Publicação do Grupo de Pesquisa Experimental em Métodos Artísticos Contemporâneos

Grupo de Pesquisa Experimental em Métodos Artísticos Contemporâneos Ana Flávia Marú Carlos Monaretta Cássia Nunes Flavia Fabiana Gilson Andrade

Joardo Filho José Loures Rei Souza Rondinelli Linhares Talles Lopes

Fotografia de Rei Souza

Uma experiência horizontal de reflexão sobre arte contemporânea Em 16, 21 e 25 de julho de 2018, na Escola de Artes Oswaldo Verano, na cidade de Anápolis-GO, um grupo de seis artistas anapolinos e quatro goianienses se reuniu num processo de imersão. Nos encontros, cada artista apresentou sua produção, trazendo referências, metodologias e processos de novos trabalhos.

Diferente de outras experiências com as quais já estávamos acostumados, o grupo foi uma oportunidade de se apresentar sem o peso da autoridade de um curador, professor ou orientador. Essa condição instigou, naturalmente, diversos questionamentos sobre o sistema de arte, as relações de poder e os critérios adotados pela crítica, gerando intensos debates em razão do perfil heterogêneo dos participantes.

Dessa composição horizontal, o principal resultado foi a liberdade de experimentar metodologias de funcionamento. Enquanto um artista se apresentava, aconteciam atravessamentos de todos os colegas, que questionavam, interpretavam e propunham ideias.

O formato do grupo surgiu, primeiro, em diálogo com o Reinaldo, que tinha interesse em pesquisar questões como a autoria na arte. Posteriormente, com o Gilson, desenhamos a dinâmica dos encontros. Nossa vontade era compartilhar ideias e experiências pensando quais eram nossos processos de criação.

Já a composição do grupo ocorreu, por um lado, como fruto indireto de projetos institucionais de arte, como Salão Anapolino de Arte, Teia, Dialetos (em Anápolis); e Trampolim (em Goiânia). Por outro lado, foi fruto da identificação, em maior ou menor grau, estabelecida entre os próprios artistas, que se converte em frequentes diálogos e colaborações.

A Escola de Artes Oswaldo Verano foi o local escolhido por conta do seu crescente papel como espaço de formação e reflexão permanente sobre a produção de arte contemporânea que tem surgido ou passado por Anápolis.

Existe, ainda uma estratégia geográfica da nossa parte, que visa a realização do projeto também em Goiânia, com a finalidade de criar um fluxo entre as duas cidades.

Por fim, apresentamos o material produzido após os encontros presenciais, quando continuamos dialogando e trocando referências pela internet. Estão reunidos nesta publicação os processos em andamento dos artistas, cada um com sua forma de organizar ideias.

Joardo Filho

1ยบ dia

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poéticas, processos, proposições, métodos, referências

Ana Flávia Marú

Mensagem encaminhada12/07/2018

Escuta e demora O convite foi feito dias antes dessa imagem ser encaminhada, Gilson explicou basicamente o que foi elaborado na imagem, os três encontros, o primeiro de conversa e apresentação das experiências de cada um, eu poderia levar um pequeno portfólio, segundo dia, uma conversa sobre metodologia que cada um já utiliza em seus trabalhos e pesquisas e o terceiro dia um

compartilhamento de processos em andamento e uma possível proposta de projeto a ser desenvolvido nesses encontros com o grupo de estudo.

Estive em dois dias e a tentativa deste texto é retornar em alguns pontos que ainda estão reverberando no meu fazer.

Interesso quando há uma proposta metodológica|cronológica a ser seguida e a vida com suas imprevisibilidades, com o desejo de troca e escuta, vem e embanana os planejamentos. O primeiro dia, foi para apresentação dos portfólios, elas se estenderam, as palavras vieram e deram um golpe no tempo, a escuta foi generosa e cada apresentação durou em média 1 hora e meia a 2 horas. Esse golpe dado por esse desejo de dizer, de escutar e se afetar me parece muito urgente.

Pareceu importante nos abrir para esse desejo de demora, de fala, de escuta.

Tenho pensado nela dentro do meu processo. Atravessada por uma ideia de produtividade e finalização de objetos ou projetos, tento borrar os limites do que seria esse objeto final, tanto na fazer da arquitetura quanto da arte (ainda preciso de uma “separação” para conseguir elaborar alguns pontos) me interessa deixar o tempo agir nos processos, métodos e permanecer na linha que tece esse objeto, que embaraça e dá nó nos fazeres. Os trabalhos que foram apresentados com um caráter de não finalizado foram potentes para as discussões. O que pode estar nas galerias são trabalhos finalizados?

Como posso ter um trabalho em processo exposto e talvez neste exercício de mostrar seu caminho, ele ser abarcado por um desvio apontado por quem também foi atravessado por ele?

Bom, ressalto a importância de grupos demorados localizados na potência do entre. Abertos a escuta e a experimentação das maneiras de fazer conjunta.

“A gente nunca sabe o que filma” O processo | projeto apresentado: “janela” recortes de em média 30s da vista da janela.

No dia a dia registro recortes do que já é recortado na minha janela. Há um sentimento de angústia e curiosidade por não conseguir abarcar toda a complexidade que se passa nela. Quem pratica o espaço (CERTEAU,1980) dá golpe na estratégias impostas na cidade e dão apresentam a potência das imprevisibilidades da vida. Algo escapa de forma constante, mas também há um desejo continuar, insistir ali. Revejo todas imagens. Tento uma catalogação da imagem, do som. É nesse exercício de catalogação do que foi registrado que me afeto novamente, com alguma outra coisa ou com mais do mesmo, ainda não sei.

Catalogação: Homemnacalçada1.MOV Homemnacalçada2.MOV Calçadasemhomem.MOV Homemnacalçada_mulhermancando.MOV Colchãonozoroastro.MOV Colchãonozoroastro2.MOV Zoroastrosemcolchão.MOV (...)

Vou para janela, revejo os vídeos, janela novamente, catalogo, descatalogo, edito alguns que parecem ter me atravessado de uma forma diferente, deixo o tempo passar. Tenho interesse de pensar em outras janelas, pesquisar arquivos de outras janelas, olho da minha e continuo a filmar algo que ainda não sei o que é.

