Revista Vozes pela Ação Climática Justa - Edição III

Page 1


Edição 3 • Outubro 2024
COLETIVO VARADOURO: SEMENTES DE RESISTÊNCIA (P. 30)
VOZES PELO MUNDO: ISOLADOS DO GRÁN CHACO (P. 63)
AS BAIXADAS JÁ REALIZARAM SUA SEGUNDA COP EM BELÉM (P.56)

A Revista Vozes é uma publicação do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC) no Brasil. VAC é uma aliança global idealizada por seis organizações da sociedade civil: Akina Mama wa Afrika, Fundación Avina, Hivos, Shack Dwellers International (SDI), SouthSouthNorth (SSN) e WWF. A iniciativa é financiada pelo Ministério das Relações Exteriores da Holanda.

No Brasil, o Programa é coordenado por Fundación Avina, Hivos, Instituto Internacional de Educação do Brasil - IEB, WWF-Brasil e Fundo Casa, tendo apoiado, desde 2021, mais de 80 organizações, movimentos e coletivos, articuladas em 14 coalizões.

Edição 3

Outubro | 2024

Redação

Adriano Maneo, Ariana Muniz, Carlos A. Nobre, Coalizão Vozes do Tocantins, Coletivo Varadouro, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Débora Delgado Baré, Digo Amazonas, Diogo Cabral, Equipe VAC Bolívia, Eva Duarte, Flavia Borja, Graziela Souza, Lisiane Müller, Luisa Arancibia Arce, Mundano, Matheus Botelho, Marta Costa, Mídia NINJA, Natália Maia, Natalie Unterstell, Nawaat Magazine, Olavo Lisboa ds Santos, Paula Moreira, Revista Emancipa.org, Raimundo da Silva, Rogenir Costa, Samela Bonfim, Sarah Nannyondo Okello, Sarah Tamioso, Tainá Barral, Trícia Oliveira, Wagner R. Soares e Waleska Queiroz.

COLABORADORES

Bruna Bastos, Coalizão Vozes do Tocantins, Comitê Chico Mendes, Jaqueline Xavier, Jonaya Castro, Luísa Arancibia Arce, Movimento Tapajós Vivo, Moni Bareiro, Firas Kefi, Reg Coimbra, Robson Baré, Rodrigo Montaldi, Stefano Wrobleski, Thays Mariana de Oliveira Lavor, Trícia Oliveira, Vandsmile, Wagner R. Soares e Waleska Queiroz.

Conselho Editorial

Adriano Maneo, Giovana Figueiredo, Natalia Maia e Trícia Oliveira.

Edição

Adriano Maneo Revisão

Adriano Maneo, Paula Moreira, Rogenir Costa, Trícia Oliveira, Danielle Almeida, Natália Maia e Eva Duarte.

PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO

jamboestudio.com

iLUSTRAÇÃO

Bruna Bastos (@brunenha), Juliana Gomes (@abyayalesee) e Reg Coimbra (@regcoimbra_)

Fotografia

Acervo Coalizão Vozes do Tocantins/ Kiw Assessoria, Acervo de Cássia Benathar, Amira Karaoud, Ana Pessoa, Beatriz Kalliope, Cláudia de Souza, Coletivo Varadouro, Diego Salazar Seifert, Gabriela Pires, Isabelle Ferreira, Jhenifer Catherine, José Lucas, Júlia Dolce, Mídia NINJA, Raissa Azeredo, Rede de Jovens Comunicadores da COIAB, Rogério Albuquerque, Rose Farias, Tatiana Reis e Vozes do Tapajós.

www.voicesforjustclimateaction.org

No sul, um cavalo ilhado em cima do telhado; no norte, um boto sendo carregado no colo pelo leito seco do rio à procura de alguma área com água suficiente para não morrer sufocado. Essas duas imagens emblemáticas deste 2024 apocalíptico no Brasil não deixam dúvida: estamos vivendo uma emergência climática!

Após as enchentes catastróficas de abril e maio que deixaram mais de 170 mortos, dezenas de desaparecidos e mais de 440 mil pessoas deslocadas de suas casas no Rio Grande do Sul, o país arde em chamas, sufoca em fumaça e vê seus rios amazônicos secarem no segundo semestre. No fim de agosto, várias cidades do país amanheceram cinza, tomadas pela fumaça que substituíram as águas dos rios voadores que carregam umidade da Amazônia para o resto do país, pela fumaça das queimadas recorde no Pantanal e das muitas queimadas no Cerrado, Pampas e Mata Atlântica. Também em agosto, o Centro Nacional de Monitoramento de Desastres Naturais (CEMADEN) informou que 16 dos 26 estados e o Distrito Federal, viviam a pior seca dos últimos 44 anos.

Cientistas vêm alertando há anos que o planeta segue esquentando e que nós precisamos de medidas urgentes. O conhecimento ancestral dos muitos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais também têm alertado sobre os riscos dessas mudanças. Já estamos sentindo os impactos no dia a dia. As realidades que unem o norte ao sul em contextos distintos e ao mesmo tempo semelhantes, pedem um olhar atento e ações efetivas de mitigação e adaptação climática. Por aí estão os importantes caminhos de colaboração em todos os setores, porque, sim, ainda há esperança. Mas, como seguir?

A conservação dos biomas e a proteção dos seus povos é a principal contribuição que o Brasil pode ofertar para o mundo em um contexto de emergência climática, especialmente quando falamos de Amazônia. Podemos ser um bom exemplo e inspirar outros países. Por isso, é preciso avançar com a demarcação de terras indígenas, quilombolas e de povos tradicionais; é preciso cuidar da saúde física e mental e proteger a vida de tantas lideranças que estão defendendo seu territórios. Sobretudo, é preciso olhar com uma lente ampliada para o protagonismo dessas populações na implementação de soluções climáticas lideradas localmente, para as intervenções de artivismo, para a incidência que muitos estão conduzindo, principalmente as mobilizações das juventudes e das mulheres. É vida, é arte, é voz, é corpo, é rede, é movimento, é solução, é colaboração...

Você sabia que boa parte das soluções climáticas estão dentro dos nossos territórios? E que as melhores delas surgem a partir das próprias vivências locais?

Historicamente, os povos ribeirinhos, indígenas, periféricos, quilombolas e negros têm sido mestres em desenvolver e encontrar, em seu cotidiano, soluções baseadas na natureza para mitigar os impactos das mudanças climáticas. Por isso é importante as pontes de colaboração, para que estes saberes sejam considerados e apoiados para a devida implementação e manutenção. É essencial superar as barreiras que dificultam o acesso ao financiamento climático por parte das comunidades locais, que já possuem o seu próprio conhecimento e que também são fontes de soluções inovadoras para enfrentar a crise climática.

O financiamento climático deve chegar de forma rápida, fácil e se basear em evidências climáticas. Deve também ser suficiente para responder às demandas das comunidades locais para que se preparem para lidar com os impactos da mudança do clima que já lhes afeta. Faz-se necessário dar um passo a mais, para que o financiamento climático chegue de fato nas bases, para que as iniciativas sejam mais acessíveis e alcancem mais pessoas e organizações nos territórios amazônicos.

Nossas vozes ecoam dos territórios para o mundo! Nos espaços urbanos e rurais, a comunicação tem sido uma forte aliada no fortalecimento e proteção dos territórios da Amazônia. Mas em todo o país, as campanhas e o repasse de informações verídicas em tempo real, também são fortes aliadas para mudar o rumo das coisas, para incidir em decisões futuras, como quem irá nos representar nas cadeiras municipais, estaduais e federais nos governos e se estas pessoas são comprometidas com as pautas climáticas. O papel da comunicação popular nessas incidências precisa ser reconhecido e fortalecido.

Na floresta, a comunicação se dá pela própria natureza. Uma sumaúma, quando bem utilizada, comunica a existência de vida em distâncias que o ser humano sozinho não alcançaria. Esse conhecimento é cultivado por aqueles que vivem, pertencem e cuidam. Aos que sabem sobre o que estamos falando, convidamos a ouvirem atentamente este eco!

Como disse Dona Máxima (in memoriam), matriarca de uma família de agricultores no Maranhão, de dentro do quintal da sua casa: “A gente precisa ter alegria para fortalecer o nosso espírito. E a natureza nos inspira a cantar a própria natureza.” É com essa mesma alegria que te convidamos para uma imersão guiada pelas nossas VOZES. Sejam bem vindes à Revista Vozes Pela Ação Climática Justa

Adriano Maneo, Eva Duarte, Natália Maia e Rogenir Costa, da Equipe VAC Brasil

Reserva Extrativista Chico Mendes no Acre. Foto: Katie Maehler / Mídia NINJA

NESTA EDIÇÃO

Por Mídia NINJA 6 9 14 21 23 25 30 32

O que é justiça climática para as várias amazônias?

Por Time Regional VAC Brasil

INSTITUCIONAL

Vozes pela Ação Climática Justa

Por Time Regional VAC Brasil

AÇÕES EM REDE

Cuida - Incidência

Amazônida pelo Clima

Por Tricia Oliveira, WWF-Brasil

AÇÕES EM REDE

Defensores Ambientais

Por Time Regional VAC Brasil

OPINIÃO

Não é uma narrativa

Por Carlos A. Nobre e Wagner R. Soares

OPINIÃO

Adaptação a eventos extremos precisa ser tão veloz quanto a mudança climática

Por Natalie Unterstell, Instituto Talanoa

AÇÕES EM REDE

Coletivo varadouro: sementes de resistência

Por Coletivo Varadouro

AÇÕES EM REDE

Refloresta Já: uma tour pelas potências

das Amazônias brasileiras

38 43 45 48 51 54 56

OPINIÃO

Pulverização aérea de agrotóxicos no Maranhão

Por Ariana Muniz, Diogo Cabral e Raimundo Silva

OPINIÃO

Qual a relação entre Cerrado e racismo ambiental?

Por Olavo dos Santos, Coalizão Vozes do Tocantins

AÇÕES EM REDE

Pelo pequizeiro de pé: Advocacy pelo Clima no Tocantins

Por Coalizão Vozes do Tocantins

AÇÕES EM REDE

Rádios Banzeiro e Comunicação Popular

Por Marta Costa

AÇÕES EM REDE

Conhecimento climático para povos indígenas

Por Débora Delgado Baré, COIAB

AÇÕES EM REDE

Vozes do Tapajós

Por Samela Bonfim, Coalizão Vozes do Tapajós

AÇÕES EM REDE

COP das Baixadas

Por Matheus Botelho e Tainá Barral, COP das Baixadas

Agrofloresta no nordeste da Tunísia sofre com falta de apoio. Foto: Mohsen Kalboussi

VOZES PELO MUNDO

60 63 66 68 71 73 74 76 78

Mulheres do Sul global, uni-vos!

Por Sarah Nannyondo Okello, Akina

Mama wa Afrika

Isolados do Grán chaco

Por Flavia Borja, Revista Emancipa

Floresta pedagógica

Por Luisa Arancibia Arce, VAC Bolívia

Aquecimento global: a Tunísia diante da urgência

Por Nawaat Media, VAC Tunísia

Especial Memórias COP 28

Delegação VAC brasil na cop 28: juventudes em foco

Por Natália Maia, Fundación Avina

C-O-P: A Sigla Desconhecida

Por Waleska Queiroz, Rede Jandyras

COP28: Um relato tocantinense, cerrativista e da juventude

Por Sarah Tamioso Mesquita, Coalizão Vozes do Tocantins

COP Indígena

Por Débora Delgado Baré

A COP no olhar de Mundano

Por Mundano, Coalizão Megafone

CLIMA DE ARTE

Iniciativas de artivismo para sensibilizar política e socialmente.

CLIMA DE ARTE

Cultura pela defesa da floresta

Por Samela Bonfim, Coalizão Vozes do Tapajós

AÇÕES EM REDE

Prêmio Megafone de ativismo 2024

Por Coalizão Megafone

AÇÕES EM REDE

Bolsas de reportagem Infoamazonia

Por Lisiane Müller

AÇÕES EM REDE

Aliança das Amazônias

Por Movimento Tapajós Vivo

OPNIÃO

Da omissão à prioridade: a (i)relevância da pauta climática na política brasileira

Por Graziela Souza, Clima de Eleição

AÇÕES EM REDE

Dia das águas

Por Movimento Tapajós Vivo

XIBÉ CLIMÁTICO

Para se alimentar de conhecimento sobre justiça climática

Por Time Regional VAC Brasil

O QUE É

JUSTIÇA CLIMÁTICA PARA AS VÁRIAS AMAZÔNIAS?

Santarém-PA

Parceiros VAC contam o que entendem por Justiça Climática. E pra você o que é Justiça Climática?

Por Time Regional VAC Brasil

Foto: Lucas Souza / Sobre O Tatame

ALLAN HILLS

Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM)

Coalizão NÓS

Uma vez ouvi uma pessoa falando que a ideia de fim do mundo foi o europeu que criou. A gente como populações tradicionais da Amazônia nunca iríamos pensar sobre fim do mundo. A Justiça Climática é entender a importância dos povos e comunidades tradicionais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e muitos outros que são da Amazônia. É nos darmos esse direito de dizermos o jeito e a forma que a gente quer viver no mundo. Acredito muito na conexão do ser humano com a natureza e principalmente com os seres encantados. Então Justiça Climática é preservar, manter a harmonia do ser humano com a natureza e com os seres encantados, esse elo que liga nós seres humanos com a natureza e esse cuidado de tirar somente o que é necessário para nossa sobrevivência, cuidando desse lugar, das águas. dos rios, das florestas, para que eles se mantenham vivos.

Epitaciolândia-AC

CATIA SANTOS

Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS)

Coalizão Rede Comunic(A)tiva de Jovens

Nós somos os guardiões da floresta, nós defendemos ela, e nossa vida fica em risco por causa disso. A gente sofre ameaças, pressão, principalmente da pecuária. A gente exerce um papel tão importante, mas ao mesmo tempo nós somos os primeiros a ser impactados, os primeiros a sentir a chuva, a falta de água potável pra beber. Tem também a questão dos nossos plantios, nossa agricultura familiar, que antes a gente plantava num período, agora em outro. Então a gente sente isso e ao mesmo tempo a gente está lá fazendo resistência, defendendo a floresta; uma floresta em pé e uma floresta viva!

Imperatriz-MA

CONCEIÇÃO AMORIM

Centro de Direitos Humanos Padre Josimo Coalizão Na Piracema das Mudanças Climática

Enquanto defensora de Direitos Humanos, penso que a Justiça Climática é fundamental para o conjunto da humanidade e que ela depende da promoção e da proteção das vidas das pessoas, das populações e também das espécies que estão em situação de vulnerabilidade política, social, econômica e ambiental, em função particularmente do sistema econômico imposto a nossa sociedade, que concentra imensas riquezas na mão de poucos. Com a aceleração das Mudanças Climáticas, essas vulnerabilidades aumentaram consideravelmente, e o papel da Justiça Climática é garantir a vida dessas populações e também dos animais e das plantas que se encontram em processo de extinção em função de toda a destruição ambiental que tivemos no planeta Terra.

Bacabal-MA

DIDI ALVES

ACESA

Coalizão Agroecologia para a Proteção das Florestas da Amazônia

Venho de comunidade tradicional de quebradeira de coco babaçu. Pra mim, proteger o babaçual e lutar contra sua devastação é desenvolver justiça climática. Eu ter condição de produzir um alimento saudável sem ter que estar brigando com o agronegócio para não poluir as matas, para não poluir as águas, pra mim é Justiça Climática. É garantir território, livre de veneno, livre do agronegócio e território com agroecologia.

Altamira-PA

ENEIDA DE MELO

Coletivo de Mulheres do Xingú e Coletivo Maravaia

Coalizão Na Piracema das Mudanças Climáticas

Eu queria fazer um relato da nossa experiência na região, que são as encantarias. Quando a gente dialoga com os encantados, a gente precisa das águas e das matas. Quando o pajé, Seu Leôncio, quer conversar com a encantaria pra ele saber que remédio fazer, ele conversa com o rio, então a questão climática não é só ambiental, nem física, é uma questão ética e política em que a gente precisa de fato intervir, para que a gente nao provoque um desastre maior que é esse tamanho desrespeito que a gente está tendo com a nossa ancestralidade e com nossos territórios.

IANNY BORARI

Suraras do Tapajós e Escola de Ativismo

Coalizão NÓS Alter do Chão-PA

Justiça Climática pra mim é tentar fortalecer essa atuação de quem está na base, fazendo o que já faz há milhares de anos, e que não é visto como uma potência de transformação. São essas ações e atividades que estão mantendo a gente num ambiente em que ainda é possível respirar e viver. O que a gente está vivendo é a injustiça climática é a invasão dos nossos territórios, a devastação das nossas florestas, a matança do nosso povo.

Quilombo Rampa Vargem Grande-MA

RAIMUNDO QUILOMBO, O MEDONHO!

TV Quilombo Rampa Coalizão #CompartilheInformação #CompartilheDemocracia

É validar as nossas experiências como comunidade, validar as experiências dos nossos anciãos, daqueles que sempre viveram em nosso território e sempre preservaram. Porque ainda existe mata de pé? Quem trabalhou pra que essa mata ainda estivesse de pé? É voltar o olhar pra realidade das comunidades, de quem vive nesses territórios e dizer ‘Olha! A gente só tem isso porque eles que fizeram!” Se não falar de respeito, de história, mas ainda mais da prática das comunidades, não existe justiça climática.

Belém-PA

WALESKA QUEIROZ

Rede Jandyras

Coalizão Apuama

Sou uma mulher negra, da Amazônia, que vem da periferia. Os termos vinculados à questão climática estão muito distantes da minha realidade. Para eu aprender sobre Justiça Climática e entender o conceito, eu vivi a injustiça social e a injustiça climática. Então através do reconhecimento dessas violências que eu sofri durante toda minha vida e por ocupar espaços que falavam desse tema, falar de Justiça Climática para mim é muito complexo.

Pra mim é uma forma de me dar o direito a viver. A viver não só em um ambiente que seja saudável, mas que eu possa ter a garantia de vida, que eu possa fazer minhas lutas, que eu possa ter o direito à vida, à água, saneamento; ter o direito de incidir politicamente. Justiça Climática reforça que eu sou uma pessoa que precisa de garantia de direitos e que toda população precisa disso, independente do território que esteja e de quem seja. É ter a possibilidade de viver e resistir de onde eu vim, sem ter que passar por tantos processos violentos.

vozes Pela Ação CLIMÁTICA JUSTA

Por Time Regional VAC Brasil

oano era 2021. Em um cenário de negacionismo científico e de desinformação institucionalizada, a pandemia de Covid ainda matava aos milhares no Brasil. A democracia em diversos cantos do mundo era ameaçada e a agenda climática atacada pela extrema-direita global. Por trás desses embates, uma disputa de narrativas por modelos de desenvolvimento diametralmente opostos. De um lado uma visão predatória de exploração desenfreada dos recursos naturais, individualista e patrimonialista; do outro, uma visão de sustentabilidade, cooperação, justiça e respeito ao meio ambiente.

É nesse contexto que surge o programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), uma aliança global idealizada por seis organizações, com a visão de um mundo onde a sociedade civil atua como um agente de mudança, influenciando políticas e práticas em benefício de soluções climáticas locais.

Naquele momento, o Brasil era um dos componentes dessa ameaça à democracia e aos direitos humanos. O contexto era de um governo negacionista climático, anti povos indígenas e quilombolas, que incentivava abertamente atividades criminosas, especialmente na Amazônia, como o garimpo e a invasão de terras indígenas e derrubada de florestas para produzir soja e gado, desmantelando órgãos ambientais de fiscalização e controle e retirando o Brasil do protagonismo global na discussão ambiental.

Dada a importância da Amazônia na questão climática mundial e a desigualdade de acesso a financiamento climático, a Equipe Regional do Brasil optou por implementar o programa na região da Amazônia Legal. O programa reconheceu que, para avançar transformações na sociedade e nas políticas públicas em um território tão vasto quanto a Amazônia, seria crucial que as propostas fossem desenvolvidas por coalizões: grupos de organizações diversificadas que pudessem trabalhar juntas, complementando-se em ações e territórios, e formando redes para abordar temas diversos.

Foram selecionadas mais de 70 organizações que formaram 13 coalizões em diferentes regiões da Amazônia, cada uma enfrentando problemas específicos e propondo soluções diversas, mas complementares do ponto de vista da proteção da Amazônia. O foco do programa no Brasil tem sido contribuir para que até 2025 as populações locais amazônicas, tanto rurais quanto urbanas, sobretudo mulheres e jovens, ocupem um papel central nas discussões sobre justiça climática, propondo soluções e ações, e tendo suas vozes amplificadas e ouvidas nos espaços de tomada de decisão que impactam seus modos de vida. Para isso, os projetos deveriam abordar três eixos principais: formação (qualificação de pessoas e lideranças locais em diversas temáticas), narrativas e comunicação (storytelling) e incidência coletiva e colaborativa para transformar políticas e fluxos financeiros.

Além disso, o programa enfatizou a importância de construção de movimentos, formação de pessoas e formação de redes por meio da conexão entre pessoas e organizações. Com diversas abordagens, especialidades, experiências e territórios, essas coalizões implementaram projetos para alcançar esses objetivos em seus contextos específicos.

Na largada VAC Brasil ajudou a repercutir a voz de uma jovem indígena na COP 26 em Glasgow, Txai Suruí (primeira indígena a discursar na abertura de uma COP) chamou a atenção do mundo ao reivindicar que os povos indígenas compartilhem dos espaços de governança climática: “Os povos indígenas estão na linha de frente da emergência climática. Por isso devemos estar no centro das decisões que acontecem aqui”.

VAC tem promovido diversas ações de formação, comunicação, construção de narrativas e incidência política. Por meio do programa, muitas organizações que já implementaram ações socioambientais, bem como novas organizações, foram fortalecidas institucionalmente e construíram capacidades para captar recursos e promover esforços de incidência locais, estaduais e nacionais. A criação de coletivos e o apoio a organizações ainda não formalizadas também foram uma aposta importante do programa. Esses apoios permitiram que diversos territórios amazônicos formassem ou fortalecessem redes de organizações com temas comuns importantes para a agenda climática, atuando nos eixos de formação, comunicação e incidência política.

Como resultado, já se tem muitos avanços em nível local. A juventude extrativista se organizou para participar ativamente da gestão territorial, como fez o Coletivo Varadouro na Resex Chico Mendes, no Acre. A Rede Jandyras articulou a criação do primeiro fórum de mudanças climáticas em uma capital amazônica, em Belém do Pará. A Coalizão Vozes do Tocantins contribuiu para que o STF declarasse inconstitucionais vários artigos da Lei de Licenciamento Ambiental do Tocantins. A Coalizão Agroecologia para Proteção das Florestas da Amazônia criou um Observatório Popular de Política de Sociobiodiversidade e Clima e fortaleceu a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. As coalizões Vozes do Tapajós e NÓS vem trabalhando contra o garimpo ilegal que transforma as águas da região em rios de mercúrio e contra a construção de uma rodovia que impactaria as populações tradicionais da região. A campanha É Clima! da Coalizão Megafone de Ativismo mobilizou inúmeros coletivos em uma campanha constante pela conscientização da sociedade. A Coalizão Fortalecimento do Ecossistema de Dados na Amazônia vasculhou diários oficiais e promoveu a participação popular digital. Essas são apenas algumas das muitas iniciativas que VAC tornou possível com a força e sabedoria desses aliados.

