Jornal Artefato 01/2018

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Esportes

Quando a inclusão supera desafios e socializa Pág. 22 e 23

Religião

Sem discriminação e com respeito, fiéis pedem tolerância Pág. 14 e 15

Vem de casa Ambiente familiar pode incentivar o preconceito Pág. 22 e 23

Livres para viver LGBTQ+ lutam pelo diretito de amar resguardados pelo respeito Pág. 12 a 13

Ano 18 - N° 12 - Jornal-Laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília - Distribuição Gratuita - abril de 2018


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EDITORIAL

EXPEDIENTE

Na edição de número 1, do primeiro semestre do Artefato 2018, o nosso desafio foi tratar do preconceito em suas várias formas experiência hostil que nasce antes mesmo de nós, passando por nossas mães durante a gravidez, muitas vezes vem de casa, ainda na infância, nos acompanha ao longo da vida e atinge a velhice quando também somos vítimas da discriminação. Mas o que é o preconceito? De forma simples e objetiva: opinião e sentimentos concebidos antes de qualquer exame prévio, sem motivação nem razão objetivas, manifestados por meio da intolerância. A discriminação é o resultado deste conjunto de reações e suas conseqüências geram desentendimentos, intrigas e relações de ódio. O preconceito envolve as mais diversas questões desde nacionalidade, etnia, condição social, sexualidade e religião, além de diferenças físicas e opiniões políticas. Fechamos esta edição, em plena comoção nacional em torno dos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e do assessor Anderson Pedro Gomes. Marielle simboliza a resistência e a voz dos excluídos – mulheres, negros, público LGBTQ+ e vítimas de milícias. Nem assim ela escapou da fúria e do preconceito que atinge as redes sociais. Tema de uma reportagem do jornal que identificou que a internet é um universo também repleto de preconceitos. Por que isso ocorre? Porque, de acordo com especialistas, a internet é o local escolhido por muitos para liberação de sentimentos e opiniões, muitas vezes sem limites nem respeito. Neste primeiro Artefato do ano, buscamos reunir um conjunto de temas que volta e meia estão cercados de preconceito: o público LGBTQ+, os indígenas e os estereótipos que os perseguem, relatos de jovens que convivem deste a infância com olhares tortos e mulheres que quando engravidam deixam de ser “úteis” ao mercado de trabalho. Há, ainda, depoimentos de pessoas de distintos credos e que defendem sua fé, questão que também esbarra na vida dos imigrantes, especialmente, os muçulmanos. Buscamos ainda mostrar alternativas para quem passou uma vida inteira lutando contra as restrições, como as pessoas com deficiências - que se dedicam aos esportes e encontram no cinema um caminho para superar obstáculos. Paradoxalmente, este jornal teve uma característica peculiar: foi elaborado basicamente por um grupo de alunas, todas mulheres, e apenas um aluno, do sexo masculino, e colaboradores de outros semestres também homens. Assim, essencialmente, este Artefato foi pensado e “sentido” sob o olhar feminino. Buscamos, contudo, não dar um único viés nas pautas, pois o preconceito, infelizmente se estende como raios...Lamentavelmente atingido a todos, uns mais, outros menos. Mas a todos. Desta forma, esperamos colaborar de alguma forma para mudanças de perspectivas e posições em relação a temas que fazem parte do nosso cotidiano.

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade Católica de Brasília Ano 18, nº 12, abril de 2018 Reitor: Prof. Dr. Ir. Jardelino Menegat Pró-Reitor Acadêmico: Prof. Dr. Daniel Rey de Carvalho Pró-Reitor de Administração: Prof. Dr. Dilnei Lorenzi Chefe de Gabinete da Reitoria: Prof. Msc. Creomar Lima Carvalho de Souza Diretora da Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação: Prof. Msc. Anelise Pereira Sihler Coordenador de Curso de Jornalismo: Prof. Msc. Leandro de Bessa Oliveira Professora Responsável: Profa. Drª. Renata Giraldi Professor Auxiliar: Prof. Msc. Fernando Esteban Orientação de Fotografia: Prof. Dr. Rafael Castanheira Apoio Técnico: Sued Vieira Monitoras: Germana Brito e Layla Andrade Colaboradores: Alan Santos, André Rocha Vieira, Benny Leite, Ello Romanin, Lukas Soares, Luana Pontes e Webert da Cruz Editor-chefe: Ação coletiva Editor de arte: Iago Kieling Diagramadores: Ana Cláudia Alves, Emanuelly Fernandes, Francyellen Magalhães, Larissa Lago, Matheus Dantas, Poliana Fontenele, Verônica Holanda, Gabriela Anacleto Editores de fotografia: Poliana Fontenele Editor de web: Lukas Soares Social mídia: Karyne Nogueira Repórteres:Ana Cláudia Alves, Emanuelly Fernandes, Francyellen Magalhães, Larissa Lago, Matheus Dantas, Poliana Fontenele, Verônica Holanda, Gabriela Anacleto Checadores:Ana Cláudia Alves, Emanuelly Fernandes, Francyellen Magalhães, Larissa Lago, Matheus Dantas, Poliana Fontenele, Verônica Holanda, Gabriela Anacleto Fotógrafos: Renato Santana, Laila Menezes, Ilustrações: Freepik.com Tiragem: 1 mil exemplares Impressão: Gráfica Athalaia Universidade Católica de Brasília EPTC QS 7, Lote 1, Bloco K, Sala 212 Laboratório Digital Águas Claras, DF Telefones: 3356-9098/9237 Leia o Artefato também na web. Acesse nossas redes sociais e site. E-mail: artefatoucb1@gmail.com Jornal online: issuu.com/jornalartefato Facebook: facebook.com/jornalartefato Site: artefatojornal.wordpress.com Snapchat: @artefato Instagram: @jornalartefato


ARTIGO

“Tão bonito, nem parece índio”

Verônica Holanda

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Mais de 896 mil pessoas se declaravam relatório “Violência contra os povos indídivulgou um relatório expondo o racismo indígenas no censo demográfico do Instituto genas no Brasil”, elaborado pelo Conselho institucional do Conselho Tutelar no Mato Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) Indigenista Missionário (Cimi), foram Grosso do Sul, que alegava pobreza para de 2010, inclusive 379.534 que vivem registrados pela entidade 17 casos de retirar semanalmente crianças indígenas fora de terras demarcadas. Em 2015, racismo e discriminação étnico culturais, das aldeias e levá-las a abrigos. Segundo uma pesquisa feita pela Companhia de 11 relativos a lesões corporais dolosas, o relatório, os profissionais verbalizavam Planejamento do Distrito Federal 10 ameaças de morte, sete de na frente dos pequenos suas impressões (Codeplan) apontou que outros tipos de ameaças, 11 preconceituosas. “Tão bonito que nem mais de seis mil índios de homicídio culposo, parece índio” é uma das falas que se moram em Brasília e 23 tentativas de asdestacam entre as demais. arredores. Homens, sassinato e oito “Apesar de todos os percalços que mulheres e crianças ocorrências de atravessamos ao longo do tempo, hoje que, devido ao abuso de poder. entendo que tenho uma missão e que meus preconceito, en“Os indígenas ancestrais, minha comunidade precisa de contram vários que saem das mim e de muitos outros para propagarmos obstáculos nas aldeias enao mundo o que realmente é um indígena”, oportunidades frentam pesadas ressaltou Jósimo. “Sou indígena Puyanawa de emprego, dificuldades, de raiz e sangue e não há palavras para atendimento de principalmente descrever a alegria que sinto por carregar saúde, educação, na adaptação. essa tradição ancestral.” segurança e quaSe vamos para Recentemente, Jósimo ingressou no lidade de vida. as cidades para doutorado em Antropologia Social no Museu A repressão estudar, muitos Nacional do Rio de Janeiro. “Tenho a missão aos povos indígenas nos julgam como de propagar a nossa história Puyanawa, estou está presente desde a atrasados, inferiores, escrevendo diversos trabalhos e artigos, colonização, visto que era índios genéricos. Sofremos produzindo uma gramática na nossa língua Renato S antana/Cimi uma das principais formas de com a dificuldade nas materna e uma coletânea da nossa dominação e submissão dos índios aos disciplinas porque em nossas história. Preciso ser o exemplo modos de vida da sociedade européia comunidades nunca para que outros jovens da época. A prática acabou por enraizar houve investimento indígenas, outros uma visão extremamente negativa dessas na educação ao Puyanawa como eu, comunidades que perdura. longo do tempo”, possam chegar a “Muitos religiosos querem nos conta Jósimo. universidade e vaobrigar a seguir a ‘religião’ e não a Deus “Muitos parenlorizar suas raízes. do nosso jeito ancestral”, desabafou tes que saem das Faço o possível Jósimo Constant, 29 anos, primeiro comunidades para divulgar indígena graduado em antropologia e enfrentam toda a riqueza mestre em Direitos Humanos pela UnB. dificuldade e a beleza que “Muitos missionários desclassificam, até mesmo no há no mundo ridicularizam e até satanizam nossas por-tuguês, indígena”. pinturas, nossos adornos, nossa maraporque às vezes A causa vilhosa língua e dizem que não podemos não é a língua indígena é de mais viver com aquilo porque não é de materna, e a própria todos nós. Para Deus. As nossas singularidades culturais universidade ainda denunciar situações in od en M o são algo maravilhoso deixado por Deus. está longe de se tornar de violência, acesse la po vo Lai Gua to: Como é belo louvar a Deus, pintado adequada a nós, mas aos a página do Sistema de o F rani Sul. -Kaio wá, de Mato Grosso do com urucum, jenipapo, na nossa língua poucos os avanços estão vindo”. Ouvidorias do Poder Executivo materna, pregando o amor de Deus a O racismo per-maneceu também Federal pelo endereço goo.gl/wkBgVq todos”, ressaltou. nos sis-temas públicos. Recentemente ou o formulário de denúncia do Cimi pelo De acordo com dados de 2016 do a Fundação Nacional do Índio (Funai) endereço goo.gl/wt66ba.

