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Na sombra de Ana Cláudia Santos
from 26ª Edição - O Pilão
by O Pilão
À semelhança das edições anteriores, temos mais uma vez presente n’O Pilão a rubrica “Na Sombra de…”. Nesta 26ª edição, entrevistámos um rosto conhecido na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. Damos-te a oportunidade de conheceres melhor o percurso académico e profissional da Professora Doutora Ana Cláudia Santos.
Por João Cotovio e Verónica Resende
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O Pilão: Quais os motivos que a levaram a ingressar num curso de ensino superior na área das Ciências da Saúde? O curso e a Faculdade corresponderam às suas expectativas?
Ana Cláudia Santos: Sempre gostei muito de química e de matemática e, quando cheguei ao 12º ano, fiquei muito indecisa se haveria de prosseguir por uma engenharia ou mesmo por um curso de química. Conclui que, em termos de saídas profissionais, Ciências Farmacêuticas agregaria todas estas valências e apresentaria ainda a vantagem de ser um curso das Ciências da Saúde. E foi por isso que escolhi o curso de Ciências Farmacêuticas. Na realidade, não foi o facto de ser um curso da área da Saúde que me cativou, até porque não me atrai muito a parte da doença propriamente dita; acho mais interessante a parte do desenvolvimento de soluções tecnológicas, de formulações. Mas, naturalmente, que tal constitui uma mais valia do nosso curso e diferencia-o manifestamente de tantos outros, atribuindo-lhe uma ampla gama de conhecimentos e, por conseguinte, um leque variado de saídas profissionais de maior relevo. Adorei o curso e, no geral, contrariamente à maioria do que ouço dos meus colegas, identifiquei-me mais com as unidades curriculares dos primeiros anos, talvez pelos motivos que já mencionei anteriormente. Considero o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas um curso extremamente interessante, muito completo e dotado de conteúdos que nos permitem chegar a qualquer lado e ter bagagem mais do que suficiente para nos aliarmos a qualquer profissional de saúde (e não só) sem dificuldades, e construir uma equipa sólida de trabalho. Quanto à Faculdade, não tenho nada a apontar; foi a minha primeira opção e fiquei muito satisfeita por ter entrado em Coimbra. Eu ainda tirei o curso no Pólo I e na altura era um pouco diferente em relação às condições de que dispomos agora no Pólo III, que são muito boas. Em termos de organização e logística, não há situações perfeitas, mas acho que estamos dotados de um corpo docente e não docente muito disponíveis e competentes. Pessoalmente, só tenho motivos para elogiar, pois faria o curso outra vez.
OP: Após terminar o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas, como surgiu a oportunidade de prosseguir para um Doutoramento na nossa Faculdade?
ACS: Fui incitada a fazê-lo durante as aulas práticas de Tecnologia Farmacêutica III e, como já era uma pretensão minha desde cedo, decidi agarrar a oportunidade.
OP: A partir de que momento surge o seu interesse pela investigação nas áreas da Tecnologia Farmacêutica e da Dermofarmácia e Cosmética?
ACS: Eu identifico-me muito com a especialidade de Tecnologia Farmacêutica. Considero que é, de facto, a especialidade com mais identidade farmacêutica, visto que nós somos os únicos profissionais que temos este tipo de formação específica, o que verdadeiramente nos distingue. O meu Doutoramento surge neste contexto e, de acordo com a linha de investigação dos meus orientadores, em Tecnologia Farmacêutica, doutorei-me em Nanotecnologia para libertação controlada de fármacos pouco solúveis e altamente metabolizáveis pela via oral. Mais tarde, quando fui convidada para Assistente Convidada do Laboratório de Desenvolvimento e Tecnologias do Medicamento, foi-me lançado o desafio de embarcar paralelamente pela Dermofarmácia e Cosmética, um ramo muito particular da Tecnologia Farmacêutica, relativamente pouco desenvolvido na nossa faculdade, que aceitei sem
reservas. Isto porque sempre adorei a parte da Cosmetologia. Fui farmacêutica de oficina durante 7 anos e tive a oportunidade de trabalhar em farmácias com extenso portefólio cosmético, o que, aliado ao meu gosto particular e curiosidade por este tipo de produtos, conseguiu intensificar e reavivar a necessidade de saber muito mais para além do aconselhamento cosmético, particularmente no que diz respeito à tecnologia de formulação. Sempre fiz formações acerca do tema e participei em várias iniciativas em paralelo, mesmo aquando do doutoramento, o que naturalmente veio estruturar a minha decisão. Hoje, dedico parte equivalente do meu tempo, tanto à Dermofarmácia e Cosmética, como à Tecnologia Farmacêutica. São duas áreas fortemente conectadas e que me desafiam diariamente. Posso dizer que gosto muito do que faço.