Para além das ações de nível local, essa rica diversidade é a potência do programa, que reúne pessoas de diversos territórios amazônicos para trocar experiências, formar redes de apoio e atuar em temas menos localizados. VAC contribuiu com os esforços pela aprovação da admissibilidade da PEC do Clima na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, por meio do apoio à Campanha

Foto: JacquelineLisboa/WWF-Brasil

“OS POVOS INDÍGENAS ESTÃO NA LINHA DE FRENTE DA EMERGÊNCIA
CLIMÁTICA. POR ISSO DEVEMOS ESTAR NO CENTRO DAS DECISÕES

QUE ACONTECEM AQUI”

Txai Suruí, primeira indígena a discursar na abertura de uma COP

“A Lei Mais Urgente do Mundo” e da participação no GT Socioambiental da Rede de Advocacy Colaborativo - RAC. Por meio dda formação em incidência política climática, Cuida (veja mais nas próximas páginas), o Programa seguirá conectando do local ao estadual/nacional e ao global e viceversa. Em 2024, irá reunir jovens e mulheres desses diversos territórios para entender a política climática nacional, como ela impacta local e globalmente, além de incentivar que esse grupo atue em rede para potencializar seus esforços de incidência por ações climáticas construídas localmente.

A frase memorável de Chico Mendes, patrono do meio ambiente do Brasil e líder seringueiro assassinado por sua atuação na defesa ao meio ambiente e aos Povos da Floresta, que disse “no começo eu achei que estava lutando pelos seringueiros, depois percebi que estava lutando pela Amazônia e depois percebi que estava lutando por toda a humanidade”, resume o impacto dos esforços congregados através de VAC no Brasil. O programa tem fortalecido a atuação local apoiando processos de fortalecimento institucional, capacitação, formação de redes, comunicação e incidência política, conectando essas redes e seus impactos em uma rede amazônica mais ampla, incidindo em políticas nacionais, estaduais e locais e reforçando a importância da Amazônia na questão climática global para além das fronteiras nacionais, mas em que os povos da floresta e as vozes locais não sejam objetos de pesquisa e debate, mas sim os protagonistas e sujeitos da ação V

Pedro Henrique / SobreOTatameFilmes

Foto: Joana Moncau
Foto: Ingrid Barros
Foto: Acervo VAC
Fotos: Acervo Jandyras
Foto:

nossa rede

Avina

WWF Brasil

Hivos

IEB

Ass. Indígena Pyka Mex (Apinajé)

COOPTER CTI AKMT

Ass. Onça D´Água

Comitê Chico Mendes

Casa Ninja Amazônia

CNS

AMOPREX

STTR - Brasiléia

Rede comunic(A)tiva de jovens

LIQUAJAC

Rede Jandyras ISPN

Clima de Eleição

Coletivo Miri

MDH MST TO UFT COAF-Bico

Ass. Cultural Kyjre (Povo Krahô)

vozes do tocantins

Colônia de Pescadores e Pescadoras de Araguacema

Ass. Wyty Catè (Povos Timbira)

Ass. de Mulheres do Cantão

Ass. Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros – Jalapão

IPAM advocacy dos povos indígenas pela justiça climática

Mandí

Casa Preta

Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia

Brasileira

UMIAB

OPIROMA

ARPIT

InfoAmazonia

INDIA / Coletivo Puraqué

Open Knowledge

Brasil

COIAB

APOIANP

FOCIMP

FOIRN

COAPIMA

FEPOIMT

FEPIPA CIR

megafone ativismo

Pimp my Carroça

Engajamundo

ISA

Sumaúma Jornalismo

AIHHUAM

Rádio Banzeiro

Assentamento

Agroextrativista da Gleba Lago Grande

NÓS - Educação, comunicação e mobilização popular em defesa das bacias dos rios Juruena e Tapajós

Tapajós de Fato

Guardiões do Bem Viver

FEAGLE

Escola de Ativismo

Movimento Tapajós Vivo - MTV

Coletivo Tapajós de Fato

Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM

Rede Juruena Vivo

Floresta ativista amazônia

Mídia Ninja

ANMIGA

Memorial Chico Mendes

Projeto Saúde e Alegria

STTR CITA

vozes do tapajós combatendo as mudanças climáticas

SAPOPEMA

Suraras do Tapajós

CITUPI

Munduruku Daje Kapap Eypi

ACESA

Dandara

Instituto Equit

FPMM Coletivo Maravaia

na piracema das mudanças climáticas

Coletivo de Mulheres do Xingu

CPCDDH Padre Josimo

Agroecologia para a Proteção das Florestas da Amazônia

RAMA

Associação Justiça dos Trilhos

Associação Agroecológica Tijupá

GEDMMA

OUTROS APOIOS ESTRATÉGICOS DE VAC

Aliança das Amazônias • Gueto Hub • COP das Baixadas • LACIGS+ Liga Acadêmica de Cuidados Integrais a Diversidade Sexual e de Gênero • Na Cuia Produtora • Kanindé • MALUNGU - Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes dos Quilombos do Pará • Abayomi - Grupo de Juventude Negra Quilombola de Salvaterra • AMARN Associação das Mulheres Indígenas do Rio Negro em Manaus NUMI KURA • IDS - Instituto Democracia e Sociedade • MTV - GT Infra pelo Movimento Tapajós Vivo • IMV - GTA pelo Instituto Madeira Vivo • MND - Mulheres Negras Decidem • UMIAB - União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Amazônia Legal) • Instituto TJNS - Todos Juntos Ninguém Sozinho (Petropólis) • Guerreiras da Floresta da Terra Indígena Caru (MA) • LabJaca (RJ) • Youth Climate Leaders

Formação em incidência política pelo clima reúne 38 jovens e mulheres de todos os estados da Amazônia Legal para palestras, oficinas, trocas de experiências e diálogo com os poderes legislativo e executivo, em Brasília

Por Tricia Oliveira, do WWF-Brasil Fotos por Gabriela Pires e Tatiana Reis, do Estudio Gunga

incidência política, ou advocacy, é uma ferramenta essencial na luta por direitos. Nos territórios muitas vezes não é exatamente assim que essa prática é nomeada, mas sempre esteve presente o entendimento de que é preciso cobrar dos governos, parlamentos e outros espaços e autoridades, por políticas públicas efetivas que garantam dignidade e melhores condições de vida sobretudo no cenário em que vivemos de emergência climática.

“A gente vive um movimento de fortalecimento da nossa autoestima nesse processo de incidência, principalmente na Amazônia. A incidência é feita não só dentro dos nossos territórios, mas principalmente fora dele para mostrar mais ainda as nossas identidades plurais e quem são as pessoas protagonistas”, defende Alícia Miranda, amapaense de 25 anos, do coletivo Utopia Negra, membro do coletivo Movimento Plantaformas.

É na linha de pensamento de Alícia que o programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), em parceria com o Observatório do Clima, reuniu em Brasília 38 jovens e mulheres dos nove estados da Amazônia Legal, para a formação Cuida! Incidência Amazônida pelo Clima.

“(...) A incidênciA é feitA não só dentro dos nossos territórios, mAs principAlmente forA dele pArA mostrAr mAis AindA As nossAs identidAdes plurAis e quem são As pessoAs protAgonistAs”

Alícia Miranda, amapaense, do coletivo Utopia Negra e Movimento Plantaformas.

Foto: Tatiana Reis
“A solução em gerAl está nAs novAs gerAções. o cAminho é colocAr nA juventude todo esse conhecimento sobre
A questão AmbientAl, sobre A questão climáticA e sobre os problemAs sociAis dA região AmAzônicA”
Sueli Araújo, do Observatório do Clima
Fotos: Gabriela Pires

“A solução em geral está nas novas gerações. O caminho é colocar na juventude todo esse conhecimento sobre a questão ambiental, sobre a questão climática e sobre os problemas sociais da região amazônica”, ressaltou Sueli Araújo, do Observatório do Clima, que participou como facilitadora do bloco “A incidência como ela é – Executivo, Legislativo e Judiciário”.

Além de Sueli e suas inúmeras experiências políticas, a programação também abordou os temas “Justiça Climática e Racismo Ambiental – A realidade dos efeitos da mudança climática nas populações mais vulnerabilizadas e como incidir” com Andreia Coutinho (CBJC) e Angela Mendes (Comitê Chico Mendes); “Mudanças Climáticas na Amazônia – O quadro das causas e efeitos da ação humana no Bioma e sua relação com o Clima no mundo” com Ane Alencar (IPAM/ OC); “Eleições Municipais e Clima”, com Sarah Darcie, do Clima de Eleição; e uma roda de conversa sobre incidência internacional conectada aos territórios, com Sineia do Vale Wapichana, presidente do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC) e co-presidenta para América Latina e Caribe do Caucus Indígena, o Fórum Internacional de Mudanças Climáticas dos Povos Indígenas.

ações em rede

Delegação do Cuida, durante reunião sobre o Plano ClimaAdaptação, no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Foto: Tatiana Reis.

“Queremos contribuir com mais conhecimento sobre a questão climática em si para municiar os movimentos que estão lá no território a agirem de uma forma mais robusta, a conseguirem resultados mais efetivos, para conseguirem fazer propostas e pautar demandas mais elaboradas”, afirma Suely Araújo. cuidA! no poder executivo

O processo formativo do Cuida foi desenhado para que além da teoria, os participantes também pudessem estar e incidir nos espaços de poder de Brasília na prática. Para isso, promoveu visitas a órgãos do poder público na capital federal.

Nos reunimos com a equipe do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) para apresentação e diálogo sobre o Plano Clima – Adaptação, a estratégia do país para promover a redução das vulnerabilidades à mudança do clima e realizar uma gestão dos riscos. A delegação do Cuida foi recebida por Inamara Melo, coordenadora-geral de adaptação à Mudança do Clima do MMA. “Todos os modelos climáticos convergem para a constatação de que a mudança do clima já é uma realidade. Esses impactos são muito reais e severos. Um momento como esse é absolutamente necessário e faz a gente refletir sobre a nossa atuação e a nossa capacidade de lidar com os problemas. É muito importante ter espaços de colheita com vocês”, afirmou Inamara.

Após a apresentação do Plano Clima e do processo que envolve sua construção, os participantes se manifestaram em plenário e posteriormente foram divididos em três grupos com representantes da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e do Ministério das Cidades, órgãos que serão responsáveis por três dos dezesseis planos setoriais do Plano Clima Adaptação.

“É preciso que a gente fortaleça a participação das pessoas que foram historicamente excluídas dos espaços de tomada de decisão. Temos que criar oportunidades para que essas pessoas possam ocupar os espaços que estão tomando as decisões que afetam suas vidas sobre diversos temas, mas neste contexto falamos a respeito das ações climáticas de adaptação, mitigação e de resiliência climática”, diz Rogenir Costa, ponto-focal do VAC no Brasil.

Rener Rabelo, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) reforçou a importância da participação popular na construção de políticas públicas, mas pontuou:

“Não adianta pensar e fazer um plano perfeito, com todas as metas, se no final o próprio governo continua autorizando a entrada dos grandes projetos nos territórios. Sabemos que [a mudança climática] não é natural; é antrópica, e sabemos quais são as causas. Um projeto de mineração, de hidrelétrica, é o que torna as pessoas vulneráveis. O próprio governo não escuta as comunidades e depois autoriza os empreendimentos”.

“é preciso que A gente fortAleçA A pArticipAção dAs pessoAs que forAm historicAmente excluídAs dos espAços de tomAdA de decisão (...)”
Rogenir

Costa,

ponto-focal do VAC no Brasil.

Muitos jovens visitaram esses espaços de poder pela primeira vez, como é o caso de Alícia. “Talvez daqui uns 10 anos a gente tenha uma perspectiva um pouco melhor de como as pessoas se sentem nesses espaços de tomada de decisão. Eu espero que em algum momento futuro a gente consiga se sentir não só pertencente, mas sentir que é um espaço que a gente também possa ocupar”, conclui Alícia.

Já Sayonara Adinkra, do Movimento Plantaformas chamou atenção para a efetividade dos métodos de participação. “É necessário uma verdadeira campanha de comunicação, divulgação e educação sobre o que se trata o processo do Brasil Participativo e o Plano Clima que está ocorrendo pela internet para colher propostas da sociedade. Não dá para falar que este plano é participativo por conta de um link disponível na internet aberto a contribuições e propostas da sociedade”.

Lucas Tupinambá, do CITA, durante reunião sobre o Plano Clima - Adaptação. Foto: Tatiana Reis

legAdo vivo de chico

O segundo dia do Cuida começou com a nossa delegação colorindo o auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados, durante a “Homenagem a Chico Mendes, Memória Viva, Luta Presente!”

A solenidade começou com a abertura de Angela Mendes, presidenta do Comitê Chico Mendes, que faz parte da Coalizão Rede Comunicativa de Jovens.

“Se dizemos que Chico Vive, ele também faz aniversário de vida, já que suas ideias e as sementes que ele lançou continuam vivas e algumas estão aqui. São sementes da Aliança dos Povos da Floresta, nesse contexto rebatizada de Aliança das Amazônias, representada aqui por jovens indígenas, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas. E como na carta que meu pai escreveu, esses jovens que estão aqui representam também uma juventude revolucionária. Então, através deles, entrelaçamos dois legados de Chico, sua carta aos jovens do futuro e a aliança que ele firmou com Ailton Krenak, entre extrativistas e povos indígenas”, disse Angela.

A homenagem contou com a presença dos deputados federais Chico Alencar (PT/RJ), Nilton Tatto (PT/SP), Célia Xakriabá (PSOL/MG), Talíria Petrone (PSOL/RJ) e Socorro Neri (PP/AC), além do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho. Mas o destaque foram as falas inspiradas da juventude, como Samsara Nukini, que faz parte da campanha Aliança das Amazônias. “A gente traz o legado dessas pessoas que já morreram ou foram assassinadas pelo nosso território, que graças a esses defensores hoje ainda se mantém de pé. Mas a gente ainda tá em luta por demarcação de terra. A gente ainda é ameaçado e não é fácil se colocar na linha de frente”, contou emocionada.

Angela Mendes, durante facilitação do bloco Justiça Climática e Racismo Ambiental (acima), e mesa durante Sessão Solene em Homenagem a Chico Mendes, no Congresso Nacional. Fotos: Gabriela Pires

Além de Samsara, a mesa da sociedade civil também foi formada por Catia Santos e Marciana Moura, do Coletivo Varadouro; Zezé Weis, da revista Xapuri Socioambiental; Karla Martins, da Casa Ninja Amazônia; e Ana Luiza de Lima, coordenadora-geral do Comitê Chico Mendes. Todas estas vozes ecoaram os sentimentos de amor, reconhecimento e responsabilidade frente ao legado construído pelo homenageado, o patrono nacional do meio ambiente.

A formação, que já havia iniciado com um módulo online que discutiu “o que é incidência”, se estende até dezembro com outros 3 módulos online e um encerramento presencial durante a Semana Chico Mendes, em Xapuri, no Acre, para qualificar ainda mais a compreensão sobre incidência política, mudanças climáticas, racismo ambiental, justiça climática e soluções baseadas na natureza.

O Cuida! é realizado pelo programa VAC em parceria com o Observatório do Clima, rede de organizações da sociedade civil que é referência brasileira e mundial na agenda de clima. Desde 2021, o VAC atua no fortalecimento e protagonismo de jovens e mulheres na agenda climática e na ocupação dos espaços de decisão. O Time Regional de VAC no Brasil é composto por WWFBrasil, Fundación Avina, Hivos, Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB) e Fundo Casa Socioambiental e apoia mais de 80 organizações com atuação na Amazônia Legal.

Clique ao lado para conferir o material gráfico de facilitação produzido durante o treinamento. V

do

fAcilitAção gráficA

Acesse dia 1

Acesse dia 2

Acesse dia 3

mAteriAl formAção

Clique aqui para ver o material-base da formação.

Delegação
Cuida durante reunião no MMA. Foto: Tatiana Reis

DEFENSORES AMBIENTAIS

Em parceria com Fundo Casa, VAC promove chamada para projetos de defensoras e defensores de direitos humanos em assuntos ambientais

Por Time regional VAC Brasil

Na Amazônia Legal, povos indígenas, comunidades quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais e outras comunidades tradicionais desempenham um papel essencial na manutenção das florestas. Mas também são esses defensores/defensoras ambientais, povos da floresta que, junto com as pessoas das periferias urbanas, são os mais afetados pela emergência climática. Nesse contexto de floresta e cidade, os povos amazônidas sempre tiveram um papel importante de resistência diante dos retrocessos socioambientais, mas têm dificuldade de acessar espaços de discussão, influenciar espaços de tomada de decisão e acessar recursos de financiamento climático para soluções locais.

É neste contexto que o Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC) se aliou ao Fundo Casa Socioambiental para realizar a chamada de projetos Defensores ambientais: Vozes pela ação climática.

O Fundo Casa Socioambiental é uma organização que busca promover a conservação e a sustentabilidade ambiental, a democracia, o respeito aos direitos socioambientais e a justiça social por meio do apoio financeiro e fortalecimento de capacidades de iniciativas da sociedade civil. O Fundo Casa dispõe de experiência ampla e reconhecida no apoio a projetos de organizações populares, movimentos sociais, redes e articulações, por meio de aportes financeiros. São 19 anos de atuação com mais de 3.500 projetos apoiados.

A chamada teve como objetivo fortalecer comunidades, organizações e redes de apoio que atuam como defensoras e defensores de direitos humanos em assuntos ambientais afetados pela emergência climática, a partir de ações como: Acesso a espaços de

tomada de decisão; Geração de evidências, denúncias e dados sobre impactos das mudanças climáticas; Campanhas de comunicação e conscientização; Capacitação, desenvolvimento e fortalecimento de capacidades; e Proteção jurídica.

Foram recebidos 52 projetos dos 9 estados que compõem a Amazônia Legal. Deste total, 18 projetos foram selecionados. Dentre as cinco linhas de apoio disponíveis na chamada, as mais buscadas foram:

• Capacitação, desenvolvimento e fortalecimento de capacidades (7)

• Acesso aos espaços de tomada de decisão (4)

• Campanhas de comunicação e conscientização (4)

• Geração de evidências, denúncias e dados sobre impactos das emergências climáticas para defensoras e defensores de direitos humanos em assuntos ambientais (2)

• Proteção jurídica (2).

Conheça as organizações que receberão até R$50 mil para desenvolver seus projetos que irão reforçar a voz e o protagonismo local e regional na defesa dos direitos humanos e ambientais na Amazônia Legal. V

Organização

Organizações selecionadas

Associação das Famílias da Transamazônica e Xingu (AFATRAX)

Colônia de Pescadores Z-03 de Oiapoque

Rede Emaranhadas – Proteção e autocuidado das mulheres e de suas resistências para o bem viver na Amazônia Maranhense

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MSTRoraima

Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB-MT

Associação de Mulheres Trabalhadoras Rurais do PDS Brasília – AMTRAB

Associação da Comunidade Quilombola e Indígena Gibirié de São Lourenço

Associação dos Povos Indígenas do Rio Aneba – APIRA

Grupo Quilombando E Semeando Arte

Organização das Aldeias Marubo do Rio Ituí – OAM

Rede dos Povos e Comunidades Tradicionais de Rondônia

Associação de Educação Socioambiental do Tapajós –AESTA (Tapajós Vivo)

Palmares Laboratório-Ação

Coletivo Pororoka

Instituto de Formação Juvenil do Maranhão

Nome do Projeto

Vozes da resistência no Xingu: Empoderando jovens e mulheres como defensores ambientais

Guardiãs comunitárias do Oiapoque: co-construção de indicadores sociais para a adaptação à mudança climática na comunidade de Vila do Taparabu, Oiapoque/AP

Tecendo o bem viver e justiça climática para defensoras populares da amazônia maranhense

Vida nos territórios: forma para proteger, defensores e defensoras na promoção da justiça climática

Comunicando resistência e sustentabilidade

“Conhecer para defender!” – Produção de conhecimento sobre emergências climática como estratégia de enfrentamento dos impactos pelas defensoras ambientais do PDS Brasília

Defensores (as) de Direitos Quilombolas na Agenda Climática: uma agenda preparatória para a COP-30

Proteção jurídica às comunidades indígenas contra a exploração de gás natural

Mulheres em Rede Tecendo Fibras e Construindo Justiça Climática

Encontro para discussões sobre mudanças climáticas no território do povo Marubo do rio Ituí – Terra Indígena Vale do Javari

Povos e Comunidades tradicionais, fortalecidas resistem frente a expansão do agro e hidronegócio na região da AMACRO

Defensores das águas do Tapajós – Comunicação Popular e Segurança Integral no combate a crise climática

Acordo de Escazú /Brasil, defenda seus defensores!

Circuito de Vivências Artivistas Pelo Clima

Ampliando EcoVozes: Empoderamento e Mobilização para a Defesa Ambiental na Ilha de São Luís, Maranhão

Rede Cuira – Jovens Protagonistas dos Manguezais Amazônicos Nascidos para defender os Manguezais

Rede de Mulheres das Águas e das Florestas- REMAF

Coletivo de Juventude Guardiões do Bem Viver

REMAF: Quem cuida de quem cuida?

Escola Itinerante – Criando futuros coletivos para enfrentar a crise climática

A tragédia climática no Rio Grande do Sul mobilizou o Brasil e deixou ainda mais evidente a emergência que estamos vivendo. Apesar da ciência antecipar que a catástrofe na região era questão de tempo e que era necessário adaptação, as enchentes, que atingiram 476 municípios gaúchos, afetaram 2,3 milhões de pessoas, deixaram mais de 170 mortos e dezenas de desaparecidos, além de obrigar mais de 442 mil moradores a deixarem suas casas.

O Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC) se solidariza com os afetados pela tragédia, e publica abaixo dois artigos que tratam do tema na perspectiva de conselheiros do programa no país.

NÃO É UMA NARRATIVA

Por Carlos A. Nobre, climatologista e cientista brasileiro, conselheiro de VAC no Brasil, e Wagner R. Soares, doutor em meteorologia pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e pós-doutor em mudanças climáticas pela UFES (Universidade Federal do Espírito Santo)

Artigo produzido em 13 de junho de 2024

Já se passou mais de um mês da tragédia climática que abalou o Rio Grande do Sul (RS) e o que se vê é um cenário pós-guerra com estimativa de 47 milhões de toneladas de entulho nas ruas. O caos climático que se estabeleceu sobre o RS, atingindo 476 dos 497 municípios do estado, desalojou 572.781, ceifou mais de 170 vidas e afetou 2.392.686 habitantes, deixando um rastro de destruição e morte, e isso não é uma narrativa.