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EDUCAÇÃO

Desrespeito na universidade Estudantes se queixam de comentários e olhares que desconsideram as diferenças Luana Pontes Matheus Dantas Francyellen Thayanne O preconceito parte do princípio de predefinições de algo ou alguém, antes mesmo de ter conhecimento sobre o que representa e significa. Tal comportamento gera situações desconfortáveis. Histórias de discriminação cruzam o cotidiano das pessoas, tornam-se freqüentes e, muitas vezes sem reações, são incorporadas ao cotidiano como aceitável. A discriminação existe inclusive nos locais em que a diversidade orbita e deveria ser respeitada. Na Universidade Católica de Brasília (UCB), por exemplo, há diversas motivações para prática: geográficas, étnicas, financeiras, sexuais, físicas e etárias. O ambiente acadêmico é distinto, mas nem todos têm a dimensão do que isso significa. Do grego, academia deve reunir pensadores e filosofias, não seu oposto. A estudante de Jornalismo sofreu porque é moradora do Itapoã, que já uma cidade mas ainda assim alvo de restrições por questões econômicas, a futura publicitária negra cuja mãe é branca é questionada com freqüência se é filha biológica. Há, ainda, a situação dos homens que cursam Nutrição e são cobrados a ter um corpo perfeito, seguindo estereótipos, devido à profissão escolhida, e o universitário com um estilo próprio de se vestir e comunicar, foco de olhares críticos e comentários inadequados. É preciso deixar a invisibilidade e soltar a voz contra os abusos que desrespeitam a vida e a essência de todos. Assim esta edição faz uma homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ) e ao assessor dela Anderson Pedro Gomes, assassinados no Rio de Janeiro, em plena luta e combate contra a exclusão na defesa das minorias.

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“No ambiente acadêmico o preconceito não é escancarado”

Sempre tem a questão do olhar, de alguém ficar te reparando, encarando, devido a forma que estou vestido, o jeito que eu ando, meu jeito de ser. Porém aqui na Católica nunca passou disso. Percebo que dentro do ambiente acadêmico o preconceito não escancarado, como nas ruas. Isso depende muito do local e do nível social. Bruno Neres, 20 anos, estudante do 7° semestre de Publicidade e Propaganda, da Universidade Católica de Brasília.


Fotos: Francyellen Magalhães e Poliana Fontenele

“O que me chateia é perguntarem se sou adotada”

“Moro no Itapoã”

O preconceito por causa da cor da minha pele aparece em várias situações. Mas o que me deixa realmente chateada é quando me perguntam se eu sou adotada. Minha mãe é branca e, desde pequena, ouço esse tipo de comentário vindo de pessoas até de dentro da família.

Luciana Oliveira, 21 anos, estudante do 6° semestre de Publicidade e Propaganda, da Universidade Católica de Brasília.

Eu moro a duas horas de distância da faculdade, no Itapoã. Por isso ouvia muitas piadinhas, sempre na brincadeira, eu também tentava levar no bom humor. Mas algumas vezes a situação era bem chata. Não brigava nem nada do tipo porque não queria discussões, mas é uma situação um pouco desagradável.

Ana Cláudia Alvez, 21 anos, estudante do 6° semestre de jornalismo, da Universidade Católica de Brasília.

“Existe o estereótipo do nutricionista forte e sarado”

O preconceito que nós [homens] sofremos vem mais de dentro do próprio curso de Nutrição do que de fora. Existe um estereótipo de que todo nutricionista precisa ser sarado, forte e ter um corpo bacana. Não pode ser magro demais nem gordo demais. Essa pressão vem de colegas e professores que insistem na fórmula de que o corpo do nutricionista serve como propaganda do seu trabalho.

Asefe Cristino da Silva, 20 anos, estudante do 4° semestre de Nutrição, da Universidade Católica de Brasília.

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EDUCAÇÃO

Preconceito vem de casa Para especialistas, a família colabora na construção de opiniões e ideias Matheus Dantas

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contribuíram para que as pessoas criassem pré-julgamentos sobre aquilo que é diferente. A internet deu voz e liberdade para as pessoas exporem seus preconceitos”, disse ela. A professora e pedagoga Amanda Mendonça afirmou que há muitos preconceitos ainda enraizados nas famílias. “Quando o pai recrimina o local onde o coleguinha do filho dele mora, por exemplo, e também com referências indiretas sobre homossexualidade, na cor da roupa que ele usa. Todos esses preconceitos não são gerados de um dia para outro, eles vêm de anos, vem da educação que eles tiveram, e por mais que a sociedade tenha evoluído, ainda há muitos casos assim,

devido a esses princípios que permanecem nas famílias”, disse. A cozinheira Patricia Pereira, 46 anos, e o marido, João Araújo, 50, pais do Bruno, 9, (foto), afirmam a familia é essencial na formação de uma visão mais ampla dos filhos. “Os pais querendo ou não são os primeiros educadores”, disse Patricia Pereira

Foto: Matheus Dantas

Na infância, Rebeca Borges, 21 anos, estudante de Comunicação Social da Universidade de Brasília (UnB), ouviu comentários pejorativos sobre o cabelo crespo e natural. As “brincadeiras” vinham da rua e da família. “Quando eu era criança, ficavam brincando e falando que meu cabelo era ruim, duro e feio”, contou ela, que com a maturidade, observou que os comentários estavam carregados de preconceito. A análise da universitária é confirmada pela doutora em Educação, a psicóloga Helen Lima que está convencida que o preconceito é construído pela sociedade e transmitido culturalmente. Daí a responsabilidade dos pais e da família em formar crianças e futuros adultos livres de discriminação e idéias pré-concebidas.Para a especialista, pequenas atitudes dos pais são capazes de fazer despertar um tipo de preconceito. Helen Lima acrescentou ainda que essas “transmissões” de mensagens de preconceito podem ocorrer nos mínimos detalhes. “O posicionamento de uma religião, as vestes que você usa, sua cultura, comportamento e costumes, tudo influencia, muita coisa é subliminar, mas que com o tempo o intelecto da criança passa a compreender”, disse. Para a estudante de Direito, Nathália Silva, 21 anos, a internet corrobora acentuar preconceitos e não desconstruir o negativo. “O preconceito é algo que está enraizado em nossa sociedade e não há um culpado específico e sim um conjunto de coisas que


Foto: Divulgação

O Distrito Federal conta com disquedenúncia específico para crimes de racismo, o 124, no qual o denunciante pode prestar queixa. Também é possível prestar queixa nas delegacias comuns, registrando a ocorrência, sendo redirecionada para os autos da justiça. No caso de atos ocorridos em sites de internet ou redes sociais, é possível comunicar as autoridades diretamente pela rede. O Distrito Federal conta com disquedenúncia específico para crimes de racismo, o 124, no qual o denunciante pode prestar queixa. Também é possível prestar queixa nas delegacias comuns, registrando a ocorrência, sendo redirecionada para os autos da justiça. No caso de atos ocorridos em sites de internet ou redes sociais, é possível comunicar as autoridades diretamente pela rede.