Carlos Monaretta

Desde 2016 realizo trabalhos fotográficos onde a cidade está presente de diversas fo posso transformar essa experiência em uma pesquisa artística. No começo da minha pro que compõe esse ambiente. Dessa forma, a cidade virou tema de discussão nas minhas

No contato com as visualidades dos espaços urbanos comecei a fazer vídeos e fotografia nessa dinâmica de sempre estar fotografando em que eu me deparei com a situação qu 4 frames para montar uma narrativa sobre o que eu vi e interpretei da situação que reg

A retirada dos frames do vídeo gerou uma narrativa onde se apresenta um senhor de i debruçar sobre o mesmo me trouxe a pensamentos sobre o cansaço do trabalhador id dormiu em pé no meio da contagem.

ormas em minhas produções. Parto sempre do olhar para o lugar onde estou e como odução é notável a influência do espaço central da cidade de Goiânia e das visualidades s primeiras fotografias.

as do que me chamava a atenção na passagem das pessoas nesse espaço da cidade. Foi ue dá base para a realização do presente trabalho, um registro de vídeo onde eu retirei gistrei.

idade trabalhando como vendedor de picolés, onde ao abrir a tampa do carrinho e se doso, pois minutos antes o senhor ao contar o dinheiro que conseguiu em suas vendas

Cássia Nunes 14 nov. 2016 São Paulo|SP

Resolvi tirar a venda como elemento da performance Descasca-se Laranjas.

Depois do incômodo com a roupa feita de sacos de feira, que passou a me soar muito alegórica, chegara a vez de desconfiar da potência da venda. A sensação de irrelevância desses elementos confirmou a recorrência de minha escolha estética pela simplicidade dos gestos e o interesse em manter nas ações apenas o imprescindível para que elas aconteçam. Ainda insegura com a decisão, uso uma faixa de cabelo que pode ser ativada como venda, caso eu me arrependa.

Como sempre, chego ao local escolhido – desta vez a encruzilhada do Teatro Municipal, abro meu banco, disponho o saco de laranjas no chão, visto minha placa de papelão com o anúncio que dá nome ao trabalho, me sento, descasco a primeira laranja e ofereço ao primeiro passante disponível e interessado.

Não me lembro quantas laranjas descasquei , talvez três, até a aproximação de uma mulher com sua observação crítica sobre a forma como eu descascava.

Diante da minha dificuldade em compreender seus apontamentos, ela me pediu a faca e uma laranja para mostrar (me mostrar) como ela segura a laranja e move a faca de modo a evitar ferir a fruta.

SITUO DATA E LUGAR PASSADOS, MAS COMEÇO NARRANDO NO PRESENTE. RELATO DE EXPERIÊNCIA DO TRABALHO COMO POSSIBILIDADE DE REGISTRO. INTERESSE EM TENSIONAR A SUBORDINAÇÃO DA LINGUAGEM DA PERFORMANCE À HEGEMONIA DA IMAGEM COMO CONDIÇÃO PARA A PRODUÇÃO DE NARRATIVAS E COMPROVAÇÃO DE TRAJETÓRIAS ARTÍSTICAS. REFERÊNCIA: Graziela Kunsch não existe, de Graziela Kunsch <https://naocaber.org/graziela-kunsch-nao-existe/>

AQUI COMEÇO A FALAR NO PASSADO.

Nossa diferença consiste principalmente no fato de que ela movimenta mais a mão que segurava a laranja, deixando a mão que segura a faca quase imóvel. Ela gira a laranja de um modo muito ágil no corte da faca. No meu caso, faço praticamente o contrário, a mão que segura a faca se move muito mais, gerando uma pressão sobre a superfície da laranja que vai sendo girada lentamente. É como se o movimento de descascar dela se originasse na laranja e o meu na faca. Nossas técnicas pessoais revelam percepções e entendimentos singulares das possibilidades da relação peso/contrapeso como condição do movimento. Nossa gestualidade revela um saber corporal construído na interação com outros corpos, no caso os da laranja e da faca.

Tal situação foi inédita dentre todas as 6 realizações desta performance.

Enquanto ela descascava, outra mulher se aproximou e também quis mostrar sua técnica. E assim, outras pessoas quiseram mostrar suas habilidades.

Quando dei por mim, a performance havia se modificado, pois se instaurou uma situação de compartilhamento de saberes, técnicas e narrativas pessoais e eu já não era a principal pessoa a descascar. A centralidade da performance se deslocou da minha pessoa enquanto realizadora de uma ação estranha. A partir do instante em que entreguei a faca para a primeira mulher, passamos a ser várias pessoas engajadas na mesma ação.

VOLTO AO TEMPO NARRATIVO NO PRESENTE.

REENCONTRO NOS MEUS TRABALHOS DE PERFORMANCE A REVERBERAÇÃO DOS ESTUDOS DO MOVIMENTO QUE REALIZEI DURANTE MINHA TRAJETÓRIA PELA DANÇA CONTEMPORÂNEA E QUE ATÉ POUCO TEMPO CONSIDERAVA TER ME DISTANCIADO - - - - - - - - RELAÇÃO TEMPORAL E VARIAÇÃO NARRATIVA ENTRE PASSADO E PRESENTE - - - - - - - - O EXERCÍCIO DE RELATAR A EXPERIÊNCIA DA PERFORMANCE ME REVELA QUE ELA SEGUE ACONTECENDO EM MIM. INTERESSE EM PENSAR OBJETOS E MATERIAIS COMO CORPOS. NOVA MUDANÇA NO TEMPO DA NARRATIVA.

DESAPEGO COM A IDEIA DE CONTROLAR A AÇÃO. RELAÇÃO DE RISCO E CONFIANÇA MEDIADA PELA FACA. SEMPRE QUE USO A FACA NO ESPAÇO PÚBLICO, PASSAM PELA MINHA CABEÇA IMAGENS DE SITUAÇÕES DE VIOLÊNCIA QUE POSSAM ESCAPAR DO MEU CONTROLE.