O planeta está aquecendo cada vez mais e as observações — tendo como referência o período de base pré-industrial 1850-1900 — apontam que em 2015 ocorreram os primeiros dias com anomalias de temperatura acima de 1,5oC, em 2023 os primeiros

dias com temperaturas acima de 2oC e em fevereiro de 2024 se observou quatro dias consecutivos com anomalia de temperatura de 2oC acima do período de base pré-industrial. Em fevereiro de 2024, o planeta completou um ano com temperaturas acima de 1,5°C, e isso não é uma narrativa.

O último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) publicado em 2021-2022 não deixa mais dúvidas que é a ação do homem que está causando as alterações climáticas devido às emissões de Gases de Efeito Estufa emitindo um alerta vermelho para a humanidade. Estamos vivendo o período da emergência climática onde os eventos climáticos extremos — chuvas excessivas, secas, ondas

de calor, entre outros — estão cada vez mais frequentes e intensos em todo planeta, com impactos generalizados e prejuízos da ordem de bilhões nos últimos anos, e isso também não é uma narrativa.

A crise climática que assolou o RS não é uma narrativa — termo bastante utilizado por negacionistas e extremistas de direita. O tamanho da tragédia não atingiu os negacionistas de plantão, hábeis propagadores de fake news. Ao contrário, os ignorantes e/ou irresponsáveis por conveniência reforçaram ataques à ciência e à imprensa, promovendo suas teorias conspiratórias esdrúxulas. Tentaram refutar a relação entre a crise climática e a tragédia no estado, confundindo parte da população e colocando vidas em risco.

Não podemos esperar os próximos extremos climáticos tirar vidas e destruir cidades inteiras como Eldorado do Sul que praticamente desapareceu nas águas. Não só o RS, mas a Amazônia, o Brasil inteiro e todo planeta está em risco. Para limitar o aquecimento global em 1,5o C — meta mais ambiciosa do Acordo de Paris de 2015 — é necessário uma redução enorme das emissões até 2030. O saldo entre as emissões e as remoções de dióxido de carbono tem que somar zero, ou seja, deve ser neutro antes de 2050. “Net Zero” é o grande desafio que temos que alcançar e o esforço local deve estar alinhado com as metas do Acordo de Paris. Economia saudável, resiliente, geradora de empregos decentes e crescimento inclusivo e sustentável fazem parte desse enorme desafio afim de deixarmos um planeta saudável para as futuras gerações.

O Brasil deve aperfeiçoar sistemas de previsão e alertas de desastres causados por extremos climáticos e hidrológicos e proteger as populações em áreas de risco e todas as populações vulneráveis.

Deve tornar-se ainda mais ambicioso, acelerar políticas e práticas de adaptação e aumento da resiliência em todos os setores e manter o apoio à geração de conhecimento científico. As novas gerações devem assumir a liderança na busca de trajetórias de sustentabilidade para o planeta, com ênfase em justiça social e climática, e principalmente via empoderamento dos jovens e mulheres.

E esse artigo? Definitivamente esse artigo não é uma narrativa, é Ciência. V

Rio Grande do Sul. Maio de 2024. Foto: Maí Yandara / Mídia NINJA

ADAPTAÇÃO A EVENTOS EXTREMOS PRECISA SER TÃO VELOZ QUANTO a MUDANÇA CLIMÁTICA

Brasil tem que investir em plano baseado na melhor ciência e aberto à participação social

Por Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa e conselheira de VAC no Brasil

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo, em 1º de junho de 2024

Você pode ser liberal ou conservador, ambientalista ou terraplanista, ter votado em Bolsonaro, Lula ou nulo no segundo turno das eleições de 2022. Para a mudança do clima, não importa.

Você habita um planeta que tem esquentado devido à queima de petróleo, gás e carvão e ao desmatamento. Você fez parte da humanidade que usufruiu do privilégio de um clima estável desde o início do Holoceno e que agora —acredite, goste, queira ou não — tem de enfrentar toda sorte de instabilidades.

Porto Alegre - RS. Foto: Maí Yandara / Mídia NINJA

Isso é um problema porque a velocidade da mudança global do clima já excede a capacidade de adaptação dos nossos sistemas naturais e humanos. Se pudéssemos rapidamente mudar de lugar toda a gente, a fauna e a flora e viver igualmente bem em terra ou mar, talvez não fosse uma grande ameaça. Na realidade, nossos sistemas não mudam a um clique, não são instantâneos.

Mas eles se transformam, primeiro de forma lenta e depois rapidamente. Um desses sinais apareceu na pesquisa Quaest que entrevistou brasileiros sobre o desastre em curso no Sul do país. Para 99% dos entrevistados, as enchentes no Rio Grande do Sul estão, em alguma medida, associadas à mudança do clima. Ou seja, praticamente nenhum brasileiro mais precisa ser convencido da ligação entre o problema global e o impacto local.

Todos precisam se proteger e ser protegidos. Mesmo antes da mudança do clima induzida pelo homem, havia eventos extremos de tempos em tempos. No entanto, o que está mudando agora é sua frequência e intensidade, muitas vezes ultrapassando as expectativas históricas.

Houve uma cheia similar à atual em Porto Alegre em 1941. O que é diferente agora? Uma enchente como a de 1941 era esperada, segundo dados oficiais, em 370 anos, não em 83. O tempo de recorrência achatou. Como nos ensinam climatologistas, quanto mais quente a atmosfera se torna, maior sua capacidade de reter umidade —e o vapor d’água vira combustível para tempestades severas e concentradas. Portanto, não é exagero dizer que o clima está mais pesado. A aceleração dos impactos torna imprescindível a tarefa de adaptação. Mas o que é isso? Como se faz? Em 2021, o jornalista David Pogue escreveu um

manual de sobrevivência para a mudança do clima. Ainda não publicado em português, o livro tem mais de 600 páginas e contém recomendações práticas, que podem ajudar na tomada de decisão individual, construídas com 50 especialistas sobre onde viver, como construir, o que plantar, onde investir, como comprar seguros, proteger suas crianças e se preparar para vários tipos de desastres.

Guardo esse livro na estante desde que foi lançado. Lembrei-me dele nas últimas semanas, quando amigos gaúchos começaram a me acionar com perguntas difíceis e de cunho pessoal. Deveriam se preparar para migrar? Se sim, quando e para onde? Quem deveria ser responsabilizado pelo desastre? O que cobrar das autoridades públicas e a quem? Trabalho com políticas climáticas há anos, mas nunca imaginei que seria confrontada com perguntas tão diretas quanto essas, especialmente porque ações individuais são o que nos resta durante eventos tão traumáticos.

Do livro de Pogue, extraí algumas respostas. Por exemplo, como fazer sistemas de backup de água e energia. Outras questões, porém, não são tão simples: nenhum lugar do mundo está imune nem se tornará um novo paraíso neste planeta mais quente. Logo, migrar não é exatamente uma solução.

Mas medidas de proteção, quando tomadas em nível de empresas, bairros e comunidades, podem ter grande valor. Por exemplo, tomei conhecimento de um polo industrial que, elevado, não foi atingido pela enchente no Rio Grande do Sul. Por outro lado, os trabalhadores não puderam trocar de turno nem continuar a trabalhar e nenhum caminhão conseguia entrar ou sair.

Porto Alegre - RS. Fotos: Maí Yandara / Mídia NINJA

Logo, a autoproteção ajuda, mas não impede a chuva nem a inundação forte e tampouco ergue as barreiras físicas necessárias contra enchentes. A adaptação é necessariamente uma ação coletiva de ajuste aos impactos da mudança do clima atuais ou esperados, de modo a reduzir danos ou aproveitar oportunidades.

Já a resiliência é a capacidade de comunidades, ambientes e economias de enfrentar um evento perigoso, mantendo suas funções e estrutura essenciais. No evento extremo no Rio Grande do Sul, notamos a falta de adaptação e a baixa resiliência. Projeções, simulações e previsões sobre os riscos da mudança do clima à população gaúcha existiam antes desse desastre. Cientistas e especialistas apresentaram informações de alta qualidade para os tomadores de decisão. Por que ninguém ouviu?

A existência da informação não garante impacto político. Vemos agora o valor de implementar uma política climática.

Um falso senso de segurança, desencadeado pela ausência de enchentes mais severas que a de 1941, parecia predominar. Em Porto Alegre, os órgãos responsáveis parecem ter considerado os riscos insignificantes, ignorando a necessária manutenção da infraestrutura de proteção. Talvez seja também um caso de “má adaptação”, já que os diques oferecem uma falsa sensação de segurança e estimulam que mais pessoas se concentrem ao seu redor.

Aqui cabe um alerta: não há evidências sistemáticas de que as regiões que experimentaram maiores impactos climáticos no mundo até o momento adotaram medidas mais vigorosas de mitigação ou adaptação. Há alguns exemplos bem-vistos, como a cidade de Nova York, que realizou uma série de intervenções urbanas depois do furacão Sandy e elaborou participativamente um robusto plano de resiliência costeira, considerando diferentes cenários climáticos.

Não há, no entanto, garantia de que as reações às crises como a do Rio Grande do Sul criarão incentivos para estratégias de longo prazo. Todo cuidado é pouco para que a chamada reconstrução não seja do desastre e para que a adaptação não se restrinja a um estado ou região, mas aconteça em todo o país.

Por isso, importa desenhar políticas climáticas com

Escola Municipal Infantil Antônio
Leite em São Leopoldo - RS. Fotos: Thales Renato / Midia NINJA

grande saliência. Para tanto, é preciso investir em novas “tecnologias políticas” para resolver esses problemas de longa duração.

Recentemente, o cientista político Thomas Hale lançou o livro “Long Problems: Climate Change and the Challenge of Governing Across Time” (problemas duradouros: as mudanças climáticas e o desafio de governar ao longo do tempo), em que ele discute exatamente isso. Uma maneira é criar instituições que nos ajudem a entender o futuro e aumentar a saliência das informações científicas e técnicas na política e no processo de formulação de políticas públicas.

Primeiro, como ponto de partida, todo governo deveria se fornecer as informações para entender melhor o futuro e torná-lo relevante. Isso deve incluir algum tipo de órgão, pelo menos parcialmente independente, que emita relatórios regulares, aos quais o governo deve responder, semelhante ao que o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima) faz internacionalmente.

Além disso, tornar rotineiro o uso de dados prospectivos em decisões, por exemplo no investimento em infraestrutura. Dados históricos seguem importantes, mas menos. O planejamento do setor elétrico, a segurança de barragens e a resiliência de estradas dependem de olhar para o novo clima. Em seu governo, o presidente americano Barack Obama deu alguns passos nesse sentido, ordenando que todos os investimentos públicos em infraestrutura considerassem cenários futuros, além de estabelecer um custo social do carbono.

Segundo, o governo deve incluir de verdade os cidadãos no processo de formulação de políticas. Tecnocratas e administradores precisam responder às prioridades e às preocupações que emergem de processos participativos e deliberativos, com um conselho nacional com participação significativa.

Como temos acompanhado mundo afora, agricultores na Europa têm resistido à agenda da descarbonização; na Colômbia, a velocidade da transição energética foi questionada pelos cidadãos; nos EUA, o investimento maciço em uma economia de baixas emissões encontra apatia dos eleitores. No Nordeste do Brasil, comunidades impactadas resistem aos empreendimentos de energia limpa; no Rio Grande do Sul, as enchentes devastadoras expõem a falta de adaptação.

Essa realidade escancara uma verdade inconveniente: políticas climáticas não podem ser meros exercícios burocráticos, desconectados das realidades vividas pelas pessoas.

Terceiro, Hale considera fundamental um sistema de planejamento de metas e traz exemplos como a Comissão do Futuro, na Finlândia, e a autoridade climática da Califórnia.

No Brasil, nossa melhor chance atualmente é o processo de elaboração do chamado Plano Clima, que tem 23 frentes de trabalho, sendo duas estratégias transversais, 16 planos setoriais de adaptação e 8 de mitigação. Esse trabalho, no entanto, somente ganhará vida se a sociedade vier junto.

Qual história de sucesso virá à nossa cabeça quando pensarmos na adaptação do Brasil? E de fracasso? É essencial direcionar a energia política para fazer com que as pessoas passem a confiar nas políticas climáticas como algo que funciona, que as protege e que não opera contra elas —tanto segmentos fadados a desaparecer, como os carvoeiros, quanto aqueles que acham que essas políticas não funcionam para si porque só dizem respeito a grandes ideias que nunca “aterrissam” nos momentos de crise aguda.

Para tanto, uma política de adaptação eficaz deve ser informada pela melhor ciência disponível, entregue por meio de parcerias e investimentos e orientada por uma governança e coordenação eficazes. No Brasil, em geral, fizemos bem a primeira parte, mas não avançamos para as seguintes.

É preciso um engajamento público profundo e a emergência de novas instituições e compromissos para que essas políticas transcendam o papel e se convertam em transformações tão velozes quanto a mudança do clima.

Para estes tempos, a recomendação ao coletivo e ao governo é um Conselho Nacional de Mudança do Clima que envolva a sociedade, uma autoridade climática independente que possa colocar a ciência dentro da política e um processo de orientação de investimentos alinhados com metas de resiliência e descarbonização.

Você é parte de um mundo em transformação, onde eventos extremos como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul serão frequentes. É inegável que a velocidade dessa mudança global desafia a sua e a nossa capacidade coletiva de adaptação. Definitivamente, temos de olhar além do horizonte imediato e ativar as respostas de resiliência de longo prazo que nossa comunidade precisa. V

São Loopoldo-RS. Foto: Thales Renato

oColetivo Varadouro, formado por jovens extrativistas do estado do Acre, surge como uma nova voz na defesa do meio ambiente, das reservas extrativistas e dos direitos dos povos da floresta. Inspirados pela carta escrita por Chico Mendes às e aos jovens do futuro, o coletivo encontrou seu propósito durante uma formação promovida pelo Comitê Chico Mendes, momento que antecedeu a Semana Chico Mendes 2022, uma ação do programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC).

Varadouro, nome escolhido para representar o coletivo, é a denominação dada pelos povos da floresta aos caminhos que percorrem dentro da floresta. Essa escolha carrega uma conexão profunda com a nossa identidade, também é o nome de um jornal alternativo de Rio Branco, que na década de 1980, dava voz e visibilidade às denúncias de Chico Mendes sobre os crimes ambientais ocorridos na região.

COLETIVO VARADOURO: SEMENTES DE RESISTÊNCIA

Coletivo de jovens extrativistas do Acre surge como nova voz na defesa do meio ambiente, das Resex e dos direitos dos povos da floresta

Por Coletivo Varadouro, da Coalizão

Rede Comunic(A)tiva.

Ilustração: Jambo Estúdio

É uma forma de valorizar e reafirmar o sentimento de pertencimento ao território onde nascemos e vivemos, além de expressar o compromisso que temos em lutar pela defesa da floresta, pela proteção dos direitos das comunidades extrativistas e principalmente lutar pelo nosso futuro.

Carregamos a herança e o legado de Chico Mendes e tantas outras companheiras e companheiros de luta e resistência, avançando na disseminação de conhecimentos, mobilizando a juventude e promovendo ações em prol da preservação do meio ambiente e do fortalecimento das comunidades tradicionais. Acreditamos que, ao dar continuidade à luta iniciada por Chico Mendes e às suas palavras direcionadas às gerações futuras, podemos ser agentes de transformação, construindo um futuro mais justo e sustentável. O Coletivo Varadouro está determinado a seguir os varadouros da floresta, em defesa da vida e dos direitos dos povos da floresta.

VARADOURO - CAMINHO DA TRANSFORMAÇÃO

Em pouco tempo de atuação, já tivemos importantes conquistas. Nossa primeira atividade como Coletivo Varadouro foi durante a Reunião ordinária da Reserva Extrativista Chico Mendes. Depois disso, vieram várias atividades e momentos especiais que tornaram nosso coletivo conhecido. Participamos do Acampamento Terra Livre 2023, entregamos uma carta à Ministra Marina Silva em nome da juventude extrativista do Acre, marcamos

presença no VI Congresso Nacional do Conselho Nacional das Populações Extrativistas - CNS, em Brasília, assim como na Marcha das Margaridas, que também aconteceu em Brasília, e no Festival Jovens do Futuro, em Rio Branco. Além disso, fomos convidados para um encontro internacional de juventude rural na Colômbia, conquistamos representação no conselho da Resex Chico Mendes e entregamos uma carta ao então Ministro da Justiça, Flávio Dino, durante sua visita ao Acre. Essas realizações ressaltam nosso compromisso e impacto desde o início de nossas atividades.

Mesmo após nos tornarmos um coletivo reconhecido e atuante, sempre sentimos a necessidade de realizar um encontro presencial. Este sempre foi um sonho, e, apesar das dificuldades financeiras e logísticas, nunca desistimos. Buscamos parcerias para tornar esse momento uma realidade. Após meses de planejamento, o “tão aguardado encontro presencial do coletivo finalmente se concretizou em abril de 2024”, representando um marco significativo para os jovens envolvidos. A reunião foi o resultado de um esforço conjunto e da participação ativa de diversos parceiros, como o Instituto de Estudos Amazônicos (IEA), Comitê Chico Mendes, Sindicato de Brasiléia, Fundação Alemã GIZ, Instituto Fronteiras e o Conselho Nacional das Populações Extrativistas - CNS. Durante a oficina, refletimos sobre a identidade e propósito do coletivo, compartilhamos nossos sonhos, identificamos oportunidades de atuação dentro e fora de nossos territórios. Além disso, a discussão sobre a governança do coletivo foi central, marcando um momento de construção e amadurecimento do coletivo.

É importante ressaltar que a realização desse encontro foi fundamental para superar desafios, especialmente considerando a limitada conectividade à internet em algumas áreas do território. Nesse sentido, a reunião presencial representou uma oportunidade valiosa para a participação inclusiva de todos os membros, fortalecendo os laços e ampliando as possibilidades de atuação conjunta em espaços de decisão. Com um olhar direcionado para o futuro, o coletivo marcou esse momento como o início de uma nova fase, repleta de oportunidades e desafios a serem enfrentados em unidade e coletividade. V

Juventude Unida, Pelas Resex Vivas!

Primeiro encontro presencial do coletivo. Foto: José Lucas
Participação do Coletivo no encontro na Colômbia sobre juventude Rural, Foto: Cláudia de Souza GIZ/Brasil
Entrega carta de reivindicação da juventude extrativista MMA, Foto: Coletivo Varadouro

ações em rede

REFLORESTA JÁ: uma tour pelas potências das Amazônias brasileiras

Iniciativa da Coalizão Floresta Ativista mapeia, conecta e conta histórias de pessoas, coletivos, redes e movimentos em seus diferentes contextos, visando soluções conjuntas para emergências locais e globais

Por Mídia NINJA, da Coalizão Floresta Ativista

ações em rede

em 1º de maio de 2023, ativistas da Casa NINJA Amazônia iniciaram uma jornada no coração da Amazônia para contar histórias, conectar potências e trocar saberes e conhecimentos com realizadores, comunidades e povos da maior floresta tropical do mundo. Em formato itinerante, o projeto da Coalizão Floresta Ativista Amazônia percorreu, até agora, 40 municípios e territórios de cinco estados da Amazônia brasileira, em um percurso de 8.265 quilômetros em duas rotas de circulação.

“A gente está em uma grande imersão nas Amazônias brasileiras. Este é um momento em que a gente volta pra casa, reconectando esses Brasis que muitas vezes são invisibilizados”, disse Marielle Ramires, uma das fundadoras da Casa NINJA Amazônia, durante diálogo em Palmas (TO), uma das rotas da tour. “É um Brasil que enfrenta com muita resiliência as dificuldades de seus territórios, encontrando soluções para o mundo diante de crises tão sistêmicas que estamos enfrentando, entre elas a crise climática”.

Com início na capital de Mato Grosso, em Cuiabá, a primeira rota também passou por cidades de Rondônia e Acre. Em setembro do mesmo ano, a segunda rota da tour circulou por municípios de Tocantins, Maranhão, Pará e Amapá. Uma van da Casa NINJA Amazônia foi recebida por anfitriões que estão fazendo a diferença nos territórios amazônicos, especialmente quando falamos em reflorestamento.

E “reflorestar” não significa necessariamente plantar árvore no lugar onde ela foi derrubada. “Porque não é só a árvore que é derrubada. Quando uma árvore cai, além dos povos que são dizimados, também se derrubam a memória e a história daquele território”, disse Clayton Nobre, um dos integrantes da Casa NINJA Amazônia. “Muito se pensa que a história dos nossos territórios começa com a cidade. Eu sou de Manaus, por exemplo, e a gente sempre aprendeu que nós surgimos a partir do Ciclo da Borracha, o que é um erro. Quem são os indígenas, as pessoas escravizadas, os seringueiros que vieram ganhar a vida?”.

A tour conheceu, portanto, lideranças e iniciativas responsáveis por “reflorestar” a Amazônia no sentido em que resgatam memórias e histórias não contadas e que guardam soluções significativas para os colapsos ambientais que são mundialmente divulgados.

Embarque Mazagão. Foto: Midia NINJA

Um exemplo lúcido é Tocantins, que é dito o estado mais novo do Brasil, tendo completado 35 anos em outubro de 2023. Faltam nos livros de História, contudo, a memória de povos quilombolas e originários que fazem parte de nossa ancestralidade.

Em nosso deslocamento a Brejinho de Nazaré, em Tocantins, nosso primeiro contato foi com um pé de pequi que, estima-se, tem mais de 150 anos. “Meu avô sempre falava para gente que, desde que ele se entendeu por gente, esse pé de pequi já existia”, conta o quilombola Gederson Moreira, que nos recebeu no quilombo Malhadinha. O território mantém vivo o cultivo da mandioca, a produção de farinha e as histórias passadas de geração em geração.

Para Maryellen Crisóstomo, comunicadora quilombola do território do Baião, em Almas (TO), a narrativa de um estado novo para Tocantins invisibiliza a presença de comunidades e povos que já estavam ali antes de 1988. “A COEQTO (Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins) tem atuado para garantir a visibilidade desses territórios e, principalmente, a garantia de direito desses povos de permanecerem aqui”, disse Maryellen, que é coordenadora executiva da organização e apoiou a Floresta Ativista no percurso do projeto em Tocantins.

Em Santarém, no Pará, uma área na frente do município foi ocupada por povos indígenas da região em um grande acampamento na ocasião do aniversário da cidade. A ocupação visava mostrar que Santarém é terra indígena e que existe uma história anterior aos 362 anos que os livros de História contam.

