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Na Sombra de
from 27ª Edição - O Pilão
by O Pilão
Por Camila Rodrigues e Laura Seone Pereira
Como já é habitual na nossa revista, apresentamos-te a rubrica “Na sombra de…”. Nesta 27ª edição d’O Pilão, conhece melhor o percurso académico e profissional da Professora Doutora Maria do Céu Sousa.
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O Pilão: Sempre ambicionou enveredar por uma área relacionada com as ciências da saúde? O curso correspondeu às suas expectativas?
Maria do Céu Sousa: Sim, sem qualquer dúvida! Sempre desejei tirar um curso superior na área das ciências da saúde. Depois de terminar o 9º ano, optei por deixar a Escola Secundária de Anadia e matricular-me na Escola Secundária José Estevão, em Aveiro, para conseguir frequentar o ramo da saúde do 10º ano. O curso de Ciências Farmacêuticas da FFUC superou muito as minhas expetativas. Foi um curso desafiante pela sua multidisciplinariedade e fortíssima componente laboratorial.
Madalena Bandeira, 1°MICF
OP: Em 2002 concluiu o Doutoramento, sendo o tema da sua dissertação “Interação de Giardia lamblia com células intestinais e agentes antimicrobianos”. Como surgiu o seu interesse pela Parasitologia?
MS: No meu 4º ano da licenciatura, o professor responsável pela Parasitologia, Doutor João Poiares da Silva, convidou os alunos a participarem em pequenos projetos de investigação e eu aceitei com muito entusiasmo e expetativa. Comecei por participar num estudo relacionado com a deteção e identificação de fungos em chás vendidos em farmácias, trabalho este que foi selecionado para apresentação oral nas “VI Jornadas da Associação Ibérica de Farmacêuticos Analistas”, em Lisboa. Esta experiência foi muito marcante e despertou em mim um grande interesse pela investigação científica. Posteriormente, e também sob a orientação do Professor João Poiares da Silva, participei em vários estudos sobre parasitoses intestinais em crianças que foram determinantes no percurso da minha carreira profissional, como docente e investigadora.
OP: Como se desenvolveu o seu percurso profissional?
MS: No seguimento da minha participação nos projetos anteriormente citados, fui convidada a dar aulas no Laboratório de Microbiologia da FFUC, como monitora. Assim, durante o meu 5º ano e o estágio da Licenciatura em Ciências Farmacêuticas, estive a lecionar aulas práticas de Microbiologia e Imunologia. Esta experiência no ensino ajudou-me muito a decidir o que eu queria para o meu futuro profissional e, por isso, quando abriu o concurso de Assistente Estagiária para o Grupo das Ciências Biológicas, sub-gru-
po Microbiologia, eu candidatei-me. Iniciei, assim, a minhacarreiradeDocenteUniversitárianaFFUC,progredindo para a categoria de Assistente e depois, com o Doutoramento concluído, para Professora Auxiliar. No âmbito da minha atividade pedagógica, tenho lecionado diversas Unidades Curriculares das áreas da Microbiologia e Parasitologia na FFUC. A par com esta atividade na UC, tenho também colaborado com instituições estrangeiras no ensino de cursos pós-graduados, como o Mestrado em Biotecnologia da Universidade de Granada, Espanha, e o Programa Doutoral em Ciências Farmacêuticas da Universidade Estadual de Maringá, Brasil. A minha atividade científica centrou-se inicialmente no estudo da infeção por um parasita intestinal, Giardia lamblia. Fui a primeira pessoa em Portugal a trabalhar com culturas in vitro de G. lamblia e a estudar a suscetibilidade de isolados humanos ao metronidazol, fármaco de primeira linha usado no tratamento da giardíase. Desenvolvi um método para avaliar a suscetibilidade do parasita, que foi apresentado nas minhas provas de Aptidão Pedagógica e Científica e publicado numa revista de elevado impacto, a Antimicrobial Agents and Chemotherapy. No meu trabalho de Doutoramento estudei a interação parasita-hospedeiro e alternativas terapêuticas para a giardiose. Após o Doutoramento, alarguei os estudos a mais dois protozoários Leishmania spp. e Trypanosoma brucei.
OP: Sabemos que a par do ensino, tem uma célebre carreira na investigação. Como é que consegue conciliar estas duas áreas? Que mais valias pode retirar de cada uma?
