Bauru de todos nós

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Academia Bauruense de Letras

Bauru de todos nรณs



Bauru de todos nรณs



Academia Bauruense de Letras

Bauru de todos nós Homenagem dos acadêmicos a Bauru no seu 124º aniversário


Esta é uma edição da Academia Bauruense de Letras

Organização de Olynda Aparecida Bassan Franco

Edição, fotos e preparação de textos de José Carlos Mendes Brandao


Apresentação

“Bauru de todos nós”, “A Cidade Sem Limites”, “Capital da Terra Branca” completa 124 anos. Estamos em 2020. Bauru é silêncio. Sem festas, shows, bolos, jogos, música, encontros, aglomerações no Parque Vitória Régia. A pandemia mundial pelo vírus Covid-19 fez Bauru festejar diferente. Um novo jeito de celebrar, ficando em casa, preservando a vida, depois, a festa. Inserindo-se neste contexto de isolamento social, a Academia Bauruense de Letras homenageia Bauru externando a relação afetiva com a cidade, por meio de um livro online, idealizado e executado pelo acadêmico José Carlos Brandão. No percurso: lembranças, fatos, histórias, gratidão, amor de quem chega e de quem parte. Bauruenses da gema ou acolhidos, que trazem nas sandálias a poeira de outras terras, cantam suas vivências em prosa e verso, a exaltação a Bauru. Apresento-lhes o livro “Bauru de Todos Nós”. Em cada olhar, uma mensagem, uma viagem no tempo. Desejo que os leitores encontrem na leitura, um motivo para amar cada


canto desta cidade, mesmo nas névoas de dificuldades, que sombreiam nossa Bauru. Agradecimento aos acadêmicos participantes. A ABletras, num sentido de pertença, não poderia deixar de enaltecer Bauru, nos seus 124 anos.

Eron Veríssimo Gimenes Presidente


A Baixada do Silvino Com saúde e vontade eu chegava a Bauru no ano de 1972, adquirindo a Farmácia Cruz Vermelha localizada na Baixada do Silvino, bem próxima do Rio Bauru, que na época ainda não era canalizado e por onde despejava as águas pluviais de quase toda a cidade, além do esgoto produzido na mesma. Empolgado com minha atividade, dedicava-me totalmente, na ânsia de progredir e vencer como empreendedor no ramo que já havia adquirido um bom conhecimento em minha cidade natal, inclusive fazendo o curso de Oficial de Farmácia no SENAC em São Paulo no ano de 1968. Embora eu tivesse meu tio como sócio, a administração era minha e os negócios corriam bem. Consegui aumentar muito a clientela colocando mais estoque e melhorando o atendimento aos clientes. Como tudo estava indo a contento resolvi me casar no início do ano de 1973 e consegui alugar uma casa bem próxima do estabelecimento, na mesma quadra, distante apenas uns vinte metros. A Baixada do Silvino foi o início de Bauru, onde surgiram os primeiros armazéns, as primeiras lojas, posto de gasolina e atividades essenciais para a cidade, embora já estivesse perdendo parte de seu comércio para a parte mais alta, como as Ruas Araújo Leite, Primeiro de Agosto e Batista de Carvalho e outras, mas por fazer parte do início da cidade, tinha ainda muitos clientes que vinham da Bela Vista, Vista Alegre e demais bairros próximos, inclusive da zona rural.


O Rio Bauru era totalmente poluído, nas tardes quentes o mau cheiro do esgoto exalava ao passarmos pela ponte que ligava a Rua Araújo Leite à Rua Coronel Alves Seabra. Muitos clientes me disseram que antigamente, pescavam muito naquele pedaço do rio antes de ser poluído. Com o crescimento da cidade, quando chovia, o volume da água que passava pelo rio era cada vez maior, provocando muitas enchentes. Num domingo, numa manhã quente de verão, o dia escurece e começa a chover torrencialmente com muitos raios e trovões riscando o céu, provocando uma das maiores inundações no Rio Bauru e consequentemente chega a minha farmácia. Na correria para salvar os meus produtos, começamos tirar tudo que estava na parte baixa e fomos colocando na parte mais alta, em cima dos balcões, onde não pudesse ser atingido pela água que chegou a marca de mais e um metro. No meio desse transtorno lembrei-me que estava morando ali pertinho e que a enchente também tinha chegado lá. Sai desesperado pela rua segurando-me nas paredes com aquela água fétida acima de minha cintura. Ao chegar vejo minha esposa, que estava grávida, saindo no barco do Corpo de Bombeiros e indo para a casa de uma amiga, cujo marido também tinha uma sacaria na mesma quadra da farmácia. A enchente urbana, ainda mais de um rio poluído é algo incrível! Vimos passar boiando vários botijões de gás, cadeiras, panelas, móveis e muitos animais como cobras e ratos. Quando a água baixou ficou a sujeira, uma lama escura e com muito mau cheiro, que foi difícil para limpar e no meu caso, em dose dupla, a farmácia e minha casa, ainda bem que os vizinhos se reuniram e fizeram um mutirão de limpeza.


Logo após esse incidente, resolvemos procurar outra casa para morar que não fosse sujeita a inundações como esta. Logo conseguimos uma casa em frente ao antigo “cadeião” pertencente à família Santos Monteiro que não era distante do meu trabalho, onde fomos ser vizinhos do Joaquim Simões e sua esposa Celeste e nasceu uma amizade familiar que mantemos e neste local moramos vários anos. Depois de mais algumas enchentes, começou a canalização do Rio Bauru. A construção da Estação Rodoviária, a Avenida Nuno de Assis margeando o Rio Bauru, a Avenida Nações Unidas que foram marcos de progresso para nossa cidade, assim como a Avenida Nações Unidas Norte que modernizaram aquele setor da cidade e melhoram muito o trânsito na cidade inclusive na Baixada do Silvino. José Marques


A Bauru, nos seus 124 anos Em Bauru, eu chego por onde, antes, era conhecido como Toninho Mão-de-Onça, hoje, final de toda a Vila Dutra. Nunca, ou quase nunca, vou margeando o Jaraguá. Desço toda a Vila Falcão. Passo, então, por rotatória abençoada, chego, pelo pontilhão, à Duque, onde deságuo, na areia branca onde cresceram prédios. Onde se vê, a cada dia, um pôr do sol maravilhoso, onde sinto saudades da Fatec e de seus arredores, onde vejo, longe, o Estoril e suas árvores, de onde miro a Rua 1º de Agosto, com seus carros e barracas, de onde vejo os médicos e a longa Nações Unidas, a avenida moderna, e de onde vejo a saudade de quem viajou em trens das ferroviárias abandonadas. Tenho esperanças. E saudades. Inshallah, dizem os árabes, sírios, libaneses. Ana Katryna Cabrini Paulo de Tarso Cabrini Jr., nome civil


Apre(e)ndendo Bauru Para saber de uma cidade, é preciso primeiro amar alguns recantos. Alguma paisagem. Algumas pessoas. Um pôr do sol. Fotografar nem que apenas na lembrança alguns ipês floridos. Muitos ipês floridos. Andar de ônibus para poder pelo menos um trecho caminhar a pé. Atravessar o Vitória Régia. Sentar num banco da praça Rui Barbosa e contemplar o coreto. Olhar a pequena mata preservada na UNESP. Os macaquinhos comendo na mão nos galhos baixos do cerrado. O cheiro de folhas molhadas e pisadas no chão. A aspereza dos troncos. Ter sentido a ventania de uma tarde súbita. Ter vivido o medo do apagar das luzes. Ter fotografado a enchente devorando a Nações. Experimentar o bauru legítimo. Gostar do bauru legítimo. Aprender que o resto é misto quente ou churrasquinho. Conhecer o bosque. Caminhar pelo bosque. Ler o jornal de domingo sentada num banco do bosque. Frequentar o SESC: shows maiores e menores, cursos, piscina, sanduíche natural. Curtir a sensação de não conhecer ninguém, de ser um entre milhares e de levar um susto quando alguém grita o seu nome. Pertencer a uma turma. Enturmar-se. Conhecer seus iguais em crenças e ideais. Seus irmãos em poesia. E prosa. Ver a lua cheia no final da rua. Enorme e leve como um balão de nuvem.


E o pôr-do-sol da sacada do meu prédio. Conhecer em Bauru um pôr-do-sol sem nuvens que acontece às vezes. Muitas vezes. E ver que aqui o sol é mais vermelho e mais maduro, e vai descendo intacto e inteiriço até desaparecer no horizonte antes que eu consiga encontrar a máquina fotográfica. Que por sinal se revelaria inábil para contê-lo. Muito mais é Bauru, tão múltipla e mutante, a se reconstruir a cada relembrança. E a cada vivência, que continuo nela e ela em mim. Não a conheço muito, e ainda me encanto dela. Não tanto como há dez anos, quando fiz dela minha morada e me maravilhava a cada passo. Agora nos habituamos uma à outra e nos encaramos sem estardalhaço. Mas ainda me surpreendo a cada fim de tarde com a novidade de cada pôr do sol. fim da tarde o sol se curva sob o aplauso febril das maritacas Maria do Carmo Almeida Corrêa