“A Cargill foi implantada aqui em cima de um sítio arqueológico, onde está a memória de nossos ancestrais e nossos antepassados. Nunca ninguém fez nada sobre isso até agora”, disse Auricélia Arapiuns, da Associação Indígena do Baixo Tapajós, durante nossa passagem ao sudoeste paraense. “A UFOPA (Universidade Federal do Oeste do Pará) também está sobre um cemitério de nossos antepassados. Santarém era a maior ‘aldeia’ da Amazônia, aqui existiam pelo menos três grandes povos”.

Reflorestar por meio da cultura

Além de aldeias e povos indígenas e quilombolas, a tour passou por reservas extrativistas, casas de artesanato, grupos culturais, parques ecológicos, viveiros e outros locais de resistência e memória, como o quintal de Dona Domingas. “Aqui nasceu Cuiabá”, ela conta. Rezadeira, nome da cultura cuiabana, com forte ener-

gia e comida boa, Domingas cuida de um lugar que se conecta diretamente com as raízes e ancestralidade da cidade.

Com vistas a compartilhar essas práticas culturais, o lema “Refloresta Já” foi o grito de ordem dos debates públicos que a equipe produzia em cada município, em conversas que pautavam as experiências locais e nacionais, incluindo a da Coalizão Floresta Ativista Amazônia, e a partilha de soluções para os conflitos locais e globais. Além da Mídia NINJA, a Coalizão também é formada por ativistas da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas (ANMIGA) e o Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS).

“Quando o mundo pensa sobre a Amazônia, ele pensa em vida, pensa em ar, em uma diversidade enorme que é a maior floresta tropical do mundo. Como a gente faz para o nosso povo olhar para essa potência do mesmo jeito que o mundo olha?”, questionou Marielle, dessa vez em Cuiabá, sua terra natal, no

Dona Domingas em Cuiabá. Foto: Jhenifer Catherine-Mídia NINJA

ações em rede

primeiro dia de viagem. “A gente quer dar um mergulho pra mostrar que tem muita gente conectada com esse imaginário, enfrentando conflitos gravíssimos e ao mesmo tempo, diante da dificuldade, arranjando solução para inspirar o mundo”.

Muitos grupos contatados durante o percurso da tour guardam tecnologias ancestrais de defesa da floresta, seja por meio de campanhas e outras ações concretas, ou o manuseio da cerâmica pelas Mulheres de Barro em Parauapebas (PA), ou as louceiras do Maruanum, no Amapá, seja por meio de performances culturais que preservam a memória de um povo e seus modos de sociabilidade. Em muitos municípios, esses grupos culturais revelam que precisam reforçar ao poder público sua atuação como patrimônio histórico do território.

Em Guajará-Mirim, Rondônia, durante muito tempo os tambores do bumbódromo pararam de ressoar nos duelos do Boi Malhadinho e do Boi Flor do Campo por falta de reconhecimento do poder público. A união das agremiações rivais foi fundamental para que um festival tradicional, que carrega a memória de um povo, não caísse no esquecimento. Camila Miranda e Rosa Solani, as presidentas dos bois rondonienses, receberam juntas a Casa NINJA Amazônia Tour em um momento de retomada do Festival ‘Duelo da Fronteira’.

“Todo mundo sabe que cultura e turismo caminham juntos”, contou Rosa Solani, do Boi Flor de Campo. “Se você quer fazer turismo na tua cidade, tu tem que fazer cultura. Isso rendia pra comunidade, a cidade ganhava, comerciantes, lanchonete, supermercado, todo mundo ganhava”.

Os festejos, que acontecem desde 1994 no Bumbódromo, chegavam a reunir mais de 6 mil pessoas, incluindo moradores e

turistas de diversos países.

No Amapá, no Quilombo do Curiaú, o Marabaixo e o Batuque são exemplos de festas que guardam a história e identidade de um povo por meio da cultura e suas performances. “Muitos de nós ainda foram escravizados, a minha avó nasceu no dia 13 de maio de 1888 aqui no Curiaú”, disse a escritora e quilombola dona Esmeraldina, revelando outra faceta cruel da invisibilização. “Então o pai dela contava pra ela que, para eles terem as coisas, eles tinham que enterrar dinheiro, as coisas que eles tinham. Aqui era uma área de garimpo, então eles tinham ouro, mas tinham que enterrar”.

Potências de vida contra a morte

Atravessando as estradas da Amazônia, é notável como elas ficam melhores quando tem uma floresta que resiste. “O clima muda completamente e a viagem fica até mais agradável. Mas o simbólico disso tudo é que não é só a floresta”, conta Clayton. “Com tudo o que a gente escutou, histórias de ameaças, de assassinatos contra protetores ambientais, a gente percebe que quando percorremos um território arborizado, nos damos conta de que tem gente resistindo para manter aquela floresta viva”.

Dona Esmeraldina. Foto: Midia NINJA

Nesse sentido, o sudeste do Pará foi um lugar peculiar. Não há como não falar da Curva do S, na BR 155, o local onde policiais militares avançaram em um massacre contra uma passeata com 1500 trabalhadores sem terra. 21 foram mortos, outros 69 mutilados. A caravana passou ainda pela estrada rural de Anapu, onde uma emboscada assassinou a missionária irmã Dorothy Stang, grande ativista da floresta. Lá, Maria do Rosário, contou uma amiga que mantém a comunidade viva, contou sobre o grande legado de Dorothy pra preservação daquela região.

Uma das primeiras reportagens da Mídia NINJA, em 2013, foi em Marabá, sobre o assassinato de Zé Cláudio e Maria, um casal de trabalhadores da floresta que protegiam uma área muito importante ali na região de Nova Ipixuna. “Nós fomos lá em 2013 pra fazer cobertura do julgamento dos assassinos e desde então a gente tem acompanhado essa história e a construção do Instituto Zé Cláudio e Maria que foi construído a partir do legado deles”, disse Clayton. “Então nós voltamos lá durante a tour, 10 anos depois da primeira visita e escutamos de perto a história”.

No Acre, é notável como o legado deixado pelo seringueiro Chico Mendes permanece vivo na família e no grupo de extrativistas que mantêm a prática sustentável mesmo contra o avanço do desmatamento e do latifúndio. A equipe se deslocou de Xapuri até a colocação de Raimundão,

seringueiro que, junto do colega Sabá, contou sobre a história da criação das reservas extrativistas, um projeto original de Chico Mendes. “Eu e Sabá somos privilegiados de Deus por ainda estarmos vivos contando tudo isso pra vocês. Vontade de matar nós muitos já tiveram”.

Hoje, Raiara Barros, filha de Raimundão, representa uma das vozes de uma nova geração responsável por manter viva a memória de uma história importante para o estado acreano. Ela possibilitou o encontro da Mídia NINJA com centenas de jovens da região com quem tem feito um diálogo constante. “Temos mostrado pra essa galera que a floresta em pé vale muito mais do que criar gado”, contou. “Eu quero muito voltar às nossas culturas, porque hoje está praticamente tudo apagado, chamar essa juventude para estar junto com a gente”.

Com

tudo o que a gente escutou, histórias de ameaças, de assassinatos contra protetores ambientais, a gente percebe que quando percorremos um território arborizado, nos damos conta de que tem gente resistindo para manter aquela floresta viva”

Raimundão e Sabá, em frente a uma seringueira.
Clayton Nobre, integrantes da Casa NINJA Amazônia

ROTAS da tour

Ao todo, foram realizadas 24 atividades em grupo ao longo das duas rodadas da Casa Ninja Amazônia Tour, sendo 10 oficinas e 14 rodas de conversas. Mais de 50 lideranças tiveram suas histórias contadas através de 104 vídeos a serem publicados nos veículos de comunicação da Casa NINJA

Amazônia e Mídia NINJA durante a circulação nas 40 cidades da Amazônia por onde a tour passou ao longo de 2023. Agora, em 2024, a equipe se prepara para a terceira etapa criando uma diálogo ainda maior com a comunidade formada pela Coalizão, a fim de construirmos juntos as rotas e principais pontos de parada. Confira em breve as novidades. V

1 rota 2

Oficina Monte Sua Mídia a jovens de Xapuri. Foto: Beatriz Kalliope - Mídia NINJA

PULVERIZAÇÃO AÉREA DE AGROTÓXICOS NO MARANHÃO:

Nota sobre uma guerra química contra comunidades tradicionais

odia se anunciava com sol brilhante, alta temperatura e muita lama. Era dia 19 de abril de 2021 e o Sr. Vicente de Paula Costa Lira, 66 anos, liderança camponesa da comunidade tradicional Carrancas, Buriti- MA, relatou que a vida no seu povoado havia se tornado um inferno. Nesse dia, um avião lançou veneno num campo de soja diante de sua casa e pouco tempo depois, sua residência estava tomada por um forte cheiro de produto químico que deixou ele, sua falecida esposa Dona Maria Rita e seus netos sem ar.

Vivíamos, naquele ano, sob a pandemia da COVID-19 e as pessoas lutavam por ar. Naquele mesmo dia, a vizinha comunidade tradicional Araçás também teve seus moradores expostos a um produto químico desconhecido, lançado de um pequeno avião. As crianças do povoado, quando miraram as gotículas prateadas no calor do meio-dia, imaginaram que era chuva. Arthur, um garotinho cheio de saúde, teve seu pequeno corpo completamente banhado por veneno. Alguns dias, do seu corpo brotaram feridas. Sua mãe, Antônia, uma liderança comunitária, afirma que desde o fatídico dia, a criança nunca mais recuperou sua saúde e vive doente, com problemas respiratórios. O atendimento médico levou dias para chegar aos povoados. Um inquérito policial foi instaurado para apurar a responsabilidade criminal, mas passados três longos anos, este não foi concluído 1 .

Em março de 2024, as comunidades tradicionais

São José, Baixa Nova, Morada Nova, Buriti, Capinal, Santa Vitória, Passa Mal, Maresia, todas localizadas na zona rural de Timbiras-MA, foram contaminadas por agrotóxico lançados por aviões e drones. De acordo

com relatório do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Maranhão, que realizou missão in loco, juntamente com a FETAEMA, RAMA, CPT e MIQCB, ficou comprovada a perda da quase totalidade da produção agrícola dos trabalhadores rurais para o ano de 2024, pessoas tinham em seus corpos queimaduras provocadas por produtos químicos e crianças, idosos e gestantes estavam enfermos, com problemas gastrointestinais, ardência na pele e dor de cabeça.

De acordo com levantamento realizado pela FETAEMA, Rama e Laboratório de Extensão, Pesquisa e Ensino de Geografia (LEPENG/ UFMA), somente no ano de 2024, ao menos 33 comunidades tradicionais, territórios quilombolas e assentamentos da reforma agrária foram atingidos por agrotóxicos lançados por aviões e drones.

Estas situações, tributárias das brutalidades no meio rural brasileiro, devem ser compreendidas sob o prisma do processo de modernização da agricultura no Brasil, marcado por um cenário global violento e desigual, do qual decorreram a apropriação fraudulenta de terras, concentração fundiária, trabalho escravo, desemprego, diferentes formas de violência no campo e um dos mais elevados índices de desigualdades sociais do país. (MATTOS; SODRÉ, 2016).

1 Os fatos foram levados, pela Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão-FETAEMA, pela Rede de Agroecologia do Maranhão (Rama) e Diocese de Brejo ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos-CIDH, Organização das Nações Unidas- ONU, Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, Conselho Nacional de Direitos Humanos, ao Governador do Estado do Maranhão, Secretaria de Estado de Saúde, Secretaria de Estado de Segurança Pública, Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, Ministério Público Estadual e Federal e Defensoria Pública do Estado do Maranhão.

Tais ocorrências no meio rural maranhense revelam, outrossim, os impactos do uso e manuseio de agrotóxico sobre populações humanas e a natureza e a completa ausência de controle pelas autoridades públicas sobre atividades econômicas que o utilizam. Não obstante, apesar das evidências científicas das áreas de agronomia, toxicologia humana e ambiental sobre os riscos à saúde humana causada por agrotóxicos, ainda mais lançados por aviões, somente o Estado do Ceará2 dispõe de norma estadual que proíbe a aplicação aérea de agrotóxico3

Os dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE, 2018) apontaram um crescimento significativo em relação ao Censo de 2006 do número de estabelecimentos agrícolas que utilizam agrotóxicos, sendo que do total de 5.073.324 unidades agropecuárias recenseadas em 2017, 36% declararam utilizar agrotóxicos, ao passo que, em 2006, para um total de 5.175.636 unidades, essa proporção era de 30%.

Este crescimento exponencial de novos registros é acompanhado por uma intensa flexibilização de marcos regulatórios ambientais e agrícolas pautados pela Bancada Ruralista, que encontrou no Governo Bolsonaro (2019-2023) o maior aliado para fazer passar a boiada4. especialmente aqueles relacionados à expansão da liberação de novos produtos de agrotóxicos5.

O Maranhão também assiste a uma expansão do uso de agrotóxico em seu território, atrelado à expansão de monocultivos, sobretudo da soja. Conforme Araújo Soares Marques (2017), entre 2009 e 2014, houve um aumento na comercialização de todas as classes de agrotóxicos (herbicidas, inseticidas e fungicidas) comercializadas no Maranhão, sendo os herbicidas, indiscutivelmente, a classe com maior quantitativo em toneladas. Os herbicidas são bastante utilizados durante o preparo da terra para o cultivo, dissecando as pastagens e nas culturas de soja, milho, algodão e eucalipto.

Este processo de flexibilização ambiental atende aos interesses de corporações transnacionais que dominam a produção e comercialização de agrotóxicos ao redor do globo6 e é acompanhada a ampliação dos interesses de produtores rurais como de produtores de veneno e, quanto menos regulação para esses setores, maior suas margens de produção e de lucro.

2 A pulverização aérea de agrotóxicos é proibida no Ceará por força da Lei Estadual 16.820/2019.

3 No Maranhão, dos 217 municípios, somente 6 cidades proíbem a pulverização aérea de agrotóxicos sobre seus territórios.

4 O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou com vetos o Projeto de Lei (PL) 1459/2022- PL do Veneno- por afrouxar as leis que regulam o uso de agrotóxicos no país. O texto foi publicado em edição do Diário Oficial da União (DOU) em 28 de dezembro de 2023. Ao todo, foram 17 vetos impostos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Projeto de Lei 1459/2022.

5 Conforme publicações em diário oficial, o governo federal, por intermédio do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) publicou a aprovação de 1552 novos produtos agrotóxicos entre 2019-2022. Segundo registros da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, desses produtos autorizados recentemente, há 522 (41,5%) contendo 153 ingredientes ativos, dos quais 53 foram banidos em outros países

Área de agricultura familiar afetada por pulverização aérea.

Conforme Paula Andrade (2012), o cultivo da soja transgênica com uso do glifosato na tem implicado em gravíssimos problemas ambientais, assim como na precarização das condições de vida e trabalho de famílias camponesas do Maranhão, apontando como principais impactos verificados a destruição de amplas áreas de chapada, contaminação por agrotóxico de recursos hídricos e de áreas utilizadas para a produção de alimentos pelos camponeses, destruição de nascentes, assoreamentos de cursos d’água e outros efeitos negativos.

A gravidade da situação pesquisada vincula-se ao fato de que crianças, adolescentes, idosos e gestantes foram envenenados por uma substâncias tóxicas lançadas por avião e drone, não se tratando de uma situação isolada no Maranhão, visto que a utilização indiscriminada e progressiva de agrotóxicos tem sido responsável por inúmeros e graves casos de danos à saúde humana e ambiental7.

De acordo com informações do Sr. Vicente de Paulo Costa Lira, da Comunidade Carrancas, todos os anos, entre janeiro e março, por conta da aplicação de agrotóxico na lavoura de soja, o forte cheiro dos produtos químicos permanece por semanas em sua casa e sempre ocorre o adoecimento dos seus familiares (dor de cabeça, vômito, diarreia, ardor nos olhos, na boca, irritabilidade, coceira na pele), inclusive as crianças.

Conforme relato da Sra. Maria Rita dos Reis Lira, moradora da Comunidade Carranca:

Os gaúchos não conseguiram expulsar a gente do nosso lugar A gente resiste. Tem mais de 15 anos de agonia com esses homens. Já teve queima de casa, queima de roça. Já fomos parar na delegacia. Já veio jagunço. E agora veio o veneno. E tanto veneno que a gente não consegue ficar dentro de casa. Tem mais de 5 anos essa arrumação na porta daqui de casa. Ele quer nos expulsar jogando veneno na nossa cara”.

Nas palavras de Almeida (1997), tais situações evidenciam casos de inegociabilidade, de intolerância continuada e de confrontos prolongados e sem perspectiva imediata de resolução por parte das autoridades competentes.

Estas situações de conflitos socioterritoriais são, conforme Enrique Leff (2015), o resultado da crise da racionalidade moderna (formal, instrumental e institucional) que ordena a racionalidade econômica e jurídica e guiam os processos de produção, os regimes de propriedade e a justiça social.

6 O Brasil é o maior consumidor de agrotóxico do mundo e apenas dez empresas respondem por 90% do mercado nacional: Bayer (Alemanha), Syngenta (Suíça), Basf (Alemanha), Monsanto (EUA), Dow Chemical (EUA), Milenia/Makteshim Agan (Israel), DuPont (EUA), FMC (EUA), Nortox (Brasil) e Arysta (Japão).

7 Apesar da União Europeia ter proibido desde 2009 a pulverização de pesticidas por aviões e os danos decorrentes da pulverização aérea de agrotóxicos serem de difícil mensuração, haja vista que a nuvem de veneno proveniente da deriva pode alcançar largas distâncias do alvo pretendido, esta prática tem sido cada vez mais comum, envolvendo uso de aviões, helicópteros e drones.

Agricultor mostra ferimento causado pela pulverização.

Foto: Rogério Albuquerque.

Os episódios descritos revelam, igualmente, que os agrotóxicos estão sendo utilizados por fazendeiros como armas químicas em conflitos agrários, visando a expulsão de famílias de suas terras. O relato do Sr. Vicente de Paulo Costa Lira revela a brutalidade promovida por sojicultores contra os moradores da comunidade Carrancas: De janeiro para cá, não tenho nem as contas de vezes que eles jogaram veneno aqui, inclusive eles chegaram a abastecer a máquina que coloca o veneno bem aqui na minha porta mais de uma vez. Eu considero isso uma pressão, estou sendo pressionado por todos os lados. É um fedor insuportável, a gente suporta, porque de qualquer maneira estamos sendo obrigados a suportar tudo isso aqui”.

As comunidades analisadas vivem sob um intenso processo predatório de um ecossistema extremamente complexo e frágil e de uma degradação ambiental em seu ponto crítico, com a cobertura vegetal devastada, com o solo submetido a rápido esgotamento (ALMEIDA, 2005), com envenenamento de populações, destruição de nascentes de rios, derrubadas de babaçuais, de buritizais, de pequizeiros, bacurizeiros, da conversão do Cerrado e da Amazônia em carvão. Conforme Stengers (2015):

A contemporaneidade desse duplo devir planetário não tem nada de casual: a brutalidade de Gaia corresponde à brutalidade daquilo que a provocou, a de um “desenvolvimento”cego às suas consequências,ou,mais precisavamente, que só leva em conta suas consequências do ponto de vista das novas fontes de lucro que elas podem acarretar.

Percebe-se, pois, que a vilania e a brutalidade se incorporam no cotidiano de comunidades rurais no Maranhão, numa clara e persistente desconfiguração de princípios constitucionais, como o da dignidade humana. Os episódios narrados revelam um estado de exceção permanente vivenciado por comunidades tradicionais do Maranhão, que se materializa em insegurança alimentar, ameaças de morte, deslocamentos internos, expulsões e guerra química. Apesar de todo processo de violência em curso, as comunidades resistem. V

Ariana Gomes da Silva Muniz é Secretária Executiva da Rede de Agroecologia do Maranhão- Rama. Assistente Social. Mestre em antropologia pelo Programa de Pós-graduação em Cartografia Social e Política da Amazônia.

Diogo Diniz Ribeiro Cabral é Advogado. Assessor Jurídico da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão-FETAEMA. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Socioespacial e Regional – PPDSR/ UEMA. E-mail: diogoelllas@ hotmail.com

Raimundo Alves da Silva é Coordenador Executivo da Associação Comunitária de Educação em Saúde e Agricultura- Acesa. Membro da Coalizão Agroecologia para Proteção das Florestas da Amazônia. Mestre em Sustentabilidade Junto a Povos e Territórios Tradicionais/UnB

Os autores

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de; MARTINS, Cynthia Carvalho; SHIRAISHI NETO, Joaquim. Guerra Ecológica nos Babaçuais: O processo de devastação das palmeiras, a elevação do preço de commodities e aquecimento do mercado de terras na Amazônia. São Luis: MIQCB/BALAIOS TYPOGRAPHIA, 2005.

ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Rituais de Passagem entre a chacina e o genocídio: conflitos sociais na Amazônia, in Chacinas e massacres no campo/Maristela de Paula Andrade. São Luís: Mestrado em Políticas Públicas-UFMA,1997.

ARAÚJO SOARES MARQUES, LAURA ANTONIETA. Gestão de Agrotóxicos: uma proposta de controle para o Estado do Maranhão. 2017. Dissertação – Programa de Pós-graduação em Energia e Ambiente, Universidade Federal do Maranhão, 2017.

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, [1988]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02 out. 2021.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Agropecuário 2017Número de Estabelecimentos Agropecuários, Quantidade produzida e Área colhida por produtos da lavoura temporária. Rio de Janeiro: IBGE, 2017. Disponível em: https://www. ibge.gov.br/estatisticas/economicas/agricultura-e-pecuaria/21814-2017- censo-agropecuario. html?=&t=resultados>. Acesso em: 20 dez 2021.

LEFF, Enrique. Los derechos del ser colectivo y la reapropriación social de la naturaliza. In: CUNHA, Berlinda Pereira da et. al. (orgs.). Os saberes ambientais, sustentabilidade e olhar jurídico: visando a obra de Enrique Leff. Caxias do Sul: Educs, 2015.

MATTOS, José; SODRÉ, Ronaldo. O emaranhado dos conflitos de terra no campo maranhense. Revista de Geografia e Ordenamento do Território – GOT, n. 10, p. 345-354, dez. 2016. Disponível em: http://cegot.org/ojs/index.php/GOT/article/view/2016.10.016. Acesso em: 30 jun. 2021.

PAULA ANDRADE, Maristela de. Conflitos socioambientais no Leste Maranhense. Problemas provocados pela atuação da Suzano Papel e Celulose e dos chamados gaúchos no Baixo Parnaíba. Relatórios de pesquisa. PPGCSoc/GERUR. Mimeo, 2012.

STENGERS, Isabelle. No tempo das catástrofes. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

QUAL A RELAÇÃO ENTRE CERRADO E RACISMO

AMBIENTAL?

Por Olavo Lisboa dos Santos da Coalizão Vozes do Tocantins

Foto: Raissa Azeredo / Mídia NINJA

obioma Cerrado é um ecossistema que apresenta uma vasta variedade de biodiversidade em fauna e flora. No entanto, esse bioma, rico em diversos aspectos, enfrenta constantes ameaças advindas de grandes empreendimentos em busca de sua riqueza, principalmente em relação ao solo. Ademais, é frequentemente alvo de inverdades ao ser erroneamente caracterizado como um deserto desprovido de vida, tudo isso visando à apropriação das terras por parte de latifundiários, que buscam estabelecer extensas plantações de monoculturas, especialmente a soja. Assim, compreender a relação entre o Cerrado e o racismo ambiental, bem como suas problemáticas associadas é fundamental, especialmente porque sou oriundo desse local e sinto o dever de defendê-lo.

A defesa desse bioma se dá por meio da ciência, através da apresentação de dados que evidenciem sua riqueza e a urgência em preservá-lo. É imprescindível também destacar as populações que habitam o Cerrado, a fim de desmentir as falsidades propagadas por grandes fazendeiros, que utilizam mentiras para justificar a invasão desses territórios. Além disso, é essencial estabelecer uma relação entre a importância da preservação do Cerrado e os conhecimentos provenientes dos povos que nele habitam, os quais defendem e dependem desse ecossistema.

Aldeia Santa Cruz Ripá TI Pimentel Barbosa / município de Canarana- Mato Grosso

De acordo com o resumo expandido do Perfil do Ecossistema Hotspot de Biodiversidade do Cerrado, o Cerrado é “o maior hotspot do Hemisfério Ocidental, cobrindo mais de 2 milhões de km²”( p. 8), a savana que possui uma grande biodiversidade de fauna e de flora. O bioma para além da importância ambiental, apresenta uma grande importância social, tendo em vista as comunidades do campo e da cidade que vivem dentro desse território. As pessoas necessitam de seus recursos naturais para a sua sobrevivência. Um exemplo são as águas.

Conforme o perfil supracitado, a água do bioma é essencial para a existência da biodiversidade. O Cerrado é um grande reservatório de água, conhecido como o berço das águas. Isto em conformidade com o que escreve Lima e Silva (2020) “(...) a região de Cerrado possui em relação à produção hídrica no território brasileiro, contribuindo para oito das doze grandes regiões hidrográficas brasileiras definidas pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH).” O bioma vem sofrendo muito com o aumento do desmatamento e consequentemente outras questões surgem como por exemplo: invasão de terras, roubos de madeira de territórios tradicionais, contaminação de nascentes, problemas estes que afetam primeiramente as populações do campo, seja moradores de fazendas, os pequenos agricultores, seja comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas.

Dessa forma, apresento o Racismo Ambiental que é um sistema que se estabelece em uma estrutura, voltada para a destruição por meio da poluição de ambiente em que vivem as pessoas mais vulneráveis (pessoas pretas, de comunidades tradicionais, de favelas ou bairros periféricos). De acordo com Guida e Melo:

Esse termo surgiu em fins da década de 1970, nos Estados Unidos, em virtude de movimentos de negros americanos que se colocaram nas ruas do condado de Warren, Carolina do Norte, para protestar contra o depósito de lixo tóxico vizinho a suas comunidades. Será que era pura coincidência que boa parte dos aterros desse tipo de lixo se localizava em bairros cujos moradores eram negros? Parece que não. Atribui-se ao pastor afroamericano Benjamin Chavis a autoria do termo racismo ambiental.(Guida e Melo, 2020, p. 70)

Conclui-se que o racismo ambiental pode ser traduzido como o acúmulo de desigualdade referente a problemas que envolvem a questão ambiental, seja a contaminação de rios por grandes empresas, a falta de saneamento ou até mesmo alagamentos, deslizamentos causados pelas mudanças climáticas que matam ou deixam milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade. Estas pessoas são de comunidades pobres, colocadas à margem da sociedade, ou seja, negros moradores de periferia, quilombolas, indígenas e de outras comunidades do campo.

O Cerrado é um bioma muito importante para a vida no Brasil, e principalmente para seus moradores. Todavia, aspectos ligados ao racismo ambiental poderão dificultar a vida de muitas pessoas. Assim, entender e combater o racismo ambiental é um caminho para a justiça climática e ambiental, e por isso precisam ser feitas políticas antirracistas ambientais. Discussões sobre justiça climática sem debater esse tema são vazias. A crise ambiental pode ser revertida se começarmos a pensar mais em quem protege as florestas e o meio ambiente.

autor

Olavo Lisboa dos Santos é morador da região sudeste do Tocantins, na cidade de São Valério, proveniente da agricultura familiar, jovem negro, formado em Pedagogia na Universidade Federal do Tocantins em Arraias, mestrando em educação na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), pesquisador da temática da justiça ambiental e práticas educomunicativas, criador do podcast “Educomunica Cerrado”.

REFERÊNCIAS

ISPN - Instituto Sociedade, População e Natureza. “Berço das Águas.” Disponível em: https://ispn.org.br/biomas/cerrado/bercodas-aguas/. Acesso em: 04/04/2024.

GUIDA, Angela Maria. MELO, Gleison André Pereira de. Decolonialidade da natureza: para um olhar nítido como um girassol. Itinerários, Araraquara, n. 51, p. 65-80, jul.dez. 2020.

LIMA, J.E.F.W.; SILVA, E.M. “Estimativa da contribuição hídrica superficial do Cerrado para as grandes regiões hidrográficas brasileiras”. In: Anais do XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007, São Paulo: ABRH, 2007. Disponível em < www.abrhidro.org.br/SGCv3/publicacao. php?PUB=3&ID=19&SUMARIO=4580 >. Acesso em 04/04/2024 .

Sawyer, Donald et al. Perfil do ecossistema hotspot de biodiversidade do cerrado: resumo expandido. Brasília: Supernova, 2017. 80 p. Disponível em:< https://shs.hal.science/halshs-02870718/ document> Acesso em: 01/04/2024

PELO PEQUIZEIRO DE PÉ: ADVOCACY PELO CLIMA NO TOCANTINS

Parcerias estratégicas, diálogos construtivos e o enfrentamento a desafios jurídicos e políticos foram algumas das iniciativas da Coalizão Vozes do Tocantins em 2023

Por Coalizão Vozes do Tocantins

Fotos: Acervo Coalizão Vozes do Tocantins / Kiw Assessoria

Políticas públicas que valorizem os povos tradicionais e que protejam o Cerrado estão entre as principais frentes da atuação da Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática. Para potencializar a luta, a Coalizão contou, ao longo de 2023, com uma equipe de incidência jurídica e política (equipe de advocacy) que atuou estrategicamente para influenciar na defesa da natureza no Tocantins e dos povos que a protegem, por meio de incidência nas políticas públicas em âmbito estadual e nacional.

“A mudança climática não é apenas um problema ambiental a ser abordado, mas também, um desafio social com aspectos éticos e de direitos humanos. Afinal, não é possível o silêncio diante da nova onda de exclusão social, dor e sofrimento decorrentes dos desastres causados por eventos climáticos extremos, como enchentes, secas e doenças que se alastram nas comunidades mais vulneráveis. O Cerrado vem enfrentando sérios desafios devido à expansão agropecuária predatória, que provoca desmatamento e queimadas, que resultam na perda de vegetação nativa e de biodiversidade, bem como diversas tentativas de flexibilizar a legislação ambiental para facilitar a implementação de grandes projetos agropastoril e mineração”, é o que afirma a advogada membro da equipe de advocacy, Luz Malves.

No primeiro semestre de 2023, na busca por mudar esse cenário, a equipe de incidência jurídica e política (equipe de advocacy) participou de uma intensa mobilização em torno de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), promovida pelo Ministério Público do Estado do Tocantins - MPE/TO, que questionava artigos da lei que flexibilizou licenças ambientais no Tocantins. A Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática figurou como amicus curiae nesta ação por intermédio do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). Reuniões com autoridades e representantes da sociedade civil foram realizadas para discutir estratégias e planejar a atuação jurídica e política acerca do assunto, além da promoção do Curso de Licenciamento Ambiental no Tocantins, que contou com significativa adesão da sociedade civil e representantes institucionais.

Outra conquista importante foi a criação do grupo Catrapovos Tocantins, uma articulação que propõe promover um espaço de diálogo para a adoção de alimentação tradicional em escolas indígenas, quilombolas, ribeirinhas, entre outras. A temática teve participação especial da equipe de incidência jurídica e política (equipe de advocacy), que vê nisto um ponto estratégico para a justiça climática, afinal, a soberania alimentar nas comunidades tradicionais, além de gerar renda para sua subsistência, contribuem

Formação de Jovens em Comunicação e Justiça Climática.

para a valorização das riquezas do Cerrado, cuja preservação é essencial para amenizar e enfrentar os desafios das mudanças climáticas.

No segundo semestre, o grupo realizou, junto aos assessores jurídicos da Articulação Resistência ao Matopiba, uma série de atividades em prol dos direitos territoriais e ambientais no estado do Tocantins e na região do Matopiba - sigla para a fronteira agrícola nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia - região altamente cobiçada pelo agronegócio brasileiro. A aproximação com outras iniciativas foi fundamental e cada estado da fronteira realizou um estudo preliminar sobre a inconstitucionalidade de suas respectivas Leis de Terras.

Com isso, a equipe de incidência jurídica e política (equipe de advocacy) participou ativamente na elaboração da ADI contra a Lei de Terras do Tocantins nº 3.525/19, em conjunto com diversas organizações e assessorias jurídicas. O protocolo da Ação Direta de Inconstitucionalidade foi realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) perante o Supremo Tribunal Federal (STF), marcando um passo importante no trabalho dos grupos envolvidos.

Durante o IV módulo do curso de Formação de Jovens em Comunicação e Justiça Climática, promovido pela Coalizão Vozes do Tocantins, realizado na Aldeia Prata, em Tocantinópolis/TO, a equipe do Advocacy Tocantins também destacou seu comprometimento com a preparação da oficina “Estado e Atuação do Advocacy”, seguido de sua apresentação. Buscando capacitar e inspirar os participantes a se envolverem ativamente na promoção da justiça climática, essas atividades não apenas fortalecem os laços com a comunidade local, mas também enfatizam o papel fundamental do grupo na defesa de questões cruciais para a região.

Parte da Equipe de Advocacy da Coalizão.

Outra atuação importante da equipe de incidência jurídica e política (equipe de advocacy) foi sua participação na elaboração e articulação da Nota dos Movimentos Sociais do Tocantins, em oposição ao projeto de lei 1199/2023. Este projeto sugere a transferência do domínio das terras públicas da União para o Estado do Tocantins. A Nota expressou sérias preocupações em relação aos problemas ambientais e fundiários do Estado, destacando a falta de comprometimento por parte do Governo Estadual com a conservação do meio ambiente, a preservação do Cerrado e a implementação de políticas eficazes de reforma agrária.

A equipe também se dedicou à análise de documentos relevantes, como a Lei Complementar 144/2023, que desburocratiza a produção de peixes em tanques suspensos no Tocantins, modelo de produção que pode gerar impactos como consumo excessivo de água, poluição e desmatamento. A equipe de incidência jurídica e política (equipe de advocacy) atuou ainda na análise e monitoramento da lista de desmatamento no Estado e no contato com órgãos responsáveis para levantar informações sobre conflitos agrários e possíveis irregularidades em registros de terras.

Potencializando a agenda, a equipe de incidência jurídica e política (equipe de advocacy) apoiou a comunicação, levando as discussões jurídicas ao conhecimento público, aumentando o alcance e promovendo o debate sobre as questões pontuadas. De modo geral, foi identificado grande avanço, visto a fragilidade - ou ausência - de movimentos que defendam as pautas de justiça climática em âmbito jurídico no Estado do Tocantins. Em 2023, foram estabelecidas conexões importantes para a rede da Coalizão, as quais devem fortalecer as atividades previstas ao longo do ano de 2024. V

A Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática iniciou sua articulação com seis organizações e atualmente já é composta por 15, sendo oito de base comunitária, representativas de agricultores familiares, povos e comunidades tradicionais; quatro não governamentais de assessoria; dois movimentos sociais e uma universidade.

São elas: Cooperativa Cooperativa de Trabalho, Prestação de Serviços, Assistência Técnica e Extensão Rural (Coopter); Centro de Trabalho Indigenista (CTI); Associação Quilombola Kalunga do Mimoso Tocantins (AKMT); Associação Indígena Pyka Mex – Povo Apinajé; Associação Central Cultural Kajre –Povo Krahô; Colônia de Pescadores e Pescadoras de Araguacema; Cooperativa da Agricultura Familiar do Bico do Papagaio (COAF Bico); Associação Wyty Catè – povos Timbira; Associação de Mulheres do Cantão (AMA); Associação Comunitária dos Artesãos e Pequenos Produtores de Mateiros – Jalapão (ACAPPM); Universidade Federal do Tocantins (UFT); Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST); Movimento Estadual dos Direitos Humanos (MEDH), Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN) e Associação Onça D´Água de apoio à Gestão e ao Manejo das Unidades de Conservação do Tocantins.

ações em rede

Rádios Banzeiro e Comunicação Popular

Projeto desenvolvido por coalizão de organizações do oeste do Pará pautam a retomada de rádios comunitárias e sua importância para a democratização da comunicação popular nos territórios

Por Marta Costa, da Coalizão Rádio Banzeiro de Comunicação • Foto: Tapajós de Fato • Ilustração: Jambo Estúdio

Historicamente, o rádio na Amazônia desempenhou um papel fundamental na luta pelos direitos das comunidades locais, na defesa do meio ambiente e na promoção da cultura regional. Por ser uma região marcada por intensos conflitos socioambientais, especialmente relacionados à expansão agrícola, exploração madeireira, grilagem de terra, pecuária e aos projetos de desenvolvimento que ignoram os interesses das populações tradicionais, as rádios comunitárias surgiram (na década de 90) como uma ferramenta poderosa para a mobilização e organização das comunidades amazônicas. Elas permitiram que as vozes das populações indígenas, ribeirinhas, quilombolas e outras comunidades tradicionais fossem ouvidas em todo o país e até internacionalmente.

Nesse cenário, as rádios comunitárias foram essenciais para denunciar violações de direitos humanos, crimes ambientais e outras formas de injustiça social que frequentemente ocorriam nas áreas rurais da Amazônia.

Contudo, ao longo dos anos 90, as rádios comunitárias também enfrentaram desafios significativos, incluindo falta de reconhecimento legal, perseguição por parte de autoridades locais e interferência de interesses comerciais e políticos. Muitas vezes, essas rádios operavam em uma espécie de “limite legal”, sujeitas a constantes ameaças de fechamento e censura. Ao longo dos anos, devido as novas tecnologias de comunicação, o surgimento da internet e outros fatores esses veículos perderam força.

É por entender a importância das rádios comunitárias que a Coalizão Rádio Banzeiro, por meio do programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), vem desenvolvendo no oeste do Pará o projeto “Banzeiro de Comunicação Popular no PAE Lago Grande”.

O projeto tem por objetivo promover o debate e incentivar a retomada das rádios comunitárias no território, por meio de oficinas de comunicação popular, apoio e fortalecimento das rádios comunitárias existentes e incentivo para o surgimento de novas rádios.

A Coalizão Rádio Banzeiro, é uma coalizão composta por três organizações do Oeste do Pará, mais especificamente, da região de Santarém: Tapajós de Fato, Coletivo Guardiões do Bem Viver e Federação das Associações de Moradores e Comunidades do Assentamento Agroextrativista da Gleba Lago GrandeFEAGLE, que se unem para desenvolver um projeto de democratização da comunicação nas comunidades que compõem o território do Assentamento. Por meio da comunicação radiofônica popular, vêm desenvolvendo oficinas (vivências) em comunicação para os comunitários do Assentamento PAE Lago Grande, bem como, produzindo matérias de comunicação no formato Podcasts e reportagens.

O projeto prevê, ainda, a distribuição dos materiais produzidos para outras rádios comunitárias em várias regiões do território Amazônico, proporcionando a consolidação de uma rede de conexões entre essas rádios.

Na atualidade, na região do Tapajós, as rádios comunitárias desempenham um papel crucial na democratização da comunicação e na promoção do desenvolvimento local, uma vez que, historicamente, o Oeste do Pará, incluindo a região de Santarém, enfrentou sérios desafios relacionados à comunicação, com uma cobertura limitada das grandes mídias e uma falta de representação das questões locais. Nesse sentido, as rádios comunitárias surgiram como uma alternativa viável para preencher essa lacuna, fornecendo um meio de comunicação acessível e inclusivo para as comunidades locais.

Essas rádios não apenas oferecem entretenimento, mas também desempenham um crucial papel educativo e informativo.. Elas são veículos para a disseminação de informações sobre saúde, educação, direitos humanos, questões ambientais, entre outros temas relevantes para as comunidades, sendo também importantes para a preservação da cultura local, dando voz às tradições, músicas e narrativas do território. Elas promovem a valorização da identidade cultural e fortalecem os laços comunitários.

No contexto do projeto Banzeiro de Comunicação no território do PAE Lago Grande, o fortalecimento das rádios comunitárias é fundamental para empoderar as comunidades, possibilitando que expressem suas

necessidades, interesses e aspirações. As oficinas de comunicação popular, bem como o incentivo para o surgimento de novas rádios, visam ampliar o alcance e a qualidade da comunicação nas comunidades do assentamento.

Por fim, convidamos todas as pessoas para acompanhar as reportagens por meio do portal tapajosdefato.com.br e ouvir os podcast “Falas pela ação climática”, “Tapajós de Fato” e o “Não Abra Mão da Sua Terra” que estão disponíveis gratuitamente no Spotify. V

CONHECIMENTO CLIMÁTICO PELOS POVOS INDÍGENAS

Centro Amazônico de Formação Indígena, da COIAB, promove Curso sobre Mudanças Climáticas, Carbono e REDD+ para lideranças

Por Débora Delgado Baré, da Gerência de Projetos da Coiab. Revisado por Jaqueline Xavier e Robson Baré, da Gerência de Comunicação da Coiab.

Fotos: Rede de Jovens Comunicadores da COIAB.

Mais de 230 lideranças de 62 povos indígenas da Amazônia brasileira ampliaram seus conhecimentos sobre mudanças climáticas, mercado de carbono e REDD+ ao longo do último ano. Por meio do Centro Amazônico de Formação Indígena (CAFI), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) realizou o Curso sobre Mudanças Climáticas, Carbono e REDD + na Amazônia Indígena. O objetivo foi fortalecer as vozes dos povos indígenas nos espaços de discussões e decisões no Brasil e no mundo, produzir e fortalecer ações em seus territórios, desenvolver as capacidades das lideranças indígenas a diagnosticar suas percepções sobre mudanças climáticas, carbono e mecanismos de REDD+, para realizarem a construção de um plano de ação dos povos indígenas da Amazônia brasileira pela justiça climática, com lideranças que já estejam envolvidas nessas temáticas em seus estados.

Participantes do Módulo III, em Santarém-PA.

O curso promoveu a troca de saberes entre as lideranças para fortalecer as ações de defesa dos territórios ancestrais, enquanto ambientes ecologicamente equilibrados para todos. A articulação contou com os representantes das organizações regionais dos nove estados da Amazônia brasileira que fazem parte da Rede COIAB e foi apoiado pelo programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), e também pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Environmental Defense Fund – EDF e The Nature Conservancy (TNC). A formação foi dividida em 3 módulos, que aconteceram em 3 estados da Amazônia brasileira, garantindo a participação de representantes de todos os estados amazônicos.

Módulo

AM e TO

a 27/07/2023

15/01/2024,

AC, RO e MT

2 a 5/10/2023

A primeira etapa do curso foi realizada no Lago Caracaranã, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, estado de Roraima entre os 23 a 27 de julho de 2023, onde estiveram presentes lideranças indígenas entre homens, mulheres e jovens dos estados do Amazonas, Tocantins e Roraima com mais de 80 (oitenta) formados.

A segunda etapa do módulo foi realizada entre os dias 02 a 05 de outubro de 2023 e sediada na aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/Kaxinawá, no estado do Acre. O módulo presencial contemplou participantes do estado de Rondônia, Mato Grosso e Acre com a participação de mais de 60 lideranças indígenas formadas entre homens, mulheres e jovens dos referidos territórios.

23
Em Roraima, Terra Indígena Raposa Serra do Sol
RR,
12 a
Em Santarém, no estado do Pará
PA, AP e MA
Módulo II
I
No Acre, Aldeia Morada Nova do Povo Shanenawa, município de Feijó
Módulo III
Oficina do Módulo I, na TI Raposa Serra do Sol, em Roraima.

ações em rede

A terceira e última etapa do curso foi realizada entre os dias 12 e 15 de janeiro e sediada na aldeia Vista Alegre do Capixauã, na região de Santarém, no estado do Pará. O módulo contou com a participação de lideranças dos estados do Pará, Maranhão e Amapá totalizando 90 lideranças indígenas formadas entre homens, mulheres e jovens. Com isso, o curso promoveu a formação de representantes de 62 povos indígenas, 81 terras indígenas e 38 organizações de base da Rede COIAB.

Para além do envolvimento das organizações regionais da Rede COIAB, os participantes da aldeia atuaram como multiplicadores e facilitadores dos conhecimentos adquiridos durante o curso em seus territórios, nas suas aldeias e com suas organizações de base, com a união dos seus conhecimentos tradicionais e científicos tendo em vista que os povos indígenas são os doutores do clima e possuem conhecimento de causa na proteção milenar da biodiversidade no Brasil e no mundo.

Realizado por Débora Delgado Baré, ponto focal pela Gerência de Projetos da Coiab. Revisado por Jaqueline Xavier e Robson Baré, da Gerência de Comunicação da Coiab. V

Siga as redes da @coiabamazonia e saiba mais sobre o trabalho.

Módulo II, na aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/ Kaxinawá, no estado do Acre.
Módulo II, na aldeia Morada Nova, Terra Indígena Katukina/ Kaxinawá, no estado do Acre.
Módulo III, na Vista Alegre do Capixauã, em Santarém-PA.

VOZES DO TAPAJÓS

Repórteres comunitários do BAIXO Amazonas e Tapajós mostram estiagem severa, impacto nos roçados e produções familiares em vídeos.

Denominada “Nossas águas pelas lentes da juventude”, chamada teve como marco da exibição o dia mundial da água

Os efeitos das mudanças climáticas ganharam as telas do auditório Tapajós da Universidade Federal do Oeste do Pará. Dentre os dezenove vídeos inscritos no concurso “Nossas águas pelas lentes da juventude”, três foram selecionados na edição que destacou as consequências das mudanças climáticas (falta de chuvas/seca extrema/ instabilidade) em territórios ribeirinhos, indígenas e quilombolas, proteção aos rios e poluição hídrica, consumo humano da água, dentre outros.

