2 OPINIÃO
TERçA-FEIRA, 8 de junho 2021
ESPAÇO JORNALISTA MARTINS DE VASCONCELOS
Organização: clauder arcanjo
A brisa do Oeste JOSÉ DE PAIVA REBOUÇAS
é escritor e jornalista josedepaivareboucas@gmail.com
Existe uma lenda, nunca antes contada, no Oeste do Rio Grande do Norte, de que o mar já foi amante de uma jovem serra nesta região. Há bilhões de anos, quando os continentes ainda se ajustavam, a costa do norte entrava terra adentro até os pés do platô que cobre esta vastidão. Entre as numerosas formações rochosas da chapada, uma das serras – a mais distante – ainda jovem senhorita, enviou para o jovem mar uma flor. Choveu naquele dia com relâmpagos e trovoadas assustando os gigantescos animais pré-históricos. Para alcançar sua amante, o amar cismou de avançar entre os desfiladeiros e subir as encostas, mas o planalto era muito íngreme. Sem forças para continuar, entristeceu. Mandou uma neblina e recebeu da jovem serra mais flores perfumadas. O platô, que apenas observava aquela relação, percebeu que o pequeno mar do norte, quase um golfo até então, estava tão entusiasmado com seu amor que mudou o tom de suas correntezas. A força das águas empurrava as rochas e soltava a areia. A erosão que começara no subsolo, ampliando o lençol freático, agora sucumbia às cabeceiras das montanhas. O platô pediu calma e explicou que se continuasse adentrando o sertão com aquela rapidez acabaria machucando fisicamente a jovem montanha, pois ela dependia da terra a seu redor para manter-se
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de pé. Com ciúmes, o oceano entendeu aquela conversa como afronta. Travou-se uma luta obscura. O mar então passou a disparar rajadas contra a chapada de forma impiedosa. Bilhões de megatons feriam as pedras e as ondas batiam com força espalhando a areia. As serras combatiam devolvendo o calor que alterava as correntes marítimas. O céu escuro lembrava um vulcão explodindo. Animais morriam de calor e fome, a vegetação salgava e um deserto se formou sobre os vales. A jovem serra entristeceu e começou a render-se em dor e sofrimento. A fúria do amante sobre seus semelhantes a destruía. Sem conseguir trégua das águas, a terra decidiu partir. Levantou suas costas e virouse para o sertão afastando o
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mar que só então se deu conta de sua loucura. A jovem serra não acenava mais e a destruição causada pela guerra expunha seus ossos e uma face triste desprotegida. Já não chovia sobre a donzela e a mata verde agora era cinza e sem vida. Caiu sobre o mar a responsabilidade de tudo aquilo. Sua fúria havia ferido a terra e afastado seu único amor em bilhões de anos. A vida que tocava sua praia agora era escassa e sua amante, antes linda e florida, sofria as feridas do sol descomunal da era cenozóica. Há séculos ele não a ouvia mais, ocupado com os confrontos, mas quando a viu partir sentiu-se incompreendido e desolado. Começou a gritar, mas, novamente, sua fúria causava destruição e desordem. O jeito foi calar-se e,
assim, desconsolado, permaneceu por longas eras, até que um dia, destes de meio de semana, de céu comum e sol quente, uma flor, pequena e cinza, voltou a tocar suas águas. Dilacerada em sua dor, a jovem serra chorou um rio que atravessou toda a distância. Entre montes e depressões, as gotas salgadas encontradas em seu subsolo construíram um caminho de encontro até seu amante. Ao perceber o milagre, o mar começou a soprar, todo o final de tarde, uma brisa fria para afagar seu amor. Essa aragem corta vales, morros e montanhas e é por causa dela que muitos casais apaixonados sobem aquela serra para celebrar suas paixões e, lá de cima, espiam o horizonte tentando avistar o mar.
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