Em algum momento, quando a faca retornou para a minha mão, um homem se aproximou e criticou meu modo de descascar. Me defendi dizendo que descascava bem até de olhos fechados e o desafiei a fazer o mesmo. A venda retorna como desafio e não apenas elemento de curiosidade para despertar o olhar dos outros. Retorna como desafio e risco compartilhado e não apenas desafio e risco para a performer. No entanto, se antes eu vinha sentindo a presença da venda como um obstáculo que demarcava demais uma fronteira entre mim e as pessoas que se relacionavam com a performance, agora ela retorna como potencializadora de outras relações dentro da ação.

Tirar a venda abriu uma possibilidade que ampliou o espaço para o desejo do outro em se mostrar, uma vez que meu campo de visão não estava mais bloqueado. O encontro dos olhares, as demonstrações de gestualidades e técnicas pessoais e o compartilhamento de memórias afetivas, deslocaram sentidos e reconfiguraram o trabalho .

O DESAFIEI PORQUE ERA UM HOMEM. ÀS MULHERES, SIMPLESMENTE ENTREGUEI A FACA. ATRAVESSAMENTOS DE GÊNERO NO TRABALHO. SOU UMA MULHER POSSUINDO UMA FACA NO ESPAÇO PÚBLICO.

INTERESSE EM PENSAR A PERFORMANCE COMO ENCONTRO. QUEM ME AJUDA A PENSAR SOBRE ISSO: Santiago Cao Eleonora Fabião Corpos Informáticos

INTERESSE EM VIVER A PERFORMANCE COMO PROCESSO.

Fotografia de Gilson Andrade

15 ago. 2018 Goiânia|GO

Meu trabalho tem cada vez mais se voltado à intenção de viver a performance como um lugar de encontros. Encontros com outros corpos. Corpos das pessoas presentes, dos objetos e materiais acionados, dos espaços e lugares permeados, das memórias evocadas e escavadas, do desconhecido revelado.

Nesses encontros, busco por aproximações, contaminações e tensionamentos dos limites e contornos envolvidos nas compreensões das categorias eu/ outro e suas relações de identificações, reconhecimentos, diferenciações, estranhamentos, restrições e permissões de acessos. Encontros que me fazem manter as performances em constante processo e entender que minha forma de criar tem consistido no compartilhamento e na abertura de processos aos quais dou sequência com outros desdobramentos pela atribuição de novos sentidos.

Performance como encontro, como processo. Encontros em processo .

Nos processos de arte-vida os outros possuem extrema importância para minhas elaborações e compreensões sobre os modos como as estruturas sociais e politicas nos atravessam, como também nas percepções das singularidades de minhas formas de sentir, pensar, fazer, mover, escolher, criar.

Os outros me revelam.

Nas situações instauradas pelas minhas performances, os objetos e materiais são ativados como mediadores na produção da minha presença, dos

Falar de performance como processo envolve não separar o trabalho exibido de sua investigação e desenvolvimento. O trabalho é o próprio processo. Performar é a própria investigação. REPERFORMANCE COMO MÉTODO. Isso tem a ver com assumir outras formas de fazer e existir como artista, quando não dispomos de estruturas consideradas ideais para ser a artista ideal. Estruturas como um ateliê ou o acesso|aceite (d)às instituições de arte que dispõe de recursos financeiros públicos e|ou privados.

(Não sei diferenciar muito bem quando é que não tenho acesso, de quando é que não caibo nesses ideais e instituições) Isso envolve romper com os ideais que nos fazem desacreditar do nosso trabalho e se mover buscando criar outros lugares para existir como artista e assumir outras possibilidades para fazer como artista.

Quando colocamos os ideais em questão, quando desacreditamos da autoridade dos ideais, potencializamos a criação de outras relações ao deslocarmos sentidos e valores que os sustentam.

Na minha trajetória, esses deslocamentos me levaram a participar e contribuir com a criação de redes em que os encontros, eventos e relações artísticas estão interessadas nas potências dos processos e seus compartilhamentos.** A arte vivida não apenas como produto (busca por uma obra), mas como experiência (imersão, relação) - - - - - - - Penso no ressoar das vanguardas modernas que contestaram instituições de arte e buscaram a não separação entre arte e vida - - - - - - - - Penso em como temos revisitado essas referências de uma estória da arte eurocêntrica e patriarcal com as lentes da decolonialidade e dos feminismos. **Grande parte de minha trajetória artística vem sendo construída pelo trânsito em um circuito de eventos independentes de performance. Inclusive, articulo juntamente com Ana Reis, parceira de arte e vida, o ROÇAdeira – Encontros Performáticos em Lugares Improváveis. (www.encontrosperformaticos.blogspot.com).

A precariedade se faz entre limitações e potências. A precariedade é um misto confuso que envolve a relação complexa entre as condições dadas pela falta de acesso a certas estruturas (má distribuição de recursos, regimes de visibilidade|invisibilidade racistas, patriarcais, elitistas) com a escolha do precário como gesto político de tensionamento do que já está estabelecido e potência de reconhecimento e invenção de outros modos de existir.

encontros e das alterações de estados de corpo. Nos últimos tempos, tenho voltado atenção especial aos objetos e materiais presentes para realizar uma espécie de inventário dos mesmos. Esse inventário envolve um esforço de revisitar o que já fiz e tatear melhor a linha com a qual venho tecendo meus trabalhos.

Pensando sobre esse interesse pelo elemento material de minhas composições – visto que minha criação se dá predominantemente em performance, com ações que instauram situações efêmeras – percebo uma relação com a narrativa que venho criando para situar o ponto de partida dos primeiros trabalhos: o interesse pelas memórias e marcas corporais.

O exercício de inventariar imprime dois movimentos no sentido da visualização e compreensão de minhas escolhas e elaborações estéticas . Primeiro, não deixar esvanecer a memória e importância desses objetos e materiais dentro das ações. Segundo, ensaiar leituras sobre as memórias marcadas nesses corpos-objetos/corpos-materiais pela percepção de como eles compõem um repertório afetivo pessoal atravessado por cargas simbólicas sociais e coletivas.

