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Além das ruas - histórias do graffiti
Parte do mural na Avenida 23 de Maio, um dos maiores corredores de arte urbana da América Latina, 2015. Fotografia: acervo Binho Ribeiro o grafite como o conhecemos hoje começou a tomar forma na Nova York dos anos 1960, mais especificamente nos bairros periféricos, como Bronx e Brooklyn. Ao longo da década seguinte, o ato de escrever seu nome de maneira criativa sem autorização, principalmente em trens, cresceu exponencialmente em popularidade. Ao chegar aos anos 1980, o grafite foi entrelaçado à cultura hip-hop que ali nascia e, após medidas de segurança para diminuir o vandalismo nos trens, esse tipo de arte se espalhou de vez pelas ruas e prédios da cidade.

Paralelamente, a França vivia uma efervescência após os movimentos estudantis de maio de 1968, que tiveram seus slogans – como o icônico “É proibido proibir” – reproduzidos em pichações ao redor do país. Em 1981, o jovem Xavier Prou, de 20 anos, começou a pintar as ruas de Paris sob o pseudônimo Blek Le Rat (na brincadeira de “Rat” como um anagrama de “Art”) e originou o que veio a ser o movimento de estêncil, uma forma de arte urbana em profundo diálogo com o grafite.
“Tudo aquilo começou a fazer um redemoinho, um furacão cultural que não era aprovado pela sociedade. As galerias não aceitavam aquele formato de arte, e ele só crescia, até que houve uma hora em que não tinha como barrar aquilo”, conta Binho. Foi assim que essa cultura chegou também ao Brasil, de maneira bastante orgânica, quase que no boca a boca em diferentes círculos. “Eu vim do skate e do hip-hop; a dupla OSGEMEOS (formada por Otávio e Gustavo Pandolfo) era totalmente da raiz do hip-hop, o Speto já era ilustrador e recebia, às vezes, uma revista que alguém trazia dos Estados Unidos, via uma foto aqui e outra ali”, diz o grafiteiro. “A gente começou a crescer com essa cultura, todo mundo separado. Era uma época na qual você mal tinha um telefone em casa, e, mesmo assim, essa cultura cresceu em São Paulo.”
Movimentos Coletivos
“Eu não conhecia ninguém que fazia grafite, Speto também não. OSGEMEOS pensavam que só eles faziam aquilo no Brasil”, brinca o curador ao relembrar de quando, na década de 1980, ainda não havia uma cena no país. Na adolescência, ele ganhou uma bolsa para estudar desenho e, logo depois, um emprego na Galeria do Rock, no qual desenhava estampas para as marcas. Em pouco tempo, Binho começou a se aventurar pelo grafite ao pintar pistas de skate. Foi nesse contexto que ele conheceu Speto, que também já produzia dentro dessa estética.

Desde jovem, Binho demonstrou grande admiração pela cultura japonesa, com a qual sempre teve bastante contato através de amigos. Personagens como monstros e animais influenciaram bastante a definição de seu estilo. Casado com uma neta de japoneses, tem uma filha mestiça, nascida em 1994. Em 1999, pôde visitar a Terra do Sol Nascente, onde foi recebido pela família Luz (Jun, Akira, Eiji Mattsui) em Tóquio, e desde então teve contato com famílias, experiências e aventuras que o marcaram para sempre.
imagem à esquerda Binho Ribeiro com colegas grafiteiros em edição de revista japonesa de 1999. Fotografia: acervo Binho Ribeiro imagem abaixo Mural com grafite de Binho Ribeiro em Tóquio, Japão, 1999. Fotografia: acervo Binho Ribeiro

