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VIVEMOS A INDIFERENÇA SOCIAL?

R a IM u N do a N to NI o de sou Za Lo P es é escritor e jornalista rsouzalopes@hotmail.com

Escuto muito, em rodas de conversas, as pessoas falando sobre como a indiferença permeia o dia a dia de todos nós. E quando ouvimos a palavra indiferença, uma das analogias que fazemos, em primeiro lugar, é sobre a falta de empatia do ser humano para com o seu semelhante; embora a indiferença tenha várias outras exterioridades, especialmente, quando a relacionamos com a vontade própria de cada um para com algo ou com alguma coisa.

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E, especificamente, quando pensamos no nosso semelhante, várias imagens aparecem em nossa memória, dentre elas, só para servirem de exemplos, os casos de seres humanos passando fome, de pessoas que moram debaixo de pontes, de marquises e nas calçadas; bem como a situação dos pedintes e dos drogados. Ou seja, sempre colocamos a indiferença como sendo algo que acontece de repente, quando, na verdade, ela já estava instalada, há bastante tempo, talvez desde os primórdios da civilização. E, se assim for, são situações recorrentes que apenas mudaram de roupagem através dos tempos.

Concordo, sim, que essa falta de empatia para com o próximo não é de hoje e, sim, desde o início das civilizações, lá quando o homem passa a viver em sociedade. Ela, porém, não acontece de repente. Ela vai sendo “construída”, aos poucos, através dos tempos, até tomar uma forma que vai se encaixando, permanentemente, no cotidiano, de tal forma que, ao ser observada, não cause nenhuma estranheza. O interessante é que há sempre uma justificativa para que essa indiferença se materialize, ou seja, há uma contrapartida para que não haja o envolvimento daqueles que, vendo determinada situação, que foge ao seu cotidiano, busque prestar a devida solidariedade.

Hoje em dia, na maioria das vezes, o medo de se envolver decorre da falta de segurança, do medo de, ao se envolver com os problemas do seu próximo, seja ele, no final, a ficar com a obrigação, o ônus e a responsabilidade de resolvê-los. Assim, ao visualizar a cena de alguém dormindo debaixo de uma ponte, a primeira justificativa é de que não somos responsáveis e, sim, o Estado; embora nós sejamos parte integrante desse pilar que dá sustentação ao equilíbrio social. Sem a nossa participação, sem o nosso envolvimento, sem a nossa cobrança, o Estado é ineficiente; basta ver o problemão das grandes cidades com as “Cracolândias”. Com certeza, elas não começaram de repente. Não. Elas foram sendo construídas, aqui e ali, por pessoas sem teto, desempregados, viciados, que, por não terem alternativas de vida, foram se aglomerando, buscando uns aos outros e se apoiando mutuamente. E, com a ausência dos poderes públicos – para os acolher, ressignificar, capacitar, encaminhar, empregar – e a indiferença da população civil, instalaram-se definitivamente em um território onde nem a própria polícia tem mais como entrar.

Quando digo que a indife - rença, inerente ao ser humano, se instala antes, lembro-me de que uma batida de carro, cinquenta anos atrás, era um acontecimento extraordinário e motivo de manchetes e mais manchetes nos jornais e noticiários de uma cidade. Hoje em dia, está banalizado e quando acontece, é justamente o contrário: ninguém mais para, para ver ou para oferecer solidariedade. O medo de se envolver não permite. A mesma coisa, com a violência. Já ouvi até gente dizendo que “não sendo comigo, porque vou me envolver?”

Nos anos noventa, início deles, eu alertei, em conversas com colegas professores, que, se não tomássemos providências, denunciando o consumo de drogas entre nossos alunos, isso iria trazer muitos transtornos para a comunidade escolar e, claro, familiar. Não tomamos providências e está aí, diante da nossa indiferença, o resultado. Da mesma forma, no início dos anos dois mil, eu denunciei, em algumas crônicas, o desemprego em nossa cidade e o crescente número de pessoas, autodenominadas de “flanelinhas”, que passaram a “tomar de conta das vias públicas”.

Os poderes públicos fecharam os olhos, a sociedade civil foi indiferente, pois não “lhe dizia respeito” e o resultado, para quem reside em Mossoró, só precisa sair de casa...

A indiferença, porém, não é só no macro das coisas, ela também permeia o universo das pequenas coisas, e até chega a dialogar com a falta de educação e de gentileza... Na semana que passou, eu estava me exercitando na esteira da academia, perto da catraca de entrada. Um dos praticantes, ao sair, deixou cair uma flanela que é normalmente usada para, embebida em álcool, limpar o equipamento que a pessoa vai usar. Assim, em cima da mureta de entrada da academia ficam várias garrafas de álcool e várias flanelas também. Sempre uma ao lado da outra. Visíveis, para quem entra e para os que já estão do lado de dentro. Pois bem, esse frequentador deixou cair a flanela, quando foi colocá-la ao lado das outras. Só que ele não viu que tinha deixado a flanela cair. E foi embora. Eu fiquei observando a cena e esperando que alguém, que se encontrava próximo ao local e que estava vendo a flanela no chão, viesse e a colocasse no seu devido lugar. No entanto, ninguém fez isso. Em 26 minutos, seis pessoas chegaram, entraram e passaram pela flanela, no chão. Nenhuma delas, mesmo olhando para a sua cor vermelha, teve a sensibilidade de apanhá-la e colocá-la no balcão, ao lado das outras. Nem eu saí de onde estava fazendo o exercício, a cerca de três metros e meio, para fazer isso. A minha justificativa foi a de ver quanto tempo duraria a indiferença das pessoas, que chegavam e das que já estavam na academia, para perceberem que aquela cena não podia ser considerada normal e, portanto, sujeita à nossa mais completa apatia. No final, um frequentador, ao chegar, depois de longos vinte e seis minutos, após passar a catraca, abaixou-se, pegou a flanela e a colocou ao lado das outras, juntos às garrafas de álcool, no balcão. Depois disso tudo, só de ruim, e para ver a reação de quem estava lá dentro e que tinha “participado” da cena, eu comentei sobre a distância que há entre o discurso e a ação. Depois que contei toda a saga da flanela no chão, o balançar de cabeça se fez presente entre nós. E olha que, ali, à primeira vista, estavam pessoas esclarecidas, algumas cultas e, em sua grande maioria, pessoas engajadas com as causas sociais.

No final de tudo, quando já vinha para casa, fiquei imaginando como deve ser difícil sair de uma situação em que a ajuda nunca chega, ou quando a força de vontade nunca anda de mãos dadas com a solidariedade do seu próximo.

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