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Grande Entrevista à Doutora Ana Paula Martins Bastonária da Ordem dos
from 26ª Edição - O Pilão
by O Pilão
EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
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1989 – 1992: Secretária Geral da Ordem dos Farmacêuticos; 1992 – 1994: Assessora do Ministro da Educação e do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares; 1994 – 2006: Diretora do Centro de Estudos de Farmacoepidemiologia da Associação Nacional de Farmácias; 1995 – Presente: Professora Auxiliar na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa; 2006 – 2014: Diretora de External Affairs e Market Access da MSD Portugal (Merck & Co. USA); 2009 – 2015: Presidente da Mesa da Assembleia Geral Regional do Sul e Regiões Autónomas da Ordem dos Farmacêuticos; 2014 – 2015: Diretora de Relações Institucionais da Associação Nacional de Farmácias; 2016 – 2017: Coordenadora do curso avançado “Pharmacovigilance and Pharmacoepidemiology research in Drug Life Cycle”; 2015 – Presente: membro Suplente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida; 2016 – Presente: Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos.
FORMAÇÃO
1990: Conclusão da Licenciatura em Ciências Farmacêuticas, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa; 1995: Mestrado em Epidemiologia na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa; 2005: Doutoramento em Farmácia Clínica na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
O grande entrevistado desta edição d’O Pilão é a Professora Doutora Ana Paula Martins, reeleita bastonária da Ordem do Farmacêuticos para o triénio 2019/2021. Fica a conhecer um pouco melhor o percurso profissional da Prof. Dra. Ana Paula Martins, o balanço que faz do anterior mandato enquanto bastonária e os principais desafios que tem enfrentado desde que assumiu este cargo.
Por Catarina Batista e Iara Pratas
O Pilão: Entre 1989 e 1992, foi Secretária Geral da Ordem dos Farmacêuticos e, entre 2009 e 2015, foi Presidente da Mesa da Assembleia Geral Regional do Sul e Regiões Autónomas da Ordem. De que forma é que acha que este notável percurso na Ordem dos Farmacêuticos a levou a estar mais preparada para assumir o cargo que exerce atualmente?
Ana Paula Martins: Foi, sem dúvida alguma, muito importante para conhecer o funcionamento da instituição, a sua estrutura e organização e para perceber também as preocupações dos colegas, o associativismo e a regulamentação no setor farmacêutico. São duas experiências com um hiato temporal considerável – mais de 15 anos –, mas estive sempre disponível e, de algum modo, envolvida nos desafios que a profissão me colocava no plano associativo. Enquanto secretária-geral da OF, estava no início do meu percurso profissional, com toda a energia e dinâmica de uma experiência na associação de estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa. O convite do então bastonário, o professor Carlos da Silveira, deixou-me surpresa e até relutante, face à importância do cargo e à sua exigência, mas tê-lo como mentor, como referência profissional, facilitou todo o processo. O professor Carlos da Silveira foi, sem dúvida alguma, uma das figuras mais destacadas da nossa profissão, pela sua entrega às causas em que acreditava e pela sua capacidade de mobilização e realização. Foi um período que recordo com muita saudade e que me proporcionou experiências e contactos extraordinários, fundamentais para o meu percurso profissional. Regresso em 2009, por convite do colega António Pedro Hipólito de Aguiar, para presidir a Assembleia da Secção Regional de Lisboa, após um período internamente conturbado. Foram mais seis anos de dedicação à casa dos farmacêuticos, embora sem funções executivas, mas acompanhando os trabalhos e o desenvolvimento de projetos, como é o caso da Geração Saudável, que tantos jovens farmacêuticos e estudantes de Ciências Farmacêuticas acolheu ao longo destes anos.
OP: Em 2019, foi reeleita Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos. O que motivou a sua segunda candidatura e quais os principais objetivos que tem para o presente mandato?
APM: Foi com alguma naturalidade que me recandidatei a este segundo mandato como bastonária. Havia um trabalho que merecia e justificava continuidade e matérias que estavam ainda a ser regulamentadas, como a Carreira Farmacêutica, o modelo de competências farmacêuticas, a revisão do Código Deontológico, entre muitas outras. Surgiram também novas ideias e projetos que entendemos pertinentes e estruturais para o desenvolvimento da profissão. A aproximação aos estudantes e jovens farmacêuticos, por exemplo, para tornar a Ordem mais próxima e participada. Diria que cumpria o mandato satisfeita, se constatar um maior envolvimento dos mais novos com a nossa Ordem. São eles o futuro da profissão. Se queremos cultivar o nosso lugar no sistema de saúde, temos de nos organizar, de definir um rumo, uma estratégia e prioridades de intervenção. Ninguém fará isso por nós.