O esforço de inventariar revela a coexistência e entrelaçamento de diversas camadas presentes no meu interesse por um objeto ou material, na forma como os desloco para a ação e na situação de performance em que os encontros são mediados por eles. São camadas afetivas, estéticas, sociológicas, políticas, antropológicas.

Quando comecei a chamar o que eu fazia de performance e a conhecer referências históricas de artistas da performance, principalmente dos anos 60 e 70, senti ter encontrado um lugar onde as coisas que eu vinha fazendo em dança se acomodavam melhor. Sigo fazendo essas coisas. Elas envolvem principalmente o procedimento de DESLOCAMENTO DE GESTOS, AÇÕES E ELEMENTOS COTIDIANOS por meio de composições muito simples.

Esse olhar atento para o cotidiano – presente no repertório de objetos e materiais pessoais, assim como nas técnicas corporais que realizamos dia-a-dia – foi sendo desdobrando por escolhas que combinam REFERÊNCIAS AUTOBIOGRÁFICAS com aspectos de PRECARIEDADE (economia de recursos, gestos, elementos), DOMESTICIDADE (casa-ateliê), SENSORIALIDADE e SUTILEZA.

Fotografia de Rodrigo Munhoz

30 Jun. 2018 São Paulo|SP

Rodrigo Munhoz e outras pessoas do La Plataformance estão ocupando um galpão no bairro de Barra Funda. Essa articulação coletiva e independente deu origem à Residência Jardim das Máquinas (www.residenciadasmaquinas. blogspot.com). O projeto do Munhoz para a residência é a produção da P6, uma publicação virtual interessada no diálogo entre performance, fotografia e arquitetura (www.sites.google.com/view/p6online/p6).

Quando o contatei dizendo que estaria em São Paulo, recebi o convite para acionar no espaço e participar da publicação. Aproveitei para fazer uma primeira experimentação do inventário dos objetos e materiais do meu repertório de performances, que até então só existia na minha cabeça.

Levei uma sacola cheia de coisas, um rolo de papel sulfite com uma metragem bem grande e carvão vegetal. Gosto muito de ser performer-sacoleira, de carregar uma “trenhêra”. Até hoje, não consegui fazer de outro jeito. Uso o que já está à mão, uso aquilo que faz parte da vida. Gosto do gesto poético de deslocar as coisas dos seus lugares cotidianos. Nas performances urbanas, geralmente ocorre uma confusão entre arte, ritual e loucura.

Passamos o dia todo no galpão. Minha ação durou certa de 3 horas, mas poderia ter durado pelo menos uma semana. Ao finalizar, estava exausta e cheia de ideias na cabeça. A sensação era a de que me engajei numa ação infinita, incontrolável e labiríntica.

Desenrolei o papel sulfite no chão do espaço unindo três ambientes do galpão. Tirei os objetos e materiais da sacola e os organizei em quatro categorias: materiais orgânicos, objetos cortantes, objetos de proteção e objetos depositórios|recipientes.

Com o carvão vegetal fui desenhando os objetos e escrevendo sobre o papel sulfite o que se passava pela minha cabeça quanto aos significados daqueles elementos dentro das performances, às relações que eles mediam a partir da leitura que faço de suas características formais, de seus significados e usos sociais e questões autobiográficas, como também quanto às questões mais amplas sobre performance.

Esse enfrentamento dos objetos e materiais pelo desenho e pela escrita instaurou uma aura intimista, pois me debrucei sobre eles mantendo meu foco e atenção em suas presenças. Ocorreu uma imersão capaz de acessar chaves de compreensão para as poéticas que venho criando.

As quatro categorias iniciais se mostraram insuficientes para dar conta das inúmeras possibilidades de reconhecimento das relações entre eles e as impossibilidades do estabelecimento de categorias que não sejam provisórias, mutáveis e abertas a novas leituras.

Curioso perceber como levei para a performance duas práticas que há muito eu vinha desejando me dedicar, a escrita e o desenho. Duas coisas que considero ter dificuldade e gostaria de transformar em hábito.

Se as sentia necessárias como apoio para meus estudos e processos de elaborações das questões relativas às performances, além de outras dimensões da vida, me parece que por hora, solucionei essa demanda interna de um modo a coloca-las dentro da própria performance e não apenas na condição de suportes paralelos.

Quando cheguei ao final da extensão do sulfite desenrolado, passei para um segundo momento em que comecei a embrulhar os objetos e materiais com o papel restante e depositá-los em diferentes estruturas do espaço.

Enquanto embrulhava, duvidei da necessidade de fazer aquilo. Me pareceu redundante, visto que já havia desenhado e escrito sobre eles. No entanto, insisti no roteiro planejado e passei a achar interessante e potente a percepção do ato de embrulhar como outra forma de estudar as formas das coisas. O desenhar como estudo bidimensional e o embrulhar quase como um gesto escultórico. Duas formas de me aproximar intimamente desses elementos.

A sensorialidade do toque e a manipulação tátil como estratégias para a criação de lugares de relação.

Com a experiência no galpão, senti a necessidade de realizar esses exercícios por um tempo mais dilatado e em caráter expositivo e de instalação.

Imagino a realização de uma exposição que vai sendo construída ao longo do próprio período expositivo.

Fazer uma exposição de um processo.

Um dos desafios é encontrar em Goiânia um lugar para ser ocupado por essa performance-instalação-exposição.

Penso numa rotina de trabalho de 15 dias. Tempo que me parece bom para ter mais tempo de relação e reencontro com cada objeto e material. Para ensaiar diferentes categorizações e leva-las aos limites pela necessidade de recombinações.

Parece que também levei o ateliê para dentro da própria performance.

Fotografia de Rodrigo Munhoz

Fotografia de Rodrigo Munhoz

Flavia Fabiana Narrativa de um processo artístico em construção A narrativa que se segue norteia o processo criativo, os procedimentos artísticos, os materiais não convencionais e configurações de poéticas visuais da pesquisa que foi iniciada em território acadêmico, na Faculdade de Artes Visuais em Goiânia, no final da década de 90. Após alguns anos dedicados à Arte/Educação, retomei a minha carreira artística em 2015 depois de um curso em Arte Contemporânea na cidade de Anápolis-GO, o qual instigou meu interesse pela investigação do processo criativo em arte contemporânea.