A Rua Sete

A Bauru de que falarei agora não é a da Zona Sul, nem a central; não é a do Parque Vitória Régia, do Calçadão da Batista ou da Estação Ferroviária. A primeira Bauru que me vem à cabeça é a da Rua Sete, e do bairro onde passei boa parte da minha vida, o Jardim Rosa Branca. Meus pais foram um dos primeiros a se mudar para este núcleo habitacional, inaugurado no início da década de 80. Foi realizado um sorteio pela Caixa Federal para distribuição das casas entre os interessados pelas oito ruas do bairro, e meus pais não tiveram muito sucesso: restou a eles uma moradia na última quadra da já mencionada rua, próxima à linha do trem e ao Córrego da Grama. De córrego, não tinha nada: com o tempo, suas margens foram se ampliando; e, por conta disso, ganhou o carinhoso apelido de "Rio Bosteiro", já que continha os dejetos (esgoto) oriundos do Parque Jaraguá, que passavam por ali e desembocavam em outras paragens. O trem, por sua vez, passava apitando em momentos distintos do dia: vez ou outra, despertava a todos (alta madrugada) com os ruídos da maquinaria. Nesta quadra, vivi a minha infância junto com outras crianças. Em razão do pequeno trânsito (observem a placa: rua sem saída) jogávamos futebol, vôlei, queimada e tantas outras brincadeiras sem sermos atrapalhados pelo vaivém dos carros. Aliás, ainda que estivéssemos dentro da cidade, experimentávamos um cadinho de "mundo rural" por ali,


pois havia uma chácara próxima, e os trabalhadores do local levavam os bois e as vacas para pastarem em nossa rua. De frente para as nossas casas, então, havia o córrego, a margem (com muita grama, esterco, árvores) e a linha do trem. No final da rua, um grande bueiro que escorria as águas da chuva, já que frequentemente havia alagamentos naquela área por conta das chuvas de verão. E tudo, tudo era motivo de brincadeira: os canais do bueiro, as pipas, os sapos coaxando, os carrinhos de rolimã, os vaga-lumes, os vira latas, os andarilhos, os bambus que os meninos mais velhos roubavam da "chacrinha" para que fizéssemos traves de futebol. Aos poucos os amigos de infância se mudaram, cresceram, partiram; eu me mudei também, inclusive. Às vezes ainda passo por lá para dar uma olhada em tudo: as crianças não estão mais na rua como duas décadas atrás, os muros das casas aumentaram bons metros, não há mais alagamentos e nem bois pastando. Contudo, minhas memórias continuam direcionadas àquele lugar, àquela quadra. Essa é a Bauru mais vibrante na minha memória. Bruno Sanches


Bauru Cidade Berรงo de lutas Atrozes Urdidos planos sangrentos Rugidos furiosos Urros de dor Cidade de espantos Inda vivo nela, barbรกries Deito zonza Ando nua de mim Durmo cega de sonhos Estou morta de medos Fรกtima A. T. Salles 2019


Bauru, cidade encantada

Bauru, terra do meu, do seu, de muitos corações. Uma vez aqui, é amor à primeira vista, amor de alma, que fica pra sempre nos rincões da nossa retina. É aqui, é aqui, que mora o amor, é aqui que realizamos nossos sonhos, é onde desejo viver e na trilha de seu coração morrer. Rio Batalha vem serpenteando seu entorno, atravessando vales, matando a sede de milhões de habitantes, possuindo matas, animais e águas que conferem alta piscosidade, onde os índios e desbravadores saciaram sua fome, ressaindo muitos “causos” contados por pescadores e outros sonhadores. Umbral da minha vida, da minha família, capital da terra branca, porta do sertão, terra da gabiroba, da estação ferroviária, trem do pantanal, sanduíche Bauru, PRG8, Rotary Club, BAC (Pelé), Esporte Clube Noroeste, casa da Eny, das boiadas vindas da média e alta paulista. Quem parte morre de saudades. Como na lenda dos elefantes, voltam pra ficar eternamente. Bom dia Bauru. Eu amo você, minha cidade encantada. Afinal, até a chuva, o Sol cintilante e a Lua reverenciam você.

Eron Veríssimo Gimenes


Bauru, um aniversĂĄrio diferente Neste ano aprendemos a apagar a velinha sem assoprar, a dar os parabĂŠns sem abraçar e a desejar feliz aniversĂĄrio Ă distância. Um aniversĂĄrio diferente. Bauru, mesmo de mĂĄscara e sem assoprar a velinha do seu aniversĂĄrio, lhe desejamos felicidades e sucesso. Sucesso para vencer na saĂşde. Sucesso para vencer no trabalho. Sucesso para vencer na solidariedade, na harmonia, na paz e no amor. B elĂ­ssima A dorĂĄvel U niversitĂĄria R adiante U nificadora Felicidades Bauru đ&#x;Ž‚đ&#x;Ž‰ Rosimeire Marques S. Coneglian


As vinte línguas de Bauru

Graciliano Ramos, em carta a seu grande amigo J. Pinto da Mota Lima Filho, em 1926, diz: “Um sertanejo daqui foi o ano passado a Bauru, ao café. De volta, confessou-me que o que lá havia mais extraordinário era se falarem mais de vinte línguas difíceis, ‘principalmente a língua paulista e a língua japão’. Parece que são duas línguas realmente difíceis.” Graciliano estava perturbado com os novidades linguísticas e literárias que aconteciam no sul, Rio, onde seu amigo Pinto estava, e São Paulo, onde os tais modismos mais o espantavam. Primeiro pede: “vê se me arranjas aí uma gramática e um dicionário de língua paulista, que não entendo, infelizmente.” Depois insiste, agora no campo da literatura: “E manda-me dizer se é absolutamente indispensável escrever sem vírgulas.” Graciliano estaria terminando de escrever o seu primeiro romance, Caetés, que seria publicado só em 1934. Logo iria provar para o mundo que o novo em literatura independe das modas exteriores no trato da língua e das sensações. Quanto a Bauru, em 1926 ainda era considerada Boca do Sertão, ainda estava bastante afastada da civilização. É estranho para mim (que cresci numa fazenda de café, no bairro rural Matão, em Dois Córregos) pensar em plantações de café em Bauru – mas aqui houve (existe ainda, não produz mais, mas pode ser visitada) a Fazenda Val de Palmas, uma das maiores produtoras de café do país. Difícil é explicar a questão das vinte línguas. Mas, além da “paulista” (que Graciliano deveria ver, com razão, como muito diferente da língua do sertanejo nordestino), teríamos a dos japoneses, dos sírios, libaneses, italianos, espanhóis, austríacos, alemães, dinamarqueses, franceses, judeus, que vieram ajudar


a formar esta cidade nas primeiras décadas do século. Mais recentemente vieram argentinos, bolivianos, chilenos, palestinos, coreanos, mexicanos, siberianos, mongóis, tornando Bauru um dos municípios mais cosmopolitas do interior paulista, coisa que os moradores daqui quase nem percebem. Talvez o sertanejo amigo de Graciliano não tenha mentido ou inventado, apenas exagerado um pouco. O meu primo Fernando Vasques proclama: “21, a gente, moleque, tinha uma língua bem própria. Você sabe o que é burca? O que é bolocados? O que intancar?” Era preciso resgatar a língua da nossa infância, bem ligada a brincadeiras que hoje nem existem mais, ou além disso, a uma vida bem peculiar que não existe mais. Burca não era a vestimenta exigida pelo Taliban, mas apenas síncope de búrica. Aliás, “búrica” (ou burca e burquinha) é usada quase só em Bauru. A bolinha de gude (nome mais conhecido) é chamada também de baleba, bila, quilica, clica, fubeca, peca, pinica, etc. Para um alagoano como Graciliano seria ximbra. “Intancar” é simplesmente corruptela de entancar o riozinho com pedras e folhagens para fazer um lago onde nadar. A criança pronuncia diferente (vejam bem que é uma questão linguística, sem nada a ver com erro), como o povo pronuncia diferente, e é assim que evolui a língua. “Bolocados” parece mais difícil. Certamente vem do verbo embolocar, pôr a búrica na biroca (buraquinho cavado no chão de terra). Fica mais difícil mesmo se lembrarmos a expressão completa: “bolocados sem multa”. Seria preciso conhecer a regra do jogo, aqui e naquela época. Outra mais difícil é “estressalanova”, que o poeta Luiz Vitor Martinello me explicou: “estrear sela nova”, brincadeira em que os moleques ficavam de quatro e os outros pulavam por cima. Há um nome posterior, em que a palavra “estre...” sofreu uma epêntese, transformando-se em “estrela”, eliminando a ideia de estrear. Eu conhecia por um nome mais feio: pular carniça. O


gostoso mesmo é ouvir a palavra estressalanova pronunciada de uma só vez com o sabor do moleque bauruense falando. Manuel Bandeira, num dos seus mais famosos poemas, “Evocação do Recife”, de 1925, justamente falando da língua dos moleques do Recife, conclui: “Vinha da boca do povo na língua errada do povo / Língua certa do povo / Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil.” Queria o mesmo que Machado de Assis, em discurso de 1897, quando dizia dos deveres da Academia Brasileira de Letras: “... buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa língua”, “defendêla daquilo que não venha das fontes legítimas – o povo e os escritores.” É preciso resgatar a língua da infância, a nossa gostosa língua portuguesa falada pelas crianças, como o nosso povo fala. José C. M. Brandão


Bauru – terra de amores! Minha cidade de espantos, Ao anoitecer Vejo você que parece triste e sozinha E relembro meus ancestrais E os vejo de novo Sonhadores, desbravadores... Chego até a ouvir o apito do trem ao longe! No Mundo Novo O futuro... Os planadores voando livres no céu Os shoppings de concreto na terra E seu povo agora Consumista, materialista... Passeia no Vitória-Régia aos domingos e feriados! E no final das tardes Meus fantasmas visitam suas praças e O coreto da Ruy Barbosa Do alto das árvores frondosas, majestosas... Minha terra de amores! Ana Maria Barbosa Machado


Bauru Bauru, minha terra onde forasteiros fizeram seu pouso Bauru... em ti faรงo meu remanso em ti descanso... Ana Maria Barbosa Machado


Bauru – Cidade Sem Limites – 124 anos

Cidade sem limites, Seja em terra, Seja em mar, Seja em ar... A terra não é só branca, apesar da sua alcunha capital da terra branca! Em sentido figurado esse termo não é claro Plantações intercaladas e o cerrado que a circundam, mesclam-se com a riqueza de outras culturas que aqui pululam Café, cana de açúcar, flores e pomares Templo Tenrikyo, Torre Eiffel, Etnias e Religiões todos juntas nesses rincões Estrangeiros e brasileiros não tem nacionalidade, na capital sem limites são todos bauruenses por destino ou mera liberalidade Essa terra sem precedentes mescla cores e seus ardores de maneira efusiva Um universo multicolor que precede ao nosso amor O mar não está presente, nem precisa na realidade, porque os sonhos dessa gente são muito mais que reluzentes, atingindo até outros continentes A vida nessa cidade é uma maré de sentimentos, alterna dia e noite, inesquecíveis a cada momento O ar é uma bênção, sem poluição, sem congestionamento