OP: Qual o balanço que faz do anterior mandato? Considera que cumpriu os objetivos e metas a que se propôs?
APM: Faço um balanço positivo, caso contrário nem me teria recandidatado. Foram três anos muito intensos, marcados, em boa parte, pelo projeto “Roteiros Farmacêuticos”. Percorremos o país de norte a sul, incluindo as regiões autónomas. Falámos com centenas de colegas. Conhecemos dezenas de projetos em que estão envolvidos a nível local. Ouvimos as suas preocupações e dificuldades. Foi uma experiência de vida, posso assim dizer. E foi, sem dúvida alguma, uma excelente base para desenvolver, durante este segundo mandato, as políticas e intervenções em que os farmacêuticos se reveem.
OP: Em entrevista à agência Lusa, demonstrou alguma preocupação relativamente à falta de recursos humanos nos hospitais, mais concretamente nas farmácias hospitalares, afirmando que: “Se for preciso [lavar o chão], fá-lo-emos, mas gostava que não fosse preciso”. De que forma esta escassez de recursos põe em causa a segurança de doentes e também de profissionais de saúde?
APM: Os profissionais de saúde são a essência do nosso SNS. São eles que estão ao lado dos doentes

nos momentos mais delicados das suas vidas. São eles que dão a cara por um sistema, por decisões políticas e administrativas que condicionam a sua atividade. São eles que executam as políticas de saúde. Infelizmente, o país não tem uma política de recursos humanos na área da Saúde que reconheça e valorize este seu trabalho, que promova as relações interdisciplinares, o trabalho em rede e a colaboração entre profissionais de saúde. A falta de recursos humanos nas farmácias hospitalares é um problema crónico do SNS. A abertura progressiva de vagas para ingresso na Carreira Farmacêutica, através do programa da Residência Farmacêutica, vai ajudar a atenuar o problema, formando e integrando novos farmacêuticos especialistas nos quadros dos hospitais. Gostaríamos que o processo fosse mais célere, mas temos noção da conjuntura em que vivemos e das carências do SNS noutras áreas, de outros profissionais. Até lá, os farmacêuticos hospitalares desmultiplicam-se em funções e responsabilidades em todo o circuito do medicamento hospitalar, desde logística de compras, encomendas e armazenamento, à preparação e distribuição dos medicamentos e outras tecnologias de saúde nos nossos hospitais. Gostava que estivessem mais libertos para as atividades clínicas e assistenciais, mas é um percurso que estamos a fazer.
OP: Em que sentido julga que os farmacêuticos podem ter um papel mais preponderante no Serviço Nacional de Saúde?
APM: Em várias frentes. Desde logo no que acabo de referir para os farmacêuticos hospitalares, mas também para farmacêuticos comunitários e analistas clínicos, com maior preponderância nas atividades clínicas e assistenciais, em articulação com os cuidados de saúde primários e com os cuidados continuados, na implementação de programas de saúde pública. Não apenas como parceiros na execução das políticas de saúde, mas de forma bidirecional, como consultores na implementação dessas mesmas políticas, ouvindo os seus contributos e os problemas que os utentes lhes transmitem e apresentando propostas para lhes prestar melhores cuidados.
OP: Que tipo de reformas vislumbra necessárias no nosso Serviço Nacional de Saúde?
APM: Não são seguramente necessários grandes projetos de reformas, que acabam sucessivamente adiados. Ainda agora se aprovou uma nova Lei de Bases da Saúde… As carências estão identificadas há muito tempo e vão desde a necessidade de mais profissionais, à renovação de instalações e equipamentos. Mas também de novos modelos de organização e governação das unidades de saúde, de articulação entre diferentes níveis de prestação de cuidados – primários, hospitalares, continuados, paliativos -, entre prestadores e profissionais, no desenvolvimento de serviços proximidade e de apoio domiciliário ou aproveitando as novas ferramentas tecnológicas ao dispor da telemedicina. Julgo que devemos inverter o paradigma, partindo de pequenos programas e projetos locais, que demonstrem resultados e ganhos em saúde, que sejam custo-efetivos e que se adequem às necessidades de grupos de cidadãos, sejam eles portadores de doenças crónicas, idosos, pessoas com mobilidade reduzida ou outros. Há várias pequenas coisas que cada um de nós pode ir construindo e que depois podem ser generalizadas. De uma coisa estou segura: com o atual nível de financiamento com que o SNS sobrevive não será possível fazer muito mais…
OP: É, desde março de 2015, membro Suplente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Relativamente ao tema da eutanásia, frisou que a Ordem dos Farmacêuticos não tomou uma posição a favor nem contra, mas que não podia deixar de ter uma “posição desfavorável quanto à forma precipitada como esta matéria foi colocada nesta legislatura, sem haver um debate profundo”. O que a leva a crer que faltou um “debate crítico” sobre a questão da
morte medicamente assistida e o que mudaria na abordagem ao tema?