Em uma ocasião, os dois estavam grafitando para um campeonato de skate promovido por uma igreja quando conheceram OSGEMEOS
“Eles nos mostraram que já faziam várias coisas que nós estávamos estudando, e nós fazíamos várias coisas que eles estavam aprendendo.
Foi quando combinamos de pintar juntos e começamos, ali, a crescer e a conhecer mais gente – como Tinho, Yama, Vitché e Onesto. Como pintávamos na rua, muita gente via e repercutiu demais. Então, a cada dois ou três anos apareciam umas 50 pessoas novas. E, assim, as coisas foram crescendo”, recorda.
Binho conta que, ao aprender uma técnica nova, ele a mostrava para OSGEMEOS e vice-versa. “Quando um conseguia uma revista, emprestava para o outro. Na época, era o único meio de informação. Se chega a polícia, como você inventa que tem autorização ou não? Toda essa malandragem da rua se tornou muito forte, se firmou como uma cultura underground muito rica de conteúdo. Era fascinante.”
Os 30 anos seguintes testemunharam diversos caminhos percorridos por esses primeiros grafiteiros da cena paulistana, desde o reconhecimento internacional e a presença em grandes galerias de arte, passando pela criação e participação em importantes iniciativas que apoiam o movimento ainda hoje no Brasil e no exterior, até a criação de revistas e grandes eventos, como a Bienal internacional de graffiti fine art Eles também foram responsáveis por algumas das articulações com outros setores da sociedade, como os órgãos públicos, para que essa cultura no país ganhasse seu espaço de destaque na cena mundial.
Ainda assim, houve sempre certa desconfiança ou desaprovação vindas de mentalidades conservadoras em relação a esse tipo de arte. Binho acredita que parte disso se dá pela própria estética das letras entrelaçadas, com muitas cores e movimento: “É uma psicodelia que, se a pessoa não consegue ler, não entende. E, porque não entende, não gosta”. Segundo ele, um contato maior com esse movimento e seu contexto histórico pode ser fundamental para transformar essa perspectiva. “As pessoas irão à exposição esperando ver apenas grafite e vão encontrar um universo muito evoluído tecnicamente, extremamente bem exposto, com conteúdo histórico muito bem estruturado”, explica o curador. “Falo das coisas que vivi aqui no Brasil e no exterior, do que eu conheço, não do que eu acho ou queria que fosse.”�
Binho Ribeiro: histórias escritas por letras entrelaçadas

Pinturas rupestres
(cerca de 40 mil a.C.)
Cenas que narram o cotidiano de um grupo social, com suas lutas e glórias, foram as primeiras formas de pintura feitas pela humanidade, tendo as paredes das cavernas como suporte. Houve também quem optou por soprar a tinta por entre os dedos e registrar o contorno de suas mãos, criando, assim, uma primeira versão do que hoje conhecemos por estêncil.
“O beijo " , 10 mil a.C. Fotografia: Willam e Carvalho e Silva
Antigo Egito
(cerca de 2500 a.C.)
Muito do que veio a formar as sociedades do mundo ocidental nasceu ali, às margens do Rio Nilo. Um dos legados da civilização egípcia foi a documentação de sua cultura, dos costumes e do dia a dia de sua população. Os registros existem em paredes que nos fascinam ainda hoje, milênios depois.
Arte popular romana
(cerca de 62 d.C.)
Quando a erupção do vulcão Vesúvio devastou a cidade de Pompeia, no ano 79, a lava também levou consigo diversas frases e desenhos que adornavam suas paredes – já foram escavados mais de 11 mil exemplares só naquela região. A prática, frequente em todo o Império Romano, era a única oportunidade de expressão do cidadão comum.
Muralismo mexicano
(início do século XX)
Após o fim de uma ditadura militar, a Revolução Mexicana soprou novos ares criativos no país, com o surgimento de painéis que contavam a história da nação, enalteciam suas ancestralidades e promoviam a luta contra as desigualdades sociais. Ruas e prédios eram decorados com arte de cunho popular para todos verem.
Trens de Nova York
(final da década de 1960)
O bairro do Bronx, na periferia da cidade, ganhou traços e cores à medida que crescia um sentimento de inquietação com as desigualdades e violências contra sua população marginalizada. Os trens, assinados com uma grafia inédita, logo se tornaram ícones desse novo movimento, que se espalharia pelas ruas de Nova York com grande fôlego nos próximos anos.
Paris, Maio de 68 (1968)
Do outro lado do Atlântico, a França era palco de movimentos estudantis que ficaram marcados pela presença de pichações, principalmente nas universidades. Nas ruas, os estênceis ganhavam força como uma forma de arte característica desse novo tempo, ao lado de pôsteres e murais que ajudaram a construir o imaginário da street art ao redor do globo.