Como é importante prestar atenção na intuição p. 8
Como processar alguém no Canadá? p. 9
Por um dever de consciência
Patrono da Educação brasileira, Paulo Freire é considerado um dos mais importantes pensadores da pedagogia mundial, tendo sido o único autor brasileiro a constar da lista dos 100 títulos mais indicados por professores nas bibliografias das universidades de língua inglesa. p. 10 toma
O paradoxo da tolerância no mundo globalizado e virtual Intolerantes não estão dispostos ao debate aberto, mas apelam à violência como recurso para impor sua visão excludente de mundo p. 11
Escassez da saúde e barreiras em revalidar o diploma
Não deve ser novidade para os “canadenses” brasileiros e portugueses a falta de mão de obra no Canadá; mas ainda assim os imigrantes encontram muitas barreiras para preencher esse buraco.
No dia a dia, nós frequentemente nos deparamos com situações em que nos sentimos injustiçados ou prejudicados, desde problemas trabalhistas até a quebra de contratos. No entanto, muitas vezes não sabemos como buscar justiça no Canadá. O que devemos fazer? Serviços em português para
“Ainda Estou Aqui” em dois atos e hemisférios p. 3
Sejam eles médicos, enfermeiros, dentistas ou farmacêuticos, existe uma grande carência de trabalhadores de saúde no Canadá. No entanto, o país ainda tem um dos processos de revalidação de diploma mais caros, complexos e longos do mundo. p. 5
Brasileiros no Canadá criam o “Tinder” do mercado de trabalho
edição # 90 | ano # 7 | março - maio 2025 | www.jornaldetoronto.ca | info@jornaldetoronto.ca | ISSN 2560-7855 www.jornaldetoronto.ca
Descobrindo o subúrbio
Oakville e Burlington são ótimas opções de moradia e passeio perto de Toronto
Acompanhe nosso website com vídeos e matérias complementares
Minha Vó Viu
Minha Unha p. 4
É muito comum ver os brasileiros que se mudam para o Canadá escolhendo Toronto, Montreal ou Vancouver como os locais preferidos para morar. Super compreensível, já que as metrópoles canadenses certamente têm muitos atrativos e mais segurança do que a maioria das cidades no Brasil.
Mas, e as pequenas cidades nos arredores dos grandes centros?
Eu mesma demorei anos para conhecer um pouco mais além do GTA, e foi durante a pandemia que acabei desbravando novos horizontes, descobrindo Oakville e Burlington, na região de Halton. E gostei. Voltei e fiquei. p. 7
Centro de Oakville, uma cidade boa de passear e morar. canmenwalker
Paul Couturier
Maria Mutch Paola Wortman
co e econômico, não dá pra dizer que estamos numa época muito primaveril. Mesmo assim, temos a enorme satisfação de lançar nossa Edição de Primavera! Esse seria o momento para uma edição mais contundente do Jornal de Toronto, como fizemos em outras ocasiões, mas o mundo tem piorado tanto, e de forma tão rápida e impactante, que optamos por uma edição menos densa do que gostaríamos, para aliviar um pouco o que lemos diariamente nas mídias sociais. Nossos leitores são pessoas interessadas, inteligentes, curiosas e socialmente responsáveis, e por isso certamente estão sobrecarregados de notícias difíceis de digerir.
Ok, talvez a parte do "aliviar" não seja tão acurada, e nem a do "menos densa", mas é, sem dúvida, uma edição de apoio, com matérias importantes para um momento como esse.
Como sempre, mantemos o compromisso pedagógico com nosso público, de publicar matérias que tragam aprendizado e boas reflexões. Nessa edição, reafirmamos nosso apoio à diversidade, o respeito ao próximo e o direito à cidadania, valores muito importantes para nós e para o nosso Canadá. Eh?
Editor-chEfE: Alexandre Dias Ramos
rEvisor: Eduardo Castanhos fotógrafos: Albert Fernique, Bia Andrade, Canmenwalker & Ian Muttoo
colunistas: André Oliveira, Cristiano de Oliveira, Gabriel Melo Viana, José Francisco Schuster & Rodolfo Marques
colaboradorEs dEssa Edição: André Shitetsu Toma, Beatriz Neves, Carolina Mendes, Cleverson Franchi, Fidura Cardial, Luis Augusto Nobre, Mari Taborda, Mohammad Novian Fahrurriza, Paft Drunk, Prince Massey, Sérgio Xocolate, Sonia Cintra, Tovar Júnior, Valf & Will Leite agradEcimEntos para: Aline Zorzetto, Bárbara dos Santos & Rui Pires agências, fontEs E parcEiros: ACT, Editora Paz & Terra, Frank Leslie's Illustrated Newspaper, News Media Canada, PrEP Clinic, The 519, U.S. Library of Congress
circulação: O Jornal de Toronto é trimestral e distribuído em Toronto e GTA.
imprEssão: Master Web contato: info@jornaldetoronto.ca
subscription: $1.50/cada, $39.00/ano Siga nossa página no Bluesky, Linkedin, Facebook, Instagram e matérias complementares, durante todo o mês, em nosso site: www.jornaldetoronto.ca
Edição #90, ano #7, março - maio 2025
ISSN 2560-7855
Cultura
No momento em que você lê isso, talvez já saiba o resultado do Oscar – pois é, não dá pra esperar a grande noite pra escrever texto, é preciso adiantar o serviço e deixar tudo prontinho. Portanto, já deixo bem claro: tô por fora. Nesse momento, você já sabe qual foi o “Destino do Poseidon” e eu ainda estou vivendo a “Festa de Babette” (e entregando a idade ao citar películas do tempo do Onça). Ainda vivo a esperança – talvez a ilusão – de que “Ainda Estou Aqui” possa finalmente trazer o merecido reconhecimento internacional ao cinema brasileiro e a Fernanda Torres, além de jogar um facho forte de luz em um momento obscuro da nossa História. Mas que isso nem de longe se confunda com babação a americano: não é uma estátua de um careca dourado que vai dizer o que foi e o que deixou de ser. Aqui, no passado desinformado em que me encontro, só de ver o movimento que causou, a afluência aos cinemas que há tempos não víamos, o debate que foi gerado, e ainda pensar na inspiração que isso vai levar a tantos, eu já estou comemorando vitória. E independente do resultado, vocês aí no futuro podem fazer o mesmo.