Dramaturgia x Realidade Lançado em dezembro de 2017, o filme O Extraordinário emocionou platéias no Brasil e no exterior. O longa-metragem aborda a capacidade de aceitação e compreensão ao próximo, contando a história de Auggie Pullman (Jacob Tremblay), um garoto que nasceu com síndrome de Treacher Collins, uma doença rara que causa deformidade facial. Ao ingressar na escola, Auggie é vítima constante de preconceito de outras crianças, principalmente de Julian Albans (Bryce Gheisar), de 10 anos. Em um determinado momento do filme, os pais de Julian são convocados para uma reunião com o diretor Mr. Tushman (Mandy Patinkin), e o diálogo surpreende. Ao questionar o porquê Julian tem tanto preconceito com Auggie, descobrese que os pais da criança são os principais influenciadores destes pensamentos, propondo uma reflexão aos espectadores: será que muitos preconceitos são ensinados em casa? Para a coordenadora pedagógica Liliana Marques, muitas vezes os pais não se dão conta dos fatos, e pensam que o filho do outro é o responsável pelo ocorrido, e que ele é a vítima.

O filme “Extraordinario” o garoto Auggie Pullman (Jacob Tremblay), 10 anos, sofre bullying por causa da aparência

Orientações para uma educação sem preconceitos Educação sem preconceitos são ensinamentos que promovem o respeito, amor e valorização às diferenças Saber trabalhar desde o início da formação da criança a diversidade cultural, racial e de classes sociais. Para isso existem filmes, documentários e livros. Promover uma imersão da criança ou até do adulto a outras culturas, realidades e condições sociais. Tais desconfortos fazem com que nós venhamos a nos colocar no lugar do outro Manter um diálogo aberto com o filho, sempre perguntar e debater opiniões e posicionamentos. Promoção de discussões sobre a diversidade e educação de gênero . 7


ECONOMIA

Mães fora do mercado de trabalho

Para as mulheres que se tornaram mães, o que era sonho pode virar um grande pesadelo na hora da contratação. Gabriela Anacleto

Foto: Thiago S. Arújo

Modelo representa a angústia de mulher dividida entre carreira e a maternidade Aos 22 anos e mãe de uma criança, de oito meses, Tayna Jesus enfrenta dificuldades para ser contratada, engrossando a fila de 13,23% milhões de brasileiros desempregados. A ex-auxiliar administrativa disse ter “sentido na pele” a discriminação por ter uma filha pequena nas duas entrevistas que fez no começo deste ano. “Fui a duas entrevistas: em uma loja e a outra em papelaria. De imediato nem olharam meu currículo e já perguntaram se eu tinha filho. Eu falei que tinha uma pequena mas que isso não iria interferir no meu serviço, pois tinha muita gente pra cuidar dela”, contou a jovem. “Mas não adiantou. Eles afirmaram que não iriam me contratar porque quem tem filho não tem compromisso com o trabalho. Lembro de ter ficado com muita raiva”.

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Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1950, o número de mulheres economicamente ativas era de 13,6% no Brasil. Na última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), o percentual de mulheres ativas no mercado de trabalho soma-se a 52%, inferior aos homens que é de 72%. Exclusão O preconceito atinge a todas as mulheres de forma indiscriminada, como afirma a mestre em geografia Isabela Catarina de Souza Vasconcelos, que mesmo tendo pós-graduação não consegue emprego desde que deu à luz. “A dona da escola me entrevistou e perguntou se eu tinha filho pequeno, eu

respondi que tinha um bebê de 1 ano e 7 meses”, afirmou ela. “Aí ela [a dona da escola] questionou se eu era dessas mães que quando filho tem uma febrezinha já liga para o trabalho dizendo que não pode ir, eu respondi na hora que isso poderia acontecer sim,porque meu filho é pequeno e precisa de cuidados”. Em busca de uma solução para situações como esta que a vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) seção Distrito Federal, Daniela Teixeira, defendeu a “Lei Júlia Matos”, que define direitos e garantias para a advogada gestante, lactante, adotante ou que der à luz e para o advogado que se tornar pai. “A faltade sensibilidade do Judiciário com as advogadas fez com que a Daniela quase perdesse a filha por ter que esperar por quase um dia para despachar um


Obstáculos Para o coordenador do curso de Economia e Administração da Universidade Católica de Brasília (UCB), Marcelo Fiche, o preconceito contra as mulheres, especialmente as que estão em idade fértil ou são mães, é relacionado às funções e nível sócio-econômicos das pessoas envolvidas. “No mercado da indústria, do comércio e dos serviços há preconceito sim”, disse ele, informando que quanto mais baixo o nível de exigência da profissional mais ela sofre preconceito. Marcelo Fiche destacou a capacidade das mulheres executarem mil e uma tarefas ao mesmo tempo, incluindo ser mãe, dona de casa e profissional. “Ela é disciplinada, chega na hora certa, faz o serviço bem feito e se dedica bastante, elas estão mais qualificadas que os homens”.

Foto: Thiago S. Arújo

processo”, disse a especialista em direitos humanos, violência doméstica e diversidade religiosa, Patrícia Luiza Moutinho Zapponi.

Modelo simboliza rotulos impostos às mães que decidem manter suas proffisões ativas

Habeas Corpus Coletivo O Supremo Tribunal Federal concedeu um Habeas Corpus coletivo, em fevereiro, para beneficiar detentas que têm filhos menores de 12 anos ou gestantes. Para o relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, o sistema prisional ineficiente penaliza a criança gerando danos irreversíveis. Para o especialista em Processo Penal e Garantias Fundamentais, Rafael Bastos, a ausência de convivência entre mãe e filho pode causar danos para a criança. “Há casos em que a criança, quando é retirada abruptamente do contato com a mãe, atrasa, inclusive, o processo de aprendizado da fala, além de traumas”, disse ele. Ao tomar a decisão, Lewandowski levou em consideração que a criança não pode pagar pela penalidade da mãe, minimizando a repercussão da condenação para os filhos, para que cresçam em um ambiente saudável.

Denuncie Delegacia Especial de Atendimento a Mulher: tel. 3207-6172 End: Entrequadra 204/205 - Asa Sul, Brasília DF, 70234 400 Funcionamento:24h Casa da Mulher Brasileira: Tel. 3324-6505 End: SEN Setor de Grandes Áreas Norte 601 Brasília, DF, 70297-400 Funcionamento: seg. a sex. das 09h às 17h Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT): tel. 3343-9514 End. Eixo Monumental, Praça do Buriti, Lote 2, Sede do MPDFT,Brasília-DF CEP 70.091-900, Brasília. Funcionamento: 12h às 18h

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SAÚDE

Idoso, sim, mas a vida continua Os desafios de quem já não é tão jovem e quer continuar a desfrutar a vida Ana Cláudia R. Alves

Aos 43 anos, o jornalista Airton Gontow, desfez o casamento e por dois anos esbarrou em dificuldades de encontrar uma nova relação. Segundo ele, obstáculos como idade, atrapalhavam na hora da busca, e amigos da mesma faixa etária, que passavam pela mesma situação, reclamavam da solidão. Foi então que decidiu criar um aplicativo de namoro voltado somente para pessoas acima de 40 anos, como um Tinder para a 3ª idade. “Hoje a moda não é esconder a idade, mas mostrar que tem saúde e qualidade de vida, na idade que a pessoa tem”, afirmou Gontow. E assim surgiu o “Coroa Metade – O Site de Relacionamento Para Quem Está na Melhor Fase da Vida”, cujo nome remete à expressão “cara metade”. O aplicativo destinado aos que já não são tão jovens, pois a exigência é ter mais de 40 anos, além de estar solteiro, já chegou a marca de 332 mil inscritos e já realizou 55 casamentos, em pouco mais de cinco anos de existência. Gontow disse que é muitas vezes o idoso fica com vergonha de buscar uma nova relação por receio de ser discriminado tanto pelos mais jovens quanta pela própria família. Em conversas com quem já passou dos 60 anos, costuma ser comum ouvir queixas sobre preconceito contra as marcas da idade, ouvem que estão defasadas profissionalmente e

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que não devem pensar em situações de namoro, lazer e até mesmo chances de emprego.

Dados O Estatuto do Idoso diz que: “Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão”. Porém, a realidade mostra um outro cotidiano repleto de diversos obstáculos. Recentemente, passou a valer uma lei que torna os assentos de ônibus e metrô em preferenciais, mas não é cumprida na totalida. Há reclamações sobre jovens e adultos que não cedem seus lugares aos idosos ou até mesmo fingem que estão dormindo. Na última pesquisa do Perfil da Pessoa Idosa, feita em 2012, a Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) registrou 326 mil idosos vivendo no DF, o que representa 12,8% da população do DF, dos quais muitos ainda trabalham, têm vida sexual e emocional ativa. A Central Judicial do Idoso, que reúne Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e Defensoria Pública do DF, cujo obejtivo é fiscalizar e fazer cumprir o Estatuto do Idoso. À reportagem do Artefato, a juíza Monize da Silva Freitas, da Central Judicial do Idoso, disse que recebe, em média, 100

denúncias por mês, e a forma mais recorrente de preconceito envolve violência psicológica. De acordo com ela, os idosos costumam ser agredidos por pessoas do seu cotidiano e de dentro de casa.

