Governação integrada: a experiência internacional e os desafios para Portugal

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De acordo com Giauque (2003), as organizações são habitualmente definidas em três dimensões, a saber, a Estratégia, a Cultura e a Estrutura. No entanto, estas três dimensões não fazem justiça à complexidade específica e às particularidades das organizações públicas pelo que o autor propõe três aspetos adicionais, como sejam, o carácter político das organizações públicas, o seu carácter legal e a cultura particular da Administração. Nas linhas anteriores foram analisados os dois primeiros, pelo que importa referir que essas duas características resultam na criação de uma terceira, que é a cultura particular nas organizações, associada com a natureza especial da sua missão de Serviço Público. As regras internas do Serviço Público são impessoais, com o objetivo de serem imparciais, visto que sem a clara separação entre o sector público e o sector privado os valores democráticos do Serviço Público (imparcialidade, autoridade legal, …) não poderiam ser tão rigorosamente aplicados. Desta forma pode considerar-se que os valores legais e democráticos estão relacionados com a cidadania e os valores privados são compatíveis com uma abordagem mais “clientelista” (Leigl apudGiauque, 2003). Diferentemente do sector privado, as organizações públicas têm uma segunda função de produção - sendo que a primeira, comum ao público e privado, passa por conjugar os recursos e as suas tarefas com o objetivo de equilibrar as contas ou até fazer algum lucro - que é a Gestão das Políticas Públicas (GPP), ilustrada no exemplo que diz que “o Privado pode, ou não, produzir iogurte. O Departamento de Estradas não é livre de não manter as vias de circulação” (Thoenig apud Giauque, 2003). Decorre daqui que a GPP é muito restritiva da actuação das organizações do sector público e que estas têm um espaço de manobra e uma liberdade de actuação muito inferior à das contrapartes do sector privado (Knoepfel e Varoneapud Giauque, 2003). Pode concluir-se que o sector público funciona segundo normas e lógicas políticas contraditórias resultantes dos factos políticos, institucionais e sociais (Wright apud Mozzicafreddo, 2001), o que exige que seja organizado com base na uniformidade, na impessoalidade, na força dos procedimentos e no controlo democrático dos recursos coletivos, ao invés do sector privado que se rege pela rentabilidade e numa relação direta com o cliente. Essa mesma relação, do ponto de vista dos serviços públicos, encontra como interlocutores os cidadãos enquanto utentes, clientes, beneficiários, contribuintes, eleitores e eleitos (Mozzicafreddo, 2001), o que demonstra que o grau de exigência na relação entre as partes se avoluma quando está em causa a Administração Pública. Em suma, a especificidade do sector público tem sobretudo que ver com o facto deste, enquanto instrumento do Estado, funcionar segundo normas e lógicas políticas enquanto nas organizações empresariais, ao contrário, a racionalidade está no seu próprio fim. Confrontam-se, pois, o interesse geral e o serviço público em oposição com o interesse particular e a lógica de mercado, motivo pelo qual ambos têm, obrigatoriamente, de proceder de forma diferenciada. As instituições públicas regem-se pela resposta às necessidades coletivas expressas pelo cidadão ao passo que as instituições privadas se regem, predominantemente, pela resposta ao benefício e à rentabilidade particular, em estreita relação de reciprocidade com o cliente (adaptado de Mozzicafreddo, 2001). 68


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