É interessante imaginar as duas formas diferentes de se analisar o filme: os olhos do estrangeiro, que nesse momento enche as salas de cinema mundo afora para conhecer esse inusitado candidato ao prêmio de Melhor Filme, analisa enredo, atuações, e a tensão constante do filme na construção e desenrolar da história. Os olhos do brasileiro, por outro lado e inevitavelmente, tentam fazer o mesmo, porém numa luta inces-
“Ainda Estou Aqui” em dois atos e hemisférios
sante pra não se distraírem com Fusca, telefone de disco, fósforo Guarany (faltou Pinheiro e Olho), palito Gina, o TL (pasmem: um Volkswagen TL!!) vermelho do Rubens Paiva, taça de sundae da Kibon em formato de flor, filme caseiro em Super 8, revista Manchete, e mais 300 mil pecinhas de cenografia da época que ficam roubando a atenção e tentando nos levar de volta pra casa de vó. Mas todo mundo acaba tragado pelo clima pesado que paira sobre o filme o tempo todo, derrubando todo aquele “ah, no meu tempo é que era bom”. Não, não era. Quem fala isso, ou vivia a doce inocência da mocidade, ou nem nascido era. Realmente, se o foco for todo em Xaxá, 7Belo, Biscoito Piraquê e Pirocóptero, aí o passado no Brasil era uma delícia mesmo. Mas o reino dos adultos não era nenhum Grapete. Na onda do “Milagre Econômico” criava-se o monstro da dívida externa. Delfim Neto cunhava a frase que melhor representava – e até hoje representa – o desejo do brasileiro de ver o pobre se lascar: “é preciso esperar o bolo crescer pra depois repartir” (ah tá bom: se todos os governantes tivessem ido nessa onda, estaríamos até hoje esperando essa peste desse bolo crescer, porque pra elite brasileira ele nunca é grande o suficiente). O salário-mínimo perdeu mais de 50% do seu valor real até o fim do governo militar. E tudo isso sem falar que, um belo dia, a polícia podia bater à sua porta e te levar pra dar uma volta, quer você tivesse culpa no cartório ou não – e não venha com essa de que “só ia quem merecia”, porque eu sei de experiência própria de quem não sabia levantar nem um revolvi-
nho de água e acabou tendo que ir “responder umas perguntas” ninguém sabe onde. E agora imagine isso tudo aí sem celular, Netflix, compra online, videogame – nem televisão colorida tinha direito! – e um interurbano pro interior parecia o rádio amador de “Alta Frequência”, onde a interferência era tanta que o filho conseguiu até falar com o pai que já tinha morrido. Não, não tinha nada de bom. Aliás, tinha uma coisa boa: o fato de que éramos bem novinhos e ainda faltava muito pra virarmos velhos chatos repetindo que “no meu tempo é que era bom”. Mas veja que curioso: além da comparação Gringo versus Brasileiro no cinema, eu ainda consegui analisar uma subdivisão do grupo brasileiro, ao assistir ao filme duas vezes em lugares distintos: uma em BH, no Cine Belas Artes, um reduto cultural da cidade (e no caminho, por acaso, encontrei o Valf, extraordinário ilustrador do Jornal de Toronto – ali eu ainda nem imaginava que escreveria sobre aquele dia); e assisti outra vez no Cineplex de Toronto, um dia após o filme estrear por aqui. Uma experiência bastante curiosa: enquanto em BH o silêncio sepulcral permeou toda a sessão, do começo do filme à saída do cinema, em Toronto parecia que todo mundo estava esperando ver um novo “Auto da Compadecida”. Além da falação no meio da sessão, o povo ria de qualquer bobagem. O menino pergunta se a irmã que vai viajar sentirá a falta dele, ela diz que não: o povo se acaba! O menino mente pro pai falando que já conversou com a mãe sobre arrumar
um cachorro: o povo se estoura! Véio, tão colocando fluoxetina na água da cidade? Ou cês tão apaixonados? De onde saiu esse risador frouxo? O filme extremamente tenso e o povo parece que tá vendo o Tony Ramos trocar de corpo com Glória Pires. Seria o povo de BH somente mais sisudo do que o resto do Brasil (e o resto do Brasil era obviamente maioria no cinema de Toronto)? Ou estaria o público do cinema daqui só deslumbrado? Seria o fato de que o povo no Cine Belas Artes saiu pra ver um filme que estava revigorando o cinema nacional, enquanto no Cineplex o povo estava indo fazer torcidinha e mostrar pro gringo que nóis é campiaum? Velório total em um lugar, risaiada e aplausos no outro. Houve alguma reflexão após o filme em Toronto, ou somente a realização de termos forçado o público local a provar do nosso fino biscoito? Estávamos lá pelo filme ou pela competição?
