANA BEATRIZ/JC [ FOTOS ] L PARA CONHECER

MAC: 60 anos do museu da USP fora da USP

O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP), criado em 1963, completou 60 anos no dia 8 de abril. Próximo ao Ibirapuera e do lado da 23 de Maio, uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo, está a estrutura de 30 mil metros quadrados e oito andares que abriga a instituição.

O museu, tido hoje como uma referência na arte contemporânea nacional e internacional, era um projeto antigo da USP, mas só passou a realmente existir depois de uma grande doação do antigo Museu de Arte Moderna (MAM) feita pelo casal Ciccillo Matarazzo e Yolanda Penteado à universidade. Nessa coleção estava incluída um conjunto de 13 obras trazidas pelo representante americano Nelson Rockefeller, com o intuito de incentivar o crescimento da arte moderna em São Paulo e no Rio de Janeiro.

“A coleção [do MAC] não é uma coleção universitária, é uma coleção da cidade”, o professor da ECA-USP, Martin Grossmann, explica em entrevista para o Jornal do Campus. “Esse gesto [da doação] é grandioso. Carregava por si só a vontade de fazer um grande museu, porém naquele momento não havia recursos na universidade para construir um”.

O MAC não teve uma sede até 1992, apesar de existirem planos para a construção de uma. Nesse período, ele ocupou o 3º an-

dar do Pavilhão da Bienal de São Paulo, também no Ibirapuera. De 1992 a 2012, foi adaptado um espaço na Cidade Universitária para abrigar a coleção do museu, que hoje é o Espaço das Artes dos alunos da ECA.

Grossmann foi vice-diretor do MAC quando o museu ocupou o campus do Butantã e conta que o prédio da universidade passou por uma grande reforma para abrigar as obras. “Era o ‘maquinho’ como a gente chamava, porque era pequeno”. Mas havia vontade dos diretores de criar um espaço ainda maior para abrigar o acervo grandioso do MAC. “A esfera do poder da USP não dava o verdadeiro valor aos museus. Eles não sabiam da importância deles. Então, a mudança do MAC e a reforma do Museu Paulista só acontece mesmo por influência dos governadores José Serra e João Dória”.

Na época, houve um concurso internacional para a criação de um prédio exclusivo do MAC, porém o projeto também foi engavetado. Em 2013, o Governo de São Paulo resolveu doar o antigo Pavilhão da Agricultura, projetado por Oscar Niemeyer, que funcionou como prédio do Detran por 50 anos. “O edifício foi restaurado especialmente para receber o museu. A mudança significou uma maior integração com a cidade de São Paulo e com a localização privilegiada ao lado do Parque Ibirapuera”, diz Helouise Costa, curadora do MAC e docente da USP.

Mas há quem discorde. Para Martin, o antigo prédio do Detran ainda não é um espaço ideal para abrigar exposições. Ele explica os motivos: “Apesar da reforma digna que foi feita no prédio, o pé direito é mais baixo e os corredores são longos demais. O visitante cansa”.

POUCOS ALUNOS DA USP A mudança de sede foi positiva para o acervo, mas a distância em relação à Cidade Universitária dificultou o acesso para os estudantes. De cinco universitários que entraram na USP em 2021 ouvidos pela reportagem , apenas um deles foi ao MAC – e, ainda assim, em virtude de um trabalho que exigia a visita a uma das suas exposições. Helouise considera que a universidade e o museu ainda mantêm uma “estreita relação” graças às atividades de pesquisa, docência e extensão produzidas ali dentro.

“Claro que, comparado ao público geral do museu, de visitantes que buscam as exposições e outras atividades, os alunos da USP são minoria”, diz o assessor da instituição e representante da diretoria do MAC.

A dificuldade do transporte também é um dos fatores, já que o local é mais facilmente acessado de carro. “Se o museu já não era frequentado pelos universitários na própria Cidade Universitária, como é que ele vai ser frequentado em um lugar que também tem problemas de transporte público? O metrô fica longe, as linhas de ônibus

são escassas… Então tem dificuldades ali nesse projeto”, afirma o professor.

Grossmann destaca que a maior importância do MAC para a universidade foi a consolidação das artes visuais no ensino superior. “O mesmo grupo ligado ao MAC é o pessoal que cria as Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes”.

