

terra anónima
i sabelle catucci

terra anónima
Exposição ao ar livre
Isabelle Catucci
Quinta da Fidalga
Seixal, Portugal
27 de maio a 31 de agosto de 2021
Entrada gratuita

índice


Uma terra que é todos
PorMartaCastelo
Das terras que habitam em mim
PorIsabelleCatucci
trabalhos processos sobre
Alguma agalma
Cine contingente Gomo Maré Sente Semente

Uma terra que é de
MARTA CASTELO
Com o título Terra Anónima, a presente exposição de Isabelle Catucci, na Quinta da Fidalga, no Seixal, reúne cinco esculturas/instalações, uma em cerâmica e quatro em terra crua, que nascem de relações com a paisagem, com o espaço arquitectónico onde se inserem e propõem um questionamento sobre entorno e a acção humana. O traço comum a estas obras é a terra, que ocupa igualmente o lugar central da investigação de doutoramento que a artista desenvolve atualmente na Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa
Isabelle Catucci procura múltiplos entendimentos acerca do conceito de terra. Por um lado, trata-se eminentemente de uma matéria natural, o nome de um planeta, o nosso planeta, por outro lado, é também um conceito amplo que nos conduz a pensar o social, o económico e o político e no limite a própria humanidade, uma vez que esta é feita de húmus, isto é, de terra e a esta pertence.
terraanónima
Tendo em consideração o território e o fundo geológico que o caracteriza, a terra que dá corpo a Alguma algama, Cine-contigente, Gomo e Sente-semente foi naturalmente recolhida no concelho de Seixal e, desde logo, por essa via, filia as obras àquele lugar, naturalizando-as. Se desse ponto de vista estas obras são filhas do Seixal e da vivência da autora naquela cidade, e, portanto, de origem identificável, o certo é que elas revelam, como título da mostra refere, uma terra anónima, cuja omnipresença a torna frequentemente esquecida. Entre o extremo da pertença a um lugar e o esquecimento da sua raiz, a terra é aqui trabalhada sem qualquer sentido de propriedade e é, sob a forma de esculturas, oferecida e alargada a todos os humanos sem qualquer excepção. Esse fundo anónimo da terra, aqui reabilitado, reflecte-se no carácter inapropriável da própria arte que permite a possibilidade infinita de formas E é com esse jorro criativo, alimentado por uma força indefinível que estas esculturas tomaram a luz do dia e se dão à contemplação do espectador num circuito fluído entre natureza e construção.

Das terras que habitam
mim
ISABELLE CATUCCI
A insensata prática de dar voz às mãos, aos pés e à desencontrada destreza do olhar é exercitada nestes objetos de terra.
Presenciar o objeto como um desafio de escuta, de refúgio e de desterramento; olhar como quem tenta refazer e recuidar do momento de brotar; apoiar os pés no chão e permitir que este sentimento possa ser descoberto, deslindar a natureza oculta das terras que povoam o pensamento.
O solo sobreposto, a argila modelada e os torrões de terra agrupados formam diferentes camadas de significação.
As terras habitam o mundo, escondem-se debaixo das unhas, sujam os pés, os solados; espraiam ferro, magnésio, cálcio em minúsculos minerais nos ossos, veias, veios, sulcos, seivas, sangues e mangues.
Tal como uma memória telúrica, os grãos rodopiam no espaço e fixam pontes entre os nascimentos, pertencimentos e nomes. Neste lugar, onde a palavra e a visão sustentam sentimentos, demarcamos espaços para o pensamento e para as sensações, em um terreno onde aos poucos, a terra passa a ser percebida para além da dimensão objetual
terraanónima

A exposição realizada de 27 de maio a 31 de agosto de 2021 foi elaborada considerando os caminhos, os espaços, as linguagens, os confrontos com a matéria, com a vida As obras instaladas ao ar livre na Quinta da Fidalga dialogam com questões do próprio lugar, espaço histórico, de cultura e de lazer, no entanto, os trabalhos procuram sugerir novas abordagens sobre a paisagem, a natureza e a sociedade
Os passeios da Quinta da Fidalga acompanham os plátanos, buxos e citrinos Nas fontes decoradas com azulejos, embrechados e esculturas, viajamos por entre os signos das naus, de imaginários longínquos, em recantos entrelaçados a serem descobertos O espaço socialmente construído da Quinta compõe-se a partir da história de uma mulher que morava e esteve confinada na habitação senhorial pelo desejo de um amor impossível, conhecida popularmente como “a Fidalga” Posteriormente, a Quinta passa da condição de espaço de lazer privado, para um espaço de usufruto público, gerido pela Câmara do Seixal
Nesta exposição na Quinta da Fidalga, propõese uma retomada destes aspectos sociais, simbólicos, naturais e quotidianos, no entanto, com novas proposições Os trabalhos artísticos são posicionados nos principais trechos de circulação, sublinham a preponderância da terra como elemento articulador entre o processo de significação construtivo, visual e narrativo.