Temos tudo que queremos em qualquer capital de nossos tempos Quanto a isso não há nenhuma dúvida! É apenas uma lição! A vantagem de nosso lar é olharmos para o céu Céu azul, repleto de estrelas que até um conhecido astronauta em outros tempos já frequentou Não há limites quando a riqueza de uma cidade são os seus habitantes e sua posteridade Os que aqui nasceram sempre irão um dia a sua cidade natal retornar Aqueles que aqui viveram jamais esquecerão o seu antigo lar Enquanto a sina estabelecida não alcança o seu dia Bauruenses seguem em sua jornada, sempre presentes de uma forma variada Vivenciam um amor onipresente e onipotente à sua terra tão querida e amada Embaixadores por nascimento ou ligação ao seu antigo lar, bauruenses natos e naturalizados representam, nesse vasto mundo, o que de melhor o ser humano pode nos proporcionar Clap, clap, clap! Plec, plec, plec! A depender de onde está... É chegado o momento de mais um aniversário comemorar!!! Luiz Henrique Sormani Barbugiani


Bauru na pandemia Eu vi Casas de janelas e portas fechadas Portas dos comércios abaixadas Ruas solitárias, sem pneus Calçadas nuas de passos. Eu vi Das escolas luzes apagadas O silêncio instalado Crianças em casa, tristes, desoladas Muitos querendo trabalhar Para a família sustentar Outros tantos em mercados Preocupados em acumular. Eu vi Um abre e fecha descontrolado E muita indecisão Empregos indo embora Empresários sufocados Suplicando atenção E pouca decisão. Eu vi Divergências de opiniões Em todas as esferas Em diferentes situações Gente se contaminando


Muitos outros se curando Tantos outros nos deixando. E a situação perdura Numa incerteza futura. Eu vi até Dias letivos virarem feriados E feriados virarem dias letivos Amanhã, dia 1 de agosto de 2020 Aniversário de Bauru Feriado? Comemoração? Não. Será dia letivo, conforme anuncia hoje, o jornal E dizem que vivemos um novo normal? Tudo isso é o anormal Normal será quando tudo isso passar E teremos o normal de sempre, de novo Desmascarados De mãos dadas Aglomerados Abraçados “Tudo como antes...” Fátima Ap. Tentor Salles 31 de julho de 2020


Bauru das anáforas Bauru Bauru Bauru Bauru

dos trens partindo rumo ao infinito da cruz que floresceu no descampado do sanduíche de Casimiro Pinto nascida de um relógio atrasado

Bauru Bauru Bauru Bauru

como templo das artes e do conhecimento da Baixada do Silvino, do Bosque, do Horto das ruas da memória e do esquecimento das gabirobas nos campos do aeroporto

Bauru Bauru Bauru Bauru

do arco-íris chorando sobre as casas ungida com o óleo da copaíba da búrica ao sol, da sinuca nas madrugadas símbolo simples e completo da vida

Bauru Bauru Bauru Bauru

multiplicando as palavras e a paisagem dos espantos de Rodrigues de Abreu iluminando as coisas e as imagens da areia branca como poalha de estrelas José C. M. Brandão


Bauru e seus limites!

Bauru, cidade de nome indígena que chegou nos trilhos da estrada de ferro. Cresceu por conta de relógios estrategicamente atrasados. É cercada por rodovias que se encarregaram de espalhar seus filhos pelo mundo. Uba-uru, onde um urubu cagou em cima do baú. Cidade que enviou Ozires aos ares e Pontes um pouco mais acima. Bauru origem do lanche homônimo e do termo "batistar". Cidade amaldiçoada por demolir a igrejinha para dar lugar à Catedral. Abençoada com a construção do Templo Tenrikyo. Teve explodida a Avenida Nações Unidas e construiu outras como a Nuno de Assis e a Getúlio Vargas. Teve sua praça central privada dos animais que lá viviam; jacarés e outros bichos. E agora lá temos concreto, cimento e novos bichos. Muitos estudantes aqui vêm como primeiro passo rumo a um futuro cada vez mais incerto. Foi daqui o maior puteiro do Brasil, perdendo apenas para Brasília. Entre altos e baixos... a Nações inunda em dias de chuva; e a periferia chora. Na mesma Nações temos nosso Teatro Municipal, construído onde era o mercado municipal; passou-se o tempo e cada um "vende seu peixe". Bauru possui um emblema arquitetônico que é a sua estação ferroviária, na região central da cidade. E ali tudo se torna decrépito com o descaso público com o público. E o público não colabora com o que é público, e reclama do Ministério Público. Atrelados ao mundo, sofremos como o resto


do planeta, com as mazelas de nossas criações, ações e distrações. Andamos distraídos circundando nosso umbigo, enquanto o mundo se desfaz. Talvez não sobre nada; nem nós (os que menos merecem estar aqui). Bauru precisa de cidadãos em seu significado mais profundo e sincero. O mundo está mudando; Bauru também. Gostava mais quando dançava nas domingueiras do Bancários; hoje a dança da vida é diária e nos quebra mais que dançar Break. Que esse nosso esforço, por romper as paredes do casulo que nos prendem ao passado, nos faça merecer uma cidade mais linda, progressista e com cidadãos mais humanos. José Reginaldo Furtado


Bauru em nós!

O apito do trem trouxe a ti A vida que em meio ao predomínio do cerrado. Não cerraste o olhar aos novos que junto ao café, Adoçado pela cana em 50, Materializou tuas entranhas pela industrialização! Em teu Brasão já traz a coroa Matizada com as estrelas amarelas, É o ouro das ferrovias que perfaz tuas querelas E que um dia desenharam tuas vias, ruas e vielas! És sem limites, no abraço ao que chegou; És sem limites, naqueles que abrigou. É sem limites teu coração, Pois acolhe a todos com tamanha abnegação! As diferentes existências Diluem-se no rodar pelas Nações, Onde cruzam teus filhos Do chegado ao aqui já enraizado! Nas barganhas da Batista, Deixa teu comércio reinar E acentua tua nobre identidade De a todos não se negar!


És Bauru de todos nós! És ciência, arte, música! Traz em ti muitas formações E constróis em nosso coração A Bauru suçuarana que desbrava Nossos sonhos e realiza nossos anseios! Audrey do Nascimento Sabbatini Martins


Bauru, nossa cidade Nossa cidade tornou-se forte e altaneira! Resoluta enfrenta os desafios deste século. Busca a modernidade e o bem comum. Anseia que sua gente continue guerreira. Tem como padroeiro o Espírito Santo! Desenvolve preponderantes benefícios. A fé em Deus a ilumina e a fortalece. E a solução surge, como por encanto. A logística de irradiação e recepção ultrapassa as fronteiras, sem exceção. Há diversidade de produção na agricultura, no comércio, na indústria, na cultura... É referência na reabilitação em saúde. Avança em tecnologia e qualidade de vida. Parabéns, Bauru, pelos seus 124 anos! Vamos juntos com fé e muito labor. Para todos nós é uma cidade querida. Recebe, acolhe e incentiva muitas vidas. Para as que aqui aportam e as nascidas esta terra jamais será esquecida! Orminda Machado de Camargo


Bauru do novo Milênio Em meus sonhos pude te ver, Bauru do novo milênio, Teus sonhos de cidade lunar; Não a lunar das crateras. Dos montes, das tempestades, Do dragão de papelão, língua de fogo E de maldades. A cidade do meu futuroscópio Cultiva plantas e planos futuristas, Onde se plantam os mais puros ideais, Lá existem vales onde vicejam As ambições não imorais. Dos mansos rios, sem corredeiras; Não a exausta selenólope de dias quentes, O clima é temperado, o ar não rarefeito, Arar completo, pra efeito equilibrado Vejo-te soprada por brisas suaves E ventos vindos de todas as vias, De vias claras retas e visíveis, Urbe lunar pelo ‘Custos Vigilat’ guiada, Nunca mais por mau destino, vislumbrada Vejo-te agora branca Lua nova, De claríssimo e novo luar, Feito namorada só para te amar. Caleb Patrício de Barros


Bauru Porta do Sertão Bauru Porta do Sertão Dos forasteiros que a construíram. Bauru dos slogans Que definiram sua história, em época e progresso. Bauru dos universitários, que rendeu jovialidade em suas estruturas. Bauru do Divino Espírito Santo Que carrega em sua história a maldição de um Bispo. Bauru de tantos amores e apaixonados por ti. Bauru, seus filhos não o trocam por lugar nenhum no mundo. Quando muitos vão embora, logo voltam para estarem contigo. Bauru nas linhas do tempo, sucateada. Cemitério das ferrovias que já foram pujante. Do comércio que conjuga o verbo batistar em sua vida. Bauru moderna dos shoppings e dos cafés. Bauru epicentro do Estado de São Paulo. Que adota os filhos,


que em suas terras buscam o horizonte. Os serviços e a oportunidade do desenvolvimento pessoal. Porque Ê Sem Limites no Interior Paulista!!! Mariluci Genovez


Bauru Bauru, cidade sem limites Da terra branca, a capital! Antes, pura e pacífica Em ti não se via mal. E teu comércio pujante, Teus honestos habitantes Eram famílias tradicionais! Havia paz em tuas ruas Até nos seus carnavais! Mas tua fama em terra boa E teu comércio pujante Atraiu para teu seio Toda espécie de viajante! Cresceste para o alto E para todos os cantos. Cresceste para o Brasil És uma cidade encanto! Em ti floresce a Cultura! És um berço de artistas! És cidade universitária Entre as maiores, és vista!


Berço de heróis, também és Marcos Pontes é filho teu! Sem falar dos adotados Pelé e Rodrigues de Abreu! Mas, já te estás tornando perigosa Pois, além dos bons que vem pra ti Vem também brasileiros Que existem por aí. Porém, temos autoridades Competentes nesse setor Que cuidarão de proteger Quem aqui vem por amor. Mas tudo faz parte do progresso. Não temas Bauru, vai em frente! Mostra ao Brasil e ao mundo Que além de forte, és valente.