Saúde No Itapoã, a Unidade Básica de Saúde nº1 oferece serviços, como automassagens e terapia de origem chinesa. Laís Souza, médica que monitora as práticas, diz que pelo menos 30 idosos participam das aulas e define a turma como uma família. “Fazemos lanches ou até visitamos quando um não pode comparecer”, sintetizou ela. . O grupo em sua maioria, é composto por mulheres. Segundo ela, há poucos homens e muitos se sentem envergonhados ao fazer parte de algo dito “feminino”. Os exercícios, de acordo com a médica, colaboram com as atividades cotidianas. “Muitos deles não conseguiam escovar o cabelo e agora já conseguem até amarrar o sapato sozinhos.” Maria Sara Nascimento, 70 anos, há um ano freqüenta o grupo. Após perder o marido, não conseguia comer e mal saía de casa. Com o tempo, foi conseguindo voltar a sua rotina, os exercícios a ajudaram a exercer sua profissão, a costura. Ela diz que não levantava os braços, mas, ao iniciar as atividades em


grupo, já consegue sem muitas dificuldades. As práticas a ajudaram a ganhar peso, melhorar o equilíbrio e obter tônus muscular. “Sempre fui costureira, mas tive de parar para ajudar meu marido e, depois por causa das dores. Agora me sinto outra, faço tudo como antigamente”, disse Maria Sara Nascimento.

Coroa Metade

Trabalho Bete Silva, 59 anos, cozinheira registrada e usuária frenética de internet, contou que por vezes ouviu a frase: “Ainda trabalha? Por que não se aposenta? Já está na hora”. Ela evita responder, mas as pessoas insistem em perguntar. Trabalhando como empregada doméstica atualmente, Bete afirmou que as perguntas não a incomodam, e que, apesar, do cansaço, gosta do que faz. Muitos idosos optam por continuar a trabalhar do que se aposentar de vez, ou para continuar a fazer algo que gosta ou para não ficarem parados. Para Bete, o preconceito se apresenta de diversas formas e resume: “O preconceito não tem explicação”. Para evitar perguntas ou constrangimentos ao dizer que ainda trabalham muitos escolhem mentir sua idade ou até mesmo não dizer. Algumas pessoas lidam com o trabalho na 3ª idade como algo negativo. Ao ser questionada se pensa em mentir a idade para evitar constrangimentos, a cozinheira é taxativa. “Nada disso de ‘no meu tempo’, meu tempo já passou, tenho que viver o tempo e o mundo de agora. Achei que não fosse chegar aos 20 e agora já estou nos 60, e quero viver mais uns 50 anos, aí vou saber que vivi bem”, afirmou Bete Siva.

Para efetuar denúncias basta ligar para o Disque 100 ou comparecer à Central Judicial do Idoso, no Fórum do Bloco A do TJDFT, para realizar uma denúncia anônima. Para participar do gupo de exercícios para idosos é só comparecer a Unidade Básica de Saúde nº 1 do Itapoã, as aulas acontecem toda segunda, quarta e sexta, das 7h30 às 9h.

Arquivo pessoal

Serviços

Airton Gontow e seu site para pessoas acima de 40 anos

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SOCIEDADE

Liberdade para amar e viver Indivíduos LGBTQ+ do DF ganharão casa de passagem e apoio

Verônica Holanda

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Inovações Projetos como a Casa Rosa, criada por Marcos Tavares, são ferramentas fundamentais para a sobrevivência e o bem-estar de pessoas LGBTQ+, principalmente quando são expulsos de casa pela própria família. A iniciativa visa a reinserção social integral por meio do abrigo temporário, atendimento psicológico e oferta de atividades para integração profissional, como oficinas de panificação, artesanato, maquiagem, dentre outras. O criador da casa afirmou que o projeto ainda está em construção, e após as obras será necessário mobiliar os cômodos e criar parcerias com para manter o local e gerar oportunidades profissionais. “Muitos já nos procuram por não ter onde ficar. Conseguimos acompanhamento psicológico para alguns, contamos com uma rede de estudantes que nos ajudam voluntariamente. São meninos maravilhosos, anjos de Deus”. Marcos contou que a ideia de construir a Casa Rosa veio de seu pai. “Sempre fui educado para ser o que quisesse. Meus pais tinham a mente muito aberta, me amaram e aceitaram como sou e desde minha adolescência recebiam de portas abertas meus amigos que eram expulsos de casa por se assumirem e não tinham para onde ir. Mesmo com o passar dos anos, continuamos recebendo alguns conhecidos, então meu pai me sugeriu que construíssemos outra casa no fundo do lote, atrás da nossa, para receber ainda mais pessoas. Assim surgiu a Casa Rosa”.

Apoio A Casa Rosa poderá ajudar pessoas como Henrique Sousa*, jovem bissexual que mora com os pais, para quem não revelou sua orientação. “Sei que minha mãe me aceitaria, mas tenho medo que meu pai me expulse de casa”, relatou. “Alguns colegas tentaram me obrigar a me assumir para meus pais, inventaram um boato que chegou ao meu pai de que eu estaria namorando um rapaz. Meu pai pareceu furioso, tive sorte de conseguir convencê-lo que era mentira lembrando das meninas com quem já namorei.” Com o sonho de cursar geografia, Henrique Sousa conta que está trabalhando e juntando dinheiro para seus estudos. “Eu quero ser professor desde criança, mesmo sabendo que seguir a profissão sendo bissexual seria um desafio, ainda mais se eu estiver me relacionando com um homem”, disse ele. “Quero ser honesto e me assumir para meus pais, mas não quero ficar sem teto”, acrescentou. Marcos Tavares conta que, no início, o local poderá receber 30 pessoas que não teriam para onde ir. “Já conseguimos boa parte do material para finalizar a construção. O que falta mesmo é a questão financeira e mão de obra”, disse. “Vim de família simples e me mantenho como uma pessoa simples. A educação que meus pais me deram, o amor e carinho, isso foi muito rico. Aprendi a retribuir isso e a ver sempre o lado bom da vida”. *O nome do personagem foi trocado a pedido dele por preservação pessoal.

Para saber como ajudar a Casa Rosa, acesse a página da instituição pelo link www.facebook.com/ casarosalgbtq ou entre em contato com Marcos Tavares pelo número 99220-3745.

Foto: Webert da Cruz

O preconceito contra a população LGBTQ+ no Brasil provoca bullying, assassinatos, exclusão do mercado de trabalho e de escolas e instituições de ensino superior, assim como da vida social, inclusive familiar. Em um cenário tão hostil às diferenças, muitos enfrentam situações de vulnerabilidade ou escondem, por medo, seu gênero ou sua orientação até se sentirem seguros o suficiente para assumirem-se publicamente. Segundo dados da Transgender Europe, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo, chegando a 868 entre 2008 e junho de 2016, o que corresponde a quase 40% dos registros mundiais. Além disso, um estudo da American Foundation for Suicide Prevention (Fundação Americana para Prevenção do Suicídio) determina que 41% das pessoas trans já tentaram suicídio. O mesmo estudo mostra que 58% dos jovens transgêneros que não contavam com apoio da família tiravam a própria vida, e que esse valor é reduzido a 4% quando há aceitação familiar.


