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Grande Entrevista
from 27ª Edição - O Pilão
by O Pilão
Professor Doutor Francisco Veiga
FORMAÇÃO
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1985: Licenciatura em Ciências Farmacêuticas; 1996: Doutoramento em Farmácia, especialidade de Tecnologia Farmacêutica.
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
1989 – 1991 e 1994 – 1996: Membro do Conselho Diretivo da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra; 1989 – 1995: Tesoureiro da Direção da Secção do Centro da Ordem dos Farmacêuticos; 1992 – 1994: Vogal da Administração Regional de Saúde de Coimbra; 1997 – Presente: Membro da Comissão Técnica de Medicamentos/Comissão de Avaliação de Medicamentos do INFARMED; 1998 – Presente: Perito da Agência Europeia de Medicamentos (EMA); 2002 – 2004: Presidente do Conselho Pedagógico da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra; 2004 – 2007: Pró-Reitor da Universidade de Coimbra; 2010 – 2012: Subdiretor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra; 2012 – Presente: Diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra; 2014 – 2017: Investigador no Centro de Neurociências e Biologia Celular; 2017 – Presente: Investigador do Centro de Investigação Requimte (Rede de Química e Tecnologia).
Nesta 27ª edição d’O Pilão, o grande entrevistado é o Professor Doutor Francisco Veiga, atual Diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC). Embora o seu percurso seja fortemente marcado pela carreira académica, apresenta um vasto currículo na área de Assuntos Regulamentares do Medicamento e na área da Indústria Farmacêutica. Fica a conhecer a trajetória profissional do Professor Doutor Francisco Veiga, o balanço que faz destes oito anos como Diretor da FFUC, bem como as suas ambições para o futuro.
Por Catarina Batista e Inês Pais
O Pilão: Em 1996 concluiu o seu Doutoramento em Tecnologia Farmacêutica. O que o levou a escolher esta área? Na época, quais eram as perspetivas que tinha para o seu futuro?
Francisco Veiga: A escolha pela Tecnologia Farmacêutica começou muitos anos antes, quando frequentava o curso de Ciências Farmacêuticas. O meu curso oferecia nessa altura três ramos de especialização: Farmácia Comunitária, Indústria Farmacêutica e Análises Clínicas. Optei, sem qualquer dúvida, pelo ramo da Indústria Farmacêutica, ou seja, a escolha pela Tecnologia Farmacêutica ocorreu 14 anos antes de fazer o Doutoramento. Contrariamente ao que acontece hoje em dia, o Doutoramento, até aos anos noventa do século passado, estava quase exclusivamente reservado a quem seguia a carreira académica, o que significava que era uma prova que acontecia durante a carreira académica, enquanto que hoje acontece, na maioria das vezes, antes de ser iniciada. Sempre pretendi trabalhar na Indústria Farmacêutica. Só não aconteceu porque fui convidado para Monitor no último ano do curso e acabei por ficar na Faculdade. Contudo, sempre colaborei ativamente, durante muitos anos, com várias Indústrias Farmacêuticas. Se não tivesse ficado na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC), teria seguido, seguramente, uma carreira profissional na Indústria Farmacêutica.

OP: A par da investigação e do ensino, é membro da Comissão de Avaliação de Medicamentos do INFARMED e Perito da Agência Europeia de Medicamentos (EMA). De que forma julga que estes cargos influenciam a sua carreira, nomeadamente no que diz respeito à área de Assuntos Regulamentares do Medicamento?
