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Sonhando com algum propósito
from Memorial Desenho
Eu poderia falar que minha relação com o desenho é um pouco conturbada e cheia de altos e baixos, algumas vezes cheguei até pensar em desistir. O desenho começou cedo, quando eu era criança - assim como todos que tinham a minha idade, afinal, é isso o que criança faz, brinca, desenha, ri; porém foi por volta dos doze anos que comecei a querer investir tempo no desenho. Não porque eu me interessava no ato de desenhar, mas sim porque eu lia bastante, o que me levou a escrever e, por algum motivo, eu queria dar vida aos personagens e aos lugares que imaginava; o desenho foi apenas o meio que encontrei para fazê-lo. Lembro-me de passar bastante tempo procurando em diversos sites desenhos que se aproximassem o máximo possível do que eu queria. Segredo: nunca nada me satisfazia. No momento até que servia, porém mais uma vez estava lá, passando horas e mais horas procurando por um desenho que nunca acharia.
Então, resolvi fazê-los eu mesma.
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Comecei a experimentar aqueles tutoriais de como desenhar olhos de “anime/mangá” indo para como desenhar cabelo, boca, nariz, rostos inteiros. Ainda tenho meu primeiro retrato - que claramente dá para perceber que veio de um tutorial - e como me senti orgulhosa de tê-lo feito. Secretamente me achava a última Coca-Cola do deserto por ter aquele nível de habilidade.
Os anos se passaram, minha técnica não mudou muito - afinal eu desenhava, no máximo, umas cinco vezes no ano - e comecei a me preocupar mais em entrar numa faculdade. Designer gráfico foi minha opção por muito tempo. Toda vez que alguém me perguntava o que eu cursaria a resposta era “design gráfico”. O engraçado é que, depois de insistir tanto, não me candidatei em nenhuma faculdade de design, desviando completamente
para biblioteconomia e artes plásticas. E, por algum milagre, entrei numa faculdade de artes plásticas e decidi que queria seguir por este caminho.
No começo não foi fácil ter uma relação boa com o desenho. Tudo o que restava daquela confiança que eu tinha quando criança acabou assim que comecei a ver os trabalhos de amigos e colegas. Nada nunca estava bom e a frustração era grande, já que eu queria fazer desenhos e pinturas grandiosas, de coisas que não existem no nosso mundo. Comecei a me esforçar mais, praticar com mais frequência, inserir cor - existia um medo muito grande de estragar o desenho -, testar novos materiais. De lá para cá fiz um grande avanço, mas ainda é difícil cultivar o hábito de desenhar todo dia - principalmente porque no começo eu era bastante teimosa e não queria sair da minha zona de conforto. Hoje em dia, apesar de não estar sempre fazendo trabalhos finalizados, não se passa mais do que três dias sem que eu faça nem que seja um rascunho muito do mal feito que - com toda a certeza - terei dificuldade de entender depois.

É – relativamente – mais fácil de um desenho ficar de um jeito que me agrade, posso focar mais em como passar as minhas estórias para as outras pessoas. Passo horas e mais horas tentando construir um mundo imaginário com reis e rainhas, dragões, batalhas de proporções inimagináveis, deuses estranhos e magia para tudo quanto é lado; centenas de folhas com meios capítulos e tramas sem qualquer sentido ou ligação entre os próprios personagens. Não que algumas delas sequer vejam a luz do dia, entretanto, o fato é que eu ainda tento escrever algo concreto e uso isso para criar meus trabalhos. É muito raro dar início a qualquer coisa sem que eu tenha um nome ou um conceito. Às vezes é algo simples, porém, normalmente, costuma ser temas que me tomam horas só de pesquisa para que minha simbologia esteja certa. Depois que esse processo ocorre é mais fácil de criar a composição que vai contar melhor a narrativa. Agora, conseguir que o desenho passe o que quero é uma tarefa monstruosa, que, de vez em quando, não estou apta a alcançar no momento e o resultado
acaba por me frustrar um pouco. Com o objetivo de contar algo, é muito fácil que me perca em todas as minúcias que coloquei por trás de tudo e, que no final, apenas eu saberei o que significam e quão importantes são para a narrativa.
Ideias podem vir a partir de qualquer coisa, sendo completamente aleatórias as influências que o desenho recebe durante sua feitura. Títulos de álbuns de música, letras de música, melodias, trechos de livros, sensações, sonhos, palavras, jogos; independente do que for, um desenho pode surgir a qualquer momento. Às vezes é fácil e logo sai pelo menos um rascunho, entretanto isso acaba com um “problema”: fico acomodada em coisas que são fáceis para mim. Acontece com cores também. Então preciso me forçar a experimentar com outras coisas, seja tema ou material. Chegou até mesmo ao ponto de escrever palavras aleatórias em pedacinhos de papel, colocar em um pote de vidro e ficar sorteando dois de cada vez. É engraçado as combinações que saem, por exemplo lareira/templário e dragão/suéter e como me desafiam a conseguir relacioná-los de forma “coerente”, para que as ideias não pareçam deslocadas uma da outra. Na maior parte do tempo as únicas coisas que tenho são uma música e a sensação que quero passar, tornando o trabalho de formar uma narrativa mais difícil, o que, consequentemente, aumenta o tempo que passo pesquisando e reunindo referências.
Claro que teve momentos em que me perdi desse foco. Teve momentos que até mesmo pensei em desistir de desenhar. Às vezes a gente cansa; talvez por um fator exterior ou interior. Não sei exatamente o que me levou a querer desistir, mas ainda bem que não o fiz. Minha relação atual com o desenho - mesmo com seus altos e baixos - é muito bonita para só acabar. Nos últimos tempos percebi como o desenho é importante para mim e como, por meio dele, consigo dar sentido ao meu turbilhão de pensamentos. Percebi que, além de querer contar minhas estórias para o mundo, eu quero contá-las para mim.




