Ontologia do diálogo

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posteriores se referem como centro), a fé é mostrativa e constatativa, na expressão de Austin e Evans. É verdade que não será constatativa como nas ciências empírico-formais. É de se perguntar, aliás, se a constatação, como simples transcrição de fatos de que fala a ciência, realmente existe. Se, na verdade, toda linguagem não seria performativa direta ou indiretamente? A linguagem da fé não só se refere a acontecimentos como teoria deles, mas os acontecimentos, na linguagem da fé, são ativos, eficazes. Ela faz ser o que diz no próprio dizer. E ela o diz numa dupla dimensão: como presente e tangível e ao mesmo tempo como ‘éscaton’: como aquilo que há de vir. Advento que já é presença e ao mesmo tempo apenas anúncio e esperança. Na fé, o presente é o futuro. O futuro não está além do presente mas é a essência do presente, é a profundidade do presente. A realidade presente é a originária e futura. A linguagem da fé é auto-implicativa. O acontecimento que ela anuncia não é exterior ao homem. Ela anuncia e realiza a própria implicação do homem com Deus. Por um lado proclama o engajamento de Deus com relação ao homem e por outro o engajamento do homem que responde a Deus. Evans104 mostra, num texto magistral, como a linguagem da fé é auto-implicativa na revelação e na fé em Deus criador: “Palavra de Deus: eu te ordeno existir como meu servidor (decreto). Resposta do homem: Eu vos pertenço, Senhor (conduta). Palavra de Deus: eu te estabeleço como meu intendente sobre a natureza (decreto). Resposta do homem: Seja-me dado cumprir as terefas que me dais (engajamento). Palavra de Deus: julgo a existência criada boa (veredito). Resposta do homem: aceito vosso julgamento, Senhor (conduta). Palavra de Deus: eu te prometo meu amor para sempre (engajamento). Resposta do homem: em vós ponho minha confiança (engajamento)”. O que Deus revela para o homem não são seus atributos, ou os atributos do homem e do mundo, mas seu plano íntimo, guardado desde antes da criação do mundo, o plano de fazer o homem participar da condição de filho de Deus em Jesus Cristo. É convite que implica reconhecimento e adesão. E a resposta acontece no próprio espaço criado pela revelação. A revelação constitui no homem o âmbito adequado para se mostrar e para acolhê-la. Mas, para isso, o homem precisa converter o coração. “A fé pressupõe sempre uma procura, a palavra plena da fé é precedida pela interrogação, pela espera, pelo 104

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