Não tiro o meu da reta não. Também adoraria ver “Ainda Estou Aqui” levar a estatueta do careca dourado, e comemoraria imensamente. Mas definitivamente não precisamos de gringo algum pra validar o que concluímos: que é um filme pra mudar rumos e nos exigir atenção à sua arte, história, à beleza e tristeza da narrativa, mas muito mais que isso, para não deixar cair em esquecimento o momento miserável, patético e insano que o nosso país um dia viveu.
Adeus, cinco letras que choram.
Cristiano de oliveira
M as já ? _ Will Tirando
Minha Vó Viu Minha Unha
Minha Vó viu minha unha
Pintada de azul
Quis me matar e me disse:
“Onde já se viu?!
Quem pinta a unha é menina Vou te contar, viu?
Unha pintada eu não aceito
Não admito
De jeito nenhum
Liberdade?
A gravura acima, publicada no jornal ilustrado de Frank Leslie em junho de 1885, mostra como a tocha da "Estátua da Liberdade" pareceria quando concluída e instalada na pequena ilha de Bedloe, em Nova York. Como veremos na legenda das fotos da seção de Política, até mesmo a "Estátua da Liberdade" é imigrante, criada pelo escultor francês Auguste Bartholdi, e doada pela França para os Estados Unidos, comemorando os valores da Liberdade, algo que, aparentemente, eram tão caros às duas nações.
O emoji é apenas uma brincadeira do nosso editorial relativizando a ideia estadunidense do que Liberdade significa, tanto historicamente –e ao longo de filmes e guerras – até os dias de hoje, quando esse valor parece ter virado mesmo coisa do passado.
Interessante saber que a própria tocha original, instalada em 1886, foi substituída por outra em 1984.
Ô, Vó...
Desde que o mundo é mundo
Tudo muda a cada minuto
Eu respeito sua opinião, Vó
Mas fico triste ao mesmo tempo Pois sei que num pequeno exemplo Há um problema muito mais sério
Você não vai me matar, eu sei Mas tem gente morrendo
O ódio que escorre da boca da gente
É pior que veneno
Fidura Cardial é músico
letra da música
Saúde
beatriz neves é jornalista
Escassez da saúde e barreiras em revalidar o diploma
Não deve ser novidade para os “canadenses” brasileiros e portugueses a falta de mão de obra no Canadá; mas ainda assim os imigrantes encontram muitas barreiras para preencher esse buraco. Sejam eles médicos, enfermeiros, dentistas ou farmacêuticos, existe uma grande carência de trabalhadores de saúde no Canadá. No entanto, o país ainda tem um dos processos de revalidação de diploma mais caros, complexos e longos do mundo.
Entrar para uma faculdade de saúde também não é fácil, já que são poucas e todas pagas – por exemplo só existem 17 faculdades de Medicina no Canadá inteiro. Todos esses fatores por si só já fazem muitos estudantes canadenses pensarem duas vezes antes de escolher esse caminho, quem
dirá os imigrantes.
O governo canadense é conhecido pelo seu incentivo à imigração e por diversos facilitadores nos processos de residência e cidadania. Então, outra alternativa para o problema seria a imigração de pessoas com formação e experiência na saúde. Contudo, o processo de revalidação de diploma é um desafio que muitos imigrantes não acham que vale a pena, ou, quando se propõem a fazer, sabem do sacrifício e da dedicação necessária.
Rosana Rodrigues, brasileira que mora na província do Quebec, compartilhou a história de seu amigo médico colombiano que encontrou inúmeras barreiras para exercer a profissão nas terras canadenses. “Ele deixa o Canadá e segue rumo a França, onde a validação foi feita em meses, e vai poder trabalhar como médico! Com isso, todos perde-
mos”, escreveu Rosana em sua página de Facebook, ao se despedir do amigo. Matheus de Sá, brasileiro farmacêutico, escolheu fazer sua revalidação do diploma, apesar das dificuldades. “Eu fiz a equivalência apenas para a farmácia comunitária, que é a farmácia que fica na rua. Para ir pro hospital, é preciso fazer um mestrado a mais. Aqui no Quebec tem um convênio do Conselho de Farmácia com a faculdade que dá a permissão para trabalhar em Quebec apenas”, disse Matheus. Essa permissão é chamada de Qualification en pharmacie (QeP) e oferece ao trabalhador o treinamento adicional necessário que permite que o mesmo desempenhe plenamente o papel no sistema de saúde do Quebec, em colaboração com outros profissionais.
“O QeP é menos duro, apesar de ainda ser bem difícil, mas pelo menos a gente pode voltar para a universidade e ter contato com tudo o que ela nos dá: professores, estrutura, estágios, contatos, network, etc. Mas o maior desafio pra mim, que ainda existe até hoje, é o idioma”, diz Matheus. Mesmo anos após a pandemia de Covid-19, a escassez de trabalhadores da área de saúde no Canadá persiste. A crise revelou, de forma duradoura, a necessidade urgente de mais profissionais qualificados em diversas áreas da saúde. Então, em 2024, o governo federal
anunciou um investimento de $86 milhões em 15 projetos voltados para facilitar a revalidação de diplomas de profissionais de saúde formados no exterior. Esse investimento busca acelerar esse reconhecimento de credenciais, oferecendo suporte prático, como mentoria e ajuda com custos de transporte e creche. O projeto busca beneficiar cerca de 6600 trabalhadores em áreas como enfermagem, farmácia e odontologia. Em todas as ocupações, o trabalhador deve obter um diploma universitário, um treinamento de aprendizagem entre dois anos e seis
Ser viços em português para a com unidade
Organizações ofererem atendimento e programas gratuitos para falantes do idioma em Toronto
luis augusto nobre é comunicador institucional
A imigração é algo comum na história da humanidade e do Canadá. O país se fez atrativo graças às políticas de imigração oferecidas nas últimas décadas e, apesar das recentes mudanças implementadas pelo governo, pessoas de diversas nacionalidades, grupos étnicos e identidades têm migrado em busca de novas oportunidades ou refúgio. Dentre elas, houve um aumento considerável no fluxo de imigrantes cuja língua materna é o português. Por contexto histórico, grupos de portugueses vieram para o Canadá a partir anos 1950. Já a imigração de pessoas vindas do Brasil se fez mais intensa nos últimos 15 anos. Dados apresentados pelas repartições diplomáticas brasileiras no Canadá nas eleições presidenciais de 2022 apontaram um aumento de 77,2% no número de eleitores – não considerando toda a população de imigrantes brasileiros em território canadense. Segundo dados do censo de 2021 disponibilizados pela Prefeitura de Toronto, o português é o quinto idioma não-oficial mais falado na cidade.
Dentre os falantes de português, muitos se identificam como membros das comunidades LGBTQIA+. O Canadá é considerado um dos países mais seguros do mundo para pessoas queer e trans. Esta população específica procura por serviços sociais ou de saúde em organizações mais inclusivas, que se adaptaram à nova demanda e aos atendimentos em português. Este foi o caso da PrEP Clinic, uma clínica de saúde sexual que
oferece serviços gratuitos e acessíveis de prevenção e tratamento a infecções sexualmente transmissíveis, incluindo HIV e AIDS. Farmacêutica por formação no Brasil, Aline Zorzetto trabalha como Especialista no Cuidado do Paciente e foi a primeira falante de português contratada. Hoje, a clínica conta com três profissionais de origem brasileira ou portuguesa em dois departamentos, mas que colaboram com atendimentos aos pacientes quando solicitado. “Muitas pessoas ficam receosas em pedir ajuda de
tradução, mas é extremamente importante compreender todas as informações compartilhadas para os tratamentos”, afirma Aline. Outro exemplo de organização com serviços em português é o The 519, uma agência da Prefeitura de Toronto que funciona como centro comunitário para as comunidades LGBTQIA+. Com falantes do idioma no quadro de empregados em diversos departamentos, sete funcionários se uniram para criar programações para brasileiros queers A iniciativa busca promover os serviços gratuitos da instituição e aumentar a sociabilidade de brasileiros na cidade. Bárbara dos Santos,
meses no trabalho – um período longo em que a pessoa ainda tem que se manter financeiramente de alguma forma, ou seja, cria mais uma barreira para muitos que não podem deixar de trabalhar para estudar. Não é impossível fazer a revalidação; porém, as barreiras são tantas que fazem vários desistirem até de tentar. A facilitação na revalidação do diploma ainda precisa ser discutida com mais detalhes para atender às necessidades da população que cresce a cada ano. No final, o mais importante é ter profissionais suficientes para todos.
LGBTQIA+
Coordenadora de Saúde Pública e Justiça, trabalha para o The 519 desde 2021 e é uma das sete pessoas envolvidas no projeto. “Quando o programa se iniciou em 2024, muitos brasileiros desconheciam o The 519 e os acessos aos serviços oferecidos, independente do status no país”, pondera Bárbara. Por meio de eventos de integração social e participação ativa da própria comunidade, o programa tem ampliado o acesso aos serviços gratuitos oferecidos, como saúde, saúde afirmativa, clínicas de imigração, habitação etc. Hoje, o centro conta com uma pessoa dedicada a coordenar iniciativas e programas voltados para falan-
tes de português e espanhol. Vale ressaltar que diversas entidades trabalham com imigrantes ou população LGBTQIA+; porém, muitas delas oferecem programas e atendimento em português somente enquanto profissionais lusófonos fazem parte dos seus quadros, ou enquanto conseguem manter verbas dedicadas para tais iniciativas. Múltiplos projetos e organizações foram criados e cessaram ao longo dos últimos anos por falta de investimentos ou de apoio institucional nesta interseção de falantes de português e comunidades LGBTQIA+. Com serviços sociais e de saúde para prevenção e para pessoas vivendo com HIV ou AIDS, o AIDS Committee of Toronto (ACT) já ofereceu serviços no idioma por ter recebido apoio financeiro específico da Prefeitura de Toronto. Rui Pires, Coordenador de Educação para Homens Gays do ACT, mencionou que a instituição conseguiu ter programas com portugueses, brasileiros e angolanos. “Tudo ficou mais custoso para as organizações quando os subsídios acabaram, impactando no engajamento comunitário e manutenção dos projetos. Várias instituições tiveram que encerrar os programas em português”, lembra Rui. O ACT ainda mantém profissionais falantes do idioma na sua equipe.
Primeiro "Queer Brazilian Townhall" do The 519, em 2024, foi um
evento de sociabilização para conectar a comunidade de língua portuguesa.