OP: A par da investigação, surgiu também a vertente do ensino. Em que medida é que estas duas áreas se podem complementar? Que mais valias pode retirar desta experiência como professora?
ACS: Não existe ensino sem investigação. O que é atestado como verdadeiro, teve que ser testado e validado anteriormente em termos científicos. Logo, a atividade de um docente estará sempre interligada com a investigação e com a sua necessidade constante de atualização para um ensino devidamente atualizado e completo, dado que o conhecimento evolui. Para mim, é desafiante estar sempre a estudar e fazer investigação para contribuir para o conhecimento. Com o passar do tempo, percebo que quanto mais se deseja saber acerca de um determinado tema, menor é o nosso conhecimento, porque há muita matéria para explorar. É um mundo fascinante, porque nunca estamos parados; obriga a que nos desafiemos diariamente, tanto em termos científicos, como em termos de docência, por forma a que estejamos o melhor preparados possível, tanto para passar a mensagem aos nossos estudantes, como para intervirmos na evolução da nossa área científica.
OP: Em 2015, ganhou um prémio pela sua contribuição numa apresentação sobre nanopartículas numa conferência internacional sobre Bioencapsulação. Gostaria de explicar em que consistiu esse projeto?
ACS: Esse projeto consistiu precisamente na minha tese de doutoramento. O objetivo do trabalho foi nanoencapsular resveratrol, um polifenol muito conhecido, extraído das uvas vermelhas, com propriedades antioxidantes mundialmente reconhecidas. A necessidade de encapsulação prende-se com as suas características físico-químicas, nomeadamente a baixa solubilidade em água e a sua elevada metabolização pré-sistémica quando administrado pela via oral. Assim, por intermédio da colaboração com um pioneiro mundial da área, o Professor Yuri Lvov, da Universidade Técnica de Luisiana, nos EUA, desenvolvemos uma nanopartícula recorrendo à tecnologia de La-
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yer-by-Layer. Esta abordagem consiste no uso de múltiplas nanocamadas poliméricas de revestimento capazes de simultaneamente proteger e modificar a libertação do resveratrol, que se encontra no núcleo da nanopartícula, como estratégia para aumentar a sua biodisponibilidade oral. Poder ter apresentado oralmente o meu trabalho numa conferência internacional foi uma experiência muito gratificante durante o doutoramento, sendo que pude partilhar os meus estudos com investigadores especialistas da área e conhecer colegas de doutoramento de outras universidades, com quem ainda hoje mantenho contacto.
OP: Nesse sentido, quais considera que são os pontos chave para a preparação de uma boa apresentação oral?
ACS: Na minha opinião, uma boa apresentação oral é aquela que consegue manter a atenção da assistência durante a sua duração e que consegue claramente passar a mensagem do início ao fim, ao ponto desta ser recordada como muito boa uns dias depois. É importante pensar que uma apresentação oral é um ato de presença, que é dirigido a uma assistência (a pessoas!), num local e num momento particulares. Atendendo a estas condições, torna-se imperativo conhecer a assistência e conseguir direcionar o discurso. É muito importante interagir com a assistência e ir mudando o tom de voz aquando das transições de tema/slide para reativar a atenção da audiência. Interessa, portanto, não ser monótono. Para além disso, devemos tentar oferecer um cunho pessoal ao nosso discurso – algo que o diferencie e faça com que as pessoas nos referenciem, ou se lembrem de nós no futuro –, no sentido de individualizar a apresentação e chamar a atenção do público com situações muitas vezes pessoais que também a nós, oradores, nos marcaram. Hoje em dia, fala-se muito no “storytelling”, que consiste em nada mais do que na arte de contar uma história através dum conteúdo mais humano, com mais emoções, mais chamativas, contrariamente a uma abordagem meramente teórica. A apresentação deve ter um início, meio e fim bem marcados, cuja transição deve ser nítida, mediante as pausas adequadas e fundamentalmente de acordo com uma estrutura lógica. Para mim, faz sentido que de início se apresentem os conteúdos da apresentação – para que a assistência tenha noção do que vai ouvir e para que se sinta devidamente enquadrada; bem como que se lance alguma promessa ou comentário provocador – para que a audiência desenvolva algum tipo de expectativa em relação à apresentação, isto é, para que fique desafiada a prestar atenção até ao final. Depois, existem uma série de procedimentos que poderão ser tidos em linha de conta, de forma mais ou menos programável e que podem ajudar a um melhor desempenho em termos de expressão oral, como já tive oportunidade de vos transmitir em alguns workshops que fiz em paralelo com o NEF. Por exemplo, aconselho que: não saturem os slides com frases longas (tópicos são suficientes! Se fosse suposto escrever tudo nos slides, escreveríamos um capítulo dum livro e