MS: A carreira Docente Universitária engloba intrinsecamente atividades de docência e de investigação. Estas vertentes fortalecem-se mutuamente e, de facto, tornamo-nos melhores docentes quanto melhor investigarmos e vice-versa. O professor universitário tem de reger disciplinas dos cursos de licenciatura, disciplinas em cursos de pós-graduação, dirigir as respetivas aulas práticas ou teórico-práticas. É, sem dúvida, uma carreira muito trabalhosa desafiante, intensa e à qual temos de nos dedicar a tempo inteiro! O conhecimento científico é dinâmico e, por isso, temos de estudar toda a vida de modo a nos atualizarmos constantemente e a conseguir transpor esse conhecimento para o ensino. Talvez tenha sido este o desafio pelo qual me apaixonei bem cedo, mesmo sem dar conta disso. Ensinar é a minha missão! A carreira de Docente Universitária é uma carreia entusiasmante e gratificante para mim por muitos motivos. Contribuo todos os anos para a formação de centenas de estudantes de Licenciaturas, Mestrados e Doutoramentos. Desde o meu Doutoramento que orientei 16 teses de Licenciatura, 80 teses de Mestrado, 7 teses de Doutoramento e 2 estágios de Pós-Doutoramento. Também participei em 138 júris de avaliação, nomeadamente júris de doutoramento, júris de Mestrado e júris de seminários de programas de Doutoramento. O reconhecimento nacional e internacional da minha atividade é outra mais valia, pessoal e profissional. Os nossos artigos publicados em revistas internacionais com arbitragem científica (ISI) foram alvo de mais de 1000 citações nas plataformas digitais. Sou convidada frequentemente a avaliar projetos de investigação nacionais e estrangeiros, a participar em cursos de pós-graduação, workshops e júris de Doutoramento no estrangeiro, sou revisora de 32 revistas indexadas, dou colaboração académico-científica ao abrigo de Convénios de Cooperação e Acordos Bilaterais, sou consultora e participo em programas de intercâmbio internacionais como o programa Erasmus. Adicionalmente, mantenho colaborações científicas com várias instituições internacionais, como o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro (INI/FIOCRUZ), o Istituto Superiore di Sanità of Rome, a Facoltà di Farmacia dell’Università degli Studi di Pavia (Dipartimento di Scienze del Farmaco), a Universidade Estadual de Maringá (UEM), entre outras. Conciliar estes trabalhos e funções só tem sido possível com a colaboração de uma excelente equipa e com o apoio incondicional da família. Eu sou casada, tenho dois filhos e sei que sem o apoio deles nunca teria conseguido!
OP: É investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra. Em geral, no que consiste o seu trabalho neste instituto? MS: No Centro de Neurociências e Biologia Celular (CNC) sou Investigadora Principal da linha “Novas estratégias terapêuticas em doenças parasitárias negligenciadas”, integrada no grupo de Química Medicinal e Descoberta de Fármacos. Os principais interesses de investigação são as doenças tropicais negligenciadas (DTNs) causadas por parasitas Leishmania, Trypanossoma e Giardia lamblia, em particular os estudos de interação parasita-hospedeiro e o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para estas doenças infeciosas. Neste contexto, está a decorrer sob a minha responsabilidade um projeto de investigação com financiamento de aproximadamente 250 000,00 euros que engloba contratos de trabalho de Doutorados e Bolsas de Investigação Científica. Participo também em seminários de formação pós-graduada, em encontros científicos realizados pelo CNC e ou
tras atividades, como a Ciência Viva no Laboratório - Ocupação Científica de Jovens nas Férias e Noite Europeia dos Investigadores.
OP: Elucide-nos um pouco sobre os projetos de investigação que está a desenvolver atualmente.
MS: A minha investigação centra-se no desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas para a giardíase e leishmanioses. Para tal, realizamos a caraterização de isolados de Giardia lamblia e estudamos o impacto dos grupos genéticos nos padrões de infeção. Paralelamente, avaliamos os efeitos de vários compostos sintéticos, semi-sintéticos e naturais em diferentes modelos celulares de infeção e estamos a desenvolver sistemas de entrega de fármacos recorrendo a partículas de glucano. O sucesso desta vetorização permitirá a administração oral de moléculas insolúveis em modelo animal de infeção, abordagem crucial para a prossecução dos estudos de atividade biológica. Também estamos a produzir, purificar e a caracterizar vesículas extracelulares (VEs) de G. lamblia. O objetivo é estudar o efeito das VEs na interação parasita-hospedeiro e elucidar se estas vesículas representam um novo alvo farmacológico e/ou se têm potencial aplicação ao desenvolvimento de vacinas.
OP: Além da Parasitologia Clínica, uma das áreas científicas que está fortemente presente na sua vida profissional é a Epidemiologia. Perante a situação que vivemos, quais julga que serão os maiores impactos desta pandemia no futuro que se avizinha?
MS: Os impactos económicos, sociais, políticos e culturais serão enormes em todo o mundo. Perspetiva-se uma crise financeira muito profunda e, por isso, um agravamento do estado de saúde das populações. O impacto da pandemia COVID-19 na saúde mental das crianças, jovens e adultos vai ser dramático nos próximos anos e iremos também assistir ao aumento da mortalidade devido a doenças crónicas. Contudo, nem tudo será negativo. Os hábitos e a etiqueta respiratória impostos pela pandemia irão ter um impacto positivo na evolução das doenças respiratórias. Por exemplo, é expectável que a gripe tenha uma menor expressão durante este inverno, resultando numa diminuição da mortalidade. A pandemia também tem oferecido uma oportunidade para acelerar algumas mudanças há muito desejáveis. Nunca foi tão rápido desenvolver e aprovar va- cinas, mostrando-se ao mundo que o esforço global resulta! No ensino, o teletrabalho foi uma das mudanças mais evidentes e acredito que no futuro as escolas e as universidades portuguesas irão continuar a ter atividades online, reforçando-se cada vez mais com ferramentas de teletrabalho e de formação à distância. Vamos também retirar muitos ensinamentos desta experiência da pandemia e iremos estar melhor preparados para enfrentar futuras infeções e epidemias, que sem dúvida irão acontecer!
OP: Que mensagem e conselhos gostaria de deixar aos estudantes da nossa Faculdade, futuros profissionais de saúde, especialmente aos que pretendem ingressar na área da investigação?
MS: Principalmente que acreditem nos vossos sonhos e que lutem sempre para os concretizar. Que procurem incessantemente o que vos motiva, inquieta e interroga.Definamcomclarezaoquequeremdescobrir, desenvolver e inovar! E depois será uma aventura que só saberão o final quando lá chegarem… Boa sorte!