Nelson Coimbra


Bauru Bauru! És uma bela cidade De um povo sincero e amigo. Laborioso e gentil. Bauru, Tens anseio de progresso, Nada existe que te impeça Despontar para o Brasil! Teus viadutos gigantes, Tuas amplas avenidas Ligando todos os cantos, És uma terra querida Bauru! Em teu seio acolhedor Ofereces aos forasteiros Tranquilidade e amor! Bauru! Das cidades és princesa Pois apresenta realeza E o país confia em ti. Teu comércio De esplendor e beleza, Já se torna conhecido Do Oiapoque ao Chuí. Nelson Coimbra


Calçadão da Batista – uma paixão popular Ao bauruense da paixão e da conquista o calçadão é a galeria do sonhar, do ir em busca e do colorir do caminhar ao ir e vir no trem alegre da Batista. Sete vagões, sete quadras, sete sentidos vivos na passarela entre a história airosa das praças Machado de Melo e Rui Barbosa, de estação a estação, borrifando os destinos. Quando o sanfoneiro toca ao tinir do vento, o relógio da Lusitana é uma paisagem que não conta as horas, o itinerário e a viagem, mas seus ponteiros têm beleza e sentimento. O café seduz e tem sabor de poesia. Os pastéis namoram o frescor do coqueiro. As moedas caem no chapéu ou no bueiro, no camelô e na bugiganga, onde há magia. Sob uma sombra azul neon os arcos tecem babados contados nos bancos, com ardor. A vida exposta a estranhos, segredos de amor, agrura ou dita que os amantes não esquecem.


A linha do tempo marca as escadas frias, desde as lajes com as olheiras do passado, até a pintura do letreiro renovado, moldando outras tendências e tecnologias. A vida pela arte e a arte pela vida é estendida no leito povoado de passos. São quadros de areia, penduricalhos lassos, brincos de arame, arte hippie, subvida. O dia crepita a fome nas marmitas quentes, fast foods, deliverys e sucos de cana; chinelos e rasteiras de um povo que afana onde as nuvens e o sol revezam-se contentes. À noitinha, o silêncio beija enternecido velhos sobrados e lembranças perfumadas. Saudosas, as velhinhas surgem nas sacadas e a lua clareia a Rua dos Esquecidos. Maria Cristina Ehmke Carvalho


“Chá ou café, tanto faz” ou “um jabuti para chamar de meu” Quando criança, ou seja, desde que me entendo por gente, só tomava chá mate, e foi assim até me mudar para São Paulo e passar a tomar café junto com os outros estagiários. Trabalhando em um museu, tínhamos direito todo dia a um café expresso, oferecido pelo restaurante, que ficava ao lado da livraria. Era um momento ímpar: parávamos o que estávamos fazendo, descíamos as escadas, passando pela exposição que estava aberta ao público – era o caminho mais longo; mas o mais bonito também, sempre repleto de obras de arte, fotografias ou objetos – e nos dirigíamos àquele lugar que era para os endinheirados e descolados da cena cultural paulistana. Sorvíamos lentamente o líquido preto, jogando conversa fora durante os nossos quinze minutos diários de pausa da tarde de trabalho. O dia ainda iria longe, pois havia transferido as aulas para o turno da noite, o que significava terminar tudo invariavelmente lá pela meia-noite. Uma aula era maravilhosa, a do Nicolau Sevcenko, de História Moderna. Com ele descobri que São Paulo foi não só o maior produtor de café, mas também o seu maior consumidor. E entendi porque é que Bauru tinha tantos cafés. Me-


lhor ainda, nos finais de semana que voltava a Bauru e passava na casa dos meus pais, comecei a ir depois da baladinha, eu e minhas amigas, à rodoviária para tomar a última bebida da noite antes de dormir. Ninguém tinha medo de passar a noite em claro, estávamos exaustas e um café expresso e quentinho sempre caía muito bem. Quando conto aos meus amigos de São Paulo que essa foi uma das primeiras unidades do Fran’s Café, poucos acreditam. Aliás, o Fran’s da Rua Batista de Carvalho, esse sim o primeiro, também nos salvava nas tardes da Quarta-Feira de Cinzas, pois era o único lugar aberto após os quatro dias de carnaval. Tomávamos um copo enorme de chá mate gelado batido com leite em pó. Excelente para curar o cansaço e a ressaca de quatro noites de folia nos clubes. Aliás, o carnaval só acabava com o nascer do sol na Praça Portugal, lá pelas sete da manhã. Era lindo! Mais gostoso ainda sentir o sereno da madrugada ir embora e dar lugar a um quente e luminoso sol. Só então era hora de ir para casa, dormir! Mas o chá gelado com leite, a ser tomado de tardezinha no Fran’s, já estava combinado. Ver o sol nascer passou a ser uma especialidade da minha turma, podia ser na Praça Portugal ou também no Aeroclube. Mas, no meu caso, isso só era possível quando eu dormia na casa de alguma amiga. Tinha horário para chegar e, sempre na hora determinada, lá estava a minha mãe, a me esperar, na sala de jantar. Chegasse muito depois, era bronca na certa. E por falar na Rua Batista de Carvalho, lembro que nas noites de domingo era comum meus pais, Marina e Djalma, nos levarem para comer um sanduíche no Zé do Skinão, na esquina da Avenida Rodrigues Alves com a Rua Gustavo Maciel; passeio simples, quase sempre seguido de


uma caminhada para ver as vitrines das lojas. O Zé era o único a fazer naquela época a verdadeira receita do lanche Bauru: pão francês, rosbife fatiado, picles e queijo derretido na água. Quando não íamos ao Skinão, era a vez da Confeitaria Cidinha, que ficava na Araújo Leite. O local existe até hoje, mas muito descaracterizado. Lá escolhíamos sempre as mesmas coisas: quindim, queijadinha e maria-mole. Tudo muito simples, tudo muito gostoso. A Praça Rui Barbosa da minha infância era a mesma que eu vejo nas fotos em preto e branco da minha jovem avó Guilhermina. Era um jardim público, cheio de verdes e com um lago. Havia nele muitos jacarés. Ao lado, um viveiro com duas coloridas e barulhentas araras. No chão do viveiro... inúmeras tartarugas. O curioso é que quando eu tinha uns dez ou doze anos, não me lembro direito, meu padrinho Antônio chegou de Goiás e me trouxe uma lembrança... um jabuti! Era um enorme jabuti, com seu casco reluzente, seu passo lento e uma grande fome pela frente. O inusitado presente morou meses em casa. Tínhamos dois jabutis pequenos, oito tartaruguinhas de água (doados pela minha avó Leonor) e vários canários. Um bicho a mais não iria fazer diferença. E lá estava eu, toda orgulhosa de ter um jabuti gigante para chamar de meu. Eram outros tempos e não existia a consciência ambiental que temos hoje. Mas o fato é que ele começou a ficar entediado e a brigar com os outros bichos da casa e achamos melhor doá-lo para o jardim público. Lembro-me de ter ido muitas vezes visitá-lo na Praça Rui Barbosa. Só o deixei de fazer, depois que me mudei para São Paulo para fazer a faculdade de História, motivo do meu estágio no museu e do meu início no mundo do café.


Bom, a Praça Rui Barbosa, com seus jacarés, suas araras, suas tartarugas e o meu jabuti gigante já não existe mais. Hoje, morando novamente em Bauru, sempre que vou ao Zoológico com minha filhota, gosto de visitar o recinto dos quelônios. Olho para os inúmeros animais que vejo por lá, miro o maior deles e imagino uma conversa entre mim e ele: tanta coisa se passou, né amigão?! Acho isso tudo muito inusitado e, às vezes, penso ser um sonho de criança. Fui perguntar à minha mãe sobre a veracidade dos fatos. Sim, eu já tive um jabuti gigante para chamar de meu; e um dia ele já foi morador da Praça Rui Barbosa! Cláudia Leonor Guedes de Azevedo Oliveira


A Cidade Charme

Se Paris, ao longo do tempo e pelo mundo todo, é reconhecida como a “Cidade Luz”, para mim, embora não seja bauruense nato mas sim de coração, elegi e tenho Bauru como a “Cidade Charme”. Nova e bonita, cativante, insinuante, comunicativa e receptiva porque a todos que aqui passam ou venham a residir, ela recebe com um sorriso meigo e cheio de amor que transmite carinho com a mensagem “sejam bem-vindos, meus queridos”. E essa admiração que sinto por esta Cidade Charme não se formou nas quatro décadas que aqui moro consolidando a formação de minha querida família, mas a muitas, desde quando aquele menino há setenta e cinco anos, após ter gozado as delícias de uma viagem de trem, de Garça a Bauru, segurando com força a mão do seu pai, subiu pela Rua Batista de Carvalho, temeroso mas confiante e maravilhado com tudo que via. Seu pai participaria de uma reunião da CPFL. Era sonho daquele menino que sempre ouvia seu pai, irmãos e outras pessoas amigas falarem sobre Bauru, dos seus prédios, avenidas e dos trens que aqui chegavam e partiam com suas bitolas “estreita e larga”. E naquela manhã seu sonho realizou-se e até hoje é lembrado com carinho e saudades. Agora, todas as vezes que me dirijo ao querido prédio da Praça Machado de Melo com seus tradicionais hotéis a fim de participar das benfazejas reuniões da Academia Bauruense de Letras com os queridos confrades, sinto-me tristíssimo ao ver em seu


pátio trens gloriosos e queridos estacionados definitivamente sem vida, as pinturas e murais que ainda ornam suas paredes internas. E o que se pensar, falar ou comentar, já adolescente ou rapaz, das esperadas “baldeações”, quando com colegas e amigos viajávamos de férias para São Paulo e a aguardada baldeação, porque era comentadíssimo em minha cidade e toda região, de que a estação ficava cheia de moças bonitas que, acompanhadas de seus pais, também embarcariam no mesmo trem da bitola larga ou elétrico. Bauru era tida como “a cidade de mulher bonita”. E como o meu irmão mais velho exclamava: “eh...... NOB” (Noroeste do Brasil). Quando o trem estava chegando e púnhamos a cabeça para fora da janela para ver como estava a plataforma. E, realmente, muita gente; muitas moças bonitas acompanhadas por seus pais e que também embarcariam para o mesmo destino. Bauru, Cidade Charme, quantas esperanças e suspiros você despertou nos jovens daqueles tempos e ainda continua nos mesmos que aqui vêm para frequentar suas escolas e universidades. Quantos aqui vêm morar por estudos, trabalho e outras razões, porém, sem o perceber, o seu charme ficará marcado em suas vidas, histórias, memórias e, um dia, lembrar-se-ão. Deslumbram-se com suas avenidas, praças, bares e sua vida noturna. E depois, quando daqui partirem nunca mais a esquecerão, e suspirarão: Ah, ah... Que saudades, bons tempos aqueles! Quantos poetas e escritores inspirou e ainda inspira! Quando de longe, da rodovia, indo ou vindo durante o dia se avistam os seus prédios que apontam para os céus e sua extensão geográfica que foge aos olhos e à noite suas luzes cintilantes, sente-se uma sensação indescritível e única motivada por aquilo que eu descobri ainda em tempo, o seu


charme. Bauru, você é diferente! Em seus 124 anos de vida, o que é nada na ordem do tempo, você conseguiu e granjeou o que outras cidades tentaram e não conseguiram. Para mim você sempre foi, é e será uma CIDADE CHARME. FELIZ ANIVERSÁRIO!