Andrógino: Termo usado para descrever um indivíduo cuja expressão e/ou identidade de gênero não pode ser distintamente “feminino” ou “masculino”. Arromântico: Uma orientação caracterizada por pouca ou nenhuma atração romântica. Demirromântico: Pouca ou nenhuma capacidade de experimentar atração romântica até que uma forte conexão sexual ou emocional seja formada com outro indivíduo, muitas vezes dentro de um relacionamento sexual. Assexual: Uma orientação caracterizada por pouca ou nenhuma atração sexual. A assexualidade é distinta do celibato, que é a abstenção voluntária da atividade sexual. Demissexual: Descreve quem tem pouca ou nenhuma capacidade de experimentar atração sexual até que uma forte conexão romântica ou emocional se forme, muitas vezes dentro de um relacionamento romântico. Agênero: Uma pessoa com pouca ou nenhuma conexão com o sistema tradicional de gênero, sem alinhamento pessoal com os conceitos de homem ou mulher e/ou alguém que se vê como existente sem gênero. Bi: Um indivíduo que é sexual ou românticamente atraído por homens e mulheres. Não precisam, necessariamente, ter alguma experiência sexual para se identificar como bis. Cisgênero: Um termo usado para descrever pessoas que se identificam com o gênero que foram atribuídas no nascimento. Gênero-fluido: É uma identidade de gênero caracterizada por uma mistura dinâmica de homem e mulher. Uma pessoa que é gênero-fluido pode sempre sentir-se como uma mistura dos dois gêneros tradicionais. Pan: Orientação sexual ou romântica não limitada em ao sexo biológico, gênero ou identidade de gênero. Queer: Tradicionalmente um termo pejorativo, queer foi apropriado por algumas pessoas LGBT para se descreverem. É usado para descrever pessoas que não se identificam com categorias tradicionais em torno da identidade de gênero e orientação. Não é bem aceito, mesmo dentro da comunidade LGBT, e deve ser evitado a menos que alguém se auto-identifique dessa maneira. Transgênero: Um termo abrangente para pessoas cuja identidade de gênero e/ou expressão de gênero difere do sexo que foram atribuídos no nascimento. Podem ou não decidir alterar seus corpos de forma hormonal e/ou cirúrgica. Não confundir com travestis. Travesti: Pessoa que se veste como a expressão de gênero do oposto binário por qualquer uma das muitas razões, incluindo relaxamento, diversão e gratificação sexual.

Foto: Webert da Cruz

Expressões do universo LGBTQ+

Festa promovida por LGBTQ+ nas noites de Brasilia

Glossário útil Expressão de gênero: Como um indivíduo expressa seu gênero. Refere-se a como se veste, sua aparência geral, a maneira como fala e/ou como se porta. Nem sempre é ligada a identidade de gênero. Identidade de gênero: Uma vez que o gênero é uma construção social, um indivíduo pode ter uma auto percepção diferente de seu sexo biológico. É uma realização interna do gênero e pode não se manifestar em sua aparência externa. Orientação romântica: Descreve a atração romântica de um indivíduo para membros do mesmo e/ou do sexo oposto ou o desejo de se envolver em um comportamento íntimo romântico, como namoro e relacionamentos. Orientação sexual: Descreve a atração sexual de um indivíduo para membros do mesmo e/ou do sexo oposto. Evite o termo “preferência sexual”, que é usado para sugerir que ser gay ou lésbica é uma escolha e, portanto, “curável”.

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COMPORTAMENTO

Religião, sem discriminação Fieis de distintos credos reclamam do desrespeito no país e apelam por tolerância

André Rocha

O princípio que rege a religião é o do respeito à crença. Imaginar o preconceito envolvendo o tema é o mesmo que contrariar seu sentido maior, demonstrar desconhecimento da história e intolerância absoluta ao diferente. Algo impensável no Brasil que, segundo pesquisa do Instituto Datafolha

de 2016, indica um país essencialmente religioso e multifacetado: metade (50%) dos entrevistados se declarou católico, 14% sem religião, 2% de espíritas, kardecistas e espiritualistas, 1% de umbandistas, 1% de praticantes do candomblé, 1% de ateus e 2% de outras religiões. Considerando os

três maiores grupos: católicos, evangélicos e as religiões de matriz africana (umbanda e candomblé) todos se queixam do preconceito e estereótipos. O Artefato pediu que fiéis dos três segmentos religiosos se posicionassem sobre o que sentem em relação à discriminação e restrições.

Assumindo preconceitos, praticando o respeito

Divulgção

uma grande armadilha, facultando a existência de novos preconceitos. Não precisamos nos desfazer de amizades porque partem de O preconceito parece habitar todos os seres humanos, não diferenças políticas. O melhor é sempre comunicar e debater. há ninguém que escape deste mau, em maior ou menor escala. Não existe “preconceito bom”. Devemos tentar excluí-lo de Devemos acreditar na força da palavra. Práticas ideológicas, nosso cotidiano continuamente, embora seja uma tarefa árdua. políticas, religiosas ou qualquer outra forma que inferiorizam As diferenças na nossa sociedade ganham cada vez mais novas o outro devem ser combatidas, mas com temperança. Não perspectivas de afirmações religiosas, políticas, de gênero e adianta sanar uma enfermidade com o seu próprio veneno Doutorando Alan Santos de Oliveira, professor da UCB. sexualidade, e, com isso, ao mesmo tempo cresce o desprezo, . a violência, a invisibilidade e outras formas preconceituosas ou discriminatórias que se projetam contrárias às diferenças inscritas na pluralidade. É comum ouvir dizer que ninguém nasce com preconceitos, entretanto, já nasce em esferas preconceituosas. É complicado ser vítima de discriminação preconceituosa, como também é complexo lutar para desestabilizar um sistema tão pungente e permanente em muitas sociedades. Reconhecer que a discriminação existe já é uma maneira de combatê-la. Foi assim que muitas sociedades, inclusive o Brasil, intervieram na redução de desigualdades raciais, por meio de políticas afirmativas para as populações negras vítimas do preconceito histórico. Em contrapartida, elevou-se o preconceito quando colocado publicamente uma política de cotas nas universidades federais, por outro lado, também foi compreendida por muitas pessoas. No nosso cotidiano, em busca de novos horizontes (im) possíveis, aqueles que reconhecem tantas injustiças perpetradas dentro e em volta de nós mesmos, tentam investir em uma práxis que nos leve a um mundo mais agregado socialmente, respeitando diferenças mesmo quando não agradam. Penso que praticar o respeito ainda seja o melhor remédio para eliminar preconceitos. É preciso que não nos deixemos levar por instâncias estabelecidas de controles ideológicos, mesmo que apresentadas ideias inovadoras – por vezes Nas matriz africana, é costume homenagear orixás

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Sou evangélico, respeitem minha escolha O crescimento dos evangélicos no Brasil continua intenso. Há templos para os mais distintos segmentos da fé - desde os mais tradicionais que seguem costumes, como mulheres não usarem calça comprida até os liberais em que as regras são mais flexíveis. Observo que as igrejas evangélicas têm contribuído para sociedade com diversos projetos sociais criados por fiéis e lideranças, como o apoio a famílias desassistidas pelas instituições públicas, populações de rua e dependentes químicos. Lamento que, muitas vezes os ensinamentos cristãos são distorcidos e usados com má fé: os olhos políticos cresceram sobre os evangélicos na busca por votos e apoio ainda mais em ano eleitoral. O que se constata é o julgamento que se faz dos evangélicos é de serem fanáticos e que se aproveitam da falta de sorte alheia e da ignorância para aumentar suas rendas e lucros. É preciso fazer uma distinção dos ditos pastores, mercenários, e não estereotipar os fiéis às vezes ridicularizados por sua forma de servir e seguir sua trajetória de fé. Há uma rejeição em relação aos evangélicos taxados como loucos ou até alienados. A fé evangélica tem a Bíblia como inspiração e direcionamento, mas nem sempre o que está lá agrada a todos. Lembro que o artigo 1º da Lei nº 7.716/89 prevê punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião. Assim, como evangélico, afirmo: tenho orgulho da minha fé, respeito as demais, e peço, por favor, que guardem as críticas e juízos de valor para si. A liberdade inclui a escolha de religião.

As faces da intolerância dentro da Igreja de Roma

começaram a surgir, criando assim uma divisão nos muros do Vaticano. O lado tradicionalista que acusa os novos movimentos de esquecerem a liturgia e a unidade. Dentre os novos grupos, o mais famoso deles é a Renovação Carismática Católica, criada em 1967 nos Estados Unidos, os membros da RCC são acusados de desvirtuar a verdade católica. Em 2014, durante um encontro da Renovação Carismática na Itália, o Papa Francisco assumiu que por um tempo não via o movimento com bons olhos. “Nos primeiros anos da Renovação Carismática, em Buenos Aires, eu não gostava muito dos carismáticos. E disse-lhes: ‘Eles se parecem com uma escola de samba’”, afirmou o Santo Papa. Francisco enfatizou que só mudou de opinião, quando se permitiu conhecer a forma de rezar dos carismáticos. Ao assumir que também possuía um preconceito, o Papa Francisco mostra que o conhecimento e o diálogo são os caminhos para a mudança. E o melhor é a criação de pontes e derrubada dos muros.