Desde então, venho pesquisando, produzindo e participando de salões, exposições e atualmente estou ligada a um grupo de pesquisa. Meu objeto de pesquisa a princípio é o desenho enquanto linguagem plástica expandida, usando o cabelo como matéria-prima.

A ideia inicial foi a de representar, por meio de uma produção artística, algo que remetesse à memória, para dar significado às lembranças importantes, as quais não se pensa em esquecer. A criação de um álbum de família, feito para durar, para perpetuar no tempo. A família, para mim, é um bem sagrado, representa o afeto, o amor, o amor que supera o tempo, a eternidade, portanto amplia o significado de memória. Esse álbum de memória ou álbum de família, esquiva-se dos padrões convencionais, fugindo da literalidade da figura humana, pois é possível se representar e/ou representar a figura

humana com outras formas de narrativas. Para todas essas referências usei como material o cabelo.

O cabelo é, com frequência, associado à força vital, à carga genética e também à afetividade, trazendo, ainda, fatores estéticos e simbólicos. Sua durabilidade é algo que nos acompanha por toda vida, e até no pós vida, já que sua degradação ou decomposição leva décadas, mesmo desconsiderando os cuidados necessários para a sua conservação.

Assim, com a matéria prima (mecha de cabelo) doado por cada membro do meu núcleo familiar: pai, mãe, duas filhas (eu, irmã) e um filho, produzi uma composição de quadros, na qual as mechas de cabelos permanecem em sua forma mais pura, orgânica, in natura, sem sofrer alterações no tamanho, volume, espessura ou algum tipo de tratamento/procedimento químico.

Cada mecha se apresenta separadamente em quadro de moldura (7X7) em madeira protegida por vidro transparente e as mechas colocadas sobre papel branco, presas por um fio fino transparente de anzol. Como é possível observar na figura abaixo (fig. 1).

Fig 1. Retrato de Família, mechas de cabelo sobre papel. Ano de execução 2009.

Acervo da artista.

Desde o álbum de família, novas possibilidades e novas significações foram se agregando ao decorrer da pesquisa. Até então não sabia ao certo em que categoria se enquadrava meu trabalho, e passando por curadorias e olhares de alguns especialistas, minha produção foi se enquadrando e sendo nomeado “Desenho Expandido”. E dentro da pesquisa deste desenho expandido, venho desenvolvendo três séries:

Autorretratos – Nesta série, utilizo meus próprios fios de cabelo que após lavados e escovados e armazenados na escova de cabelos, são recolhidos para secagem e guardados separadamente. Posteriormente, os fios são selecionados, hidratados e agrupados fio a fio de acordo com a espessura desejada (fig. 2). São colocados novamente para secagem e utilizados de acordo com a composição desejada (fig. 3). Obtendo assim material para finalização da obra idealizada. Segue abaixo um dos trabalhos finalizados (fig. 4).

Fig 2. Fios de cabelos agrupados

Fig 3. Criando uma composição

Fig 4. Obra finalizada. Autorretrato, fios de cabelo sobre papel, ano de execução 2016.

Retratos – A série retratos é composta por mechas de cabelos que são doadas por amigos e/ou conhecidos. É necessário que haja algum tipo de ligação, um laço afetivo, algum tipo de conexão para o recebimento deste material (fig. 5). E este laço de amizade faz com que recebo algumas doações de mechas de fora do estado ou do país. Algumas por exemplo vieram de Belo Horizonte, Londrina, Argentina, Itália, Estados Unidos. Para esta composição é valorizado e considerado o tamanho, formato, textura e a plasticidade sugerida pela mecha recebida, como é possível conferir na (fig. 6).

Fig 5. Doação de mechas de cabelo

Fig 6. Obra finalizada. Da série Retratos, S/ Título. Mechas de cabelo sobre papel.

Ano de execução 2016.

Retratos anônimos – cabelos adquiridos por meio de compra, em gramas ou peças (fig. 7). Nesta série não há qualquer vínculo afetivo, e é possível alterar (caso necessário) a cor dos fios, que são agrupados em mechas (fig.

8) com espessuras de acordo com a composição desejada conforme a obra abaixo (fig. 9).

Fig. 7. Cabelos comprados por gramas ou peça.

Fig 8. Fios separados e agrupados por espessuras diferentes.

Fig. 9. Da série Retratos Anônimos, S/ Título. Fios de cabelo sobre papel. Ano de execução 2018.

Os autorretratos, retratos e retratos anônimos, colocam em discussão os desdobramentos do desenho enquanto linguagem plástica expandida. E o cabelo utilizado como matéria-prima para produção de desenhos expandidos traz com uma carga de gestos orgânicos, esculturais, representativos do ser, propondo assim, novas perspectivas. E a não literalidade das representações do ser possibilita novas investigações e novas propostas de narrativas poéticas.

Considerações finais Dedicar a arte educação e a produção artística não é tarefa fácil. E participando de salões, exposições, venho aprendendo muito. A importância das escolhas feitas é fundamental no decorrer da carreira. E são muitas as questões que devem ser pensadas ao decidir percorrer pelo circuito artístico.

Saber se posicionar enquanto artista, entender e valorizar os materiais que irá trabalhar, aprender e tirar o melhor das críticas recebidas, estar atenta ao mercado da arte que é extremamente complexo, estudar e estudar sobre Arte Contemporânea, saber escrever e falar do seu próprio trabalho.