Joaquim Eliseo Mendes


Círculos de um nome Lança-se uma pedra nas águas e se visualiza um espetáculo intrigante e significativo. Enxergamos os círculos ao redor da pedra – aqueles que se distanciam, procurando a margem, fogem da visão na sua amplitude, mas estão lá. Assim é o nome da cidade de Bauru. Ele se espalha pelas ondas do mundo, nas pregas do tempo. Quantos eventos, pessoas, fatos engrandecem a nossa cidade, nos rincões de sua construção. Nem sempre louváveis, mas parte da História. Ainda existem os trilhos cortando o solo da cidade – reminiscência de um passado pungente, rico de chegadas e partidas. Estação Ferroviária abarrotada de gente, trazendo o progresso, a edificação da cidade. Entrelaçamento das três ferrovias, não é para qualquer cidade. Três cores de locomotiva tingiam Bauru, no ziguezague dos dormentes. Na fumaça das caldeiras, no silvo de um apito – nossa saudade. Foram círculos! E o tempo passou. Hoje, por certo, as ondas que se propagam em círculos largos e longínquos é o nosso “Centrinho”. Centro de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais, USP. Orgulho sem fim. Bauru além de seus muros. “Centrinho” – Renovador de um rosto, da autoestima, da inserção à sociabilidade, autoconfiança. E não é apenas a questão estética, mas a qualidade de vida nos distúrbios da respiração, da fala, audição, nutrição, infecções crônicas, dentição. São anos de idas e vindas de crianças e adultos,


de lugares distantes em busca da eficiência do tratamento, da cura, na marca apenas de uma cicatriz. Foram-lhe outorgados prêmios internacionais no campo da pesquisa, no aprimoramento das técnicas de fissura labial e fenda palatina, em abordagem multidisciplinar. Nosso querido escritor Rubem Alves conviveu nessa realidade, sendo pai de um paciente com fissura labial. Escreveu e ministrou a palestra “O Sentido da Vida”. Descobre ser a sala de espera mais democrática já visitada. Não há o silêncio velado, o medo da nudez revelada. Ninguém tem receio de olhar para o outro. São iguais. Contam experiências. Em qualquer parte do corpo as imperfeições são encobertas pelas vestes, na face é estampada ao vento. Ali, todas as diferenças desaparecem. Está presente uma amostra da sociedade brasileira: negros, mulatos, brancos, rostos com traços de índio, olhos puxados orientais. Sotaques de um Brasil de norte a Sul. Cantam o rural, o urbano, o caipira, o intelectual. O falar, o escrever não entram no prontuário do paciente. “Mas são nos pés que todas as diferenças perdem o sentido. Contam as histórias por onde andam, caminho de terra, de tapetes macios. Sandálias havaianas, tênis Nike, alpercatas, botinas, sapatos rústicos, sapatos de verniz. Ao serem internados, um conga azul, marcas da igualdade. E tudo pelo mesmo preço – nada.” Não há segredos, não há prioridade, pela conta bancária. As pessoas se sentem mais fraternas. São tratados pelo sofrimento de um erro da Natureza. “O corpo que a natureza feriu é o pão eucarístico que se come”. O socialismo sonhado e nunca vivido.


Enquanto Instituições da Saúde se desmancham, existe o “Centrinho”, recolhendo as preocupações da mãe grávida, que se pergunta sem mesmo querer “Será que vai ser perfeito”? Probabilidades existem para o certo e para o errado. Na formação de um corpo são milhões de combinações no lugar certo, na hora certa. A natureza pode se atrapalhar e oferecer uma criança com fissuras, no caso relatado. A família convive e ama, ama... depois do espanto. A dor mais doída é encarar o olhar curioso, de pena, do outro. Ele não deixa esquecer do caminho a ser trilhado, vencido nas diferenças de um rosto. “A história do patinho feio se repete, à espera de um milagre, ser cisne. Difícil se lembrar da beleza da alma, quando se quer um rosto belo para ser acariciado”. Tudo passa... Esse dia chega. Há um pedra irradiando círculos nas águas mornas, acolhedoras do “Centro de Reabilitação Crânio Labial” – USP. Vale a pena lutar pela utopia da fraternidade. Olynda Bassan

Créditos: Site – http://hrac.usp.br/ Crônica - Rubem Alves



Confissão e Exaltação Fui um traquinas a pisar a Terra Branca! Aqui, li as primeiras letras para a lida. E aqui a chama do sangue queimou-me a vida. A vida, aqui, impôs-me a primeira carranca! Chutei bola, calçando a primeira bicanca. Foi na Eny que fugi à primeira batida! Meu coração sentiu a primeira mordida No toque-toque, batistando a virgem branca! Velho Paulista – quantos bailes, quantas danças! Foi lá que abracei a mulher do meu altar, Foi quem verteu nossas filhas – minhas heranças! – Cidade de espantos! O poeta a gritar! Aos teus 124 anos, minha terra de esperanças. Os restos, meus? Plantem na areia ao me findar.

Obs. Não nasci em Bauru, mas aqui lavrei minhas dignas conquistas. Estive fora durante 8 anos, mas nunca transferi meu título de eleitor. Eis a razão do meu soneto “Confissão e Exaltação”.

Joaquim Simões Filho


Este é o jeito de ser bauruense A história é uma só. O que muda é a maneira de como se conta ou se narra. Como uma grande maioria de pessoas que compõem a população da cidade de Bauru, também não sou filha da terra. Sou moradora de acolhida, ou como prefiro dizer: “Bauruense de Coração”. E foi assim que me tornei Bauruense. Meus pais, em setembro de 1954, com as três filhas, chegaram de mudança à cidade. Na época, Bauru não tinha muito mais do que 50 mil habitantes. Mas já era pujante no cenário interiorano, com seu comércio e o entroncamento férreo. Conservava ainda ares e costumes de cidade pequena, como colocar cadeiras nas calçadas em fins de tardes, para apreciar o movimento e conversar. Andava-se muito a pé. Crianças iam para a escola e a todos os lugares, sozinhas. Tudo muito tranquilo. Enfim, tudo era feito na sola do sapato e de sombrinha ou guarda-chuva em punho. Os muros das residências eram somente linhas de demarcação da área, e os portões geralmente ficavam abertos. O respeito era mantido. Não havia invasão de intruso. Em casas de fachadas limpas, as famílias viviam em segurança em seus lares e nas ruas. Tudo era vendido nas portas ou em mercadinhos e pequenos comércios.


O leiteiro, o padeiro, o jornaleiro, deixavam a encomenda na porta, o que era marcado em confiança, na caderneta. E ninguém mexia. Até a carne vinha pela carrocinha. Era o bucheiro. As frutas e legumes também passavam na rua: era o bananeiro. Poucas ruas recebiam calçamento. A maioria era em paralelepípedo. O asfalto era mínimo, no centro da cidade, do sertão. Alguns, entendiam a cidade cercada. Comandada pelas pessoas de influência. E Bauru seguiu a sua história, com lendas e fatos concretos, registrados em seus anais. E na memória dos que tiveram a oportunidade de vivê-la em seus primórdios. Não sou tão velha assim. Mas gosto da história que ouço e que encontro na literatura do município. Assim foi parte de minha infância em Bauru, desde os tempos do terceiro ano primário, na Escola Lourenço Filho, nas esquinas das ruas Primeiro de Agosto com a Azarias Leite. Esta é a minha declaração de amor a Bauru. Que, como muitos que aqui chegaram, em busca de novos horizontes e oportunidades, sentiram-se acolhidos e tornaramse cidadãos da terra. Mariluci Genovez


Eu amo Bauru Eu amo Bauru, terra que fascina quem aqui nasce e mais ainda quem aqui chega; Eu amo Bauru, cidade que encanta e que cresce, mostrando cada dia sua pujança; Eu amo Bauru, terra do amor, onde o forasteiro é um amigo e o amigo um irmão; Eu amo Bauru, cidade que revela no seu íntimo, a vontade de ser metrópole; Eu amo Bauru, de gente simples que não para e quer ser grande; Eu amo Bauru, no valor de seus pioneiros que ajudaram a forjar o seu berço; Eu amo Bauru; de praças e avenidas que a tornam mais linda;


Eu amo Bauru, na geografia de sua posição, marcando sua indomável liderança; Eu amo Bauru, de sua vocação para o trabalho; Eu amo Bauru, no desprendimento do seus filhos; Eu amo Bauru, pela sua fé inabalável em busca de um futuro cada vez maior; Eu amo Bauru, na sintonia de Deus em concordância com amor e paz; Eu amo Bauru, na predestinação histórica, que resgata um passado brilhante, em busca de seu grande futuro; Eu amo Bauru, no vilarejo de ontem, na cidade de hoje e na grande metrópole do amanhã; Eu amo Bauru, por tudo isso e muito mais Roberto Rufino