&Bem-Estar
Descobrindo o subúrbio
de Toronto
É muito comum ver os brasileiros que se mudam para o Canadá escolhendo Toronto, Montreal ou Vancouver como os locais preferidos para morar. Super compreensível, já que as metrópoles canadenses certamente têm muitos atrativos e mais segurança do que a maioria das cidades no Brasil. Sem falar na quantidade de áreas verdes, em plena cidade grande – o que não se vê em São Paulo, por exemplo. Mas, e as pequenas cidades nos arredores dos grandes centros? Como se parece o tão falado subúrbio norte-americano? Eu mesma demorei anos para conhe-
cer um pouco mais além do GTA, e foi durante a pandemia que acabei desbravando novos horizontes, descobrindo Oakville e Burlington, na região de Halton. E gostei. Voltei e fiquei. Oakville é a “menina dos olhos” de Halton. Um ponto turístico bem conhecido pelos brasileiros, com um centrinho charmoso, cafés e lojinhas simpáticas. O poder aquisitivo na região é bem alto, o que se reflete nos arredores da cidade. Escolhido por muitos dos brasileiros dispostos a pagar um valor premium para morar, é acolhedora e tem uma representação expressiva da nossa comunidade. Burlington é, por sua vez, a “irmã mais nova” de Oakville,
mas com um charme todo particular. A cidade tem um ar de cidade praiana, com calçadão e restaurantes bacanas, e é certamente um lugar a se conhecer. Muito procurada por casais em busca de espaços para casamentos ou em lua-de-mel, Burlington é a escolha certeira daqueles que querem mostrar um pouco mais do Canadá para amigos e familiares visitando o país, ou simplesmente para passear nos finais de semana. O Spencer Smith Park, na beira do Lago Ontário, é palco de diferentes festivais ao longo do verão, atraindo visitantes de diversos lugares da província. Um dos mais famosos é o Sound of Music Festival, que acontece no
mês de Junho e conta com shows e atrações para toda a família.
Com a facilidade de contar com o serviço do GO train, que dá acesso a várias estações do GTA, incluindo a Union Station, é possível chegar em downtown Toronto em aproximadamente 50 minutos. E é exatamente por isso que muitas famílias acabam se mudando para o “interior”. A tranquilidade da cidade pequena sem perder o contato com a metrópole é um fator de decisão importante na hora de pesar os prós e contras de uma mudança dessas.
Tenho vivido os últimos 15 meses em Halton e confesso que a ideia de voltar para Toronto tem
se tornado cada vez mais distante. É lógico que eu sinto saudade da cidade grande, mas o subúrbio tem me oferecido bem mais do que eu imaginava encontrar. Escolas excelentes, shoppings vazios e com as melhores lojas, transporte público eficaz, além dos serviços recreativos e culturais oferecidos pela cidade a preços bem mais razoáveis. E se bate aquela saudade da nossa querida Toronto, lá vou eu de trem, curtindo a paisagem, tomar um café com amigos ou passear pelo High Park.
Enfim, vale a troca? Isso é bem pessoal, mas por enquanto estou apostando nisso.
sonia Cintra é diretora de arte
Vista aérea de Oakville, Ontário. canmenwalker
A primeira impressão é a correta
Como é importante prestar atenção na intuição
José FranCisCo sChuster
É notório que a realidade não se limita ao que se pode provar cientificamente, com muito mais coisa rolando em paralelo. Um dos exemplos mais conhecidos é nossa intuição, que nos dá sacadas do que está acontecendo, embora não possamos provar. E uma das melhores manifestações da intuição está na primeira impressão, que costuma ser a correta. Quando a primeira impressão é negativa de algo que não gostaríamos que fosse assim, temos a tendência de contemporizar, achando que depois vai melhorar, e continuamos apostando naquela situação. Na maioria das vezes, para quebrar a cara.
Uma situação clássica de intuição perfeita é quando vamos a uma festa e encontramos estacionamento na porta e não há fila para entrar. A ideia de nos acharmos sortudos dura só um minuto, pois basta entrar para constatar um salão vazio e uma festa morta. A intuição nos diz “essa festa jamais vai decolar”, mas muitas vezes não acreditamos e achamos que daqui a pouco o pessoal chega, e vamos ficando. Roubada. É uma noite perdida em uma festa
Uma vez estava com uma galera em um esquenta de Ano Novo e ligamos para um que foi adiantado para a festa. Ele disse que fôssemos, que estava ótimo. Mas como que em uma festa ótima ele ouviu o celular tocar e estava desocupado para atender no primeiro toque? A intuição dizia para não ir, mas fomos. Era mentira, estava vazio, e já era tarde para irmos passar o Ano Novo em outro lugar.
Os primeiros 15 minutos de um filme também nos dão a intuição se vamos gostar ou não. Se a impressão não foi boa, melhor ver outra coisa no Netflix ou sair do cinema para não ficarmos com o arrependimento de termos perdido tempo à toa.
O início da conversa com outra pessoa, por sua vez, já dá uma ideia se dali pode sair a possibilidade de existir uma segunda conversa no futuro. Seja uma amizade ou relacionamento comercial, já se percebe como a outra pessoa funciona e se há uma afinidade com o que pensamos. É possível enganar-se em um primeiro momento e só depois a outra pessoa revelar sua verdadeira personali-
dade? Sim, mas isto é mais raro. Também é bom confiar na primeira impressão quando se vai alugar ou comprar um imóvel. Se houve um encantamento à primeira vista, é sinal de que você pode ser feliz ali. Todavia, se você notou que ao lado há uma chaminé de fábrica, não tente se autoconvencer de que você vai se acostumar. O arrependimento pode começar no próprio dia da mudança, mas aí o contato já está assinado e não há como retroceder. Da mesma forma, confie na sua primeira impressão a respeito da imigração. Se as coisas vão se encaixando perfeitamente como em um quebra-cabeça, você está no caminho certo. Porém, se conseguir a documentação para residente permanente é uma odisseia, o inverno rigoroso é um penar diário e uma proposta de emprego nunca vem, a intuição está dizendo que aquele lugar não é para você, e somente está se forçando por algo que não é para ser. Desistir é duro, sabemos. Mas não se investe dinheiro bom em barco que está afundando.
Com mais de 40 anos de experiência como jornalista, José Francisco Schuster atuou em grandes jornais, revistas, emissoras de rádio e TV no Brasil. Ao longo dos últimos 17 anos, tem apresentado programas de rádio e podcasts para a comunidade de língua portuguesa no Canadá.