FV: Como já referi anteriormente, colaborei muitos anos com a Indústria Farmacêutica, colaboração essa que passou por várias áreas, desde o desenvolvimento farmacêutico, conceção de unidades industriais e também na área regulamentar do medicamento. Quando surgiu o convite para integrar a Comissão de Avaliação de Medicamentos do INFARMED e o de Perito da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), para além de me sentir lisonjeado com o convite, considerei que seria uma oportunidade para abraçar um novo desafio na minha vida profissional, sendo certo que me obrigou, por questões de incompatibilidade de funções, a abdicar da minha colaboração com a Indústria Farmacêutica. A regulamentação do medicamento é uma área extremamente complexa, que envolve muita interdisciplinaridade e que está em permanente atualização. Os medicamentos, para serem aprovados, têm que demonstrar Eficácia, Segurança e Qualidade. Como Farmacêutico e doutorado em Tecnologia Farmacêutica, o convite foi-me dirigido para avaliador da Qualidade, função que já exerço há mais de vinte anos. Foi o contacto com esta atividade que me levou a integrar, numa Unidade Curricular que lecionava nos anos noventa, alguns conceitos sobre a regulamentação do medicamento. Quando mais tarde foi reformulado o plano de estudos do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, consegui que fosse aprovada a Unidade Curricular Assuntos Regulamentares do Medicamento, a qual lecionei até iniciar as funções de Diretor da FFUC. Se, durante muitos anos, esta área foi considerada pouco relevante como saída profissional dos Farmacêuticos, hoje em dia está bem evidenciado o contrário, dado que é para esta área que a Indústria Farmacêutica mais recruta. A necessidade de uma boa preparação por parte dos Farmacêuticos na área da regulamentação do medicamento levou à criação de uma Unidade Curricular Opcional, Gestão de Processos Regulamentares, que tem tido muita procura por parte
OP: Ainda relativamente à sua formação, quase todo o seu percurso académico passou pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC). Nessa altura, já ambicionava ascender a um cargo de tal relevância como é o de Diretor de uma instituição de Ensino Superior?
FV: Efetivamente, todo o meu percurso académico tem sido efetuado na FFUC. Foi na FFUC que obtive a Licenciatura, o Doutoramento e a Agregação. Passei por todas as categorias que a carreira académica oferece, desde Monitor até alcançar a de Catedrático, que ocupo atualmente. O ter feito todo o meu percurso na FFUC não me impediu que conhecesse outras realidades internacionais, que muito enriqueceram a minha experiência de investigador, tendo estudado nas Faculdades de Farmácia de Genebra, Liverpool, Cardiff e Nancy. A minha tese de Doutoramento foi orientada pelo Professor Philippe Maincent da Faculdade de Farmácia de Nancy. As oportunidades, na minha vida profissional, foram acontecendo com alguma naturalidade. Talvez não saibam, mas, antes de ser Diretor da FFUC, ocupei outros cargos de enorme responsabilidade. Fui Administrador da Administração Regional de Saúde de Coimbra, de 1992 a 1994, o que implicou que tivesse em comissão de serviço fora da Universidade de Coimbra durante aquele período de tempo. Fui membro do Conselho Diretivo da FFUC nos biénios de 1989/91 e 1994/96. Fui Presidente do Conselho Pedagógico da FFUC no biénio 2002/04. A convite do então Reitor, Fernando Seabra Santos, fui Pró-Reitor da UC, de 2004 a 2007. Antes de ser Diretor, fui Subdiretor durante 2 anos. Como se pode constatar, chegar a Diretor “... não posso deixar de manifestar que foi com um enorme orgulho e satisfação que assumi as funções de Diretor da FFUC nestes últimos anos.”

da FFUC foi o culminar de um percurso com experiência adquirida e não necessariamente a ambição de o ser a todo o custo. Contudo, não posso deixar de manifestar que foi com um enorme orgulho e satisfação que assumi as funções de Diretor da FFUC nestes últimos anos.
OP: O que motivou a sua quarta candidatura a Diretor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra?