Gênese Viemos de São Paulo para Bauru recém-casados e eu recém-saída da faculdade de direito. Fomos morar na praça Rui Barbosa, um endereço VIP1, segundo o corretor que nos alugou o apartamento. Não conhecíamos ninguém da cidade, mas muito ouvíramos falar sobre a afabilidade dos moradores do interior. No dia seguinte à nossa mudança, ainda desembrulhando os presentes do casamento soou a campainha. Ao abrir a porta deparei com uma senhora de aproximadamente sessenta anos, toda sorridente, que disse: – Sou Vicentina. Encantada com minha primeira visita, também eu lhe sorri e, escancarando a porta, me apresentei: – Sou Rosa Leda, entre, por favor, a sala está uma bagunça mas fico muito contente com sua visita. Ela pareceu constrangida e me disse que não poderia entrar, passara apenas para pegar o quilo. Intrigada, sem saber do que ela falava, devo ter expressado minha dúvida na fisionomia pois ela se apressou em dizer que não havia problema nenhum, voltaria no mês seguinte. Despediu-se de forma impulsiva puxando a porta do elevador, deixando-me a matutar sobre o que, afinal, teria ela ido buscar. Minha vizinha, com quem eu trocara umas poucas palavras na garagem, no dia anterior, enquanto descarregávamos nosso fusquinha verde, apareceu mais tarde se oferecendo para ajudar na arrumação. Curiosíssima, eu lhe contei que uma tal de dona Vicentina havia passado à tarde para VIP é a sigla em inglês de “Very Important Person”, uma expressão utilizada para se referir a uma pessoa de prestígio. No caso, usada inadequadamente, pois referia-se a um local. 1


buscar o quilo e que fora embora de um jeito muito esquisito, sem me explicar o que buscava. Glória, essa vizinha querida, quase morreu de rir. As lágrimas escorriam pelo seu rosto, e quando olhava para mim ria mais ainda. – Rosinha querida, não é dona Vicentina é uma vicentina. O quilo é a doação mensal que quase todos os bauruenses fazem para a Vila Vicentina, um asilo para idosos, doamos um quilo de qualquer coisa que ajude a alimentá-los... Você veio da cidade grande, mas a cidade pequena tem muito para lhe ensinar. Hoje posso dizer que Glória tinha toda razão. Sintome bauruense, afinal já se passaram cinquenta anos, fiz aqui coisas que talvez não teria feito em São Paulo como sair em bloco de carnaval e desfilar em escola de samba, fiz também coisas sérias como trabalhar num jornal, aqui construímos nossa casa, nasceram nossas filhas e netos, publiquei meus livros, temos amigos, comadres, compadres, eu entrei para a Academia de Letras, participei de grupos de apoio, do Coral Arte Viva, fui vicentina e contei minha história com dona Vicentina uma porção de vezes, presidente de creche, escrevi uma peça de teatro e subi no palco como atriz, fiz cursos e dei aulas. Meu marido e eu fundamos um Cine Clube que nos propiciou o encontro com muita gente ligada às artes e às letras. Bauru, aqui tenho uma vida e uma história. Rosa Leda Accorsi Gabrielli


Metamorfose Bauru cidade metamorfose voa tempo, passa gente quão mais nova fica... Cidade ambulante, menina cigana. Não move um passo mas, muda sempre... Explorada, especulada, não nega lugar. me faz morar e mora em mim

Cláudio Dangió.


Meu sanduíche preferido Olá, galera do bem, olá, galera que é zen Agora vou ensinar a todos vocês também Como fazer o meu delicioso pedido A receita do meu sanduíche preferido. Amigos do interior, não me levem a mal Mas esse sanduíche surgiu lá na capital Com um nobre estudante da Faculdade de Direito Que tinha saudade do que a mamãe tinha feito. Não era cheese, nem hambúrguer, nem misto Não tinha calabresa, nem queijos, apenas isto: Tirando o miolo do pão francês Coloquem fartas fatias de rosbife, bem cru Picles de pepino e tomate cortado em viés Esta é a receita do bauru Mas não pensem que é só isso Tem o pulo do gato e é preciso Ser muito cuidadoso ao juntar Três tipos de queijos para moldar Derreta suíço, estepe e prato Em banho-maria, isto é fato! Você pode achar que é fácil fazer Esse nobre sanduíche com nome de cidade Mas não pense que você consegue ser


O especialista dessa preciosidade. Se bater a vontade e não tiver nada na mão Saiba, você pode comer o bauru lá no Skinão. Madê Correa


Meus gigantes Escrever um pedaço da minha história como filho de Bauru representa preciosa oportunidade de abrir, mais uma vez, o meu baú de lembranças. Meio empoeirado, escondido num canto de minha alma, mas ainda cheio de vida. Ali eu guardo os meus momentos mais felizes, os mais tristes, meus sucessos e fracassos, meus enganos e desenganos, os gigantes da minha terra que deixaram um rastro luminoso na minha lembrança, marcando para sempre meu coração. Também os meus amores e desamores, mas, ah!, isso é um assunto delicado que deve ser tratado em uma outra ocasião. Sacolejava no vagão da “segundona” da antiga E.F. Sorocabana, bitola de 1 metro, bem menos confortável do que a futurista (para a época) Paulista, com suas reluzentes máquinas elétricas e bitola larga. Mas não tinha jeito. Quando esgotavam as passagens na Paulista, a Sorocabana mesmo acabava quebrando o galho. Era eu e minha mãe num banco e o meu pai sozinho no outro. O trem pulava muito, chacoalhava ruidosamente, com aquele barulho típico de ferrovia, mas meu pai ao lado não parecia se importar muito com isso. Ao contrário, parecia estar se divertindo. Logo passava o bilheteiro, pedindo os bilhetes para marcar com uma espécie de furador. Meu pai tirava então os três bilhetes do bolso e entregava ao moço, recolhendo depois e guardando os comprovantes para o caso do fiscal os solicitar. Ao ver o bilhete com um ou mais furos, significava que o fiscal já os tinha verificado e estava tudo em ordem. Ah! Seu Paulo Fusco, meu primeiro gigante. Nunca vou esquecer aquele seu sorriso tímido de satisfação, meio dissimulado, brincando no canto da boca, enquanto pulava o maldito trem. Dava impressão até que estávamos disputando um rodeio sobre trilhos, e você domando sua montaria, satisfeito. Bom, mas o


sacrifício valia a pena. Quando tínhamos, então, a sorte de vir “de cabine” pela Paulista era a glória suprema, o máximo de delírio para minha alma de criança. Chegávamos na estação ferroviária da praça Machado de Melo, hoje tão maltratada, e logo tomávamos um táxi no ponto ali existente, rumo à casa da vovó Branca e tia Santinha, outros dois gigantes, localizada na 13 de maio. Essa é uma das coisas que me acompanham até hoje, a sistemática peculiar adotada há longo tempo para numeração das casas em Bauru. Em qualquer lugar do mundo, quando dou meu endereço, invariavelmente eu tenho de explicar que a numeração “é assim mesmo”. O primeiro número equivale ao “quarteirão” e o segundo determina o número da casa. Em minha cabeça, Bauru sempre foi uma cidade assim, certinha, quadradinha ou retangular, organizada, muito “ela mesma”. Ao entrar na casa da vovó era uma festa total, os primos também ali compareciam todos para nos receber. Sabíamos que a tia Santinha sempre tinha uma surpresa a nos esperar, um doce, qualquer coisa. Era a libertação do escravo, no singular mesmo, porque a vida na capital já não era tão tranquila naqueles tempos, e eu passava a maior parte do dia “preso” em algum lugar, no colégio ou dentro de casa. Era sempre assim que começava minhas férias, isso antes de nos mudarmos em definitivo para Bauru. A mudança representou um marco importante na minha vida, sedimentando de vez em meu coração tudo aquilo que compõe o sentimento de ser bauruense. Bom, isso tudo acontecia numa época em que a Avenida Rodrigues Alves ainda exibia aqueles enormes canteiros centrais, arborizados fartamente arborizados que, no calor canicular do verão bauruense, nos proporcionava aquela sombra amiga. Os bancos de granito eram onde costumávamos ficar por longo tempo, batendo papo e apreciando o movimento da avenida, já bastante intenso. Anos depois apareceu uma praga, uns bichinhos que o povo achou por bem chamar de “lacerdinhas”, em criativa e cruel homenagem ao conhecido político carioca, Carlos Lacerda. Fato é


que o bichinho construía seus ninhos enrolado no meio das folhas e, quando algum deles caía nos olhos, ardia muito e era preciso lavar abundantemente o local com água limpa. Isso acabou determinando primeiro uma poda geral, e depois o corte total das árvores, mutilando a avenida, deixando-a com aquele seu jeito desprovido que permanece até hoje. O avançar do tempo e a evolução dinâmica da cidade se encarregou de sepultar de vez os canteiros centrais, deixando apenas o negro do asfalto por onde passam hoje milhares de veículos diariamente. Acho que não tinha jeito mesmo. Ainda me lembro dos ônibus do “Quaggio” a percorrer a Rodrigues, dobrando a esquerda na Pedro de Toledo, então uma rua calçada com paralelepípedos. Cheguei a andar nos antigos fordinhos narigudinhos, e também nos “imponentes” GMC americanos, que logo dariam lugar aos Mercedes Benz nacionais e mais modernos (será?). Naqueles áureos tempos, início dos anos 60, um dos grandes “programas” era ir jogar bola no “estradão”, que ligava a principal área urbana da cidade ao “campo de aviação” Na verdade eu não jogava, era muito pequeno, mas fazia questão de acompanhar meus primos e a turma. Ali, naquele areião, foram disputadas renhidas peladas com “bola de capotão”, geralmente da marca “campeão” (a mais barata) ou, em dias especiais, uma “drible” (a melhor e mais cara), isso até que apontasse o jipinho do “Ponciano”, então o juiz de menores, botando todo mundo a correr, cada um para um lado, por dentro do matagal. Não havia ainda a televisão na dimensão que ela tem hoje, muito menos computador, internet, celular, smartphone ou videogame, e achávamos o máximo ir ao cinema, fosse no cine São Paulo ou no cine Bauru (o maior e mais barato). Poucos anos depois seriam inauguradas outras casas, o cine Capri, Vila Rica, além do São Rafael, que ficava na Vila Falcão, todos hoje fechados. Nos anos 60, ir à matinê do cine São Paulo era mesmo a melhor opção para a moçada. As meninas mais bonitas de Bauru iam “em peso” (algumas literalmente), de modo que não havia outro lugar