Em homenagem à nossa Edição de Primavera e ao importante orgulho canadense que tem se espalhado nesse período, publicamos aqui uma ilustração da bunchberry, considerada a Flor Nacional
do Canadá.
No dia a dia, nós frequentemente nos deparamos com situações em que nos sentimos injustiçados ou prejudicados, desde problemas trabalhistas até a quebra de contratos. No entanto, muitas vezes não sabemos como buscar justiça no Canadá. O que devemos fazer?
Antes de começarmos um processo no âmbito judicial ou administrativo no Canadá, o primeiro passo é saber se realmente vale a pena processar alguém ou alguma empresa. Em certos casos, pequenas disputas têm valor tão baixo que não valem a pena pelos custos e o tempo de um processo. Também é muito importante verificar se você tem
Cotidiano
Como processar alguém no Canadá?
evidências suficientes para provar o seu ponto. Muitos processos são perdidos por falta de evidência e isso pode gerar prejuízo financeiro e até mesmo dores de cabeça para aquele que ajuizou a ação. Em algumas outras situações, vale mais a pena buscar outras alternativas.
Um dos primeiros passos é saber onde registrar a sua reclamação. Há diversos tribunais e agências, e cada um trata de tipos diferentes de disputa. Em alguns casos, antes de se pensar em acionar o Poder Judiciário, um processo administrativo pode ser ajuizado primeiro. Quando mencionamos alguma das palavras inglesas, como tribunal, board ou commission, estamos nos referindo a tribunais administrativos que, em alguns casos, possuem regras processuais que se assimilam a um processo judicial. Por exemplo, em casos de discriminação, pode-se ir ao
Ontario Human Rights Tribunal ou ao Canadian Human Rights Commission. Em questões trabalhistas, deve-se buscar o Ministry of Labour Para problemas relacionados a imóveis alugados, o Landlord and Tenant Board Em caso de problemas envolvendo empresas aéreas, a Canadian Transportation Agency. E isso pode variar de província para província, cada tribunal ou agência tem suas regras próprias que orientam como iniciar um processo – importante verificar com a própria agência ou tribunal, ou com um profissional da área legal, como um advogado. Um dos tribunais mais conhecidos é a Small Claims Court, que é o nosso “tribunal de pequenas causas”, e que lida com questões cíveis com valor de causa até $35 mil dólares canadenses, e onde não é obrigatória a presença de um advogado ou paralegal. Os tipos de causa que esse tribunal lida
&Tecnologia
Brasileiros no Canadá criam o “Tinder” do mercado de trabalho
Aplicativo facilita a vida de profissionais da construção, limpeza e outros serviços
Carolina Mendes é comunicadora e jornalista
Encontrar trabalho na construção civil nem sempre é simples. Muitas oportunidades surgem pelo boca a boca, grupos de WhatsApp ou indicações informais, deixando muitos profissionais sem acesso a boas vagas. Mas, e se houvesse uma maneira mais fácil e direta de conectar trabalhadores qualificados com empresas que precisam de mão de obra?
Foi com essa ideia que Evandro Holderbach, Rodrigo Santos e Cleverson Franchi desenvolveram o Hadronlink Connectus, um aplicativo criado para facilitar a vida de profissionais da construção, limpeza e outros serviços técnicos no Canadá e nos EUA. Conversei com Cleverson, um dos
fundadores, para entender como o app funciona e como ele pode ajudar quem está buscando trabalho.
Carolina Mendes – De onde veio a ideia de criar o Connectus?
Cleverson FranChi – Sempre estivemos próximos desse mercado e percebemos que muitos trabalhadores talentosos têm dificuldade para se conectar com oportunidades. A maioria das vagas é preenchida por indicação ou por quem “conhece alguém”, o que pode ser um obstáculo, especialmente para quem é novo no país ou quer expandir sua rede.
Os aplicativos tradicionais de emprego, como Linkedin e Indeed, não atendem bem essa área – são muito focados em vagas administrati-
vas e exigem um processo mais burocrático. Queríamos algo mais simples, direto e útil para quem trabalha com as mãos, e assim nasceu o Connectus.
Carolina – Como o app ajuda quem está procurando trabalho?
Cleverson – O profissional cria um perfil com suas habilidades, fotos de trabalhos anteriores e a região onde atua. Esse perfil funciona como um portfólio digital e pode ser compartilhado por WhatsApp ou SMS, como um cartão de visita moderno. Além disso, as empresas que buscam profissionais podem encontrar e entrar em contato diretamente pelo app Outro diferencial é o nosso assistente de inteligência artificial, que ajuda a
vai desde, por exemplo, cobranças não pagas e quebra de contratos, a danos materiais e outros tipos de ação. Um dos fatores a se considerar antes de ajuizar algo na Small Claims Court é que existem fees a serem pagos, e isso pode tornar bem desvantajoso prosseguir, em caso de questões muito pequenas.
Judicialmente, para disputas cíveis acima de $35 mil dólares canadenses, o processo é levado ao Superior Court of Justice, onde é obrigatório ter advogado. Deve-se levar em conta os custos elevados, que incluem os honorários advocatícios e as taxas processuais. Processos na Superior Court of Justice podem levar bastante tempo, muitas vezes anos, até sua resolução. Em caso de rejeição do
seu processo, ou respostas negativas, é importante verificar se há algum recurso cabível e recomendável. Também é importante mencionar que esse artigo tem como base as instituições da Província de Ontário; em outras províncias, nomenclaturas e procedimentos podem variar drasticamente, e há diversos outros tribunais, agências e cortes que não foram mencionados, os quais tratam de diferentes tipos de processo. De todo modo, antes de processar ou iniciar uma reclamação, é essencial analisar bem o caso e verificar se há alternativas possíveis. Em caso de dúvidas, buscar orientação legal pode evitar gastos desnecessários e muitas dores de cabeça.
criar um perfil profissional forte e o traduz automaticamente para quatro idiomas: inglês, francês, português e espanhol.