Jovens de territórios da Várzea, Resex Tapajós-Arapiuns e Flona Tapajós dos municípios Santarém, Óbidos, Curuá e Belterra evidenciaram nas produções audiovisuais, como tem enfrentado as alterações do clima em suas respectivas comunidades e aldeias. Um conselho avaliativo foi formado por cinco jurados

que avaliaram criatividade, relevância, originalidade e adequação ao tema. Integraram essa comissão: Antônio José – SAPOPEMA; Priscila Cotta (in memorian) – Laboratório de Comunicação Amazônia; Ulisses Farias – TV Tapajós; Fábio Pena – VAC Tapajós / Saúde e Alegria e Samela Bonfim – Coordenação da Chamada.

As três melhores produções foram premiadas com equipamentos (Kits com aparelhos celulares e microfone de captação de áudio). No evento foram anunciados dez bolsistas para produção de conteúdos regulares por três meses. Os mesmos estão produzindo acompanhados e orientados sobre as produções e entregas mensais. As produções foram publicadas nesta playlist e integradas ao banco de soluções climáticas da plataforma Vozes do Tapajós

PREMIADOS

“Conjuntura Socioambiental das Águas do Rio Tapajós”

A chamada criativa integrou o evento “Conjuntura Socioambiental das Águas do Rio Tapajós” promovido pelo Movimento Tapajós Vivo (MTV), Escola de Militância Socioambiental Amazônida (EMSA) e a Sociedade para a Pesquisa e Proteção do Meio Ambiente (SAPOPEMA) em parceria com o Instituto de Ciências e Tecnologia das Águas da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA).

O objetivo do encontro foi promover a discussão sobre as águas da região da bacia do Tapajós, debatendo a necessidade de políticas públicas voltadas para a gestão das águas, preservação ambiental, uso sustentável de recursos hídricos e conflitos de interesses.

Foram realizadas rodas de conversa e palestras e foram realizadas análises sobre a distribuição e disponibilidade de água no mundo, abordando os principais desafios globais relacionados ao desmatamento, conflitos pelo uso da água, alterações climáticas, escassez, poluição e acesso à água potável. V

Súplica amazônica. Assista
Falta de chuva e impacto nas plantações. Assista
Vozes do Território. Assista
Bolsistas selecionados. Foto: Acervo Vozes do Tapajós.

AS BAIXADAS JÁ REALIZARAM SUA

SEGUNDA COP em Belém

Pelas mãos das juventudes ribeirinhas e periféricas, a (DES)conferência do Clima foi realizada na Ilha de Caratateua

Por Matheus Botelho e Tainá Barral, da COP das Baixadas Fotos: Isabelle Ferreira

Nos dias 15, 16 e 17 de março ocorreu a II Conferência das Baixadas com a proposta de aprofundar o debate ambiental nos territórios periféricos da capital paraense, de forma online com discussões transmitidas ao vivo e disponíveis no Canal do Youtube da organização, e presencialmente na Escola Bosque, na Ilha de Caratateua, Distrito de Outeiro. Nesta edição, os eixos temáticos da programação giraram em torno do Acordo de Escazú, o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe, que aborda aspectos como: Direito à informação e acesso; defesa do meio ambiente e seus defensores; e democracia e participação popular.

A Conferência das Baixadas surgiu em 2023, com a intenção principal de tornar as discussões, debates e temáticas alcançadas pela crise climática mundial mais próxima do cotidiano das pessoas, em especial dentro das periferias que são, historicamente, as mais atingidas pelos desdobramentos da crise no cotidiano. Popularmente conhecida como “COP das Baixadas”, é um espaço de discussão, planejamento e de protagonismo das periferias em espaços e fóruns de construção de políticas públicas a partir da união de atores, coletivos e organizações de base comunitária das periferias amazônicas, sobretudo de Belém, cidade sede da 30° Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30).

O NOVO POLÍGONO DA COP: AS BAIXADAS NORTEANDO O DEBATE CLIMÁTICO PARA A COP 30

Belém possui grandes dimensões territoriais da ordem de 1.059,466 km2 de área, tendo 34,6% do seu território formado pela região continental e 65,4% correspondendo ao conjunto de 39 ilhas. Contudo, os projetos para a Conferência do Clima de 2025 foram todos alocados em um perímetro denominado “Polígono COP 30”, que recorta a parte da cidade. Não obstante, esta área concentra os bairros com os imóveis mais valorizados da capital.

Em contraponto a esta centralização das melhorias de infraestrutura na cidade, a coalizão de organizações e coletivos que integram a COP das Baixadas propõem um novo “polígono da COP 30” para Belém, partindo das baixadas e periferias da capital paraense, em busca da ampliação do raio de atuação e visibilidade para às reivindicações estruturais sociais e políticas da população que não será beneficiada diretamente com as obras ou mesmo pela circulação de pessoas e eventos a serem realizados durante a COP-30.

O novo polígono da COP, o polígono das baixadas, abrange do bairro Jurunas à Ilha de Caratateua, contemplando as periferias que estão às margens da atuação proposta pelo poder público e destacando a sede de alguns pontos de encontro das juventudes das Baixadas. Valorizando os territórios e suas potencialidades, de pessoas e ações já realizadas diante dos desafios que a crise climática e problemas sociais, estruturais, econômicos e políticos se apresentam nas baixadas da amazônia.

São as baixadas apontando para novos nortes e propondo a construção de uma Conferência do Clima com ampla participação da sociedade civil nas tomadas de decisões desde agora.

A COP das Baixadas é um movimento de incidência com ações de educação climática, atividades culturais, de lazer e esporte nas comunidades. Possui como missão fortalecer as narrativas em defesa da Amazônia, de justiça climática e social para os territórios e as suas populações. É uma rede que se propõe a pensar e construir coletivamente “a conferência que queremos” na Amazônia, rumo à COP 30 em Belém do Pará.

Saiba mais sobre a COP das Baixadas

Mapas: Andrew Leal

Não é só no Brasil... Em outros cantos do mundo, as vozes que vêm do chão também estão em busca de justiça climática. O que está acontecendo no movimento por justiça climática em outros países e no cenário global? Como essas vozes estão atuando? O que elas têm a dizer?

MULHERES DO SUL GLOBAL, UNI-VOS!

Reivindicando nossas narrativas e avançando na construção de movimentos sul-sul por Justiça Climática.

Por Sarah Nannyondo Okello, feminista ugandense e pan-africana da Akina Mama wa Afrika, organização pan-africana de desenvolvimento de lideranças no continente, com sede em Kampala, Uganda, e Paula Moreira, da Hivos Brasil

As mudanças climáticas são uma crise global que afeta todos os cantos da Terra, mas seus impactos não são sentidos igualmente. Essa crise deve ser compreendida como um dos muitos elementos da profunda crise do capitalismo e sempre foi tanto um problema ecológico quanto social1. Comunidades vulneráveis, especialmente mulheres e grupos marginalizados, suportam o peso dos desastres relacionados ao clima e à degradação ambiental. Nesta era de emergência climática, é imperativo reconhecer o papel essencial da construção de movimentos feministas intercontinentais para a justiça climática. Mulheres em suas diversidades, especialmente aquelas no sul global, frequentemente servem como principais cuidadoras de suas famílias e comunidades. Elas estão profundamente ligadas à terra, água e recursos naturais ameaçados pela mudança climática. Assim, suas vozes e agência coletiva são fundamentais para enfrentar a crise climática.

“Até 2050, a mudança climática pode empurrar até 158 milhões de mulheres e meninas adicionais para a pobreza e ver 236 milhões de pessoas enfrentando insegurança alimentar. Além disso, levará a um aumento no discurso político excludente e anti-direitos visando mulheres, refugiados e outros grupos vulneráveis.” (Estrutura feminista de justiça climática da ONU Mulheres, 2023).

Mulheres do Sul Global, que há muito tempo lutam contra a desigualdade, entendem que são necessárias ferramentas radicalmente diferentes para enfrentar a crise climática. Como Audre Lorde disse com razão: “As ferramentas do mestre nunca desmantelarão sua casa”. Por muito tempo, homens brancos do Norte Global – em grande parte intocados pelas realidades catastróficas da mudança climática – dominaram o debate climático. Aqueles no Sul Global, especialmente mulheres e comunidades indígenas, foram ignorados. O resultado são emissões mais altas do que nunca e falta de financiamento climático para apoiar ações de mitigação, adaptação e perdas e danos2.

Enquanto isso, a capacidade dos estados de responder eficazmente às mudanças climáticas e seus impactos desproporcionais sobre mulheres e meninas foi prejudicada pelas políticas de instituições financeiras internacionais que estão presas a receitas antigas de imposição de medidas de austeridade fiscal que im-

1 Guerrero, D. G. (2018). THE LIMITS OF CAPITALIST SOLUTIONS TO THE CLIMATE CRISIS. https://doi. org/10.18772/22018020541.7

2 https://www.opendemocracy.net/ en/changemakers/climate-changejustice-feminist-leaders-rebuildingworld/

3 https://www.unwomen.org/ feminist_climate_justice.pdf

pedem os países de acessar o financiamento necessário para investir em adaptação climática. De fato, a confluência de crises da dívida, austeridade e clima criou um ciclo vicioso que mina a capacidade de muitos países do Sul Global de se recuperar de desastres, fortalecer a resiliência climática, incluindo na produção de alimentos, e investir em proteção social e serviços públicos críticos para proteger os direitos das gerações presentes e futuras de mulheres e meninas em suas diversidades3

Os desafios à democracia e ao desenvolvimento em geral estão aumentando devido à captura corporativa dos processos climáticos das Nações Unidas e de outras arenas políticas. De negociar compromissos vinculativos, a UNFCCC capitulou para a agenda corporativa de compromissos voluntários e iniciativas baseadas no mercado que farão mais mal do que bem ao meio ambiente e ao sistema climático global (Climate Space 2014). Muitas respostas foram propostas, incluindo Mecanismos de Desenvolvimento Limpo (MDLs), redução de emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal (REDD), agricultura inteligente para o clima e vários esquemas de mercado de carbono. Essas iniciativas são soluções falsas que não reduzirão as emissões ou abordarão as crises sociais que causam as mudanças climáticas, mas permitirão o status quo e criarão lucros corporativos em nome do combate às mudanças climáticas. Além disso, tais medidas aumentam ainda mais a desigualdade ao direcionar desproporcionalmente florestas, territórios e terras de povos indígenas e agricultores de pequena escala. O amplamente aceito novo conceito de ‘economia verde’ é perigoso e está sendo exposto e criticado como uma reconfiguração do capitalismo que reduzirá a natureza e os ‘serviços da natureza’ a commodities negociáveis4.

Embora tenhamos visto esforços para incluir mulheres em diferentes negociações climáticas em níveis nacional, regional e global, a presença delas nesses espaços não garante que suas preferências políticas sejam adotadas. Aprendendo com outras lutas, como a inclusão das mulheres na liderança política, a representação substantiva também exige o fortalecimento do poder de barganha das mulheres e da capacidade de supervisão dentro dessas estruturas. Isso aponta para o imperativo de as feministas do Sul Global transcenderem fronteiras geográficas para organizar e construir coalizões para criar agência e exigir responsabilização. E também para construir um movimento sul-sul amplo e contra-hegemônico, com uma diversidade de atores que vão desde elites diplomáticas até ativistas de base, e atravessam espaços institucionais e questões políticas, para estabelecer metas ambiciosas de igualdade ecológica.

Por que a construção de um movimento Sul-Sul é fundamental para o avanço da justiça climática?

“O meio ambiente não reconhece fronteiras, e os impactos da mudança climática afetam a todos nós. O ar que respiramos, a água que bebemos e os alimentos que consumimos estão interligados, transcendendo fronteiras geográficas.”

As interseccções entre América Latina e África - ambos continentes do Sul Global - no contexto das mudanças climáticas, têm ramificações multifacetadas e significativas. Historicamente, vozes críticas e poderosas têm emergido da América Latina, clamando por resistência contra o regime capitalista explorador e devastador imposto sobre seu povo. Esses esforços resultaram em uma profunda reinterpretação da realidade, baseada no conhecimento vivido das nações indígenas ancestrais da Abya Yala5

Uma seca desde 2020 no leste da África é a pior em 40 anos, conforme observado por agências da ONU. Somente na Somália, ela matou cerca de 43.000 pessoas no ano passado e deslocou muitos dos 3,8 milhões de somalis atualmente deslocados. Fortes inundações em 2022, muitas das piores em décadas, inundaram extensas áreas do oeste da África. Anomalias climáticas estão intensificando tempestades tropicais e ciclones no sul da África. Na Nigéria, Quênia, Sahel, África Central e em outros lugares, esses choques e mudanças climáticas de longo prazo estão forçando milhões de pessoas de suas casas e escalando conflitos por terras agrícolas escassas, pastagens, água potável e outros recursos, inflamando movimentos violentos e extremistas e deslocando mais comunidades6. Um estudo do Fórum dos Vulneráveis ao Clima (2012)7 afirma que cinco milhões de mortes ocorrem anualmente por poluição do ar, fome e doenças como resultado das mudanças climáticas e economias intensivas em carbono, e que esse número provavelmente aumentará para seis milhões anualmente até 2030 se os padrões atuais de uso de combustíveis fósseis continuarem. Mais de noventa por cento dessas mortes ocorrerão em países em desenvolvimento, que são majoritariamente países do sul global.

Ambos os continentes são vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas devido às suas localizações geográficas. Recorrentemente, eles têm sido afetados pelo aumento do nível do mar e pela intensificação das tempestades, levando a deslocamentos e migrações forçadas. Não podemos ignorar que ambas as regiões têm grandes populações vivendo na pobreza, o que as torna mais suscetíveis aos efeitos adversos das mudanças climáticas, como escassez de alimentos e água, e seu efeito cascata nos serviços sociais, como saúde e educação.

Por mais de 4 séculos, esses dois continentes têm sido o lar da biodiversidade mundial, mas, em meio a todos esses desafios, as soluções existentes frequentemente favorecem os interesses do Norte Global8, deixando-nos vulneráveis e marginalizados. Há uma compreensão muito pequena das condições estruturais, uma vez que a mudança climática não é vista como uma questão de classe e gênero, apesar da realidade de que os pobres, especialmente as mulheres, que já estão sentindo seu impacto, são deixados para confiar em sua resiliência enquanto as corporações e indústrias continuam suas operações destrutivas usuais e até lucram ao adiar ou enterrar soluções reais. Em nossas terras, a sabedoria é profunda, e o conhecimento indígena diversificado nos sustentou por gerações. É essencial respeitar e integrar esse conhecimento em nossas estratégias climáticas.

Nossa força reside em nossa unidade, aproveitando as ricas e emancipatórias tradições do socialismo, conectando lutas de base a níveis nacional, regional e global. Quando nações da América Latina e da África se unem e solidarizam-se com outros países do Sul Global, ganhamos o poder de barganha coletivo necessário para reformular as negociações climáticas internacionais e exigir reparação e financiamento climático como meios de apoiar nossos esforços de adaptação e mitigação. V

5 Acosta, A., & Abarca, M. M. (2018). BUEN VIVIR: AN ALTERNATIVE PERSPECTIVE FROM THE PEOPLES OF THE GLOBAL SOUTH TO THE CRISIS OF CAPITALIST MODERNITY. https://doi. org/10.18772/22018020541.11

6 https://www.usip.org/ publications/2023/09/earthsclimate-crisis-africa-demandsfairer-sharing-costs

7 https://www.thecvf.org/ blog/climate-vulnerabilitymonitor-2012/

8 Satgar, V. (2018). THE CLIMATE CRISIS AND SYSTEMIC ALTERNATIVES. In V. https://doi. org/10.18772/22018020541.6

ISOLADOS DO GRÁN CHACO

Reivindicando nossas narrativas e avançando na construção de movimentos sul-sul por Justiça Climática.

Por Flavia Borja, da Revista Emancipa, parceira de VAC no Paraguai

Fotos: Diego Salazar Seifert

Os indígenas que vivem em isolamento voluntário no Chaco Paraguaio estão sob grave ameaça de desaparecer devido à destruição progressiva e acelerada de seu território: desmatamento, incêndios provocados e doenças ameaçam a vida, o território e a cultura dos Ayoreo Totobiegosode.

Os Ayoreo Totobiegosode são um subgrupo do povo Ayoreo, um dos 19 povos indígenas que habitam o Paraguai. Aqueles que foram forçados a sair do isolamento, devido ao avanço de empresas agrí-

colas em seu território ancestral, atualmente vivem nas comunidades Chaidi e Aocojadi no departamento de Alto Paraguai, Chaco Paraguaio, a cerca de 600 quilômetros da capital do país.

“Estávamos fugindo do desmatamento, não encontrávamos um lugar seguro, escapavamos das máquinas, e foi assim que cheguei aqui”, conta Chicore Picanerai, referindo-se a como chegou à comunidade Chaidi. O Chaco se tornou a área mais desmatada do Paraguai nos últimos vinte anos. Apenas no departamento de Alto Paraguai, foram desmatados 1.780.000 hectares de floresta entre 2001 e 2021, segundo um relatório da organização Base Investigaciones Sociales publicado em dezembro de 2023.

A destruição avança sobre as florestas e, com ela, se aproxima a extinção do último povo indígena das Américas em isolamento fora da Amazônia. E esta é a principal preocupação e motivação daqueles que saíram, para lutar pela preservação das florestas, diz Etacori Pacanerai, um dos líderes de Chaidi, cujos pais ainda estão na floresta.

Logo após a queda da última e mais longa ditadura militar do Paraguai, em 1993, os Ayoreo Totobiegosode conseguiram que cerca de 550.000 hectares de seu território ancestral fossem declarados Patrimônio Natural e Cultural Ayoreo Totobiegosode (PNCAT), contudo, mais de trinta anos depois, apenas cerca de 140.000 hectares foram titulados e outros 15.000 hectares que já foram comprados ainda não foram titulados em favor da comunidade.

Reunión comunitaria durante visita de organizaciones en Aocojadi.

Quienes se vieron obligados a salir del monte, viven en situación de pobreza.

O problema fundamental é que essas comunidades isoladas enfrentam a difícil tarefa de sobreviver física e culturalmente em um território cada vez mais reduzido. Para garantir suas vidas, é necessário uma mata nativa ampla e contínua, ou seja, que não seja fragmentado por grandes propriedades dedicadas à pecuária ou à agricultura intensiva.“A questão do desmatamento é preocupante, pois afeta o ambiente e também nosso território, nossos parentes que estão na floresta, porque não sabemos como vivem”, diz Ajesua Etacoro, da comunidade Aocojadi.

Os líderes de ambas comunidades vêm denunciando há décadas a incursão de pessoas estranhas na área, o desmatamento e, em seu momento, a concessão irregular de licenças ambientais pela Secretaria do Meio Ambiente, atual Ministério do Meio Ambiente. “Já não acreditamos em suas mentiras, porque já foram várias vezes que falamos com entidades nacionais, mas com eles, no final, sempre tudo foi em vão”, diz Porai Picanerai depois de sair de uma reunião com várias instituições do Estado, em Assunção, a capital do país.

MEDIDAS CAUTELARES EM RISCO

As respostas do Estado paraguaio para salvar a vida dos indígenas em isolamento voluntário, por meio da proteção do território Ayoreo Totobiegosode têm sido

insuficientes, alegam. Foi por isso que em 2013 a Organização Payipié Ichadie Totobiegosode (OPIT) solicitou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) medidas cautelares de proteção.

Em resposta a esse pedido, em 2016, a CIDH ordenou ao Estado paraguaio: frear os desmatamentos e evitar a entrada de terceiros no território reconhecido e em trâmite do Povo Ayoreo Totobiegosode, além de criar protocolos de ação em caso de avistamento ou contatos não desejados com os indígenas, levando em consideração padrões internacionais e com base no princípio de não contato.

Essas medidas cautelares permanecem em vigor, mas em julho de 2023, o Estado paraguaio solicitou à CIDH a suspensão das medidas cautelares, alegando que foram abertas numerosas investigações pelo Ministério Público sobre os fatos de desmatamento, embora tenha omitido que praticamente todas ficaram sem resolução; além disso, afirmou que não foram mais concedidas licenças ambientais, mas evitou dizer que o desmatamento ou mudança de uso do solo, como chamam agora, continuam.

AGUARDANDO O RELATÓRIO DE MÉRITO DA CIDH

Em 2015, a OPIT denunciou à CIDH que o Estado paraguaio não garante seu direito à vida e à propriedade comunitária, alegando violações de vários artigos da Convenção Americana de Direitos Humanos. Este processo, diferente das medidas cautelares, está em sua fase final no organismo e as comunidades estão aguardando o que pode acontecer.

No que é chamado de Relatório de Mérito, emitido pela CIDH em resposta a uma denúncia, esta instância internacional determinará se houve violações de direitos e, em caso positivo, serão feitas recomendações ao Estado paraguaio para reparar e evitar a repetição.

“O Estado paraguaio diz que defende os territórios e, no final das contas, não é assim, ele dá as costas para a situação, mas nós continuaremos lutando, continuaremos protegendo a vida de nossos familiares e seguiremos em frente, com ou sem ajuda do Estado paraguaio, recorreremos à ajuda internacional para continuar monitorando nossas terras e saber se existem ocupantes, desmatamentos ou incêndios”, afirma Esoi Chiquenoi, outro líder de Chaidi. V

O Estado paraguaio
diz que defende os territórios e, no final das contas, não é assim, ele dá as costas para a situação, mas nós continuaremos lutando (...)”

Esoi ChiquenoI, líder de Chaidi

Ajesua Etacoro, mulher Ayoreo Totobiegose, promotora de saúde na sua comunidade.

FLORESTA PEDAGÓGICA

Associação Las Caluchitas vai além da geração de renda sustentável com ‘óleo de totaí’ e desenvolvem educação ambiental em floresta-escola no Pantanal boliviano

Por Luisa Arancibia Arce, do VAC Bolívia

No meio do Pantanal boliviano, a comunidade de San Salvador, no município de Puerto Suárez, tem um tesouro natural escondido entre suas florestas virgens: o totaí (Acrocomia aculeata), conhecido em português como macaúba, fruto local que vem sendo cuidado há gerações. Em dezembro de 2023, as atividades na comunidade de San Salvador tomaram um rumo emocionante através da Associação Las Caluchitas (de mulheres produtoras de derivados de totaí), liderada por Maritza Cayú Chuvez.