Todo católico em algum momento da vida já escutou que é idólatra por possuir imagens de santos. Também já ouviu comentários ou piadas sobre padres pedófilos. De Pedro a Francisco, a Igreja de Roma se consolidou como a maior religião cristã do mundo, o que não impediu que também sofresse de atos de intolerância religiosa. É em nome da liberdade de expressão que a fé segue sofrendo ataques. Não são poucas nem raras essas situações, em seis anos pelos menos quatro episódios se tornaram emblemáticos. Em 2011, a Parada Gay de São Paulo usou cartazes com imagens de santos para uma campanha pelo uso de preservativos. No Natal de 2014, uma ativista do Femem, grupo feminista fundado na Ucrânia, seminua tentou tirar a imagem do menino Jesus do presépio do Vaticano, a ação se repetiu em 2017. Apesar dos vários casos de intolerância com a fé católica, há, ainda, os ataques internos envolvendo membros da própria Igreja. Com Emanuelly Fernandes, aluna do 6º o Concílio Vaticano II, iniciado na década de 1960, novos grupos semestre de Jornalismo da UCB

Em Congresso de Adolescentes da da Assembleia de Deus de Brasília, jovem se ajoelha para fazer orações.

Divulgção

Divulgção

Lukas Soares, aluno do 7º semestre de Jornalismo na UCB

Devota de Nossa Senhora das Graças agradece com preces durante missa

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MUNDO

Imigrantes x Discriminação Estrangeiros que buscam no Brasil o aconchego, mas esbarram em restrições Poliana Fontenele

Muçulmano praticante, Syed Zeshan, 34 anos, nasceu em Mandi Bahauddin, no Paquistão, e conta que desde quando chegou ao Brasil há três anos e meio, em busca de uma melhor qualidade de vida, sofreu preconceito por desconhecer a cultura e os costumes brasileiros. Em outra ocasião, a sua religião foi o fator que prejudicou uma oportunidade de emprego. “No começo foi difícil me adaptar, mas o tempo foi passando e o Distrito Federal se tornou um lar para mim. O que me agrada é que aqui a cultura é muito familiar”, disse. Para Syed, o preconceito aparece porque as pessoas tomam seus julgamentos como verdadeiros, sem se importarem com o que você tem a mostrar. Apesar de tudo, o paquistanês não se arrepende de ter vindo para o Brasil, e garante que o Distrito Federal o conquistou já na primeira vez que esteve aqui.

Decepção Nas conversas com os imigrantes, é possível perceber que a expectativa de viver em um país tão diferente do seu muitas vezes tem como retorno algo em comum: o preconceito. Seja pela cor da pele, pela religião ou apenas pelo pouco conhecimento da língua portuguesa, os imigrantes estão sujeitos a enfrentarem esse mal exercido por tantos brasileiros. Danilo Borges Dias, pesquisador de fluxos migratórios e professor na Universidade Católica de Brasília, observa que não se pode generalizar a concepção de que o brasileiro seja um povo preconceituoso, nem hospedeiro, pois são dois extremos que dependem do contexto e convívio social para serem analisados. “O preconceito ou as ideias que nascem de uma generalização quase que estática, está inserido nesse hall de complexidades, mas cabe a cada um, ou a cada grupo, fazer sua própria análise das situações geradoras de tais comportamentos. As generalizações são úteis, mas por vezes muito perigosas”, disse Danilo Borges Dias.

Reconhecimento

Foto: Arquivo pessoal Instituto Migrações e Direitos Humanos

De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 2016 foram reconhecidos 9.552 refugiados no Brasil. O Artefato tentou, via assessoria de imprensa do ministério, atualização dos dados, mas não obteve resposta. Segundo o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), em 2017, foram atendidas 2.299 pessoas, incluindo imigrantes, solicitantes de refúgio e refugiados, sendo 963 residentes do Distrito Federal. O instituto, contudo, afirmou que este número não pode ser considerado como o total de imigrantes no Distrito Federal, mas apenas a quantidade daqueles que buscaram auxílio. Do total de imigrantes que buscam apoio no instituto, há representantes das mais distintas nacionalidades – de latinoamericanos a africanos e árabes. Imigrante recebe ajuda de um voluntário do Instituto Migrações e Direitos Humanos no Distrito Federal

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Foto: Arquivo pessoal Instituto Migrações e Direitos Humanos Voluntários do Instituto Migrações e Direitos Humanos durante atividades com filhos de refugiados

Gringo x Imigrante Eiko Uema, 72 anos, deixou o lugar que chamava de lar no Japão quando tinha apenas 20 anos, e desde que chegou ao Brasil, se esforçou para aprender tudo que a cultura brasileira tinha para oferecer. Para Eiko, a língua portuguesa foi uma de suas maiores dificuldades no país. “Eu fiquei preocupada de que isso fosse se tornar um alvo contra mim, mas com o tempo percebi que as pessoas gostavam muito mais de me perguntar sobre o Japão e a cultura japonesa, do que me julgar.” É inevitável perceber a diferença que envolve o tratamento de diferentes imigrantes no Brasil, segundo o professor. Para Danilo Borges Dias, a diferença econômica dos países de origem dos imigrantes, é um fator óbvio a ser considerado na questão do preconceito. “Os mais pobres economicamente estão mais propensos a sofrerem mais. O recorte econômico é um elemento de seletividade na geração de campos onde surge o preconceito, mas não é único. A região geográfica, a herança étnica e identitária também são fontes geradoras de comportamentos pré-concebidos e que tornam o convívio em sociedade segmentado e estratificado”, disse Borges. A ideia de que um estrangeiro de país

desenvolvido possa ser bem mais recebido do que aquele de países pobres, é realidade em diversas ocasiões. A própria linguagem utilizada pelos brasileiros, pode indicar a diferença social, que com frequência, traz o preconceito. Tal percepção pode ser notada, por exemplo, pelo fato dos brasileiros possuírem a tendência de acolher os “gringos” norte-americanos que decidem residir no Brasil, e ao mesmo tempo acharem que os imigrantes haitianos estão invadindo um espaço. A diferença é clara, todos são imigrantes, mas por que chamar apenas alguns de gringos?

Imigração é história Abdul Wahab Abubakar, 32 anos, é da cidade de Acra (Gana, na África) e conta, receoso, que sofreu discriminações durante os quatro anos que está no Brasil. Os motivos são os de sempre: a dificuldade com o idioma e o modo de vestir. Mas para Abdul, o racismo ainda é um dos fatores mais recorrentes quando se trata de preconceito na vida que leva no país. O jovem, apaixonado pela cultura brasileira que conheceu pelos livros da época em que estava na escola ainda em Gana, diz que já aprendeu muito durante a sua vida no Brasil, e que apesar de tudo, não se arrepende. “Tudo faz parte da minha

aventura”, diz ele. “A migração está no cerne da nossa história”, resumiu o pesquisador Danilo Borges Dias. Segundo ele, existe um grande paradoxo na discussão de imigração, pois de uma maneira ou de outra, devido à história do Brasil, todos nós somos migrantes.

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TECNOLOGIA

A coragem sob o manto do anonimato Sem fiscalização nas redes sociais, proliferam ataques, ironias e posts inadequados Francyellen Magalhães

Com a massificação do uso da internet, em especial das redes sociais, as pessoas utilizam o espaço como se ali existisse um território livre, sem lei nem normas. Desta forma, há comentários, manifestações e numerosos posts dos mais variados tipos, incluindo demonstrações explícitas de preconceito e discriminação, por vezes encobertos por ferramentas tecnológicas. No Brasil, as denúncias envolvendo o uso da internet envolvem principalmente os crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), a exibição de imagens de conteúdo sexual envolvendo crianças e adolescentes e a divulgação de textos e imagens de conteúdo racista e preconceituoso. Aprovado recentemente pelo Congresso, aguarda sanção presiden-cial, o projeto de lei que delega à Polícia Federal a atribuição de investigar crimes associados à divulgação de mensagens de conteúdo misógino (propagam ódio ou aversão às mulheres). A investigação dos crimes relacionados à misoginia por meio da Internet deverá ter máxima prioridade, principalmente pela rápida propagação das informações na rede. A iniciativa ganhou força após o episódio com a ativista feminista Lola Aronovich, professora de Literatura em Língua Inglesa na Universidade Federal do Ceará (UFC) e autora do blog Escreva Lola Escreva. Ela foi vítima de ataques e ameaças online há algum tempo, sem que a polícia conseguisse identificar os responsáveis. Especialista em direito de redes, o advogado Fernando Said, a ausência de uma lei específica para tratar do

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uso das redes sociais e da internet leva a abusos e inconveniências. Para ele, falta um consenso se a legislação atual é ou não suficiente, pois há estudos que mostram que 95% dos crimes praticados na rede mundial podem ser julgados e outros que afirmam que 5% ainda estão livres de qualquer punição. “A falta de legislação espe-cífica acaba contribuindo para o crescimento dos abusos, porém não se deve deixar passar, já que a justiça é acionada pelo que está prescrito em nosso Código Penal”, afirmou Fernando Said. Para o advogado, é fundamental reagir as agressões: “Quem se sente atingido deve coer as provas e denunciar aos órgãos responsáveis”. Diante do aumento dos casos de violações, envolvendo a internet, o governo federal promove uma série de campanhas para estimular as denúncias (ver quadro ao lado). As vítimas devem reunir provas, como copiar o link, dar print dos pots e encaminhar todo o material para os respectivos órgãos responsáveis.