Gomo Maré
Sente semente
Cine contingente
Alguma agalma
A escultura Alguma Agalma , localizada próxima aos portões de entrada e de saída da Quinta da Fidalga, parece evocar uma volta, em sua forma dúbia, constrói ocicloapartirdoeixocentral.Emseguida,nonichodo miradouro, na gruta inferior, a peça de cor camuflada projeta um vídeo no trabalho Cine Contingente. Seguindoocaminhodosplátanos,nocentrodaQuinta, encontramos um chafariz sem água, decorado com azulejosazuisebranco,cujovazioearidezéressaltado pelo muro em degraus da intervenção que lembra uma barricada, realizado em taipa, intitulado Gomo. Ao subirasescadas,emdireçãoàumapequenacapela,em frente ao vão de uma piscina vazia, o trabalho efémero Sente Semente decompõe-se em grãos, acolhe as diversas sementes da Quinta e recebe visitantes alados assíduos.Nocaminhodevolta,seguindoocorredorem direçãoàfontedeNeptuno,nocorredorprojetadopara jogos,distribuem-seaspeçasdecerâmicadainstalação Maré, em placas de terracota pintadas parcialmente de azul.Aspeçasemcerâmicadelineiamnochão,talcomo um mapa móvel, com a forma da baía do Seixal, quotidianamente alterada pelos transeuntes, em um contínuomovimentodeavançoerecuo. Novos olhares, interações e propostas são enredadas nas peças realizadas com essa terra, habitada primeiramente por um sentimento de exílio, e depois, por um desejo de retomada e de vivência. Na terra de nome desconhecido, ou ainda oculto, encontramos espaços para a ubíqua incerteza. De modo holístico, as terras que guardamos enquanto espaço de significação, permitem-nos, ainda que por breves momentos, reconhecermo-nos enquanto seres cósmicos e terrícolas, e, a partir deste reconhecimento, a arte convida-nos à reflexão sobre a possibilidade de reiventarmo-nos.
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trabalhos


alguma agalma
A palavra Agalma, de origem grega, significa ornamento ou escultura a ser oferecida para os deuses. O conceito, retomado na psicanálise lacaniana, remete ao objeto de desejo, daquilo que está a frente, construído como algo que falta, uma parte incompleta que almeja reconstruir a realidade do sujeito, a partir deretomadasfrenteaoinefável.
A escultura apresenta dois cones deitados conectados por um elo, que sugere a transição e a transformação, das formas que oscilam entre o preenchimentoeovazio.
Aescultura foi estruturada em madeira e preenchida com canas colhidas na praia doSeixal.Depois,foirecobertacomuma massa de adobe, misturando as terras arenosas da região com o estrume da horta da Quinta da Trindade, e ainda terras argilosas de cidades vizinhas, incrementadas com palha e óleo de linhaça. Ao fim, recebeu uma cobertura hidrófuga de terra, mantendo o aspeto rústico e a cor alaranjada dos óxidos da terradoSeixal.

As formas cônicas sugerem o som dos sinos, propulsões e badalos.
O tamanho supera a dimensão objetual, aproxima-se do conceito de escultura, dialoga com os espaços ocos da arquitetura, contracena com a vegetação e a dimensão humana.
Concebida em um momento de luto e de introspecção, a proposta escultórica permite-nos uma percepção abstrata que surge da noção de vazio e completude, alinhadas por um anel em loop, de idas e voltas incertas, como algo indefinido, sustentado pela robustez da presença terrena