Na primeira exposição (coletiva) que participei com uma produção artística após meu retorno, fiquei me questioWs, onde acontecia a exposição, uma garota chegou com seu pai para mostrar as obras e em especial o meu trabalho. Esta garota havia visitado anteriormente a galeria com sua escola,

e conheceu um pouco mais das obras através da ação educativa, que é recorrente na galeria. Enquanto Arte Educadora, sei da importância das ações educativas em galerias e museus para o entendimento e/ou envolvimento do público com a obra. Mas agora, esta ação educativa trouxe a resposta na qual eu necessitava como artista. Ao ver uma garota de periferia, conseguindo levar o seu pai em uma exposição de arte contemporânea, e dentre todas as obras, destacando o meu trabalho, foi emocionante e inspirador. Muitas vezes necessitamos saber se estamos na direção certa, e isto com certeza me motivou a acreditar, em mim como artista, no meu trabalho. Depois disso segui em frente, fui selecionada em alguns salões, participei de outras exposições e caminho para minha primeira exposição individual.

Poder narrar esta experiência, conseguir colocar em linhas meu processo criativo, vem sendo um exercício difícil, porém muito positivo. Espero construir novas narrativas, já que venho trabalhando em novas pesquisas, que ainda estão um pouco abstratas na minha cabeça. O artista é um pesquisador, um experimentador de métodos, técnicas, fazeres. E, junto ao “Grupo de Pesquisa Experimental em Métodos Artísticos Contemporâneos” percebo que trocar informações, mostrar o trabalho, pesquisar, estudar juntos, por mais diferente que seja o pensamento e o trabalho de cada um, essa troca, de vivência, experiência é muito e produtiva.

Gilson Andrade

Processo Criativo Acredito que o desenvolvimento criativo em arte sempre usa como filtro as experiências de vida do próprio artista, mesmo que não esteja em jogo uma questão autobiográfica, a ação arte sempre carrega uma perspectiva do que se refere aos movimentos sensíveis que nos atravessaram ao longo da vida. Neste sentido escolhi criar imagens / ações / pesquisas / experiencias / suportes que esteja evidente a minha presença enquanto informação histórica nos trabalhos, criando um relevo das minhas experiencias entre o trabalho artísticos e o sujeito que participa da experiencia artística.

Este mecanismo funciona como um plano côncavo, uma lente horizontal que suporta uma seleção de histórias, informações, sensações, memorias, narrativas necessárias para a composição da imagem que aparece.

É importante evidenciar a experiencia como um elemento que paticipa desta criação, experiencia que é compartilhada com outros sujeitos que suportam outras histórias, memorias, informações, narrativas que constantemente são dispostas entre a narrativa da vida cotidiana. Esta relação que compartilha a criação com outros: sujeitos, objetos, suportes, acontecimentos, visualidades me leva a pensar meu modo de criação sempre atravessado pela sazonalidade do mundo, minha intervenção como artista é inventar uma nova ordem de relações, percebendo seus encaixes. Assim minha pesquisa artística está relacionada a uma composição que também negocia autorias com outros agentes: amigxs, grupos de estudo, artistas, sacerdotes religiosos, familiares, colegas de trabalho, desconhecidos, enfim uma serie de outros olhares que se somam ao meu e colaboram na construção de outras imagens.

Em meio a mediação do olhar, o que me interessa na criação parte de uma pesquisa que envolve um mecanismo constante e elíptico que se movimentam entre alguns campo de interesse, alguns com maior trânsito como as experiencias pessoais; a criação de imagens; a ação; reordenamento das coisas e das histórias. Porem assim com o tempo que nos cerca todos os elementos se conectam em um fluxo que não termina na “obra de arte”, o objeto artístico pode aparecer em alguma parte desta cadeia, mas sem uma obrigatoriedade de estar na ação, ou na imagem por mais que seja mais comum que ocorra nestas encruzilhadas.

Talvez o que importe quando penso meus trabalhos esteja na capacidade de sobrepor as histórias e acontecimentos, dobrando as quinas que sobram como um modo de ajustalas, de forjar um outro terreno/terreiro; lembrar/ inventar acontecimentos; escrever/falar como eu vejo junto.

Joardo Filho

Algumas das questões teóricas que deram início à minha pesquisa e que continuam me

Na relação entre fotografia e espaço urbano, a figura do flâneur (Benjamin), os não-lug

A percepção da fotografia como recorte espacial (Dubois) e a transformação da realidad A magia e o conceito científico da imagem técnica (Flusser e Machado); O jogo contra o aparelho fotográfico (Flusser) e imaterialidade da fotografia (Rouillé); O efeito cinema na arte contemporânea (Dubois).

Referência conceitual para uma busca de imagens com ausências, entre o silêncio e o ru

e influenciando direta ou indiretamente:

gares (Augé) e a apreensão da cidade moderna e recodificação da realidade (Possamai);

de em objeto colecionável (Sontag);

uído:

Fragmento da partitura de 4’33’’, de John Cage, 1952

Referências de fotografia de espaços e estruturas, que são o ponto de partida para a pe

Eugène Atget, 1857-1927

Bernd e Hilla Becher, 1931-2007 e 1934-2015

esquisa/produção que estou desenvolvendo atualmente:

Thomaz Farkas, 1924-2011

Algumas câmeras que já utilizei em produções experimentais, que são uma base para a atual experiência em curso com smartphone:

FM10; Sony Cyber-shot; Pinhole de caixa de fósforo; Olympus Trip 35; Nokia 5130.

Imagens ilutrativas

Falhas e imperfeições das minhas fotografias que costumo incorporar ao trabalho:

Filme 35mm digitalizado em scanner caseiro, câmera Trip35

Filme 35 mm digitalizado, câmera pinhole

Fotos digitais, 2 celulares usados simultaneaente

Nos últimos meses, desde que me propus a usar com frequência a câmera do smartphone, tenho trazido meu cotidiano à fotografia, acrescentando um toque de olhar modernista à confecção de um diário visual vernacular.

Postar essas imagens na internet me forçou a repensar algumas questões sobre as formas de produção e circulação de fotografias, como a superexposição nas redes sociais de imagens que exaltam um estilo de vida através de formas nítidas e cores vibrantes.