EXPOSIÇÃO COMEMORATIVA Para celebrar esse marco de existência, o MAC abriu uma exposição de longa duração no 6º e 7º andar do prédio, chamada de Tempos Fraturados, em homenagem à época conturbada do pós-guerra em que foi criado o museu. Na sua curadoria estão a atual diretora, Ana Magalhães, a vice-diretora, Marta Bogéa, a já citada Helouise Costa e outros importantes nomes do mundo da arte.

A nova exposição ocupa dois andares da sede e é dividida em três eixos norteadores, segundo a diretoria, sendo eles o “eixo institucional” que conta com as obras doadas por Rockefeller, as “experiências coletivas” e as “experiências subjetivas”.

Tempos Fraturados está em exposição desde o dia 18 de março deste ano e ficará disponível gratuitamente para visitação por cinco anos.

MAC USP

Localizado na Av. Pedro Álvares Cabral, 1301, Vila Mariana, São Paulo, a 18 minutos da estação de metrô Ana Rosa. Entrada gratuita.

15 JORNAL DO CAMPUS SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 CULTURA L
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GUILHERME CASTRO
EDITOR
Museu comemora seis décadas com nova exposição e buscando por identidade em sede no Ibirapuera
1 2 1, 2: DANI ALVARENGA/JC [ FOTOS ]
Nas imagens, obras da nova exposição Tempos Fraturados

Subsolo

DAMARIS LOPES [CRÔNICA ]

Cama, guarda-roupa, escrivaninha, geladeira, fogão, duas janelas e banheiro. Tudo isso compactado em cerca de 25 metros quadrados de uma quitinete em São Paulo. No anúncio, a locadora enfatizava: “imóvel ideal para estudantes da USP”. Isso porque ele está localizado na Vila Indiana, uma região ao lado de um dos portões de acesso à Universidade de São Paulo. Esse seria o destino de Guilherme: jovem negro, ex-estudante de escola pública que percorreu mais de 3 mil quilometros ao deixar Paço do Lumiar, cidadezinha no Maranhão, para chegar à capital do estado de São Paulo.

Gui, como é chamado pelos amigos, poderá ser o primeiro de sua casa a ter um diploma de nível superior – em uma excelente universidade, por sinal. Além disso, onde morava sabia que o destino não lhe reservava grandes oportunidades. Sua família vivia com um salário mínimo, assim como muitos moradores do Maranhão, estado em que os habitantes têm a menor renda média mensal do Brasil. Então, no dia 26 de janeiro de 2022, quando chegou à maior metrópole do país, seus olhos deslumbravam a imensidão de uma cidade com mais de 12 milhões de habitantes. Esses mesmos olhos que jamais tinham visto outro estado brasileiro, olhos acostumados a observar uma vida pacata em uma cidade com menos de 150 mil pessoas.

Guilherme não se desesperou com tantos estímulos visuais e sonoros. Ele já havia planejado sua chegada e sabia exatamente para onde ir ao desembarcar em São Paulo: a quitinete na Vila Indiana. Para ele, que vinha com apenas duas malas, o lugar seria ideal, pois, como dizia no anúncio, era todo mobiliado e feito para alunos da USP – assim como ele, que ingressou em 2021, mas que pelas restrições da pandemia só começaria as aulas presenciais no ano seguinte. O local já estava garantido após pagar o primeiro aluguel no valor de 870 reais, dinheiro que iria retirar mensalmente de sua bolsa de estágio e do auxílio permanência. O valor do aluguel era mais que o dobro do que sua família pagava de financiamento na casa em que eles viviam no Maranhão.

“Seja bem vindo, Gui”, recepcionou a proprietária ao abrir o portão do casarão das quitinetes.

Ela falava como estava feliz em recebê-lo, que assim como ele muitas pessoas que moravam ali tinham vindo de longe para estudar na USP. Novamente, os olhos de Guilherme se enchiam de empolgação, agora ele moraria sozinho e teria sua própria casinha. O entusiasmo aumentou ao pisar pela primeira vez no local – o sol brilhava e aquecia a garagem e as plantas encostadas no muro. Aquele sol, aquelas plantas e aquele sorriso da mulher lembravam sua casa no Maranhão. “Aqui em cima só temos umas 4 quitinetes, a sua fica um pouco ali para baixo”, explicou a mulher.