cine contingente
Nossas mãos andam ocupadas com os aparelhos povoados de imagens virtuais. Nelas avistamos os pixels em grãos que escapam-noscomosombrasprojetadasporluzesinstáveis.
O vídeo e a forma da instalação Cine Contingente buscam reposicionar a sensação das mãos, do olhar e da terra em lugares etemasalterados.
Em cima do miradouro da Quinta, avistamos o panorama ao longe, alcançávelpeloolhar,desdeopôrdosolàpaisagemlineardabaía do Seixal. Embora seja pequeno, há bancos e um pitoresco relógio solar. A partir deste espaço, visualizamos também o intrincado desenhodojardimemlabirintodaQuinta.
Embaixo,nointeriordoMiradouro,maisparecidocomumagruta,o espaço é também uma área de passagem, de sombra e reclusão, opondo-se ao panorama anterior. O interior do Miradouro é composto por um teto abobadado e possui bancos embutidos nas paredes,opequenoespaçopossuiaindatrêsportasarredondadas, duas das quais, permitem a continuidade do caminho principal da Quinta. A área interna do Miradouro assemelha-se à breve escuridão de um piscar de olhos, em meio à luminosidade mediterrânicacortante.
A instalação Cine contingente, posicionada no interior do Miradouro, é composta por um cone de terra de onde é projetado um vídeo, de baixo para cima, em um plano circular suspenso no ar. No vídeo de aproximadamente dois minutos, a imagem de duas mãos, repetem a ação de recolher a terra arenosa do Seixal e pousar os grãos nas palmas. Assistimos os grãos escaparem por entreasmãosemconcha,edepois,seremcoletadosnovamente.
De natureza instável e cíclica, a terra humanizada, manipulada, volta ao sentido horizontal repetidamente, do cume, no topo da forma,eretornacomoummomentodeinflexãoimaginada,virtual.
O trabalho solicita-nos pensar sobre a inversão, do conceito de terra,ànoçãodaterraalcançávelapenasporumaprojeção.







gomo
O muro de taipa sugere uma continuidade das formas em relação aos bancos laterais, acompanha a proporção das muretas que separam os passeios dos pomares de citrinos
As intervenções em terra crua possuem um movimento visual articulado pelos degraus e pelas formas curvas. As peças protegem e reforçam o espaço central: um chafariz sem água.
A robustez da taipa ensina-nos a observar a solidez da terra, enquanto a secura do chafariz, em sua forma habitual, deixa-nos a sensação de falta, permite-nos apenas imaginar o borbulhar da água que outrora existiu.
O título gomo, sugere a presença das laranjas e limões, em suas formas toroidais simétricas, dos frutos dos pomares próximos. O gomo, tal como um segmento, é uma secção do movimento circular, em um campo de forças e formas repetidamente presentes na natureza.
Os blocos de terra em degraus, sobem e descem do chão, de acordo com a nossa caminhada, não há espaço estagnado Ainda assim, há um centro plano, com um eixo vertical, espaço vazio para a água, o chafariz da Quinta, cuja presença e ausência não são ignoradas.
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maré
A história do Concelho do Seixal é navegável, recontada a partir da pesca, da construção de embarcações e da exportação pelo Atlântico da cortiça Nestes cenários socioeconômicos, a baía do Seixal é protagonista. No encontro do Rio Judeu com o Tejo, a dimensão territorial funda-se a partir dos avanços e recuos das marés É o ponto de contemplação da vista de Lisboa e Almada, pairadas em blocos peninsulares.
A maré, movimento contínuo do avanço e recuo das águas, indica o tempo de recolha dos mariscos, do avanço dos barcos, da presença dos peixes e aves.
É um sistema pulsante de vidas enredadas desde a linha de divisão entre terra e água
Nas cerâmicas, esta linha é posicionada a partir de dois pontos de vista. No caminho, por aqueles que passeiam e atravessam as frágeis placas tortuosamente enfileiradas; e de longe, ao subir as escadas, avistadas como um conjunto que representa o mapa da baía do Seixal.



Otempodeesperaparaumasementebrotaréocultadopela escuridão,emcamadasdeterradeadmirávelmutação,cuja composição químico física e de humidade, permitem a eclosão da vida. Como um invólucro, a semente guarda simbolicamenteumdesdobramento,aformainicialdavida.
A intervenção efémera Sente semente está posicionada ao lado dos bancos de jardim, dispostos em linhas opostas lateralmente, e em frente à piscina seca na parte frontal da capela.
A capela da Quinta é assim denominada porque apresenta nos desenhos dos embrechados, mosaicos de conchas e pedras com símbolos religiosos. No entanto o espaço é conhecidotambémpelafrequênciadoscasaisquealivãose encontrar,devidoàposiçãoreclusadoabrigo.
Os blocos horizontais de terra crua, construídos com camadas que intermediam sementes e terras, são posicionadosemformassemelhantes,umamaisquadricular, outra mais arredondada. Realizados como bancos de terra, as intervenções de terra e sementes são constantemente visitadas por pássaros e formigas, por propiciar, em seu estadodeelevaçãosubtildaterra,planíciesrecortadas.

processos

A Quinta da Fidalga
A Quinta da Fidalga é um espaço de recreio, cultivo e cultura gerido pela Câmara do Concelho do Seixal Localizada próxima à margem da baía do Seixal, possui uma engenharia hidráulica singular, projetada para a irrigação das áreas de cultivo e para o lazer. Construída no século XVI, o espaço conta com uma casa senhorial, pomares de citrinos, jardins, fontes decoradas e um lago de maré
No mesmo terreno, estão localizados outros dois espaços culturais, o Centro Internacional de Medalha Contemporânea e a Oficina de Artes Manuel Cargaleiro.