não seria necessária uma apresentação oral! O foco é o orador e, sobretudo, o discurso, e não os slides – estes só servem para dar suporte ao que é dito oralmente e não para serem lidos); usem um tipo de letra sem serifas para que seja mais fácil e objetiva a sua leitura; usem e abusem de imagens e esquemas – são apelativos e concretizam a vossa mensagem oral. Vistam-se de forma clássica e adequada, apresentem-se muito bem de início, com os vossos devidos títulos, e esforcem-se para não pronunciarem termos de forma errada. Se isso acontecer, corrijam-se! É preferível manifestarem esta humildade na altura certa, do que ser interrompido por alguém da assistência para vos corrigir, e tal vir a comprometer a credibilidade de toda a vossa apresentação. E poderia continuar aqui a escrever... Mas, recomendo-vos também a treinarem! Naturalmente que o tempo traz segurança consigo, mas asseguro-vos que todos os oradores ficam nervosos antes duma apresentação oral, porque todos somos humanos, e está inerente à nossa condição humana falhar. Logo, um orador consciente ficará nervoso antes duma apresentação oral (nem que seja, porque a luz pode faltar!). Cada um de nós age de forma diferente, mas todos nós conseguimos trabalhar a nossa arte em comunicar. Sejam iguais a vocês próprios e keep simple! Less is more!
OP: Atualmente tem em mãos algum projeto de investigação? Pode falar-nos um pouco sobre o trabalho que está a desenvolver?
ACS: Neste momento, tenho vários projetos de investigação em curso, que estão diretamente relacionados com os projetos dos meus alunos de doutoramento. Fazemos investigação em melanoma cutâneo, cancro de pâncreas, regeneração de feridas e diabetes mellitus, com recurso a estratégias nanotecnológicas biocompatíveis e biodegradáveis. Usamos nanotubos de argila de haloisite para associar terapia génica e terapia fotodinâmica para o tratamento tópico do melanoma cutâneo; e micelas poliméricas revestidas com membranas biomiméticas para vetorização do cancro de pâncreas. Também trabalhamos com desenvolvimento de novas formulações injetáveis e com nanopartículas de PLGA para administração subcutânea de implantes com vista a combater a diabetes. Desafio-vos a juntarem-se a nós e, se alguém gostar da área da Dermofarmácia e Cosmética em termos de investigação, também estamos muito recetivos, tendo todo o gosto a associar-vos a projetos também já em curso.
OP: Com base na sua experiência pessoal, que mensagem gostaria de deixar aos atuais estudantes da Faculdade de Farmácia, principalmente para aqueles que pretendam enveredar pela área da Investigação?
ACS: Que sejam proativos, e que corram atrás dos vossos objetivos. Aliem-se aos melhores; isto é uma condição fundamental. Diferenciem-se, sejam arrojados e muito determinados nas vossas escolhas e não se acomodem. Nem tudo corre bem à primeira tentativa. Para investigação, recomendo que tentem iniciar logo desde cedo investigação junto dum docente que faça investigação na vossa área de interesse, para que possam construir currículo e, fundamentalmente, publicar. Isto é extremamente importante, porque, para além de ser, na minha opinião, dever de um estudante que passe pela Universidade de Coimbra deixar o seu testemunho sob forma de informação citável, ou seja, através de publicações revistas por pares, é fundamental que tenham publicações para que se possam candidatar a financiamento, isto é, a bolsas. Para além de uma boa média final de curso, deverão também apostar em uma ou duas publicações em revistas Q1, para que possam estar em condições competitivas niveladas aquando da vossa candidatura. Podia desejar-vos boa sorte, mas não sou apologista da sorte isoladamente; acho que esta vem sempre acompanhada de boas escolhas e atempadas. Por isso, desejo-vos boas escolhas! Muito obrigada pelo vosso convite. Até breve.