A observação transcrita abaixo reflete um pouco meu desconforto diante do regime atual de imagens: “Vivemos todos numa espécie de Luna Park audiovisual. Onde os sons se multiplicam, onde as imagens se multiplicam e onde nós, creio eu que isso vai acontecer, vamos cada vez mais nos sentir perdidos. Perdidos, em primeiro lugar, de nós próprios. E em segundo lugar, perdidos na relação com o mundo. Acabamos por circular por aí sem saber muito bem o que somos, nem para que servimos, nem que sentido tem a existência.” (José Saramago em Janela da Alma, de João Jardim e Walter Carvalho, 2002)

Ante a possibilidade de editar radicalmente as fotografias que eu produzo usando aplicativos, comecei, de maneira intuitiva, a operar buscando imagens mais pictóricas.

Imagens do processo de produção em andamento:

José Loures

Rei Souza Vestígios Sintéticos De Uma Operação Alquímica É sobre olhar pro chão e descobrir um tema à partir de algo irrisório.

E tentar inventar tramas, processos, transformar o irrisório em considerável, preservando sua inutilidade.

Uma operação alquímica que eleva o descartável ao nível de tema de arte.

Transformação.

A estética foi apropriada, queria partir de um modelo de trabalho em voga.

Era meu primeiro dispositivo.

A ideia era colocar a imagem e a palavra para se chocarem.

Mas como?

As imagens passaram pelo processamento que recorro sempre, transformo suas cores, ou subtraio algo, modifico a atmosfera da imagem, e por isso adiciono entraves. Foi uma estratégia pra vencer o primeiro fascínio pela fotografia, uma forma de resistir, intervir e modificar Doutra feita escrevi pra situar a produção das imagens que compõe a exposição Concreto: “Uma das resultantes importantes do assumir as distorções causadas pelo

ato de desviar o gesto necessário para criar uma panorâmica foi a série Concreto. Mas tenho guardado um sem número de imagens fraturadas que foram sendo produzidas nesse meio tempo e que esperam um destino mais justo. Logo descobri que eu não era o único a me valer desse efeito, havia um fotógrafo paraense que lançava mão do mesmo. Ainda sim me mantive perto dessa prática, não me incomodou perceber que outros pesquisavam essas distorções. Mas o que me interessava tanto nesse processo? Ocasionalmente encontrei uma entrevista de David Hockney que dizia que não se interessava muito por algo próprio da fotografia, ou melhor, a regularidade fotográfica e seu ponto de vista rígido: sentia que faltava algo e por isso pensou um modo de fazer com que o espectador se sentisse parte da imagem, e conseguiu isso fraturando a imagem, deslocando os pontos de vistas, ou os multiplicando, quer dizer, pra onde se olhasse se sentiria dentro da imagem, participando da imagem. E refletindo à partir dessas palavras entendi porque não me considero fotógrafo, porque não aceito o que a fotografia me entrega de pronto, e enquanto exploro ângulos estranhos, ou a sobrecarrego com edições, ou adicionando camadas, sempre na busca de algo mais, é porque quero algo a mais, é porque não me satisfaz a sua regularidade e sua narrativa passiva. A fotografia pela fotografia não me interessa.”

Flusser me trouxe novos rumos pra esse conflito.

Meu primeiro interesse foi a palavra. Tentar compreendê-la, dobrá-la, manuseá-la, desmontá-la. Fazia isso pela composição de textos, investigando a leitura, percorrendo os sons que as conversas de rua me entregava.

Aprender a lidar com suas fronteiras limitantes. Então descobri a fotografia e consequentemente o interesse por toda e qualquer imagem, e ao mesmo tempo comecei a me distanciar da palavra.

Troquei uma armadilha por outra.

E então saí flanando pelo mundo, fotografando, redescobrindo as coisas do mundo, e até entender que o que descobria era apenas uma incompetente cópia das coisas do mundo levou tempo: entender que a imagem, como a palavra, era plana, rasa, sugestiva, insuficiente. Perder o primeiro fascínio para encontrar outra postura mais correta: entender que o jogo está em aceitar (mas não apaziguar-se com) essa e toda insuficiência, que o que resta é lidar com os limites, criando estratégias para modificar a força interna das imagens, para não mais sucumbir aos seus encantos rasos.

Artaud é outro autor que está sempre comigo ultimamente.

Artaud buscava um teatro de gestos, onde a palavra perdia seu posto privilegiado. Um teatro que serve ao corpo. No capítulo O Teatro e a Peste, do livro O Teatro e Seu duplo, ele afirma que o ser humano, chicoteado pelo

medo e pela morte, procura a imortalidade, a evasão, tenta ultrapassar-se.

Impressionante aproximação de Artaud com o que move a escrita de Flusser, que atribui ao homem uma força antientrópica, e que de tal busca pela imortalidade que nasceram, entre outras coisas, os aparelhos produtores de imagens. O propósito dos aparelhos é de criar, preservar e transmitir informações. Nesse sentido, as imagens técnicas são represas de informação a serviço de nossa imortalidade. A palavra, dizia Artaud, como é usada hoje, só serve para expressar conflitos psicológicos do homem e da sua situação na atualidade cotidiana da vida. Seus conflitos são claramente regidos pela linguagem articulada. E então passamos de novo a bola pra Flusser que nota que os álbuns de fotografia não representam de modo algum memórias de pessoas, mas sim de aparelhos: a mania fotográfica resulta em torrente de fotografias. Uma torrente-memória que a fixa. Eterniza a automaticidade inconsciente de quem fotografa. Quem contemplar álbum de fotógrafo amador, estará vendo a memória de um aparelho, não a de um homem.

Palavra e imagem.

Onde encontrar o agrupamento certo de palavras pra compor com as imagens que encontrei na rua e alcançar alguma tensão entre elas?

Foi então que intuitivamente me veio a imagem das pessoas que caminham por aquelas ruas, com seus conflitos, suas preocupações, seus medos, indo ao trabalho, voltando do hospital, prestes a ser despejado de casa... O que eles enxergam durante esse percurso? as mesmas coisas que eu fotografava no chão, e mais, as paredes das casas, o horizonte delimitado, o céu cinzento, tudo cerceando seus pensamentos escorregadios...