FV: A motivação para o quarto mandato a Diretor foi precisamente a mesma que tinha para o primeiro mandato, ou seja, foi a de concretizar um projeto que levasse à criação de uma Faculdade que se assumisse como uma instituição moderna, que desenvolvesse uma cultura de excelência, que se diferenciasse por ser competitiva, que fosse reconhecida nacional e internacionalmente e que se distinguisse pelo prestígio que fosse consolidando ao longo dos anos. Tenho afirmado, em vários momentos, que a Faculdade precisa de estar coesa em torno dos princípios e dos valores que a norteiam e determinada a ganhar o futuro com o esforço de todos: docentes, estudantes e pessoal técnico. A Faculdade tem todas as condições para enfrentar o futuro com confiança, sendo certo que está obrigada a ser exigente consigo própria, para alcançar o padrão da excelência. A gestão de uma instituição universitária é, por si só, um desafio aliciante, mas é também uma grande responsabilidade, que exige determinação, coerência, dedicação e uma enorme capacidade para ultrapassar as adversidades. Por isso, a comunidade universitária, a que todos nós pertencemos, exige por parte de quem dirige as instituições respostas inovadoras, quer ao nível da sua organização, quer dos conteúdos e estratégias pedagógicas, quer ao nível das políticas de investigação, quer, ainda, do modelo de relacionamento com a sociedade onde estamos integrados.
OP: Qual o balanço que faz destes oito anos como Diretor da FFUC? Considera que atingiu as metas a que se propôs?
FV: Aquilo que posso afirmar é que hoje temos uma Faculdade muito diferente daquela que recebi dos meus antecessores. Perdoem-me a imodéstia, mas está diferente
constituem a comunidade académica. não só um aumento na oferta formativa, como uma mais-
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da UC, e que estabeleça as medidas necessárias, capazes de minimizar eventuais impactos negativos resultantes da procura dos seus cursos e da redução do financiamento público para o ensino e a investigação.
OP: E quais as maiores dificuldades que enfrentou?
FV: Para além da inevitável falta de recursos financeiros suficientes para dar resposta às necessidades da FFUC, nomeadamente para a contratação de mais docentes e pessoal técnico, e para a sua legítima progressão nas respetivas carreiras, as maiores dificuldades que tive de ultrapassar foram as relacionadas com a estabilidade e a confiança na forma de gestão da instituição. Penso que demonstrei, desde o início das minhas funções como Diretor, que sou intransigente na defesa da instituição e das pessoas que nela trabalham e estudam. Sempre pautei a minha atuação pela apresentação e discussão de propostas inovadoras que fossem unificadoras do interesse da comunidade académica, que tivessem como vetor principal a excelência e incorporassem uma forte afirmação da para melhor. Poderia descrever exaustivamente tudo o pois de muito trabalho, a Faculdade funciona hoje como que foi realizado nos últimos oito anos em prol do corpo qualquer outra organização moderna, com competências docente, dos estudantes e do pessoal técnico da FFUC, delegadas, com orçamentos sectoriais atribuídos, com a mas deixo essa tarefa para cada um de vós, na certeza de responsabilização de cada um dos intervenientes e dotaque as evidências são tão claras que facilmente poderão da de um conjunto de regras e regulamentos bem claros constatar que valeu a pena todo o tempo despendido e que permitem conhecer as obrigações e os direitos de toda a abnegação dedicada em defesa dos legítimos inte- cada um. Deixaram, assim, de haver decisões casuísticas resses da nossa Faculdade, em particular das pessoas que e discricionárias. Considero, ainda, que implementei na FFUC uma cultura OP: Na tomada de posse do atual mandato afirmou, em de exigência, rigor e qualidade, onde se valoriza o traba- entrevista, que não queria fazer história na FFUC, queria lho, se promove o mérito e se estimula o empreendedo- era que a história da Universidade de Coimbra passasrismo e a inovação. se cada vez mais pelas pessoas e pelos acontecimentos A vida das instituições é um processo dinâmico, o que ocorridos na FFUC. Acha que a Faculdade de Farmácia obriga por vezes a fazer ajustamentos nos objetivos a fez história neste último mandato? que nos propomos, mais por vontades alheias do que FV: O que eu quis dizer era que estive e estou a exercer as próprias, razão pela qual considero que algumas metas funções de Diretor com a principal missão de contribuir ficam para serem concretizadas por quem me suceder, para o engrandecimento e para a modernização da FFUC, desde logo porque o tempo as impõe e não são mais pas- e não para me autopromover. Estes lugares são sempre síveis de ser adiadas. Refiro-me à revisão do plano curri- efémeros. cular do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas O importante é o que se faz e não quem o faz, na certeza, FORMAÇÃO porém, que Todos nós e das Licenciaturas em Ciências Bioanalíticas e Farmácia Biomédica, tendo presente as necessidades formativas, o nunca devemos cair na falsa modéstia. docentes, estudantes e pessoal técnico -, na cumprimento de normativos reguladores e os critérios de nossa atuação diária, escrevemos todos os dias algumas empregabilidade. linhas da história da FFUC e, se estivermos atentos, consA criação da Licenciatura de Ciências da Nutrição, que foi tatamos que a história da UC tem cada vez mais protagouma das bandeiras dos meus mandatos e que, infelizmen- nistas pertencentes à nossa Faculdade, quer em funções te, ainda não foi possível de aprovar, é outro dossier a ser de gestão universitária, quer como líderes de projetos de concretizado. Considero que a sua aprovação representa investigação e de empreendedorismo e inovação. -valia para a FFUC, numa área considerada estratégica OP: Quais os objetivos profissionais que ainda pretende para promover a qualidade de vida, com claro impacto alcançar? tanto a nível da saúde como económico. FV: Penso que possuo a experiência profissional e a viFica igualmente por concretizar, por falta de meios finan- vência social suficientes para continuar a contribuir para ceiros, a realização de um plano estratégico para a FFUC a sociedade, naquilo que estiver ao meu alcance e para o que defina objetivos próprios, mas complementares aos que for necessário, na certeza de que neste momento não
Faculdade, quer a nível nacional, quer internacional. Deestou a pensar, nem pretendo alcançar nada de concre-

to. Pretendo apenas sentir-me ativo e, felizmente, tenho muitas coisas para fazer, quer na FFUC, quer fora dela. Ao longo da minha vida profissional, foram-me dirigidos vários convites para abraçar outros projetos fora da UC, e alguns até fora de Portugal, que acabei por não aceitar, porque me obrigavam a fazer opções de vida que comprometiam o acompanhamento da educação dos meus filhos e que colocariam em causa a minha carreira académica. Mas, como já referi anteriormente, as coisas, se tiverem que acontecer, acontecem com toda a naturalidade. Por agora, quero concluir o mandato sem dossiers complexos por resolver e com a instituição “arrumada”.
OP: Para terminar, que mensagem gostaria de deixar aos estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra?
FV: Os estudantes da FFUC devem, em primeiro lugar, sentir-se orgulhosos de fazerem parte integrante da nossa comunidade académica. O verdadeiro estatuto de estudante universitário em Portugal, com todas as suas dimensões formativas, culturais e muitas outras, apenas se consegue no seio da UC. A mensagem que vos deixo é a de que devem continuar a acreditar que fizeram a opção certa ao escolherem a FFUC para a vossa formação académica. Apesar dos tempos em que vivemos terem na ordem do dia a pandemia, que tem constituído, para todos, sem exceção, um enorme desafio, não sendo fácil, nas adversas condições em que temos vindo a desenvolver o nosso trabalho, assegurar o normal funcionamento da instituição, deixo-vos uma palavra de esperança em como tudo voltará em breve à sua normalidade. Gostaria, também, de recordar que a FFUC irá comemorar o seu primeiro centenário no dia 18 de janeiro de 2021, o que revela que já passou por muitas crises e pandemias tendo-as sempre superado, fruto da capacidade de resiliência e sentido de união dos seus agentes. A comemoração do primeiro centenário da FFUC é uma oportunidade para evocar a memória passada, reconhecendo, com elevado orgulho, que somos herdeiros de uma história secular e única. É também o momento para reforçarmos o nosso compromisso com o futuro, projetando o que poderemos e deveremos fazer mais e melhor, sempre em prol de todos.