Carolina – E para quem trabalha como autônomo, fazendo “freelas”?
Cleverson – O Connectus também é perfeito para quem faz trabalhos ocasionais ou quer complementar a renda. O profissional pode ser encontrado tanto por clientes que precisam de serviços quanto por empresas em busca de mão de obra. Além disso, oferecemos ferramentas para organizar o dia a dia, como geração de orçamentos e envio de faturas diretamente pelo app
Importante dizer que o Connectus não intermedia pagamentos, mas ajuda os
profissionais a manterem tudo organizado.
Carolina – O que torna o Connectus diferente de outros apps de emprego?
Cleverson – A principal diferença é que ele foi feito especificamente para profissionais da construção, limpeza e serviços técnicos. Ele não só lista vagas, mas também ajuda os trabalhadores a se promoverem e criarem sua própria rede de contatos profissionais.
Outro ponto de destaque é a tecnologia de tradução automática, que permite que conversas no chat sejam traduzidas instantaneamente para mais de 150 idiomas, facilitando a comunicação entre profissionais e contratantes de diferentes nacionalidades.
Carolina – O app já está disponível? Como começar a usar?
Cleverson – Sim! O Connectus já está ativo no Canadá e nos EUA, com centenas de profissionais cadastrados. Quem quiser encontrar trabalho ou contratar profissionais pode baixar o app gratuitamente e criar um perfil em minutos. Para mais informações, basta acessar www.hadronlink.com. Estamos animados para ver o Connectus conectando cada vez mais trabalhadores e empresas por aqui!
Acesse o app:
gabriel Melo viana
Gabriel Melo Viana é advogado em Ontário e mestre em Direito pela York University e pela Universidade de São Paulo. Possui MBA em Gestão Empresarial pela FGV e experiência em docência no Ensino Superior.
Ao fundo, a escultura "Pillars of Justice", criada por Edwina Sandys em 2007, em frente a Toronto Courthouse.
O manuscrito de Pedagogia do Oprimido foi concluído no Chile, em 1968, em português, mas publicado pela primeira vez pela editora Herder and Herder, New York, em inglês, no ano de 1970. De lá para cá, desnecessário dizer que esta obra se tornou mais do que um clássico, figurando como referencial teórico fundamental nos campos das ciências sociais e humanas em diversas universidades do mundo. Basta lembrar o famoso resultado da pesquisa realizada pelo projeto Open Syllabus, no qual Pedagogia do Oprimido figura como o único livro brasileiro a constar da lista dos 100 títulos mais indicados por professores nas bibliografias das
Educação
Por um dever de consciência
universidades de língua inglesa (Estados Unidos, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia). Ou seja, ler obras deste calibre significa menos uma questão de índole ideológica do que uma espécie de dever de consciência para todo aquele que preze ter contato com o patrimônio cultural historicamente produzido pela humanidade.
Dito isso, adentremos no universo conceitual do livro que marca um importante ponto de chegada do primeiro momento da trajetória intelectual de Paulo Reglus Neves Freire, vulgo Paulo Freire (1921-1997).
É nesta obra que o autor apresentará pela primeira vez ou oferecerá um acabamento
conceitual mais maduro para categorias pelas quais viria a ser mundialmente reconhecido, tais como: diálogo, conscientização, relação opressor-oprimido, concepção bancária de educação. Tais categorias, e isso explica em parte o êxito da obra, funcionam como resposta, no âmbito da educação popular, à busca de toda uma geração, engajada na transformação das estruturas sociais produtoras de desumanização ou, para usar uma expressão muito característica de Freire: impedidoras de que o ser humano cumpra sua “ontológica vocação de ser mais”.
Em Pedagogia do Oprimido, o autor alça sua filosofia da educação a um novo patamar que lhe permitirá, de um lado, elaborar teoricamente sua experiência prática anterior, realizada no Brasil, por outro, avançar nos aspectos práticos de sua ação educacional transformadora no Chile, depois na África e em diversos países do mundo, por meio de colaborações de diferentes tipos.
Esse passo adiante dado por Pedagogia do Oprimido significa a possibilidade de articulação en-
tre educação e política a partir de uma compreensão não idealista da realidade. Quer dizer, a partir de uma compreensão concreta da realidade concreta a ser transformada em favor da realização humana do ser humano. Nesse sentido, por exemplo, cumpre papel fundamental a compreensão de que a transformação das consciências dos sujeitos-educandos, bem como dos sujeitos-educadores – o processo de conscientização – não se dá fora do processo de transformação prática da realidade na qual os sujeitos se fazem enquanto tais.
Diferentemente do que aparece em sua obra anterior, Educação como prática da liberdade, publicada em 1967, e referenciada nas experiências educacionais brasileiras anteriores ao exílio, a transformação da realidade não se processa tão somente pelo fato de ela ter sido desvelada em nível teórico. A conscientização, na verdade, é fruto da articulação dialética entre ação e reflexão, segundo as condições abertas pelo momento histórico que nos atravessa e a partir do qual qualquer transformação é possível.