melhor do que a matinê do cine São Paulo para uma boa paquera. Olhar de longe, um sorriso aqui, outro ali, jogar “beijinhos” feitos de papel de bala (não esqueci, não). Pegar na mão da menina, então, era uma façanha para herói nenhum botar defeito, virava motivo para contar histórias por um longo tempo, gerava “status” no meio da turma. E vinha a musiquinha (que a gente chamava de “prefixo”) do velho cine São Paulo, mas ninguém dava muita bola, não. O interesse de todos prendia-se ainda no que estava “rolando” lá dentro. O negócio era chegar antes para pegar um “bom lugar” perto das meninas, senão adeus. Logo depois vinha o noticiário do canal 100, trazendo tudo aquilo que a maioria já sabia, mas de uma maneira diferente. Na parte do esporte, como eles passavam em velocidade mais lenta, era possível, por exemplo, acompanhar em detalhes os dribles de Mané Garrincha, a expressão de moleque no rosto quando fazia mais um de “João”. Aí o pessoal ficava mais quieto e, nessa hora, tudo de importante já havia sido decidido, ou seja, “quem rolar, rolou”. Quem fazia a segurança nos cinemas era a saudosa “Guarda Civil” (quem não se lembra?), que enviava um ou mais policiais, vestidos todos em traje de gala (com espadim e tudo) numa impecável farda azul-marinho, para assegurar que tudo saísse de conformidade com a lei e os “bons costumes”. Mas isso tudo ainda iria acontecer alguns anos depois, em fins dos anos 60. No tempo em que iniciei minha narrativa, ainda havia o “footing” na Praça das Cerejeiras onde, apesar de sermos ainda pequenos, íamos todos, amigos e primos, para observar o movimento. Quando minha sorte era muita mesmo, aparecia um circo na cidade, desses tradicionais, que armava sua lona, estacionando seus carros coloridos no local do antigo campo do E.C. Noroeste, onde hoje está localizado o moderno prédio do SESI, na Rua Quintino Bocaiúva. Aí, então, era para não esquecer mesmo, nunca mais. Nessas ocasiões, lembro especialmente de uma delas em que correu um boato entre os meninos de que, quem levasse um gato vivo


para o circo ganharia uma entrada grátis. Seria para alimentar os leões, imagina só. Nós todos saíamos, então, à cata dos valiosos bichanos mas, coincidência ou não, nessas horas eles acabavam sumindo e nós nada conseguíamos. Depois que o circo ia embora, parecendo até coisa combinada, eles voltavam, sorridentes (ou será que era a minha imaginação?), como a zombar de nós dizendo: “sabe quando? Never”. Bom, falando em Noroeste, meu coração treme só em pensar que nos anos 60 tínhamos um timaço de meter medo em qualquer um dos chamados “grandes” da capital. Só para dar uma ideia, era a época do saudoso “Toninho Guerreiro”, que depois foi para o Santos, onde se consagrou chegando até a seleção brasileira. Com a vida meio conturbada, encerrou gloriosamente a carreira no São Paulo, após colecionar vários títulos. Corinthians, Palmeiras, São Paulo, todos eles suavam literalmente a camisa para sair bem de Bauru, considerando o empate uma vitória. Lembro-me bem de um jogo em especial. O Santos veio a Bauru enfrentar o Noroeste, nos áureos tempos de Pelé e Cia, e fizeram uma partida memorável, inesquecível. Corria o segundo tempo, jogo duro, três a três no placar. Pelé entra na área e, como só ele sabia fazer, se contorce todo no ar e... vai ao chão. O juiz marca pênalti. Daí em diante foi um verdadeiro samba do crioulo doido (com respeito ao crioulo), com jogador correndo atrás de jogador, dirigente correndo atrás de juiz, cassetete e capacete de guarda pra tudo que é lado. A confusão durou mais de uma hora, com os ânimos de todos exaltados e, no fim, acabamos perdendo por quatro a três. Para mim, aproveitar essas oportunidades indo ao campo com meu pai Paulo e meus tios (mais gigantes), primos e, às vezes, tias também (porque não havia a violência que existe hoje entre as chamadas “torcidas uniformizadas”), era outro grande “programa”. Tio Nelson (vulgo Aimoré) ia meio a contragosto, porque lá no fundo ainda era “Baquiano”, tinha jogado no antigo “Lusitana”, mas acabava também vibrando, meio secretamente, com as jogadas do “vermelhinho”. Como as


férias tinham duração limitada, chegava sempre o fatídico dia de ir embora, voltar para casa, São Paulo, continuar a vida e os estudos. E nesse dia eu partia, de trem ou no “ônibus do Franciscato”, ainda com o gosto do guaraná King na boca, do pavê da minha vovó Branca, do pudim da tia Santinha, das peladas na areia do “estradão”. Na mochila da alma a lembrança dos amigos, as imagens da Rodrigues Alves, da praça das Cerejeiras, do jogo do Noroeste e uma certeza: a necessidade de voltar. José Paulo Fusco


Minha Bauru do futuro O céu está tão claro, nenhum vestígio de fumaça O chão está tão limpo...E tudo está tão verde... Quase não há barulho, posso até ouvir os pássaros O jovem cede o banco ao senhor que está cansado Vejam, os carros pararam para a mocinha atravessar No bar lotado, um casal lá da mesa do canto Chama as duas senhoras para com eles se sentarem Tudo é alegria, festa e confraternização. Na periferia da cidade, o verde se espalha... Nada para atrapalhar nossa visão Nenhum entulho, nenhum lixo acumulado, Nenhum esgoto a escorrer, só há perfumes pelo ar Nenhum buraco... Está tudo tão conservado Lindas casas, água farta, excelente iluminação. Nos Centros de Saúde, profissionais circulam sorridentes Não há ninguém para atender! Tudo já foi resolvido na excelente alimentação Na esmerada prevenção e na aprimorada educação. Nas ruas, pouquíssimos carros e motos estão em circulação Trens elétricos, ônibus elétricos, coletivos de todo tipo, Lindos, confortáveis, luxuosos, rápidos, eficazes Circulam por toda parte, levando só felicidade. As escolas são grandes e variados Centros de Educação Belíssimos, limpíssimos, modernamente equipados, Espalham-se para todo lado atendendo igualmente Competentemente, carinhosamente, toda a população Grandes Centros Universitários espalham-se pela cidade A Prefeitura é um Grande Centro de Deliberação


Ninguém ganha para opinar, projetar, trabalhar... Grandes Mestres, grandes Técnicos, grandes talentos Para ajudar a cidade, revezam-se nestas funções Nenhum assalto, nenhum crime, nenhuma contravenção Com tanta Educação, Fartura e Felicidade, Que cidadão, neste mundo, iria pensar em maldade?

Silvanira Fainer


Ode a Bauru O verde se evola no ar. A areia branca me foge entre os dedos, poalha de estrelas que o céu destila. Caminhos se bifurcam, artérias de um coração multiplicado. Voo pelas ruas com os olhos brilhando de memórias, árvores e casas e homens mergulham por mim a dentro. Os rastros de meus pés permanecem, alheios ao tempo que se escoa. Os limites se esvaem da bússola ou da palma da mão. Em meu peito pulsa o pulmão do universo. José C. M. Brandão


Era só mais um pôr do sol... Falar de Bauru... “Um olhar de quem vem de fora...” Muitas coisas podem ser ditas. Mas... há uma, incomparável: o pôr do sol. Minha varanda é o observatório ideal, no décimo quarto andar e 180 graus em torno. Deixo tudo o que estou fazendo e espero o Sol se pôr e deixar a esteira de cores que o desenho das nuvens recorta. Há épocas de açafrão vibrante e outras de tintas esmaecidas de quase vinho ao rosa pálido. E os dramáticos vermelhos, quase sangue, em formas e combinações irrepetíveis de quem joga com os contrastes. Pois numa dessas tardes, no meu mirante pendurado no ar, me distraí no mini jardim de suculentas e orquídeas. E me detive ali já caindo a noite. E não é que uma mariposa resolve voar para a porta que dá para a sala? Não hesitei. Puxei a porta de vidro. Com mais força do que devia... E a lingueta travou no batente. Uma porta com fechadura e chave que só abre por dentro... Necessário num andar tão alto? Quem, para galgar por fora? Fiquei ali, olhando, procurando algum instrumento para tentar levantar a porta e destravar a lingueta. Nada. Tirei da parede uma grade de ferro – de algum antigo jardim e que uso como decoração. Bati no vidro. Nada. Nem um abalo. Olhei para baixo, através da redes de proteção. A rua lá na frente -meu apartamento é de fundo. Embaixo só quintais do prédio e das casas. Então pensei no inevitável e do qual estava me subtraindo: chamar por alguém. Timidamente soltei algumas palavras. (Sexta-feira à noite! Difícil ter alguém por ali. A gente


saía de casa, sabe, naquele tempo, ia jantar, ia aos bares... Sexta-feira das noites mágicas, com as perspectivas do sábado!) Ninguém. E eu ali pensando que pelo menos tinha uma cadeira confortável, para passar a noite. Pelo vidro via a TV ligada emendando satisfeita a programação a seu bel prazer. Agora, um daqueles programas de bolos de gosto duvidoso. Novamente ensaiei umas palavras. Não iria gritar “socorro”. Manteria a dignidade. E optei por um texto mais discreto: “Alguém está me ouvindo? Tem alguém aí?” Uma voz respondeu: “Sim, o que houve?” Era a vizinha de cima (o som sobe...) Um único andar acima, depois o espaço infinito. Por sorte eu ainda guardava resquícios do mundo précelular e sabia de cor o número do telefone de minha sobrinha. Ela, curtindo um programa – era sexta-feira! – do outro lado da cidade, atendeu, por sorte: número desconhecido. Avisou a irmã que mora perto de meu prédio e que chegou em pouco tempo – elas tinham a chave da porta de entrada. Na reunião da Oficina da Palavra, na terça, contei o ocorrido. E levei um conto de Lígia Fagundes Telles para ler: “Venha ver o pôr do sol”, em que uma moça é presa numa capela de um cemitério abandonado pelo namorado, inconformado com o rompimento. E enquanto ele se afastava, ela chamava em vão e seus gritos ficavam cada vez mais débeis. Lá também o pôr do sol era magnífico. Mas já não tinha mais ninguém para contemplar o espetáculo. Cecilia de Lara



Redemoinhos na areia Noite alta! Rodando, sem rumo certo, curtindo a beleza da Bauru noturna, estaciono meu carro. Extasiada, do alto do “shopping”, admiro a cintilação das luzes que iluminam a noite quente, desta Bauru tão pujante. Sem querer, meu pensamento volta, no tempo... Extasiada... lá do alto admiro o turbilhão dos carros que circulam no asfalto quente desta Bauru tão vibrante. E sem querer, novamente. meu pensamento volta no tempo... Extasiada... lá do alto, admiro o tapete de prédios e casas que cobre todo o vale, do horizonte a horizonte, desta Bauru tão crescente.


