Inter- Ex edição 130 novembro de 2015

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Abelardo e Heloísa

Novembro | 2015

Abelardo e Heloísa Raimundo José Santana (1954-1961) há de perguntar: “O que tem a ver o título A lguém acima com a minha estória de hoje?” Os estudiosos da Baixa Idade Média (coisa lá do século XII) vão-se lembrar desse casal que se conheceu já na idade adulta: Abelardo, professor, teólogo e filósofo, se apaixonou perdidamente por Heloísa, sua estudiosa e culta aluna. Casou-se com ela, às escondidas, teve um filho, enfrentou preconceitos de toda ordem, chegando a ponto de ser castrado a mando de um cônego, tio e tutor de Heloísa. Enfim, depois dessa tragédia, separou-se, sofreu muito, conseguindo comunicar-se com sua amada, apenas por cartas apaixonadas. Morreram separados, cada um na clausura de um mosteiro. Coisas da Baixa Idade Média. A estória que contarei, no entanto, (estória de amor do século XX) tem uma leve semelhança com a desse medievo casal apaixonado. Vejam bem. Disse : “leve semelhança”. Afinal, convenhamos, os tempos são outros: século XX é bem diferente de século XII. Não se trata, evidentemente, de uma nova estória de amor juvenil de um Romeu e Julieta, nem de um Tristão e Isolda. Talvez, para não ferir susceptibilidades de familiares ou de leitores coevos desse famoso par do século XX, por uma questão de discrição, de pudor, talvez (“scriptoris pudor!”) tenha que chamá-los, por ora, apenas de João e Lourdes e vou falar sobre eles com a alma plena de profunda gratidão. Ajudaram-me muito...Tenho de deixar isso muito bem registrado. E como me ajudaram quando deixei o Noviciado em Itapetininga (SP) em 1961! Praticamente, os dois é que, a partir daí, nortearam meu caminho. A eles, como um dever que se me impõe, sou eternamente grato. Dada a intensa convivência, posso afirmar que os conheci bem: ele, desde 1952; ela, desde 1954. Ambos, adultos, muito religiosos, celibatários convictos e muito ativos em suas respectivas profissões. Por algum tempo, privei com eles no Colégio de Itajubá, onde estudei no primeiro semestre de 1962. Esse Colégio, na prática, era quase um cursinho preparatório para a Faculdade de Engenharia mais cobiçada pela juventude itajubense: o Instituto Eletrotécnico de Itajubá, também conhecido como EFEI. João e Lourdes eram e são considerados, até hoje, verdadeiros benfeitores da cidade. E não faltaram motivos! João era um padre (um latagão holandês de 1,90m de altura, de voz um tanto rouco-aveludada), de invejável dedicação ao trabalho (Quem não se lembra dele, nas procissões de sexta-feira santa, com seus inflamados sermões, em carro de som, sobretudo os da INTER EX

Dona Lourdinha é a primeira, em pé, da esquerda para a direita

cerimônia do encontro de Verônica com Cristo). Dotado de grande tino administrativo, trabalhou em muitos setores, construindo capelas, erguendo o IPN (Instituto Padre Nicolau) e a Granja Wenceslau Braz. Fundou também a Sociedade Colégio de Itajubá e chegou até a receber o título de Cidadão Itajubense. Lourdes o assessorava nos trabalhos da Matriz da Soledade, lecionava no IPN e, por muito tempo, foi diretora do já mencionado Colégio. Mulher bonita e moderna para a sua época: chegou até a ser a primeira mulher eleita vereadora da cidade. Uma dama da alta sociedade local. Mulher séria, finíssima. Impossível não perceber, no entanto, que entre eles, muito discretamente, na azáfama daquela convivência diária, havia algo mais que um simples trato de chefe e funcionária, mais que uma mera amizade. Presenciei isso um dia, em 1959, quando na secretaria do Colégio, vi a angústia estampada nos olhos dela, ao receber a notícia da transferência de João para São Paulo, por ordens superiores. E, na calada daqueles momentos de aflição, percebi instantaneamente que, por ali, se evolava o cheiro das fumaças do amor: Heloísa amava Abelardo. Ficou bem nítido para mim que essa separação traria muito sofrimento aos dois. Fim da 1a parte


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