Resolvi resgatar esses ecos em forma de poemas, e justapô-los ao lado das imagens. E assim reconstruir os pensamentos, as angústias, o cansaço, os sonhos... tudo que eventualemente percorrem suas suas mentes durante os momentos de caminhadas desses anônimos, dialogando (digladiando) com esses objetos que repousam ao chão, macetados por vezes pelos inúmeros passos apressados.

E o conjunto dessas imagens e textos ganham o nome de Vestígios Sintéticos de Uma Operação Alquímica.

A operação alquímica é essa elevação do banal ao status de arte, por via de decantações nascidas em um aparelho celular, pelo fogo das reflexões que pincelei acima, buscando transformar imagens sintéticas ao lado de textos processados nesse mesmo aparelho, como já afirmei, em algo próximo de um produto de arte.

Decidi de início a internet como suporte, uma rede social. Depois preferi não explicar, explanar meu objetivo, mas deixar o estranhamento conduzir as leituras.Talvez transformar isso em uma publicação, talvez apenas a internet, mas por enquantro continuar refletindo sobre o processo.

Segue as seis primeiras peças publicadas até o momento.

Talles Lopes

O antigo território compreendido como Estado de Goiás - hoje dividido entre Tocantins, Distrito Federal e Goiás - ocupava parte significativa da fronteira determinada pelo Tratado de Tordesilhas que delimitava o limite das capitanias com as expansões territoriais adjacentes do país. Desde a “Marcha para o Oeste” esse espaço se estabeleceu como margem entre o litoral da modernização e o Oeste não capitalizado, o processo de avanço do primeiro sobre o segundo se dá na ascensão e queda de sucessivos projetos de modernidade, a construção de cidades como Goiânia, Brasília e Palmas, deram materialidade a projeção de um Brasil Moderno apesar de reproduzir seu revés na perpetuação de desigualdades. Essa instância conferiu ao território uma condição fronteiriça para além do aspecto geográfico, fosse talvez uma fronteira do ocidente frente ao sertão onde a contínua insistência no discurso do novo estabeleceu uma sobrevida da Marcha para o Oeste, ou mesmo o princípio de marcha, de fronteira, de uma iminência constante ao “progresso” como condição e modo de existir que nos galga até o tempo do hoje.

Esse lugar de indeterminação que esse espaço ocupa enquanto fronteira emerge quando esse se faz substancialmente incompatível com os discursos modernos apesar de ser seu simulacro, se atribui aos seus sujeitos um possível ocidente bastardo “bem como se questiona a respeito do desejo desses atores de serem modernos, sobre o desejo deste lugar de ser ocidente” (Marcela Borela). A aparente decadência

do projeto moderno aponta a potencialidade dessa fronteira permanente, pois nessa fresta se visualiza as dinâmicas que se fazem insurgentes pela sua caboquice: (...) a vantagem do Brasil é de sempre ser insubmisso ao mundo racional, o Brasil sempre foi um pouco coxo, no melhor sentido, o Brasil sempre foi uma coisa desajeitada, esse desajeitado muitas vezes eu interpreto como uma maneira de não aceitar essa tirania racionalista (..) uma espécie de talento pra não ser mais do que talento pra não ser, o talento pra não ser é tão importante quanto o talento pra ser (...) esse não ser é o ser.” Trecho de Entrevista de Guilherme Vaz ao Projeto Arte Sonora (Franz Manata e Saulo Laudares (http://exst.net/artesonora/podcasts/pod01-guilherme-vaz/) Para além de instrumento da geografia, a cartografia se coloca como ferramenta de validação da colonização do sertão do país.

O espectro de cientificidade existente sobre esse suporte faz crer que a representação é o próprio espaço, sobrepondo a realidade com a imagem, ali se estabelece um sistema de linguagem formado por linhas, tracejados, ícones, gráficos e afins que

ocultam a dimensão do map dos últimos como verdade d os modos operação de tal sis usual quanto tensionando ou vezes produzindo mapas disfo não mapeáveis, um mapa cox aos modelos ocidentais e sua não dá conta desse lugar de f

Nessa margem onde o sentid se configuram sobrepostos po ensaiar arquétipos, acidentalm vindo a assumir a dimensão a

Os elementos técnicos do map de lugares é naturalizada pelo enquanto ferramenta de dom para a perversão, como forca no mapa ao operar o absurd na medida em que uniformiza de desviarem do eufêmico um discursos ocultos nesse sistem

Isso faz pensar sobre o mome discurso engessado num map capital.

pa enquanto visão particular de seus autores sobre a realidade, validando o discurso do espaço. Assim, experiênciar a cartografia enquanto poética vem permitindo discutir stema de linguagem, isso tanto exercitando seus modos convencionais de maneira não u subvertendo a lógica racional de seus elementos. Esse exercício contínuo vem muitas ormes, extraordinários ou impossíveis, uma cartografia muitas vezes própria das coisas xo, construir esse lugar disfuncional vem possibilitando abordar dinâmicas insurgentes as consecutivas convenções de representação, uma vez o sentido positivo de seus mapas fronteira.

do da Marcha parece se dilatar e se estabelecer como condição permanente, os mapas or uma complexidade de narrativas compostas por personagens híbridos que parecem mente retornando as ilustrações mitológicas presentes na cartografia antiga quase que arcaica da colonização do sertão e dos processos civilizatórios na história recente.

pa validam sua representação como o espaço em si, a dimensão absurda dessa inversão o caráter científico desse suporte, o aparente arcabouço racional e imparcial é apropriado minação. Essa condição se reflete em desenhos de estruturas arquitetônicas pensadas as e labirintos, de tal maneira que evidenciam e assumem para si a inversão presente do através de estruturas cartesianas. A representação cartográfica tende ao eufemismo a a diferenças que constituem o espaço, as estruturas assumem a dita inversão apesar ma vez que são assumidamente perversas e caricatas, podendo dessa forma desvelar os ma de linguagem que é o mapa.

ento em que a complexidade das realidades que formam o Oeste são ocultadas por um pa, de maneira a positivar e reduzir esse espaço em matéria-prima das dinâmicas do

16, 21 e 25 de Escola de Artes Oswald

e julho de 2018 do Verano, Anรกpolis-GO

Desenhos de JosĂŠ Loures