Nem os famosos escapam No ano passado, a atriz Thais Araújo foi vítima de comentários racistas no Facebook ao apawrecer em uma imagem com o filho. Ela denunciou o caso para a Polícia Federal.

Nem os famosos escapam As manifestações não poupam crianças, Rafaella Justus, filha de Ticiane Ribeiro e a Titi filha de Bruno Gagliasso, também foram vítimas de agressão nas redes sociais.

Endereços para o envio de denúncias: http://denuncia.pf.gov.br/ http://new.safernet.org.br/denuncie

Opiniões Usuário frequente das redes sociais e alvo de comentários racistas, Bruno Neres, 20 anos, estudante de Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília (UCB), atribui a freqüência com que ocorrem os abusos à ausência de vigilância na internet. “Não há uma vigilância nesses meios, então isso faz com que as pessoas sintamse à vontade para manifestar comentários maldosos”, disse ele. Jéssica Gomes, de 23 anos, vítima de preconceito cultural, aluna do Direito da UCB, pensa de outro modo: para ela, falta educação dos usuários, não é uma questão ligada à vigilância ou à lei. “O que falta nas pessoas é ética e educação para saber se portar”, opinou. Para Tarcízio Silva, mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas, as redes sociais viraram palco para que as pessoas “vomitem preconceito e ódio”.“O que antes era demostrado dentro de um círculo pessoal e de familiares, agora é jogado na rede, como se fosse algo normal”, disse ele. “Só a educação é capaz de combater a manifestação de preconceito e racismo. A inserção das crianças em um mundo de respeito à adversidadefaz com que elas consigam lidar com as diferenças sem hierarquizar”, afirmou.

http://cidadao.mpf.mp.br/ Fonte: Brasil.gov

Foto: Francyellen Magalhães e Thiago S. Araújo

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CULTURA

Cinema inclusivo e participativo

Festival abre espaço para as atores e espectadores com distintas deficiências Larissa Lago

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Festival Em sua última edição, o “Assim Vivemos” apresentou 32 produções de 19 países diferentes que fizeram o público refletir sobre superação, inclusão, acessibilidade e preconceito. “Consideramos que o protagonismo das pessoas com deficiência aparece nesse festival tanto na tela quanto na plateia, tanto nos debates quanto no júri”, disse Lara Pozzobon. Os filmes relatam universos diversos e distintos, como deficiência visual e síndrome de Asperger – transtorno do espectro autista com um comportamento típico. A maior parte dos roteiros é baseada em situações e personagens reais, raramente há apelos ficcionais. Há produções curta a longa metragem com duração que varia de 5 minutos até uma hora. As produções brasileiras estiveram presentes em dois filmes: “A Vida Tocando”, que conta a história de um violinista que perdeu a visão e aprendeu novas maneiras de continuar a tocar, e “Luiza” que mostra uma menina especial aprendendo a lidar com o universo em que vive, usando a sexualidade para falar sobre preconceito, relacionamentos e amor. Pioneiro, o documentário foi produzido, filmado e tem atores com Síndrome de Down de Florianópolis. O enredo conta as histórias de vida, seus pensamentos e sentimentos sobre amor, felicidade, casamento e o que é ser “Síndrome de Down”(foto pág.21).

Foto: Arquivo Pessoal

O ato de ir ao cinema, comentar o filme e acompanhar, por exemplo, a premiação do Oscar é mais complexo do que se imagina para as pessoas com deficiência. O projeto “Assim Vivemos” busca mudar este cenário e tornar este prazer cada vez mais presente na vida das pessoas deficientes. Criado em 2003, o festival internacional de filmes sobre deficiência acontece a cada dois anos. No ano passado, a 8ª edição do evento foi em setembro, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília. A programação para este ano ainda não foi fechada. A idealizadora e produtora do projeto Lara Pozzobon, afirmou que a inclusão de pessoas deficientes não está somente nos filmes apresentados, mas também no desenvolvimento do festival. “Convidamos pessoas com deficiência, que estão sempre em maioria, para compor o Júri Oficial do festival e para compor as mesas de debates”, apontou. Na elaboração do projeto, trazer o público que se identifica com a temática dos filmes é um desafio a mais, segundo Lara Pozzobon. “Desde a primeira edição, fizemos uma divulgação forte em instituições de pessoas com deficiência para que a frequência dessas pessoas fosse grande nas sessões e oferecemos os recursos de acessibilidade, tendo sido pioneiros na produção de Audiodescrição no Brasil, em 2003. Colocamos intérpretes de libras nos debates e legendas LSE nos filmes”, contou ela.

Lara Pozzobon divulga o festival pelo mundo

Acessibilidade, um desafio Incluir personagens com as mais distintas diferenças é um desafio para os diretores e roteiristas da indústria cinematrográfica. Mas, a falta de acessibilidade para receber as pessoas com deficiência nas salas de cinema também prejudica o crescimento da representatividade destes que são 24%


Arte e Vida

Foto: Divulgação

da população brasileira, de acordo com o último Censo. Deficiente visual, a estudante de Direito Tainara Gomes, 22 anos, adora cinema e contou que sua primeira experiência foi confusa. “O cinema não é acessível para pessoas com deficiência visual. Na maioria das cenas, nós, cegos, ficamos perdidos, pois não dá para saber como são os personagens, a cor das roupas que estão usando, ou até mesmo o cenário. Muitas vezes eu preciso perguntar para alguém que me acompanhou as partes que eu não entendi das cenas”, detalhou. Tainara sugere mudanças para melhorar a acessibilidade, sua sugestão é colocar a opção de audiodescrição para os deficientes visuais. Em um decreto feito em 2016, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) ordenou que todas as salas do país devem ser adaptadas com audiodescrição, legendagem e libras até este ano. Mas, devido à falta de estrutura e de equipamentos para auxiliar as empresas que tem salas de cinema no Brasil, a Ancine decidiu prorrogar o prazo final para 16 de setembro de 2019. Apesar da prorrogação, até setembro deste ano os grupos que possuem mais de 20 salas de cinema precisam adequar, no mínimo, 50% das suas salas aos recursos de acessibilidade e, para os que possuem menos de 20 salas, o mínimo é 30%. A Rede Cinemark, que representa cerca de 30% do mercado brasileiro de cinema, não disponibiliza seus dados sobre este assunto. Já o grupo Kinoplex segue as exigências do decreto em apenas um de seus cinemas, o Cinecarioca, localizado na cidade do Rio de Janeiro.

Marcelo, Raquel, Gabriel e Talita do filme “Meu olhar diferente sobre as coisas”

Enredos que sensibilizam Na edição de 2018 do Oscar, ganhou o prêmio de Melhor Filme “A Forma da Água”, do diretor mexicano Guillermo del Toro, cuja personagem principal é deficiente – ela não consegue falar. A premiação sela um avanço na luta por mais histórias sobre pessoas com deficiências. A seguir, cinco filmes inspiradores e emocionantes que abordam a inclusão de deficientes. A Forma da Água (2018): Ganhador do Oscar de Melhor Filme. A trama, que se passa nos anos de 1950, conta a história da heroína anônima Elisa, uma zeladora muda, que se envolve com um homem diferente que vive em cativeiro no laboratório em que ela trabalha. O Filho Eterno (2016): Nesta produção brasileira, o casal Roberto e Cláudia vive uma enxurrada de emoções após seu filho, Fabrício, nascer com Síndrome de Down. Numa jornada de 12 anos, entre obstáculos, descobertas e conquistas, o casal vive o verdadeiro amor. A Teoria de Tudo (2015): O filme conta a incrível história do físico Steven Hawking, morto em março, e sua superação após o diagnóstico de Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), sem deixar de lado a vida comum, amorosa e familiar.