APM: O tema da cidadania em fim de vida tem sido amplamente debatido no seio da sociedade portuguesa há vários anos. A OF teve a oportunidade de participar em várias discussões organizadas por entidades diversas, designadamente pelo CNECV, particularmente focadas numa posição de princípio sobre a prática de eutanásia no nosso país. Estou em crer que boa parte dos portugueses tem uma posição fundamentada sobre o assunto, mas o mesmo não posso dizer sobre o teor das iniciativas legislativas que estão em discussão no Parlamento. Foi o próprio CNECV que, tendo por base as suas auscultações e interpretação das propostas, deu o seu parecer negativo às cinco iniciativas legislativas em debate na Assembleia da República. A OF considera que a sociedade precisa de conhecer melhor os termos dos projetos de lei em apreciação e as suas diferenças. Entendemos que este debate não foi feito e que a delicadeza da matéria legislativa não deve ser refém de pressas injustificáveis.
OP: Foi Diretora do Centro de Estudos de Farmacoepidemiologia da ANF (Associação Nacional das Farmácias) e realizou vários cursos sobre Estatística em Epidemiologia e Farmacoepidemiologia na Tufts University e na McGill University. De que maneira julga que a pandemia da Covid-19 vai impactar, futuramente, a indústria mundial e mais particularmente a indústria farmacêutica?
APM: A pandemia de covid-19 “vai impactar” em toda a sociedade, em todos os setores da atividade económica. Da Saúde à Educação. No Turismo, no Emprego, nas Finanças. Em tudo, diria eu… A Indústria Farmacêutica, em concreto, atravessa também um momento particularmente desafiante, com elevadas expectativas de toda a sociedade sobre a sua capacidade e rapidez para desenvolver uma vacina ou um tratamento eficaz contra a covid-19. Estamos mais bem preparados do que nunca para o fazer, com evidentes sinergias e trabalho em rede a nível mundial entre diferentes centros de investigação, mas há etapas que não podemos suprimir, sob pena de comprometer a segurança e eficácia destas inovações. É um processo complexo, que consome enormes recursos e com uma regulamentação exigente, para bem de todos nós. Por outro lado, a Indústria Farmacêutica está também perante o desafio, tal como estão outros setores de atividade, como o da alimentação e de outros bens essenciais, de continuar a garantir o abastecimento regular do mercado, face a todas as dificuldades conjunturais. A sociedade sairá seguramente desta crise com a noção reforçada da importância da Indústria Farmacêutica nas sociedades modernas, dos ganhos em saúde que tem proporcionado e dos contributos para a longevidade e a qualidade de vida dos seres humanos.
OP: Que mensagem gostaria de deixar aos nossos leitores, maioritariamente futuros profissionais de saúde?
APM: Uma mensagem de incentivo, de confiança. Enquanto professora, sei a exigência do curso que frequentam. Conheço a realidade em que iniciam a profissão, as dificuldades que atravessam e o empenho e atenção que demonstram no contacto com os utentes, muitas vezes sem o devido reconhecimento e valorização. A vida profissional é um percurso mais sinuoso para uns do que para outros, mas a competência é sempre reconhecida, mais cedo ou mais tarde. Por isso, sugiro apenas a via da qualificação, do desenvolvimento profissional contínuo, ao longo de toda a vida. É a melhor forma de nos preparamos para os desafios que vamos enfrentando.
OP: Concluímos esta entrevista com uma questão que já lhe foi colocada anteriormente pela equipa d’O Pilão. Quais os desafios que a profissão farmacêutica enfrenta atualmente?
APM: Os desafios da profissão são os mesmos do sistema de saúde e estão centrados nos cidadãos, em proporcionar-lhes um serviço cada vez mais eficiente, de forma integrada e articulada com as outras unidades e profissionais de saúde, num trabalho assente na qualificação, na proximidade e na confiança dos cidadãos. O reconhecimento dos utentes é o nosso bem mais precioso e o fator determinante para a nossa sobrevivência enquanto profissão.