Conforme desciam um, dois, três, quatro lances de escadas, o calor nas paredes iluminadas foi ficando para trás. “É aqui a sua, Gui. Como eu te mostrei nas fotos do anúncio: cama, guarda roupa, escrivaninha, geladeira, fogão, duas janelas e banheiro, tudo no jeito para você, fique à vontade, toma a sua chave, qualquer coisa você tem meu WhatsApp”. O que o anúncio não contava é que as duas janelas não davam para lugar nenhum. Ao abri-las, o que se via era a parede do subsolo. Sem

ventilação, sem sol, com cheiro de mofo e, de brinde um quarto vizinho repleto entulhos ao lado. Essas informações não foram explicitadas no anúncio, mas chamaram a atenção de Guilherme logo no primeiro momento.

Outra coisa que o jovem universitário não sabia era que Vila Indiana está localizada na Zona Oeste de São Paulo, na qual estão os imóveis mais valorizados da cidade. O bairro de Pinheiros, vizinho de onde Guilherme estava morando, possui o metro quadrado mais caro da capital, custando mais de 11 mil reais. Além disso, moradias próximas a estações da linha Amarela do metrô são, em média, 4% mais caras do que aquelas mais distantes dos trilhos e a quitinete de Gui era justamente perto da estação Butantã, a mais movimentada da região pelos estudantes da USP. Outro agravante é a própria Universidade de São Paulo, pois a demanda por quitinete, studios e apartamentos é alta, principalmente no começo do ano quando chegam os novos alunos. E se a demanda é alta os proprietários sabem que podem cobrar valores altos por espaços

minúsculos e muitas vezes degradantes, como era o imóvel do Gui.

Definitivamente, aquele lugar não tinha um ar de casinha, de recomeço, mas sim de enclausuramento. Os olhos cheios de esperança, agora, estavam cheios de tristeza. No dia 14 de março de 2022, quando as aulas voltaram, Guilherme não sentiu a empolgação de viver a Universidade de São Paulo, pois a preocupação com o lugar que morava, o alto custo de vida na capital e o desamparo financeiro por saber que sua família não poderia ajudá-lo tomavam conta de sua mente. A política de cotas na USP permitia que um jovem negro e nordestino adentrasse aos portões que majoritariamente eram acessados pela elite paulista, mas naquele momento Gui percebeu que responder às questões do vestibular não havia sido a etapa mais díficil. Complicado mesmo seria permanecer ali.

A situação ainda se agravou quando os constantes problemas de saúde começaram a abatê-lo. A falta de ventilação e o mofo que tomava conta das paredes do subsolo trouxeram recorrentes problemas respiratórios. Mais uma vez o alto custo de morar na Zona Oeste de São Paulo o afetava, o preço dos medicamentos impossibilitava que ele pudesse fazer o tratamento como indicado pelo médico, por isso o ciclo de enfermidades parecia não acabar. Os problemas físicos também atingiram o lado psicológico. Depressão e ansiedade passaram a habitar nos 25 metros quadrados da quitinete. “Preciso me mudar daqui”, concluiu Guilherme após 3 meses vivendo em um imóvel que mais parecia um cativeiro.

No fim do primeiro semestre de 2022, Gui começou a buscar incessantemente por uma nova moradia. Os problemas de saúde persistiam, o desânimo pela vida degradante continuava coabitando sua mente. Mas o desejo de permanecer e lutar pelo seu sonho fizeram com que ele conseguisse encontrar um lugar quase inexistente na região mais cara de São Paulo: um quarto mobiliado dentro de uma casa por um valor menor que seu aluguel. Dessa vez, conferiu que as janelas garantissem alguma ventilação e que o sol aquecesse o local. Tudo certo. Agora, em vez de descer, Gui precisa subir alguns lances de escada para chegar ao seu quartinho. Chega de morar no subsolo da cidade de São Paulo.

SEGUNDA QUINZENA | ABRIL 2023 JORNAL DO CAMPUS CRÔNICA 16 L ????????????????? [ EDITORA ]
CRÔNICA 16 L ADRIELLY KILRYANN [ EDITORA ] CAIO OS [ ILUSTRAÇÃO ]
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