E sem querer, novamente, meu pensamento volta, no tempo... No tempo das matas virgens, das feras à espreita... dos índios orgulhosos de suas raças, disputando, palmo a palmo, as terras dessas bandas com o homem branco. No tempo dos pioneiros, desbravadores de terras desconhecidas... homens sonhadores que, com garra, lutando, sem tréguas, por entre os redemoinhos provocados pelos ventos na areia... qual gigantes, qual mágicos, do nada... constroem impérios e sonhos... Impérios como “Val de Palmas” e seus quinhentos mil pés de café. Sonhos, como “Picadão” para Avanhandava e quiçá Cuiabá! No tempo dos carros de bois, gemendo e afundando suas rodas, no palmo e meio das areias brancas, que cobriam as ruas de Bauru que nascia...


No tempo da “Rua dos Esquecidos” e da escuridão cabocla... que em novecentos e um conheceu a luz: Luz opaca, milagrosa, de doze lampiões de querosene, acesos na boca da noite! No tempo em que os silvos das locomotivas, sertão afora, espantavam a onça pintada e a sucuri. E os ferroviários suados martelavam os trilhos e os dormentes, sempre atormentados pelos mosquitos miúdos. E os trabalhadores, cansados, buscavam esquecer o calor sufocante bebendo cerveja “Morávia”. no burburinho do “Bijou Theatre”. No tempo do Jornal ”O Bauru”, da maioria “perrepista”, da campanha “civilista”, dos conflitos, dos atentados, Enfim... de todas as declarações de amor à terra, daqueles que dedicaram suas vidas à busca de um ideal: uma Bauru soberana, “CAPITAL DA TERRA BRANCA”.


Bauru, que ainda hoje, por entre as pedras e asfaltos de suas ruas, por entre os canteiros de suas praças, à margem de suas rodovias, à beira de suas ferrovias, (hoje, quase esquecidas...) continua a contemplar impassível, o vento, teimosamente, fazendo redemoinhos em suas brancas e indomáveis areias...

Josefina de Campos Fraga


Rua Batista (Calçadão)

Quem sobe ou desce a Batista, tem logo à primeira vista uma visão de esplendor São sete quadras de agito e um visual tão bonito de muita luz e calor Sob os arcos coloridos. alguns passam distraídos desfrutando do lazer... Outros dobrando as esquinas, de olho no que as vitrines insistem em oferecer. Numa cidade que cresce, num todo até parece que as Nações é o pulmão... O sangue é a rua Primeiro. o reduto financeiro e a Batista é o coração Se essa rua fosse minha da estação até a pracinha, juro, eu mandava tombar... Manteria as estruturas, para as gerações futuras dela jamais olvidar.


Nessa rua dos meus amores não há distinção de cores, Ó rua da fraternidade! Que seria da cidade se você não existisse? Antônio Valentim Ruffato


Testamento de um trabalhador bauruense

produzi muito pouco ao longo de minha existência só para sobrevivência pouca coisa acumulei o pouco que produzi deixarei quando partir aos filhos que tanto amei nesta cidade tão linda deixarei em cada esquina um pouco de minha vida deixarei rastros nas calçadas nas casas assobradadas minhas mãos estão tangidas em cada palmo de rua cada edifício erigido estou deixando imprimidas as marcas de um lutador deixo também aos meus filhos avenidas iluminadas além das minhas pegadas gotas de meu suor tubos e canos embutidos fios e cabos estendidos fiz tudo com muito amor deixo bem localizadas escolas conceituadas para ensinar a juventude trabalhei de forma incansável não realizei o desejável apenas fiz o que pude para torná-la mais bela plantei flores nas vielas arborizei ruas e praças que perfumam nossas vidas dão sombra fresca que abriga


o bauruense que passa como estrada longa e esguia os trilhos das ferrovias trouxeram riqueza e sonhos calcados em cada dormente o meu passado e meu presente e seu futuro risonho deixo pontes sobre os rios viadutos e desvios para encurtar os seus caminhos além de muita esperança deixo saudade e lembrança para nunca se sentirem sozinhos pois talvez nas madrugadas ao voltarem das baladas pelas ruas sem ninguém se ouvirem uma gargalha ou outra coisa inexplicada filhos lembrem-se de mim serei eu na eternidade admirando a cidade que ajudei a construir Lázaro Carneiro


Céu de Bauru

O entardecer é leve como a névoa e traz o crepúsculo com sua beleza nostálgica. Quando a cortina negra da noite se abre expõe a Via Láctea, como joia na vitrine rebrilha sobre mim a abóbada cintilante. A desidéria imagem me compraz. A profusão de astros celestes me mostra que estou contemplando o resplandecente céu de Bauru. Vejo no firmamento belezas ímpares, é um clarão fulgural que só por aqui encontro. A impressionante beleza do céu de minha terra me faz pensar no absurdo, e me provoca a ilusão de que, aqui, o teto do mundo é mais baixo. Toda a beleza da noite parece nascer ali no pôr do sol. Pássaros em suas últimas revoadas dão boas vindas e eu me sinto no quintal de Orion brincando com as Três Marias. A paz da noite me envolve e ornamentado pela beleza do firmamento me deixo adormecer nos braços do universo. Lázaro Carneiro


Trovas para Bauru no seu aniversário Meio século de emoções, em Bauru aconteceu: uma explosão na Nações e nessa ninguém morreu! Acabou-se a ferrovia... uma tristeza também... não temos mais alegria de poder viajar de trem! O nosso astronauta Pontes, nossa lua foi ver de perto, superando os horizontes, é o ministro que deu certo! A sede da Academia com suor foi conquistada; para nossa alegria precisa ser conservada! Na cidade que adotei para ser minha morada, uma família formei, não troco Bauru por nada! Trabalhei com eficácia, até a aposentadoria. Do balcão de uma farmácia, eu cheguei à Academia.


Parabéns à “Terra Branca” pelo seu aniversário, fiz muita amizade franca que guardo num relicário! José Marques


Visão do parque O lago acaba de se deitar. Ressona em suavíssima palpitação, Enquanto amanhece nas árvores E o sol declara o dia verde. Os pássaros se lançam e se amoitam E se perseguem e se afoitam Até o fim da tarde, Até o último sopro da claridade Aquietada em voltar para casa. Ainda que a cidade esteja No seu máximo alvoroço, O silêncio das árvores, quando escurece, Basta para que o lago, Aos poucos, abra seu olho E desperte novo, no espelho d’água Que a noite enriquece de cintilantes Altitudes e simetrias Fundidas no mesmo jogo. A escuridão risca a linha intermédia Entre o sonho e a vida E mantém suspensa, Em súbita flor, a vitória-régia


Que refulge e transbrilha No concreto armado Frente ao anfiteatro a ecoar, Estonteado, a quietude do palco Na madrugada vazia. Eduardo Carbone


Vejo flores em você Atrativo para borboletas, abelhas e beija-flores. Margaridas, primaveras, hortênsias, ipês, jasmins, cravos, rosas. No lugar de ruas, alamedas. Uma das regiões mais antigas de Bauru carrega em seu DNA nome de flores. Fundado em 1950, o bairro empresta espaço aos históricos Casa do Garoto, Tilibra e o extinto Anderson Clayton. Segundo meus avós, na década de 60, a cidade ganhava relevo pelo comércio da baixada. Não tinha quem não vendia e comprava lá. Nesse passado memorioso, moradores da zona rural trocavam frangos, leitões e outros produtos da criação deles por sapatos, banheiras, carroças, rações e outras mercadorias do comércio. Havia inclusive um estacionamento para os cavalos, enquanto seu dono comercializava. Bauru acontecia na ‘Baixada do Silvino’. Pela proximidade do local, convivi com este intenso comércio, afinal meus avós moravam na Alameda das Primaveras, rua que ganhava o acesso ao local. Meu avô Antônio explicava-me o apelido “baixada”. Por ser um dos pontos mais baixos da cidade, o local recepcionava a água dos rios que banhavam o município. Isso também repercutia com baixadas críticas. A chuva em excesso excedia as vias, alagando-as. Aos finais de semana, passava grande parte da minha infância na casa dos meus avós. Adorava a companhia deles. Dos passeios à refeição. Meu avô Antônio banhava esquecidos pedaços de pão com leite e café quentes em uma leiteira de alumínio. Sentado à mesa, com as mãos côncavas, num gesto de agradecimento, ele, com uma colher, conduzia com deleite e vagar o que o pão sorvia da mistura. Eu ouvia o prazer com que ele conduzia os movimentos rotacionais da colher pelo interior da leiteira. Eram sábados alegres carregados de um azul abusado de belezas. O sino


da igreja Nossa Senhora Aparecida anunciava o horário. Seis da tarde. Ave-Maria. Um silêncio obediente se impunha. Só quem viveu e conheceu historicamente o Vista Alegre, molhou conversas no bar Três Cantos, jogou bocha, dominó, truco - seis ladrão! - regados a uma boa pinga nos bares da Baixada. Reconhece-se um morador do bairro quem comprou no supermercado Beira Rio, abraçou o carisma calvo do Vadico. Nas prateleiras, óleo de soja em lata Salada, talco em lata Gessy, iogurte Bliss, guaraná Taí e Brahma em garrafa. Eu comprava carretel de linha Corrente nº 10 para soltar pipa. Minha irmã, chicle de bola Ping-Pong. Era o máximo. Ela assoviava e eu, hipnotizado, acompanhava a evolução do globo róseo até estourar no rosto dela. O embrulho era de um papel marrom ordinário. Próximo à sapataria do Saliba, um andarilho deitava sua embriaguez no chão mijado de orvalho. Era um pé-de-chinelo em busca de sapatos. A padaria do Comegno cortava a rua Floresta com novidades que saíam do forno. Na esquina católica da rua Aparecida com a Araújo Leite, a Casa do Arroz. Feijão, fubá de milho, farinha, arroz a granel e fumo de corda. As ruas do bairro são envolvidas com anúncios da beleza em movimento das árvores, que emprestam sombras dilatadas. Entre uma rua e outra, moradores descansam suas amizades entardecidas, sentados em cadeiras e bancos à beira da calçada. Falas preguiçosas competem com crianças de riso fácil, envolvidas nas brincadeiras rasteiras e suadas da rua. Pipa e bola, bola e pipa. Minhas lembranças da Alameda das Primaveras nunca foram outonais: não caem nunca. Tudo desse bairro está comprometido com a minha vista. Vista Alegre. Alexandre Benegas




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