3 minute read

Do restaurante até às casas: o trajeto dos motoboys

A luta constante pelos direitos dos entregadores de aplicativo

Por Christian Policeno, Maria Eduarda Camargo e Nanda

Advertisement

Pedido confirmado

Em julho de 2020, diante da pandemia, os motoboys ou motokas, como também são chamados, se dirigiram até as ruas em paralisações localizadas em várias cidades por todo o país para reivindicar melhores condições de trabalho e remuneração.

Entre os pontos abordados durante as greves, o crescimento do número de óbitos se destaca: dos 38 mil acidentes de trânsito que ocorreram durante essa época, 28 mil foram com motociclistas, segundo dados do jornal “A voz do motoboy”.

Os motofretistas exigem, junto às associações, pelos direitos de classe e melhorias também na segurança da profissão.

Pela falta de representatividade dos motofretistas, aliado à necessidade de combater certas políticas dos apps, criou-se a Amabr (Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil).

O diretor presidente da associação, Edgar Francisco da Silva - mais conhecido como Gringo - persiste em uma relação mais respeitosa tanto na sociedade como um todo, quanto nos aplicativos.

Pedido em andamento

Em entrevista ao Contraponto, Alisson Jordan, entregador do iFood desde 2021, relata a sua experiência na profissão e algumas questões sobre o cotidiano. Ele aborda alguns aspectos como: segurança, relacionamento com os clientes e melhorias.

Alisson comenta sobre como o app lida com a segurança e a integridade física do trabalhador: “Eles têm o seguro acidente, para que se eu me acidentar trabalhando, o iFood cubra meus custos [...] e eles dão alguns kits de segurança, como o uso de capacete, no máximo”.

Sobre a relação entregador e cliente, Alisson afirma que nunca passou pessoalmente por alguma situação desagradável com os usuários de delivery. “Mas o que acontece com frequência é que alguns clientes demoram muito para descer (no caso de edifícios onde é necessário a ida à portaria) e pegar o pedido. Às vezes, é até necessário deixar com o porteiro - quando é permitido.” Sobre a questão de ter que subir para entregar o pedido até o apartamento do cliente, o entregador diz que isso ainda não ocorreu com ele.

Em entrevista ao iFood News, Diego Barreto, o vice-presidente de estratégias e finanças da companhia, explica que a obrigação do entregador é de deixar o pedido no primeiro ponto de contato que existe na residência da pessoa. “Se for no condomínio, esse ponto é a portaria. Essa é a recomendação dada para os entregadores e a comunicação passada aos consumidores.”

“Muitos clientes, quando descobrem que a gente utiliza o serviço por WhatsApp, acabam preferindo pedir por lá. Isso porque as taxas do app são muito altas, o que obriga o restaurante a aumentar o preço”, diz, em entrevista ao Contraponto, Júlia Braga, que utiliza o aplicativo na outra ponta: a do restaurante.

Ela também comenta que, embora o iFood traga mais visibilidade e consequentemente mais clientes, as taxas os prejudicam muito, pois são 30% do valor da venda. “As entregas também são obrigatoriamente feitas pelos entregadores do aplicativo – o que impede que a gente possa dar benefícios que outros funcionários do restaurante têm, como um salário fixo, taxa de entregas, horário de descanso e refeição.”

Alisson ressalta que seria muito benéfico melhorias do iFood em questões como: a quilometragem das entregas, o baixo preço da taxa aos motokas e o suporte do aplicativo com o funcionário. Ele lamenta sobre, algumas vezes, ficar um bom tempo parado no dia (sem entregas), pois o app demora muito para dar uma resposta, e isto o prejudica.

Pedido a caminho

Gringo destaca a importância do poder público para os motoboys alcançarem os mesmos benefícios de outras profissões: “Outras [categorias] têm isenção de ICMS e de IPVA, a gente não tem nada”. Ele também alega que ser entregador de aplicativos é uma das profissões mais arriscadas – vide o aumento em 32% do número de acidentes fatais envolvendo motociclistas no ano de 2022, segundo a CPTrans.

Esse risco é associado com a desvalorização do serviço dos motofretistas – um dos maiores obstáculos, de acordo com o Edgar. Gringo alega que o valor do ofício dificulta a dignidade dos trabalhadores.

Já Alisson, menciona que “a flexibilidade do horário permite com que outras atividades sejam realizadas durante a semana” – porém, impõe um expediente mínimo diário para que se obtenha um determinado valor, suficiente para custear seus gastos.

“Cada vez mais, a gente vê as pessoas se alimentando mal, por não ter dinheiro e com veículos precarizados, pois não conseguem fazer a manutenção. Trabalham em uma carga horária excessiva, porque precisam fazer ganhos no que produzem”, explica Gringo sobre as causas da vulnerabilidade dos motokas, até levando a acidentes de trânsito.

Pedido entregue

Pela grande pulverização, o movimento dos motofretistas perde força ao pressionar os aplicativos. Por isso, a liderança dos motofretistas optou por uma rota legislativa. Mesmo com a falta de reconhecimento do governo, o diretor presidente da Amabr mostrou os seus argumentos aos parlamentares.

Em setembro de 2022, houve uma audiência pública em Brasília a fim de aprovar uma previdência para os entregadores - retirando vários direitos da profissão. Sem convite, Gringo conseguiu o seu espaço à força. Também expôs como o projeto foi feito sigilosamente: “Se eu não tivesse ido, [a previdência] teria andado”.

Há propostas em movimento para regularizar apps (como o iFood ) - como a pauta do Ministério do Trabalho, que cobre a taxação dos deliveries. Mesmo com esse governo aderindo às lutas trabalhistas, Gringo anseia por mais atitudes: “Não queremos saber do histórico, queremos vivenciar isso. [...] Não estamos esperando nada deles [governo], nós estamos indo buscar”.

This article is from: