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Anima o terreiro!
Pâmela Peregrino, diretora do curta-metragem “Ewé de Òsányìn: o segredo das folhas”, fala sobre a mudança na representação de religiões afro-brasileiras
Por Annanda Deusdará dos Santos, Flavia Cury e Murari Vitorino
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Nesta edição do Big Brother Brasil, o participante Fred Nicácio, médico por formação, protagonizou um debate que ferveu na mídia: três integrantes foram acusados de intolerância religiosa após relatarem que sentiam medo do doutor. Associaram a sua religião, o culto de Ifá, à maldade e perversidade. Nicácio agora ameaça processar o trio.
A emissora Globo também protagonizou, no mês anterior, uma história antagonista à essa do BBB. Na novela “Vai na Fé” (2023, dir.: Paulo Silvestrini e Cristiano Marques), é retratado em uma cena o personagem Benjamin se encontrando com sua ancestralidade ao visitar um terreiro de Candomblé, tendo uma repercussão favorável entre os telespectadores pelo jeito positivo que retratou a religião.
Assim, com esses exemplos, é de se ponderar o poder da representação de religiões além do cristianismo nos produtos midiáticos.
Animação Ewé de Òsányìn: o segredo das folhas
A curta-metragem animada, “Ewé de Òsányìn: o segredo das folhas” (2021, dir.: Pâmela Peregrino), conta a história de uma criança que nasce com folhas no corpo e por isso, é discriminada por seus colegas de escola. A personagem foge para a Caatinga, bioma típico do sertão brasileiro, onde encontra seres encantados de tradições indígenas e negras que a ajudam no processo de autodescobrimento.
Pâmela Peregrino, diretora da animação, diz que a política de cotas e a pressão para a inserção de pessoas negras tem causado um impacto positivo para a representação desse grupo na mídia.
“É fundamental para retratações não pejorativas ou estereotipadas das personagens negras e, especialmente, do sagrado afro-diaspórico”, explica a animadora.
Um ponto chave do filme é quando o protagonista usa seus conhecimentos para curar um colega da escola e, ao se depararem com a cena, os estudantes o caçoam e agridem. Esse momento retrata o racismo religioso presente desde cedo em nossas escolas, como analisa Peregrino: “o personagem se defl agra entre estudantes, mas também na própria estrutura escolar e curricular que não acolhe os praticantes de religiões de matriz africana, bem como não oferece conhecimento para a comunidade escolar poder romper preconceitos e práticas discriminatórias.”
A produção teve a participação integral do terreiro de candomblé, desde o ateliê e estúdio montado na casa da Iyá Kekeré do Terreiro, até os detalhes depositados na trilha sonora. Marcelo Maroon, diretor musical do filme, escolheu a dedo os instrumentos utilizados no curta-metragem.
“O berimbau, assim como o atabaque e o agogô, são instrumentos ancestrais e bastante respeitados na ritualidade preta”, conta o músico.
O berimbau, muito utilizado na capoeira, remete a circularidade, a ancestralidade e a raiz. Ele é uma forma de chamamento ancestral para uma ideia circular de se entender a música, o tempo e a própria origem. “A presença do Berimbau na trilha demarca não só uma sonoridade, mas uma retomada do discurso das musicalidades pretas, dentro da nossa perspectiva de pensar a música”, explica Maroon.
Dentre as figuras das religiões de matriz africana apresentadas no curta, nota-se Esu, o senhor dos caminhos, que inicia um encontro da criança com a ancestralidade. Depois, vê-se a entidade baiana com seus conhecimentos sobre a mata, e o orixá Ewé de Òsányìn que finaliza o curta deixando mensagens importantes para o público, sobre importância do encontro com a ancestralidade, o autodescobrimento e aceitação de quem se é; além dos cuidados com o meio ambiente para preservar a humanidade
O desmonte dos órgãos de denúncia
Desde o início da gestão atual do governo do Lula, as violações ao direito de liberdade religiosa cresceram em 64% quando comparadas ao mesmo período do ano passado, conforme dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH).
Em 2023, já são 217 denúncias dessa categoria registradas em janeiro e fevereiro através do Disque 100 – Disque Direitos Humanos –, abrigado pela ouvidoria. Em comparativo com o ano anterior, janeiro, fevereiro e março totalizaram 132.
Bruno Renato, atual gestor da ONDH, esclareceu ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania que os números reduzidos do ano passado tendem a ser fruto da subnotificação, um dos resultados da política de esvaziamento do Disque 100 do governo Bolsonaro.
Os dados levantados no governo anterior apresentaram uma distorção desde o início. Enquanto os dados oficiais relatavam que a perseguição religiosa sobre todas as religiões cristãs somava 76%, durante o segundo semestre de 2020 e o primeiro semestre de 2022, a perseguição às religiões de matriz africana representavam apenas 2% neste mesmo período. Se forem observadas as denúncias acumuladas entre 2011 e 2018, os afros religiosos foram os mais perseguidos, sendo 60% de acordo com a reportagem Terreiros na Mira, lançada em 2019 pelo site de notícias Gênero e Número e pelo Datalab.
Além disso, o II Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe, publicado em janeiro deste ano pelo Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e pelo Observatório das Liberdades Religiosas, em parceria com a Representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), aponta as maiores vítima dos casos de intolerância religiosa: aqueles que seguem as religiões de matriz africana. Essas crenças lideram em volume todos os tipos de violações - desde injúrias e vandalismos até agressões físicas e homicídios. Sendo também, o Estado de São Paulo a maior sede dessas violências.
Desde o dia 22 de março, a Cúpula dos Povos, que reúnem 180 organizações da sociedade civil, tem tido articulações em Brasília para reiterar a fragilização do órgão de denúncia e se reunir com autoridades dos três poderes para passar o panorama real das comunidades negligenciadas nos últimos quatro anos. A principal pauta levantada pela cúpula é o aprimoramento do Disque 100, com urgência para garantir a segurança e assistência social imediata para as vítimas.