Oficina participativa
Arte e natureza na QuintadaFidalga
Realizada na Oficina de Artes Manuel Cargaleiro, a partir de inscrições gratuitas,em quatro encontros de duas horas nos sábados de Junho e Julho de 2021, a oficina reuniu seis participantes,dentreeles:CarlosBorges,JoséSerra,Manuela BernardinoeNinnaTaylor.
Durante os encontros, foram elaborados desenhos, maquetes e projetos para possíveis esculturas a serem instaladas no espaço da Quinta da Fidalga. A metodologia colaborativa permitiu a troca de informações e pontos de vista entre os participantes, que em conjunto, formaram um panorama de conceitossobreoespaçonaturalearquitetônicodaQuinta.


terra anónima



Nos encontros iniciais os participantes elaboraram diversas propostas escultóricas individuais a partir dos temas apresentados e discutidos em conjunto - sobre a dimensão histórica, sensorial e simbólica da Quinta da Fidalga Nos encontros finais, foi escolhido o local para instalação da possível escultura, o relvado ao lado da Oficina de Artes Manuel Cargaleiro, assim como o tema para a proposta, com palavras que reforçam algumas características para o projeto de escultura participativa, sendo elas: vida, água e movimento. O projeto de escultura elaborado em conjunto prevê uma forma de cerca de 3m de altura, com linhas gerais orgânicas que referenciam a vegetação da Quinta em contraste com as linhas retas da arquitetura do espaço. O movimento da peça é acionado pelo vento que rotaciona a parte superior da escultura, retomando assim a força das velas e embarcações tão importantes para a história do Concelho
A relação com a água (ressaltada pela engenharia hidráulica presente nos canais, lago de maré e fontes da Quinta) e a vista da baía do Seixal faz-se presente pelas formas ondulantes da escultura e pelo vão entre os segmentos da escultura, por onde podemos avistar a baia na paisagem ao fundo, devido ao posicionamento da escultura


Projeto de escultura participativa para a Quinta da Fidalga. Primeiro ensaio, Julho 2021
Processo construtivo
desenhar – estudar – pesquisarprojetar – calcular – preparar medir – estruturar - conformar cavar – testar – moldar - cozer transportar – apoiar – pilarmisturar – modelar - expor


















Agradecimentos
A exposição foi elaborada a partir de questionamentos sobre a relação entre arte e terra, investigados no curso de doutoramento, iniciado em 2019 na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa Por este motivo, o apoio dos professores orientadores Sérgio Vicente e Marta Castelo foram decisivos para o aprofundamento e o impulso deste projeto. Reitero minha gratidão pelo texto, auxílio e amizade da professora Marta Castelo durante esta etapa
Agradeço a parceria e apoio da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa, ao Centro de Investigação e Estudos em Belas Artes e ao VICARTE- Vidro e Cerâmica para as Artes.
A parceria e apoio da Câmara do Concelho do Seixal através do Mural 18 foi decisiva para a efetivação desta exposição, a quem agradeço nomeadamente, à Sra Vereadora de Cultura Manuela Calado, a atenção contínua de Raquel Proença, Vanda Piteira, Paula Carmelo, Sônia Lança, Isabel Alves, Mario Florencio, João Pinto, Miguel, Duque e equipa de transporte da Câmara.
O desenvolvimento dos trabalhos durante a Residência artística no Armazém 56- Arte SX, permitiu-me realizar os testes para esculturas, assim como as estruturas preparatórias das instalações, sendo um importante espaço de apoio neste período. Agradeço à Lucinda Almeida e à Escola António Gedeão pelo apoio para cozedura e finalização da instalação Maré.
Minha gratidão pelo apoio da doing pt e das Oficinas do Convento para a realização da obra Gomo Agradeço aos Srs Pedro Dionísio e Carlos Alberto pelos trabalhos de apoio prestados durante a montagem. Sou grata aos fotógrafos da Câmara do Seixal e à Marcela Belz pelo cuidado na realização das fotografias.
Agradeço a atenção dispensada pela equipa da Quinta da Fidalga, o Sr Pedro, a Sra Isaura, Sr Lúcio e Mário; assim como a equipa da Oficina de Artes Manuel Cargaleiro
Sou grata aos meus familiares, colegas de trabalho e amigos pela presença afetiva mesmo à distância, e a contínua força e companheirismo de Carlos Borges durante a produção desta exposição