Como boa parte das obras clássicas que formam o cânone da literatura de todos os tempos, Pedagogia do Oprimido é obra exigente, na relação com a qual temos que nos gabaritar para poder fruí-la. Outro modo de dizer que livros desta envergadura não podem ser concebidos equivocadamente como mercadoria de consumo fácil para momentos de distração, como tantas que circulam de modo hegemônico nesse doloroso momento de rebaixamento cultural. Aqui, o que está em jogo é nada menos do que a realidade, o ser humano e suas possibilidades de ser, ou não ser. Como dizia minha avó, a leitura “paga a pena”.
tovar Júnior é historiador
livro Pedagogia do oPrimido de Paulo Freire Editora Paz & Terra
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O paradoxo da tolerância no mundo globalizado e virtual
andré oliveira & rodolFo Marques
Uma discussão inconclusiva na Ciência Política e em outros campos das Ciências Sociais diz respeito a como proceder com os politicamente intolerantes em uma sociedade aberta, plural e, portanto, democrática. Os embates entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e alguns grupos políticos intransigentes produziram intensas discussões no Brasil sobre os limites da liberdade de pensamento inscrito na Constituição de 1988 (art. 5º, inciso IV) e, por extensão, da própria qualidade da democracia brasileira. Em muitos debates públicos e artigos publicados no Brasil, o chamado paradoxo da tolerância de Karl Popper foi mencionado para escorar argumentos, mas nem sempre da forma correta. O paradoxo da tolerância sustenta que democracia é para os tolerantes; em face dos intolerantes, a democracia deve ser igualmente intolerante. Popper acrescentou que “a tolerância ilimitada pode levar ao desaparecimento da tolerância”; ou seja, “se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, o resultado será a destruição dos tolerantes e, com eles, da tolerância”. Intolerantes podem ser entendidos como aqueles que defendem ideologias totalitárias, de incitamento ao ódio contra etnias ou ideologias distintas. Por óbvio, intolerantes não estão dispostos ao debate aberto, mas apelam à violência como recurso para impor sua visão excludente de mundo.
Nossa convicção é a de que Popper aplicava o entendimento contido no referido paradoxo também à circulação de ideias intolerantes, não apenas à ação de grupos políticos de ideário totalitário. Dito de outro
modo, Popper – ele mesmo alguém que teve de deixar a Áustria fugindo do nazismo – defendia a interdição da circulação de ideias ou de ideologias intolerantes. É exatamente aqui que reside o ponto nevrálgico da discussão, pois muitos defendem, inclusive no mundo acadêmico, que a interdição das ideias e ideologias intolerantes representaria uma imposição indevida da censura e a instituição estatal que a aplicasse se converteria em uma espécie de tribunal das ideias, um arranjo incompatível com os fundamentos de uma sociedade democrática. Nesse
Intolerantes não estão dispostos ao debate aberto, mas apelam à violência como recurso para impor sua visão excludente de mundo
e o Norte da África do jugo hitlerista. A decisão da Suprema Corte se insere em uma tradição política com fundamentos democráticos robustos; ainda assim, mais de dois séculos de tradição democrática não foram capazes de impedir a invasão do Capitólio em janeiro de 2021, momento em que
A democracia precisa criar salvaguardas que a protejam dos ataques dos intolerantes que pregam a erosão de suas instituições. A situação se torna ainda mais complexa diante da utilização das mídias sociais para difusão acelerada de fake news de conteúdo intolerante, uma dimensão tecnoló -
caso, é comum que se invoque o precedente da Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos, que veda ao Congresso estabelecer qualquer restrição à liberdade de expressão ou de imprensa.
Há certa ironia amarga no fato de que neonazistas invoquem a Primeira Emenda para realizar manifestações e divulgar ideias cujo escopo final é destruir a sociedade democrática forjada pelos colonos e Founding Fathers of the United States. Além disso, milhares de jovens norte-americanos morreram na II Guerra Mundial para libertar a Europa continental
grupos intransigentes questionavam a legitimidade do processo eleitoral, fato sem precedentes na história estadunidense.
Há talvez certa ingenuidade em acreditar que ideias intolerantes e/ou totalitárias possam circular livremente sem que, em algum momento de sua trajetória, venham a ganhar as ruas mobilizando multidões, de modo a configurar um tipo de pesadelo político-institucional que Popper classificou como “a revolta contra a razão”, o momento em que a maioria esmagadora reivindica a destruição da democracia.
André Oliveira (à esquerda) é advogado com especialização em Direito Público, doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco e membro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP) desde 2009. Rodolfo Marques é servidor público, publicitário e jornalista; Mestre (UFPA) e Doutor (UFRGS) em Ciência Política; e professor na Universidade da Amazônia e na Faculdade de Estudos Avançados do Pará.
de Toronto no
gica e político-institucional que Popper não teve que enfrentar quando elaborou o paradoxo da tolerância. Todavia, o problema mais tormentoso consiste em definir quem irá fazer esse controle em nome da sociedade democrática, utilizando quais mecanismos e sob quais fundamentos. Indo direto ao ponto, trata-se de como conter a intolerância dos grupos totalitários sem sufocar a tolerância que caracteriza as sociedades democráticas em um mundo globalizado e virtual – eis o novo paradoxo da tolerância que nos desafia.
"Estátua da Liberdade", criada pelo escultor francês Auguste Bartholdi, sendo montada na França em 1883, antes de ser enviada para os Estados Unidos, onde foi inaugurada em 1886. Uma curiosidade: a estrutura interna de metal foi projetada por Gustave Eiffel.
albert fernique
O álbum XOCÔ mistura ritmos ancestrais com rock psicodélico, blues, funk e drum & bass. Aclamado pela crítica internacional, o disco é uma jornada musical e uma homenagem à herança afro e indígena do Mestre Sérgio Xocolate.