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Desconstrução na vitrine: como o fast fashion mudou o mercado da moda
Em desfile ousado, Beate Karlsson propõe análise sobre como marcas de luxo vêm atualizando seus conceitos para reestruturar as passarelas
Outra problemática apresentada pelo fast fashion é a seleção de mão de obra. Buscando sempre o menor custo de produção possível, essa indústria é conhecida por estabelecer suas manufaturas em países emergentes, empregando apenas funcionários de baixa renda e explorando a possibilidade de uma mão de obra barata. Estes empregados então, terão trabalhos análogos à escravidão, com uma remuneração baixíssima, ou quase nula, e estarão sujeitos à péssimas condições trabalhistas, com nenhuma garantia de segurança ou saúde. Estes crimes, contudo, apesar de serem constantemente denunciados, são facilmente ignorados, visto a grande força e popularidade das marcas responsáveis pela produção e o seu peso no mercado econômico.
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Em fevereiro de 2023, a marca sueca AVAVAV desfilou sua coleção de outono/inverno, idealizada pela diretora criativa Beate Karlsson, no Milano Fashion Week . A coleção nomeada “ fake it til you break it ” (finja, até que você quebre), faz um trocadilho com a expressão americana “ fake it til you make it ”, sugerindo que, se as pessoas fingirem ser confiantes e felizes por um período de tempo, em determinado momento elas realmente vão se tornar felizes e confiantes.
O desfile em um primeiro momento aparentava ser comum, como qualquer outro sucedido durante aquela semana de moda, porém, episódios inusitados começaram quando uma das modelos iniciou seu desfile e, na metade da passarela, teve seu salto quebrado. De imediato, esse pequeno “acidente” aparentou ser apenas um erro de confecção, ou um grande azar para a marca; contudo, à medida em que os modelos seguintes desceram pela passarela, seus looks se desfizeram: as peças rasgaram, e até mesmo voaram de seus corpos em várias direções. Mangas de camisas foram brutalmente rasgadas do corpo das modelos, pernas de calças se descosturaram, moletons e camisas foram separados ao meio, sapatos quebrados, bolsas sem alça e saias caindo. Uma completa confusão instaurada.
O espectador não conseguia entender o que estava acontecendo diante de seus olhos. Foi então, como forma de “gran finale ”, a diretora Beate Karlsson caminhou pela passarela para agradecer a presença do público e então, a parede que separava o camarim da passarela foi ao chão, expondo toda a coxia do desfile.
Todo esse cenário proposto pela marca serviu como uma grande crítica ao modelo de produção de roupas chamado “ fast fashion” (moda rápida), onde o foco é na produção rápida e exacerbada de peças, usando materiais baratos e de baixa qualidade, que transformam esses itens em algo “descartável”, criando um ciclo de dependência no consumo e no desperdício. Dessa maneira, uma nova coleção estará disponível semanalmente nas lojas, acompanhando o que fez sucesso durante os últimos sete dias. Produções em massa como essas podem ser funcionais para quem as consome, porém, os pontos negativos que ela traz são bem mais preocupantes do que a praticidade.
O meio ambiente é um dos principais alvos desse modelo, uma vez que a confecção de novas peças exige um alto consumo de recursos naturais, em especial, a água. Segundo o Fashion Revolution, a produção de uma única calça jeans, consome em média 10 mil litros de água, e, anualmente, a indústria têxtil consome 93 trilhões de litros de água. Além disso, outra complicação é a produção constante e a baixa qualidade das roupas, que resulta em um alto desperdício de peças “disfuncionais”. Um exemplo dessa consequência é observado no deserto do Atacama, que nos últimos anos vem sofrendo pela poluição causada pelo descarte indevido de roupas; resultadas do fast fashion. Esse descarte formou no deserto um grande lixão a céu aberto, onde roupas do mundo inteiro são rejeitadas ali, tornando-se um verdadeiro shopping de despejo.
A professora Monaya, que dá aulas sobre a moda sustentável da FAAP (Fundação Armando Alvares Penteado), contou para nós sua opinião diante das marcas estarem usando seu espaço e visibilidade para fazerem críticas ao modelo do fast fashion, “Eu acho que toda marca que usa a passarela para trazer uma crítica, um processo de reflexão, é muito válido. E a reflexão que se dá através da construção de moda, a efemeridade, em todas as discussões que cercam essa marca eu acho que são discussões fundamentais quando a gente está pensando nessa relação de moda no contemporâneo”.
Com a constante necessidade de inovar as tendências do mercado – devido a competitividade entre as marcas – e a grande reprodução dessas peças para acessibilizá-las ao mercado consumidor, entra em contrapartida com a intenção de diversos desfiles que visam colocar suas coleções em um patamar inalcançável. Entretanto, ainda existem diretores criativos que veem através das entrelinhas a construção elitista no mercado de luxo: “Eu tenho me perguntado; porque luxo é tão sério? É porque nos esforçamos para ser perfeitos? A má qualidade ainda pode ser luxuosa? A última coleção tratava de manter uma falsa projeção de riqueza e o fracasso pessoal de perder a face quando essa ilusão falha. Ainda estou nesse tema, há algo muito interessante sobre a vergonha e o que acontece quando estamos vulneráveis. Eu me perguntei qual é a coisa mais embaraçosa que pode acontecer a uma casa de moda e imaginei que a quebra de roupas pode ser isso”, afirma em entrevista Beate Karlsson.