Doutora em Comunicação, Stacy Smith comandou uma pesquisa no Media Diversity and Social Change Initiative que estuda a mudança na diversidade e representatividade no entretenimento dos Estados Unidos, em 2016. O trabalho mostrou que apenas 2,4% dos personagens que apareceram nos 100 filmes mais vistos no ano de 2015 apresentavam algum tipo de deficiência. Destes 100 filmes, apenas 55 deles apresentavam personagens com alguma deficiência. Representando 61%, os personagens que possuem deficiências físicas são os que mais aparecem. Em segundo lugar com 37,1%, vem os que tinham deficiências mentais ou cognitivas. Além disso, os personagens eram predominantemente masculinos, apenas 19% eram mulheres. Outro dado da pesquisa mostra que os personagens deficientes desempenhavam papeis coadjuvantes (54,3%) ou insubstanciais (32,4%). A falta de interesse da indústria pelas histórias de pessoas que tem deficiência prejudica o alcance da representatividade e mostra uma visão pequena da vida real em geral.

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ESPORTE

Vencendo os limites com o esporte Inclusão de deficientes auxilia na superação dos desafios e na socialização Emanuelly Fernandes

dos brasileiros, na qual a maioria dos atingidos tem mais de 60 anos. A pesquisa também mostra que 16% dos deficientes visuais do país, possuem uma perda total ou quase total da visão, o que impossibilita realizarem atividades básicas. O esporte fez do Wendell a exceção, e o tornou uma pessoa independente. Quando não está treinando, o jovem é aluno do curso de Ciências da Computação do Uniceub, além de seguir uma rotina comum a qualquer pessoa da sua idade.

Especialista Nos últimos 38 anos, o professor de Educação Física Sérgio de Castro, 70, dedica-se a dar atenção às pessoas com deficiências e sua inclusão na sociedade. Especialista na educação física adaptada e educação especial, Castro também é presidente da Federação de Basquetebol para cadeirantes do Rio de janeiro e árbitro internacional da modalidade. Seu objetivo é garantir que se cumpra o artigo 5º da

Foto: Comitê Paralímpico Brasileiro

Maria Eduarda Lima, 10 anos, ao ser questionada o que seria uma pessoa com deficiência, respondeu: “É uma pessoa que falta alguma coisa.”. Utilizando dessa definição infantil é possível afirmar que o esporte aproveita da sua capacidade de unir diferenças, para buscar preencher o que falta na pessoa com deficiência. Historicamente, o esporte tem conseguido mudar realidades inclusive de pessoas que vivem em condições de vulnerabilidade. Integrar as pessoas portadoras de alguma necessidade física ou intelectual nas práticas esportivas é fundamental no processo de inclusão social e reabilitação, segundo especialistas. Inclusão e reabilitação são as palavras que definem a vida de Wendell Belarmino no esporte. O jovem, de 19 anos, nasceu com quase perda total da visão e com problemas respiratórios, e foi nas atividades físicas que encontrou uma qualidade de vida melhor. Ainda na infância começou a fazer natação por recomendações médicas, a prática o ajudava a ter uma respiração melhor. Nas suas primeiras braçadas, Wendell tinha o objetivo de respirar com qualidade. Hoje ele nada rumo às Paralimpíadas de Tóquio, em 2020. Atleta de alto rendimento e membro da seleção brasileira de jovens, sua maior dificuldade na natação é entender corretamente os movimentos dos quatro estilos.

Números Em agosto de 2015 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou que 6,2% da população brasileira tem algum tipo de deficiência. A Pesquisa Nacional de Saúde analisou os principais tipos de deficiência: física, intelectual, visual e auditiva. A deficiência visual é a que está mais presente no país, com 3,6%

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Com problemas de visão e respiratórios, Wendell Belarmino treina no Minas Tênis Clube de Brasília


A inclusão pelo tênis A ex-tenista Cláudia Chabalgoity dona de quatro medalhas nos jogos panamericanos e uma participação olímpica, é considerada uma das autoridades do tênis no país. Desde que deixou as quadras seu principal desafio é com os projetos sociais. Seu primeiro trabalho foi o Programa de Desenvolvimento do Tênis em Cadeira de Rodas que durou seis anos. Foi também a responsável pela realização do primeiro mundial de tênis em cadeira de rodas no Brasil, que aconteceu em Brasília em 2006. Atualmente Chabalgoity é a coordenadora do ‘Projeto To no Jogo’, que foi criado em março de 2017, com a proposta de unir vários profissionais da saúde e oferecer um tênis integrativo para pessoas diagnosticadas com deficiência intelectual, Transtorno do Espectro Autista, Síndrome de Down e cadeirantes. “A diferença desse projeto é que trabalhamos com terapias integrativas. Trabalhamos com atividades integradas. Ou seja, nós fazemos com que eles trabalhem integralmente, o que significa

trabalhar o corpo a parte técnica e a psicológica.”, disse Cláudia. Em 2017 o projeto atendeu 20 pessoas, entre adultos e crianças, que foram encaminhados pela APAE. Em 2018 já são 20 alunos e dessa vez vindos da Pestalozzi. Uma das metas para esse ano é aumentar esse número para 50 e incluir os cadeirantes. Apesar de ter surgido com o tênis, o ‘Projeto To no Jogo” já enxerga a importância de abrir para a entrada de outras modalidades, como o futebol, a natação, a capoeira e a bocha. O crescimento do projeto passa pela necessidade de parcerias financeiras, que no momento conta apenas com o BRB.

Serviço Projeto Tô no Jogo Terça e quarta – 9h30 às 11h Local: ASSEFE – Setor de Clubes Sul, Trecho 1, Conjunto 1, Lote 7, Brasília - DF

Foto: divulgação do projeto

Constituição: de liberdade e igualdade para todos indistintamente. A realidade mostra que experiências básicas são negadas a pessoa com algum tipo de necessidade. “As Paralímpiadas no Brasil trouxeram uma visibilidade maior para o esporte adaptado, principalmente, porque os atletas paralímpicos ganharam mais medalhas que os olímpicos. Mas ainda existe um longo caminho de conquistas. Uma das dificuldades é a má formação de profissionais da área”, avaliou o professor. No momento, Sérgio de Castro trabalha com um projeto destinado as pessoas portadoras da Síndrome de Down. O esporte adaptado é a atividade física que se ajustando a redução de capacidade de uma pessoa em relação ao nível considerado normal. Segundo o professor Sérgio um dos principais objetivos é elevar a autoestima, mostrando para o deficiente que ele consegue fazer a mesma coisa que a sociedade considera como parâmetro normal.

Ex-campeã de tênis Cláudia Chabalgoity (última à direita) resgata a confiança de alunos e alunas da Pestalozzi pelo esporte e incentivo à competição saudável.

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Intolerância para quê ?

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CRÔNICA Ello Romanin

O mundo tem mudado mais nos últimos cinco anos do que nos outros 50 antecedentes... Mas, infelizmente, o preconceito aliado com o discurso de ódio, ainda incentiva fortemente a cultura de violência no nosso país. O conceito pré-concebido é um fenômeno presente desde o surgimento dos primeiros agrupamentos humanos. Até a década de 20, era visto como uma atitude normal frente a grupos sociais “inferiores”. Nas décadas de 1940 e 1960, um conjunto importante de mudanças sociais e políticas na Europa e África do Sul – como o surgimento do movimento feminista, por exemplo – fez com que as formas de expressão do preconceito mudassem. Nos anos 2000, novas mobilizações em busca de visibilidade e da conquista de direitos tomaram as ruas. O Atlas da Violência 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que em cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras. Homens, jovens, negros e de baixa escolaridade são as principais vítimas de mortes violentas no país. Os índices de violência são altos. Evoluímos em alguns aspectos, enquanto ainda retrocedemos fortemente em outros. Não para por aí e atinge também outros grupos ditos excluídos. De acordo com a Associação Nacional de Travesti e Transexuais (Antra), em 2017, foram contabilizados 179 assassinatos de travestis ou transexuais, registrando, em média, uma morte a cada 48 horas. Em seu último levantamento, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos destacou que, a cada três dias, é realizada uma denúncia de intolerância religiosa. No primeiro semestre de 2016, o Disque 100 – canal de denúncias de violações de direitos humanos – registrou 196 queixas desse tipo. Há, ainda, mais: pelos dados do Relógio da Violência do Instituto Maria da Penha mostram a cada 7,2 segundos, uma mulher é vítima de violência física no Brasil. É fundamental discutir o tema pois, em geral, todos se auto-intitulam sem preconceitos, mas sempre julgamos algo ou alguém, sem sequer pensar em quais as consequências tais comentários terão na vida do próximo. Devemos reconhecer, à priori, que mesmo de forma inconsciente, tanto podemos exercer o preconceito como podemos estar do lado de quem sofre. Somente isso já é fundamental para minimizar o discurso de ódio. Não é possível forçar ninguém a gostar de algo que não lhe agrada, mas é essencial, em qualquer sociedade de direitos livres, que qualquer forma de discriminação seja inaceitável. A intolerância nunca levou ninguém a lugar algum.


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