Maritza, uma mulher que luta pela conservação local, embarcou em um projeto ambicioso com o apoio da Fundação SEMILLA e do programa de pequenas doações de Soluções Baseadas na Natureza do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC) na Bolívia, Com o objetivo de fortalecer o uso sustentável do totaí e promover a educação ambiental em sua comunidade, sua visão abrange não apenas a proteção da floresta, mas também o empoderamento econômico das mulheres das Las Caluchitas

As mulheres das Las Caluchitas, conhecidas por seu empreendedorismo na produção de óleo de totaí e seus derivados, reuniram-se para melhorar suas instalações e capacidades, e, juntas, promoveram a construção de um espaço para processar e armazenar esses frutos da floresta, enquanto recebiam treinamento em gestão produtiva e comercial.

O projeto, que nasceu com muita energia e entusiasmo, está promovendo um desafio maior: alcançar um futuro onde as crianças de San Salvador aprendam a amar e proteger seu ambiente natural. Com a ajuda das escolas locais, conseguiu-se a criação da Floresta Pedagógica através de uma norma comunitária, onde a área florestada próxima à comunidade tornou-se um espaço para mais crianças e jovens aprenderem sobre o funcionamento da floresta, seus componentes, papéis e, especialmente, sobre o totaí e seus benefícios.

As Las Caluchitas não apenas produzirão óleo de forma mais eficiente; agora elas se tornaram guardiãs da Floresta Pedagógica, ensinando às crianças e jovens sobre a importância de preservar seu lar. A jornada não termina aí, Maritza e as Las Caluchitas estão trabalhando para fortalecer a governança comunitária, criando uma plataforma de gestão local que promoverá a participação inclusiva na preservação da floresta e no bem-estar da comunidade.

Com cada passo, com cada gota de óleo de totaí produzida, com cada criança que descobriu a magia da Floresta Pedagógica, a comunidade de San Salvador se fortaleceu em sua resiliência, em seu amor pela natureza e em seu compromisso com um futuro sustentável. A história da Floresta Pedagógica de San Salvador tornou-se um símbolo de esperança e ação, demonstrando que quando as pessoas se unem por um propósito comum, elas podem alcançar grandes feitos e proteger os tesouros mais preciosos que a natureza nos oferece. V

As Las Caluchitas não apenas produzirão óleo de forma mais eficiente; agora elas se tornaram guardiãs da Floresta Pedagógica, ensinando às crianças e jovens sobre a importância de preservar seu lar.
Las Caluchitas, da comunidade de San Salvador

Nas estepes de de Kairouan, região de clima seco e quente, a evolução das temperaturas é alarmante, chegando a mais de 50ºC. Foto_ Amira Karaoud.

AQUECIMENTO GLOBAL: A TUNÍSIA DIANTE DA URGÊNCIA

Por Nawaat Media, veículo de mídia independente e alternativa, parceiro de VAC na Tunísia

As mudanças climáticas são um tema extremamente atual. E a Tunísia está sendo duramente atingida. Se as mudanças de temperatura já foram registradas durante a transição de uma era geológica para outra, o fenômeno é agora diferente. O atual aquecimento global é resultado das atividades humanas. E afeta todos os aspectos da vida na Terra. No entanto, o Mediterrâneo, onde fica a Tunísia, é uma das regiões mais afetadas. Nesse contexto, nosso país enfrenta uma onda de seca sem precedentes. E isso ocorre enquanto nossos escassos recursos hídricos já colocavam a Tunísia em condições de estresse hídrico permanente.

No entanto, essa noção não foi integrada nem no comportamento cidadão, nem nas decisões dos líderes políticos. A atitude dos tunisianos está, de fato, completamente desalinhada com os recursos disponíveis e mobilizáveis. Continua-se a irrigar indiscriminadamente culturas industriais ou destinadas à exportação que não são de primeira necessidade para o país, sem se preocupar com a escassez de recursos. No estado de Kebili, em El Faouar, a falta de água, o avanço da areia, a queda da renda proveniente da cultura das tamareiras, deixam grande parte da população local desamparada. De 2004 a 2014, o desemprego na região aumentou de 7% para 28%. E o sonho de ir para outro lugar está se instalando gradualmente. El Faouar, que não tem tradição de emigração, começa a ver seus jovens partirem. Enquanto em Djerba, diante de um cotidiano marcado há anos por cortes de água, os habitantes estão retomando tradições seculares para tentar encontrar soluções!

O aquecimento global assume uma dimensão diferente no arquipélago de Kerkennah. Na noite de 26 de novembro de 2022, o mar ultrapassou os diques, inundando casas, campos e estradas. Enquanto o governo continua a ignorar os alertas lançados pelos habitantes ameaçados pela elevação do nível do mar. “Com temperaturas aumentando 20% mais rápido do que a média global e um aumento do nível do mar que deve ultrapassar um metro até 2100, o Mediterrâneo está se tornando o mar que mais se aquece no planeta”, destaca um relatório do WWF.

Agrofloresta no nordeste da Tunísia sofre com falta de apoio. Foto: Mohsen Kalboussi

A vila de Kraten vista de cima durante a subida das águas. Foto_ Association Kraten

E um dos sintomas dessas grandes mudanças ecológicas é o aparecimento, nas águas territoriais da Tunísia, de espécies cada vez mais agressivas para o homem e para o ecossistema como um todo.

No final, embora algumas pistas estejam surgindo como possíveis soluções, neste momento, as autoridades parecem não estar seriamente preocupadas com o assunto, nem compreender a gravidade do perigo.

O aquecimento global assume uma dimensão diferente no arquipélago de Kerkennah. Na noite de 26 de novembro de 2022, o mar ultrapassou os diques, inundando casas, campos e estradas. Enquanto o governo continua a ignorar os alertas lançados pelos habitantes ameaçados pela elevação do nível do mar. “Com temperaturas aumentando 20% mais rápido do que a média global e um aumento do nível do mar que deve ultrapassar um metro até 2100, o Mediterrâneo está se tornando o mar que mais se aquece no planeta”, destaca um relatório do WWF.

E um dos sintomas dessas grandes mudanças ecológicas é o aparecimento, nas águas territoriais da Tunísia, de espécies cada vez mais agressivas para o homem e para o ecossistema como um todo.

No final, embora algumas pistas estejam surgindo como possíveis soluções, neste momento, as autoridades parecem não estar seriamente preocupadas com o assunto, nem compreender a gravidade do perigo.

Artigo publicado originalmente como introdução do “Dossiê Aquecimento Global: a Tunísia diante da urgência”, na edição #9 da Revista Nawaat, de julho de 2023, que incluiu uma série de reportagens sobre os impactos das e respostas às mudanças climáticas na Tunísia, país de seis milhões de habitantes localizado no Norte da África. Para acessar outras reportagens do Dossiê, clique neste link, ou acesse nawaat.org

DELEGAÇÃO VAC BRASIL NA COP 28: JUVENTUDES EM FOCO

todos os anos, a COP reúne centenas de pessoas para dialogar sobre as decisões climáticas mundiais que envolvem os países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. No entanto, com os espaços de decisões ainda restritos, existe uma necessidade de se ampliar cada vez mais a participação da sociedade civil em diversos âmbitos desta conferência.

Desde o início do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC) no Brasil, isto é uma prioridade. Desde 2021, na COP26, temos apoiado, com grande impacto, a incidência das vozes locais amazônidas nestes espaços. Vocês se lembram da fala da jovem Txai Suruí na abertura da COP26? Este é apenas um entre tantos outros exemplos que temos.

Em 2023, resolvemos ir além. Com um olhar atento para as oportunidades de atuação em rede, resolvemos incidir com uma estratégia de participação na COP28 que esteve voltada para a forte presença articulada das juventudes amazônidas. Assim, consolidamos uma delegação ampla e diversa, com mais de 20 jovens representantes de organizações de toda a Amazônia Legal, além de apoiar a participação de outros parceiros, como a delegação indígena da COIAB, e o artivista Mundano. Para a maioria destes(as) jovens, foi a 1ª experiência em um espaço internacional.

A realização de uma conferência mundial do clima tem dinâmicas de funcionamento complexas, com contextos e desdobramentos específicos, sobretudo no que tange aos espaços de decisão com os negociadores dos países e as possibilidades de incidência e diálogos. De fato, para entender o dinamismo de uma COP, é preciso vivência, que implica também em um caminho com processos anteriores de preparação para chegar até ali.

Assim, nos reunimos virtualmente durante meses tirando dúvidas, nos apropriando e criando também uma rede de apoio e, assim, saímos dos territórios e aterrissamos em Dubai, sede da COP28. Entre tantas agendas individuais e coletivas vividas, muitos resultados podem ser pontuados.

Parceiros

VAC Brasil na COP 28.

Delegação indígena da COIAB

Começo com o maior deles, a oportunidade de estar lá, participando ativamente em uma COP, e aqui me incluo com lugar de fala. Mas também não poderia deixar de destacar as organizações que estiveram com suas próprias credenciais pela 1ª vez, a amplificação das vozes nos mais de 60 eventos em diferentes pavilhões, a incidência com uma carta junto aos Champions da COP, o diálogo com negociadores do Brasil, as narrativas impulsionadas em mídias sociais e televisivas nacionais e internacionais, os posicionamentos, as articulações e as partilhas com pessoas influentes, chefes de estados e ministérios do Brasil e de outros países.

Com esse turbilhão de alcances, nota-se que é impossível falar sobre justiça climática sem a inclusão da perspectiva das juventudes, inclusive com recorte de gênero e diversidades, que inclui olhares dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas, povos e comunidades tradicionais, periferias, pessoas LGBTQIAPN+, das mulheres, e tantos outros grupos de pessoas vulnerabilizadas pelas mudanças climáticas.

As juventudes são esperança no presente para transformar o futuro dos cenários de emergência climática. Esperança porque carregam em si movimentos entre sonhos e realidades, com olhares de soluções criativas, dinâmicas, inovadoras. Acreditamos nas juventudes porque trazem em si um caminhar próprio que vai rumo a um melhor futuro climático possível, por uma sociedade humanamente mais justa.

Mas essa potência real do agora precisa também do olhar atento ao cuidado. A responsabilidade é grande, mas não é isolada, porque precisa e deve ser compartilhada entre todos os setores. E isto o Programa VAC Brasil oportuniza: ser ponte ao abrir espaços e promover articulações em colaboração para que nos processos de co-construção a incidência possa vir a partir das próprias vozes, das juventudes e dos territórios locais.

Celebramos e agradecemos a cada pessoa que fez deste processo possível, e aos jovens que estiveram na COP28, pela confiança, trocas e os aprendizados compartilhados. É sempre uma emoção poder contar uma vivência compartilhada! Convido vocês a mergulhar nas histórias de quem participou da COP28. Estão prontas para relembrar como foi essa experiência? V

Artivista Mundano

COP: A Sigla Desconhecida

Dezembro de 2023 ficará marcado na minha memória. Pela primeira vez, pisei em Dubai e participei de uma COP. Essa experiência me levou a refletir profundamente sobre várias questões e, ao retornar ao meu território, Belém, vários questionamentos surgiram, não apenas meus. Desde que cheguei, uma das perguntas que mais recebo é: “Wal, o que é a COP?”

Confesso que essa questão me causa grande inquietação. Duas dúvidas me vêm à mente: Será que eu realmente sei o que é uma COP? Será que sei falar sobre o que é a COP para os meus? Talvez eu nunca consiga responder à complexidade dessa pergunta, mas nesse texto vou me esforçar para isso, porque a COP também ainda é um grande desafio para o meu entendimento.

A COP, uma pequena sigla que hoje se tornou fortemente falada no meu território e uma grande incógnita para as populações de Belém, e não somente para quem é daqui. Para mim, há alguns anos atrás, essas três letrinhas, C-O-P, me soavam a COPA, opa! Essa sim eu conhecia, um grande torneio mundial de futebol, mas não é sobre isso que estamos falando e que Belém irá receber em 2025.

Por anos eu não entendia, e com certeza, ainda não entendo a complexidade de três letras que, unidas, representam um lugar que para mim sempre foi desconhecido, a COP ou CONFERÊNCIA DAS PARTES. Mas o que é essa tal Conferência, a dita COP, que tanto estamos ouvindo falar?

Imagine um grande encontro onde pessoas de todo o mundo se juntam para conversar sobre um desafio comum que afeta a todos nós: as mudanças climáticas, que propriamente ditas são as mudanças que acontecem no clima da terra, por meio de processos naturais, mas que se agravaram com as ações humanas.

Em meio a essas mudanças, vivemos uma crise que se concretiza com diversos eventos extremos que vivenciamos no nosso dia a dia, como inundações, chuvas intensas e ondas de calor extremo. Tu já percebeu essas mudanças ? Diante dessa grande questão fica a inquietação, o que é essa COP- Conferência do Clima que Belém irá receber? Por que essa sigla parece tão distante de nós?

COP, que significa Conferência das Partes. É como uma grande reunião de “família” global, onde a “família” é composta de todos os países que fazem parte da ONU, a Organização das Nações Unidas. A primeira COP aconteceu em 1995 e anualmente seu principal objetivo é: encontrar soluções e monitorar avanços no combate às mudanças climáticas e “proteger” o nosso planeta.

Nessas reuniões, os países discutem como estão progredindo na redução da poluição, no cuidado com as florestas, na proteção dos animais e no apoio às pessoas afetadas pelas mudanças climáticas. Eles também fazem planos para melhorar esses esforços, como reduzir ainda mais a poluição e encontrar maneiras de criar metas e acordos para enfrentar a crise climática.

Em 2025, Belém será o local que irá receber a COP30 e o espaço dessa conferência precisa estar ocupado por nós amazônidas, e nossa resistência será a principal ferramenta para que de fato entendam e vejam o que são as Amazônias.

Pode ser que eu não tenha respondido à grande questão inicial desse texto, que também traz reflexão, mas sei que de alguma forma, nós que somos da base, continuaremos nos questionando não o porquê de uma COP em Belém, mas o que ela vai deixar para nós depois que passar, pois nós continuaremos por aqui lutando por um território vivo e que não precisa de uma COP para ser visto e lembrado. V

Um relato tocantinense, cerrativista e da juventude

Em novembro de 2023 tive a honra de acompanhar minha primeira Conferência do Clima da ONU, a COP28 em Dubai. Como jornalista tocantinense, participei com o objetivo de divulgar o evento na mídia e apoiar com conhecimentos de inglês, mas recebi esse privilégio pelo trabalho desenvolvido com muito carinho para a Coalizão Vozes do Tocantins por Justiça Climática e para a Associação Onça D’Água nos últimos anos.

Desde que conheci o conceito de justiça climática e tive contato com povos e comunidades tradicionais, minha percepção mudou, floresceu em mim uma motivação que tem feito muita falta na juventude de um modo geral. É dificil sonhar em um mundo que não nos inspira. E apesar de um pouco perdida, me encontrei ao conhecer pessoas incríveis e que compartilham dos mesmos valores de proteção da natureza e dos povos que a protegem.

Sarah Tamioso e Olavo Lisboa, a delegação Tocantinense de VAC na COP 28.

Ter participado da COP28 me trouxe uma perspectiva ampla dos povos do Brasil e do mundo, além de perceber como funciona o processo de negociação e trocas nesse espaço - muito criticado pela megalomania emirate, que resultou em muita caminhada, tempo perdido e dores nos pés. Apesar disso, foi uma experiência incrível e pude levar, juntamente com meu aliado e representante da juventude, Olavo Lisboa, o nome do Tocantins e do Cerrado a todos que encontramos.

Nessa oportunidade identificamos também o quanto a representação do estado é pobre. Fomos os únicos representando exclusivamente a sociedade civil do nosso estado - encontramos outros tocantinenses atuando em nível nacional, o que foi ótimo, mas que não levava a realidade local ao debate. Como produtora de conteúdo, realizei entrevistas, tirei fotos e registrei vídeos buscando tornar mais acessível essa realidade que parece tão distante. A linguagem das mudanças climáticas exige sem dúvidas muito estudo.

Fiz um trabalho de comunicação, mas também de advocacy, me reunindo com o secretário de Meio Ambiente do Tocantins e levando nossas demandas de proteção ambiental e melhor gestão das Unidades de Conservação como forma de barrar o desmatamento que avassala o Cerrado. Apesar do desmatamento ilegal, muito nos preocupa também o legal, que permite a devastação que agora enfrentamos na região que é o berço das águas.

Fiquei muito contente com o impacto que tivemos e sigo hoje me especializando para uma carreira na área das soluções climáticas, fazendo parte também da rede da Youth Climate Leaders e do coletivo A Vida No Cerrado (AVINC). Estou começando a me envolver com projetos e espero poder deixar minha marca na defesa dos povos do meu estado e do meu bioma.

E para finalizar, gostaria de deixar uma frase que tem me motivado ultimamente, que diz assim: “Não deixe que o fato de não poder fazer tudo te impeça de fazer o que pode”. Agradeço imensamente a Coalizão Vozes do Tocantins, a Associação Onça D’Água, o Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN), a Kiw Assessoria de Comunicação e o próprio projeto VAC Brasil pelo investimento no Tocantins e na juventude. Muito obrigada! V

O Código Florestal permite o desmatamento de 80% da área com cobertura vegetal nativa em propriedades privadas no Cerrado. No Cerrado dentro da Amazônia Legal, a legislação autoriza o desmatamento de até 65%. Já para o bioma Amazônia, a cobertura vegetal protegida deve ser 80% da área da propriedade. Fonte: Ministério do Meio Ambiente.

Fonte: Ministério do Meio Ambiente, em 29/11/2023.

Delegação tocantinense de VAC, com equipe do Time Regional VAC Brasil.

Eliane Xunakalo, Toya Manchineri e Auricélia Arapiuns, durante side-event na COP 28.

COP INDÍGENA

COIAB leva para Dubai a maior delegação indígena em sua história de participação na Conferência do Clima

Por Débora Delgado, ponto focal pela Gerência de Projetos da Coiab. Revisado por Jaqueline Xavier e Robson Baré, da Gerência de Comunicação da Coiab. Foto: Rede de Jovens Comunicadores da COIAB.

ACoordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), com toda a sua diversidade e representatividade, levou a maior delegação indígena da história das COPs e participou ativamente durante duas semanas da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, realizada em Dubai, nos Emirados Árabes, entre novembro e dezembro de 2023. Por meio da agenda indígena e climática, a Coiab, juntamente à Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), dialogou com diversos atores sobre as principais pautas do movimento indígena, compreendendo a singularidade de cada povo e necessidade que os territórios possuem, apresentando soluções e alternativas frente às mudanças climáticas.

A busca por soluções sustentáveis e eficientes é fundamental para a manutenção da vida dos povos indígenas na Amazônia brasileira frente aos impactos significativos que a emergência climática impõe sobre os povos, incluindo desastres sociais e ambientais irreversíveis nas comunidades indígenas, mas também muita resistência e luta pela proteção dos direitos dos povos indígenas. Neste sentido, a participação na 10ª Reunião do Grupo de Trabalho Facilitador da Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima, que antecede a COP, foi fundamental para incluir nas negociações da Convenção as ações climáticas relacionadas à Amazônia brasileira, para discutir a própria efetividade da participação dos representantes dessa região na plataforma, o acesso aos fundos climáticos, o fortalecimento de fundos indígenas, a desburocratização do acesso direto ao financiamento climático, garantindo o acesso dos recursos

às comunidades e aldeias indígenas de forma direta, além de contribuições como a criação de grupos de trabalho com capacidade técnica e metodologias voltadas à valorização da ciência indígena, propostas voltadas ao monitoramento e mecanismos de alcance de resultados da plataforma, principalmente, no que se refere ao cumprimento de acordos globais.

O Caucus Indígena também teve participação significativa dos representantes indígenas da Amazônia brasileira, com a definição da representante dos povos indígenas do Brasil, Sineia do Vale Wapichana, como vice-presidente para América Latina e Caribe a partir de 2025.

Durante a conferência foram debatidos temas como financiamento climático para povos indígenas e comunidades locais como forma de acelerar soluções climáticas baseadas na natureza como interface fortalecedora das atividades dos povos indígenas nos seus territórios e, ainda, a importância dos fundos indígenas para acesso direto aos recursos em chão de aldeia, como a importância e atuação do Fundo Indígena da Amazônia Brasileira, o Poodáli, instituição essa que busca fortalecer o acesso direto de recursos às comunidades indígenas; financiamento da transição ecológica do Brasil; a transação energética e os povos indígenas; os desafios e oportunidades da geração de energia limpa para a Amazônia brasileira; a inovação do Comitê Indígena de Mudanças Climáticas (CIMC); a gestão da terra e os direitos indígenas para enfrentar

as mudanças climáticas no Brasil; financiamento de perdas e danos causados por incêndio florestais no Sul Global; petróleo e gás na Amazônia; estratégias de mobilização e comunicação na proteção dos territórios; Brasil rumo à COP 30: protagonismo indígena e de comunidades locais no enfrentamento à crise climática; a contribuição dos sistemas de conhecimento indígenas na proteção da Amazônia contra as mudanças climáticas; contribuições dos territórios dos povos indígenas isolados na proteção da diversidade biológica e no combate às mudanças climáticas.

A elementar participação de lideranças indígenas no âmbito da Amazônia e dos demais biomas do Brasil como Toya Manchineri, Dinamam Tuxá, Eliane Xunakalo, Kari Guajajara, Mariazinha Baré, Kleber Karipuna, Marciely Ayap Tupari, Avanilson Karajá, Sineia do Vale Wapichana, Luene Karipuna, Telma Taurepang, Demétrio Tiriyó, Auricélia Arapiun, Bitaté Uru Eu Wau Wau, Eva Canoé, Ariene Susui, Samela Sateré, Marcilene Guajajara, Varin Mema, Isaka Huni Kuin, Zé Bajaga Apurinã, Pepyaká Krikati, Luiz Tukano, Vanessa Apurinã e Alana Manchineri, além de indigenistas como Luiz Fernandes e Maria das Graças Costa Silva representam o protagonismo na luta durante a COP, na consolidação e persistência das vozes dos povos indígenas no debate mundial como dever de participação e negociação em espaços de diálogos a nível internacional, uma vez que os povos originários desempenham o papel crucial na proteção ambiental do Brasil e no mundo. V

Siga as redes da @coiabamazonia e saiba mais sobre o trabalho.

Alguns participantes da delegação indígena brasileira na COP 28.

A COP no olhar de Mundano

Na COP28, em Dubai, onde a liberdade de expressão artística e a repressão a protestos é bem diferente do que a do Brasil (muito mais pesada) fiquei observando o blábláblá que rolava por lá e pensando como me manifestaria, sem correr riscos ali dentro, sobre todo aquele falatório sem práticas concretas …

Então peguei umas transparências e uma caneta e desenhei uma série de imagens e mensagens inspiradas em algumas das falas, cartazes que ouvi por lá e reverberando a mensagem que um outro mundo é possível!

Ansioso pela COP30 em Belém pra que tantas vozes , expressões e artivismos tenham espaços para serem amplificadas a fim de incidir em decisões mais justas para os países e populações que mais sofrem pelos danos dos que mais ganham!

Para mudar o cenário de colapso climático que vivemos é preciso criar um novo modelo de sociedade, com um novo conceito de desenvolvimento. Mas como conquistar e engajar corações e mentes, denunciando o desastre e seus responsáveis e propondo novos rumos? Com Clima de Arte a gente registra a história, amplifica o barulho e sensibiliza política e socialmente! Entra no Clima com a gente!

Por Vandsmile e Henrique de Almeida

Cuidar da Morada e Honrar a Memória

A ilustração dos artivistas acreanos Vandsmile e Henrique de Almeida, que retrata a casa de Chico Mendes, fez parte do projeto Casa de Mensagens, com artes que representassem as moradas dos lares onde a gente nasceu.

“De imediato, eu já pensei na casa do Chico, porque eu acho que a casa do Chico representa bem a morada do acreano, que é essa casinha assim, simples, mas caprichosa, que é uma casinha feita a mão, de madeira, coloridinha”, explica Vands.

“A Casa do Chico, acho que traz bastante significado, né, porque essa casinha humilde, bonitinha, pintada a mão e que foi palco de muita, muita coisa, muita história de luta. Foi ali que o Chico conversava com os amigos sobre o que era necessário ser feito naquele momento. Quantas conversas tiveram ali, para que ele prosseguisse para os empates, para as lutas sindicais, para a defesa da floresta e do planeta”

“Aí eu pensei nessa casinha do Chico, com a floresta ali em volta, com esse rio que é bem atrás mesmo da casa do Chico, tem o rio que todo ano ele sobe e que atinge ali a casa, essa casinha ali com filtro de barro, com as panelinhas areadas, típico da Amazônia”.

“A gente também tinha que criar uma frase que representasse esses lugares, essas moradas, né. Daí eu pensei, ‘cuidar da morada e honrar a memória’. Na época a casa do Chico ainda estava fechada para manutenção e ela passou fechada os quatro anos do governo Bolsonaro. Ela foi reaberta no final do ano passado já no governo do presidente Lula, e eu acho que essa frase representa muito isso, que é cuidar da casa do Chico, que estava meio que abandonada ali, para poder honrar essa memória. A casa ela é um museu hoje em dia. Ela tá lá do jeitinho que o Chico deixou e segue hoje sendo um espaço de visitação de muitas pessoas.

Capivara Filó e as Fofocas Direto da Amazônia

Em 2023, logo depois da temporada de queimadas criminosas no Amazonas que deixaram a capital Manaus imersa em fumaça por semanas, o Festival Artistas pelo Clima, o labExperimental e a Lamparina encararam o desafio de produzir uma ação em Manaus que fortalecesse a narrativa de que A AMAZÔNIA NÃO PEGA FOGO SOZINHA, HÁ RESPONSÁVEIS.

Para isso, precisávamos inovar na linguagem, que até então era apenas jornalística. A escolha artivista foi por apresentar uma nova porta-voz.

Em maio de 2023, a Capivara Filó ficou famosa nas redes sociais de Agenor Tupinamba, gerando grande polêmica na internet, por ser um animal selvagem domesticado pelo influencer - e fazendeiro - no município de Autazes-AM.

Em novembro do mesmo ano, uma matéria do The Intercept Brasil identifica o avô de Agenor como um dos maiores causadores da fumaça que encobriu Manaus neste semestre.

A Capivara Filó ressurge, então, como personagem de denúncia dos crimes ambientais, principalmente queimadas, na Amazônia.

A sua primeira aparição como fofoqueira das queimadas se dá no Festival Artistas Pelo Clima, no bairro Viver Melhor, periferia de Manaus.

Pautar a narrativa

Para construir a narrativa de que a Amazônia não pega fogo sozinha, a Lamparina criou o retorno triunfal da Filó junto com um site apócrifo, em que ela mesma conta sobre os crimes e aponta dedos.… seacapivarafalasse.com

Presencial e digital

O labExperimental, parceiros da Coalizão Megafone, levou a Manaus uma capivara gigante inflável de mais de 3m, a Capivara Filó.

A Filó passou todos os dias do festival compondo o cenário!

Nos murais, os artistas homenageiam as personalidades que constroem narrativas de luta em Manaus: Joaquim Melo, livreiro e criador da Banca do Largo, Mafell, DJ, diretora de arte marginal e ativista cultural, e os professores Cláudia Baré e Joilson Karapanã, fundadores da Escola Wakenai, no Parque das Tribos.

A Filó pode ser a fofoqueira porta-voz oficinal das notícias sobre destruição da Amazônia, trazendo dados, fazendo referências a reportagens e apontando o dedo para os responsáveis. E tudo isso com bom humor, para engajar jovens e ativistas com artivismo digital.

E quem sabe ela não participa presencialmente em eventos sobre clima? acesse seacapivarafalasse.com

CULTURA PELA DEFESA DA floresta

Músicas lançadas por compositor ribeirinho destacam defesa da floresta e encantos do Arapiuns

Composições de Livaldo Sarmento falam sobre proteção à floresta, direitos de populações tradicionais e encantos do Rio Arapiuns. As dez faixas apoiadas pelo Projeto Saúde e Alegria/VAC Tapajós, estão disponíveis em plataforma online gratuitamente

Por Samela Bonfim, da Coalizão Vozes do Tapajós

Foto: Foto: Júlia Dolce • Ilustração: Bruna Bastos

Aos 65 anos, Livaldo Sarmento da Silva, natural da comunidade São Pedro do Rio Arapiuns, região da Resex Tapajós-Arapiuns, comemora a realização de um sonho: a gravação do primeiro álbum, após mais de vinte cinco obras oficialmente compostas. O agricultor extrativista, ribeirinho, ativista social, liderança sindical e articulador comunitário do Projeto Saúde e Alegria, acumula quase sessenta anos de relação com a música. As primeiras experiências surgiram ainda criança, por volta dos 6 anos de idade.

Apoiado pelo Programa Vozes do Tapajós através do Projeto Saúde e Alegria (PSA),, Livaldo pôde gravar seu primeiro álbum. O lançamento oficial será feito ainda neste primeiro semestre de 2024, mas as faixas já estão disponíveis neste link. São elas: Encantos do Arapiuns, Água para Todos, Para escutar, Defender nossa floresta, Sementes da Floresta, Vida de Infância, Floresta Ativa, Morar em Santarém, Carimbó do Remador, Terra Natal.

Para o coordenador do Programa de Educação, Comunicação e Cultura do PSA, Fábio Pena, a estreia das faixas fortalece a produção de músicas locais e regionais, da base para o mundo, ecoando o protagonismo das comunidades. “As músicas de Livaldo embalam as mobilizações dos movimentos sociais da região de várias gerações. Exemplo é a música que compôs para a Romaria do Bem viver, evento de ativismo juvenil em defesa do rio Arapiuns”, comenta.

Mostrar o valor da gente da floresta está no centro de toda a vida profissional de Livaldo. Aos 65 anos de idade, ele já atuou em todas as esferas políticas e participativas de Santarém. Das reuniões da catequese da Igreja Católica na sua juventude na comunidade São Pedro, localizada na Reserva Extrativista Tapajós Arapiuns, passando pela presidência do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) do município, por representações no então Conselho Nacional dos Seringueiros e até mesmo exercendo um mandato de vereador de Santarém, entre 2000 e 2004.

No entanto, é fazendo música que os olhos de Livaldo brilham, e é por meio dela, enquanto instrumento de mobilização, que ele consolida o trabalho de organização comunitária que realiza com as comunidades. “Uma coisa é chegar e fazer uma reunião, apresentar a pauta. Outra coisa é quebrar o gelo com a música, para as pessoas relaxarem”, explica, apontando para o violão que fica pendurado ao lado da sua escrivaninha na sede da organização. Desde os seis anos de idade Livaldo desenvolve seu dom musical. Já tocou guitarra, teclado e violão e desde cedo compunha para os amigos da sua comunidade. Ele acredita que a música é uma das melhores atividades para motivar as pessoas, principalmente a juventude.

Quando o PSA conclui o serviço em alguma comunidade, como a entrega de um novo sistema de abastecimento de água, o momento é de festa, afirma Livaldo. “O pessoal fica esperando o momento e faz questão de fazer um banquete, celebrar mostrando sua cultura. Quando me vem uma certa inspiração eu componho”.

Esse contato com os comunitários é a atividade favorita de Livaldo. “É uma tarefa que sempre fiz na vida, discutir como organizar uma associação, uma cooperativa, levar informações para as comunidades sobre como podem fazer pedidos, requerimentos ou projetos junto às instituições governamentais”, conta.

Em 2012, aos 54 anos, ele se formou no curso de ciências sociais. Livaldo viveu na comunidade São Pedro até o ano de 1991, quando se mudou para a área urbana de Santarém para seguir a vida sindicalista. Na época, seu principal trabalho era encaminhar os trabalhadores rurais no requerimento de seus direitos previdenciários. Foram sete anos na tarefa até assumir a presidência do STTR, entre 1997 e 2000. A decisão de se lançar vereador não foi sua: Livaldo foi escolhido em uma votação que envolveu mais de 200 delegados sindicais. O objetivo era colocar uma representação dos trabalhadores rurais dentro do parlamento santareno.

Durante todo o mandato, Livaldo foi a única oposição ao executivo municipal da época. Ele destaca que o mandato tinha representação direta de todas as regiões de Santarém, que formavam um conselho político. “Minha estratégia era que quando uma comunidade me procurava para que eu apresentasse algum requerimento, eu chamava as pessoas para a plenária para observar quem votaria a favor ou contra”. Com a pressão popular, os demais vereadores acabavam votando a favor da demanda das comunidades, explica Livaldo.

Das experiências em diferentes áreas da política, a defesa do coletivo é o maior aprendizado

do cientista social. “Tenho uma forte crença nessa forma coletiva de trabalhar. Nunca foi ‘meu’ mandato, e sim ‘nosso’ mandato”, resume. Hoje, Livaldo entende que seu forte mesmo é trabalhar com movimentos sociais.

Quando conheceu o PSA, aos 30 anos, Livaldo ainda nem havia saído de sua comunidade. Quando entregou seu currículo para trabalhar no PSA, em uma vaga recém aberta, ele já tinha 56 anos. “Muita gente desejava trabalhar no projeto e eu também”, lembra.

Caboclo e ribeirinho, Livaldo se sente diretamente beneficiado pelo trabalho do projeto. “Por tudo que eu já vi, vivi, observei e aprendi com outros eventos passados antes de entrar no PSA, entendo que é uma entidade que presta um serviço muito importante para as comunidades, principalmente as ribeirinhas”, afirma.

Até hoje, Livaldo volta para São Pedro todos os meses para trabalhar na sua roça. É membro da associação comunitária e atua

como ponte entre os comunitários e autoridades públicas em Santarém. Quando passa pelo Porto de Santarém, sai conversando com todo mundo como se estivesse em família.

O violeiro sonha em se aposentar e passar o resto da vida no lugar onde nasceu, “sossegado e sem o estresse da cidade”. “Eu gosto muito da minha comunidade, da floresta e da roça”. O outro sonho de Livaldo é que, como ele, os ribeirinhos sigam motivados para ter sua própria autonomia. “Sem assistencialismo e paternalismo, defendo que as comunidades sejam protagonistas de suas próprias vidas”.

A obra que dá nome ao Álbum, reforça a beleza do rio Arapiuns e a necessidade de proteger o manancial que abriga o povo originário da região da reserva extrativista. Confira a composição na íntegra ao lado:

Encantos do Arapiuns

Letra e música – Livaldo Sarmento

Tom: Dm

A.... Arapiuns / A.....Arapiuns / A.....Arapiuns

Das cabeceiras à sua foz Povo guerreiro ergue tua voz

Na Amazônia o nosso rio, Brasil

Das cabeceiras à sua foz Povo guerreiro ergue tua voz

Na Amazônia o nosso rio, é tão bonito é no Brasil

No ventre da grande floresta amazônica Destaca-se o lindo rio Arapiuns

Com suas florestas, praias e cachoeiras Riquezas de um povo nativo, com suas culturas e tradições ê ê

Tem dias que o orvalho carinhosamente o envolve como um véu

E às vezes parece um espelho refletindo lá no céu

É berço de lindas caboclas e líderes contemporâneos

Encantos das ilhas e lagos, cenário da luta dos cabanos

Histórias contadas mantém as lembranças de nossos pais

Eternas lendas, culturas e mitos, heranças dos nosso ancestrais

Da força da terra, da mata, das águas e da fé

Memórias da sabedoria de Merandolino o grande pajé ê ê

Assista o vídeo

Foram mais de 1.000 iniciativas em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente que vieram das cinco regiões do país. As ações inscritas traçam um mapa das lutas que mais movimentaram o Brasil em 2023, e o perfil dos ativistas que estão na linha de frente dessas batalhas. Nesta edição, 63% das inscrições foram feitas por mulheres e 67% por pessoas negras e indígenas. A juventude de 16 a 30 anos respondeu por mais da metade (56%) das inscrições. E a região da Amazônia Legal, alvo constante de conflitos, representou 47% do total.

Confira os premiados nas 14 categorias do Prêmio:

ARTE DE RUA

Uma mulher de cabelo black power, trajada como juíza, sentada em uma das poltronas do STF. Na categoria Arte de Rua, o premiado foi este mural feito no Rio de Janeiro pelo grafiteiro Airá Ocrespo, que reverberou a reivindicação por uma mulher negra no Supremo Tribunal Federal.

AÇÃO DIRETA

O prêmio de Ação Direta foi para uma ação feita na fachada da empresa de agrotóxicos BASF, em Sapucaia do Sul (RS), região metropolitana de Porto Alegre. A ação de repúdio ao veneno nos pratos da população e as denúncias de trabalho escravo contra a multinacional fizeram parte da 14ª Jornada Nacional da Juventude Sem Terra, que combateu o agro, o garimpo e a mineração.

CARTAZ EM MANIFESTAÇÃO

“Até Maria foi consultada para ser mãe de Deus” foi o cartaz premiado, da ONG Católicas Pelo Direito de Decidir, que atua na defesa do estado laico e dos direitos sexuais e reprodutivos, mostrando que a legalização do aborto está acima das crenças e religiões.

Terceira edição do primeiro prêmio de ativismo do Brasil bateu recorde de inscrições e reuniu ações ativistas de todas as regiões do país

CIDADÃO INDIGNADO

A revolta contra a violência policial foi o tema das contundentes falas de Andrea Coutinho e Alexandra Rodrigues, que juntas levaram o Prêmio Megafone na categoria Cidadão Indignado, por sua participação em ato em Vitória (ES), pelo fim da violência racista da Polícia Militar.

DOCUMENTÁRIO

“Luta por Reparação” foi o documentário premiado, que denuncia a luta dos Pataxós atingidos pela Vale, em Brumadinho (MG). Eles seguem sem reparação desde o desastre criminoso de 2019, que matou 272 pessoas e contaminou toda a bacia do Rio Paraopeba. O curta-metragem, produzido pela Mongabay, teve ampla repercussão e contribuiu para que as negociações do Ministério Público, FUNAI e demais órgãos responsáveis ganhassem celeridade na justiça.

Por Airá Ocrespo, premiado na categoria Arte de rua

FOTO

Uma jovem indígena segurando uma bandeira do Brasil manchada de vermelho com urucum. Essa foi a imagem premiada na categoria Foto, clicada por Juliana Duarte, em Brasília, durante o ATL - Acampamento Terra Livre de 2023, em ato contra o Marco Temporal.

JOVEM ATIVISTA

Darlon Neres dos Santos foi o premiado na categoria Jovem Ativista, por sua destacada atuação a frente do coletivo Guardiões do Bem Viver, que mobiliza a juventude do Assentamento PAE Lago Grande, em Santarém (PA), em defesa do território contra a exploração de madeira ilegal.

MARCHA OU MANIFESTAÇÃO

DE RUA

Na categoria Marcha, quem recebeu o Prêmio Megafone foi o ato unificado que mobilizou diversos grupos e a sociedade civil de Maceió, em protesto contra o desastre criminoso da Braskem. A multidão seguiu em direção à Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, onde reivindicou realocação digna dos moradores que estão na área de risco, revisão dos contratos de indenização e cobrança dos órgãos de controle institucional para investigarem a empresa.

MEME OU HUMOR DE INTERNET

Mais um premiado em Santarém, no Pará, o Coletivo Jovem Tapajônico levou o troféu nesta categoria dedicada ao humor, pelo vídeo da Barbie Climática, que fez uma sátira do filme da Barbie para falar sobre a importância do reflorestamento no combate à crise climática.

MÚSICA E VIDEOCLIPE

O premiado é o remix do “Brasil do Cocar”, feito pelo DJ Zek Picoteiro, em parceria com a APIB, integrando a batida dançante do tecnobrega com falas de Célia Xakriabá e Txai Suruí sobre a importância de derrotar a tese do Marco Temporal e fazer a demarcação de terras indígenas.

PERFIL DE REDE SOCIAL

A premiada por sua atuação nas redes em 2023 foi a influenciadora e ativista de Minas Gerais, Leandrinha Du Art, que é militante da causa LGBTQIAPN+ e das pessoas com deficiência.

REPORTAGEM DE MÍDIA INDEPENDENTE

Reportagem investigativa do De Olho nos Ruralistas, “Arthur, o Fazendeiro” foi premiada por revelar as atrocidades cometidas pelo atual presidente da Câmara, Arthur Lira, envolvido em múltiplos casos de violências, despejos e uso político sistemático da máquina pública..

Darlon Neres dos Santos, premiado na categoria Jovem Ativista
Por Juliana Duarte dos Santos, premiada na categoria Foto

MEGAFONE DO ANO

O Megafone do Ano ficou com Thiago Ávila, ativista internacionalista e socioambientalista, que já havia sido indicado em outra edição, e dessa vez foi premiado por sua atuação contundente pela causa Palestina.

PRÊMIO DO JÚRI

E pelo conjunto da obra, homenageamos a ativista Elizabeth Teixeira, mulher de 99 anos, nascida em Sapé, na Paraíba, que dedicou sua vida à luta pela reforma agrária, e recebeu o Prêmio do Júri da terceira edição do Prêmio Megafone de Ativismo.

TROFÉU

Assim como nas edições anteriores, o troféu do Prémio Megafone de Ativismo foi feito pelo artivista Mundano, seguindo a proposta de utilizar materiais inovadores, como no troféu de 2022, feito com cinzas da floresta, e de 2023, feito com terra indígena. Dessa vez o material escolhido foram pedaços de micro-plástico, reaproveitados das pesquisas recentes do artivista.

O Prêmio Megafone de Ativismo existe para valorizar e celebrar a força do ativismo brasileiro, destacando a luta das pessoas e dos grupos da sociedade civil organizada a cada ano no país. A Coalizão Megafone é composta pelas organizações Pimp My Carroça, Engajamundo, Instituto Socioambiental (ISA), Associação Intercultural de Hip-Hop Urbanos da Amazônia (AIHHUAM) e Sumaúma Jornalismo, e faz parte do programa VAC (Vozes Pela Ação Climática Justa).

Saiba mais em www.megafoneativismo.org/

BOLSAS DE REPORTAGEM INFOAMAZoNIA

Por meio de bolsas de reportagens, organização da Coalizão Fortalecimento do Ecossistema de Dados promoveu produção de conteúdos jornalísticos baseados em dados sobre a questão climática por jornalistas e comunicadores sediados na Amazônia; leia uma delas a seguir

Sítios Arqueológicos

71% dos sítios arqueológicos em florestas na Amazônia Legal estão sob áreas desmatadas

De um total de 3.150 sítios em áreas desmatadas analisados pela reportagem, 12,5% (394) localizam-se em Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou Quilombolas.

Aseca que assolou o Amazonas no ano passado não apenas comprometeu a fauna, a flora e a sobrevivência da população, como também atingiu parte da história humana ancestral da Amazônia. A baixa dos rios trouxe à luz pelo menos três sítios arqueológicos antes desconhecidos, um fenômeno que pode se repetir em 2024. Com a continuação do El Niño até fevereiro deste ano, a previsão é de uma estação chuvosa amazônica mais fraca e que pode atrasar ainda mais o reabastecimento da água dos rios.

Por Lisiane Müller Ilustração e infografia: Jambo Estúdio

Publicado originalmente na InfoAmazônia em 30 janeiro de 2024 e atualizado em 21 de março de 2024”

Com indícios de presença humana que remontam mais de 10 mil anos, a Amazônia Legal possui um total de 6.178 sítios arqueológicos cadastrados no Sistema Integrado de Conhecimento e Gestão do Governo Federal (SICG) do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), segundo os dados coletados até setembro de 2023. Essas áreas emergem nas paisagens como espaços vivos de memória e identidade. São fontes dinâmicas de conhecimento, onde gerações de pessoas teceram suas existências e construíram suas vidas através do tempo, e que ressoam com práticas culturais e ambientais contemporâneas.

Dentre esses mais de 6 mil sítios, 4.415 estão em áreas de floresta – dentre eles, 71% (3.150) estão em áreas de desmatamento e já foram impactados pelo problema. Esses dados são resultado de um levantamento exclusivo da InfoAmazonia, com base no SICG e nos dados de desmatamento para toda a série histórica disponível (1988 a 2022) do Prodes, sistema do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que produz a taxa de desmatamento anual da região.

A escalada da perda de cobertura florestal aliada à extração desenfreada de recursos, sobretudo na Amazônia, pode estar ameaçando todo esse patrimônio arqueológico, impactando na perda de contextos arqueológicos que ainda não foram integralmente descobertos e/ou estudados em

Sítios

Arqueológicos

Áreas de Desmatamentos

DADOS E TRANSPARÊNCIA

Como forma de garantir a transparência, compartilhamos aqui o texto de análise e os dados utilizados nesta reportagem.

ações em rede

pesquisas científicas e pelas comunidades locais. Segundo informações do Prodes, são consideradas áreas desmatadas aquelas onde houve “a remoção completa da cobertura florestal primária por corte raso”. Essa técnica se dá quando, em uma determinada área, todas as árvores (ou a maioria delas) são derrubadas ao mesmo tempo e, em geral, de maneira uniforme. O estado do Acre é o que tem uma quantidade excepcionalmente alta de sítios em áreas desmatadas, atingindo o percentual de 97% em 2023. Em seguida, vem os estados de Mato Grosso, com 79%, Rondônia, com 76%, e o Maranhão, com 73%. Pará fica com 66%, enquanto Roraima e Tocantins despontam com as menores taxas em áreas florestais, de aproximadamente 36% e 40%, respectivamente.

Fonte: Levantamento da InfoAmazonia com base nos dados do IPHAN e PRODES (INPE).

ações em rede

Arqueologia,

sistematização e fiscalização

Todos esses números lançam luz a um fenômeno já conhecido por cientistas: a relação intrínseca entre o desmatamento, a ocupação urbana e a descoberta de sítios arqueológicos. Dada a natureza enterrada ou semienterrada de muitos desses locais, áreas desmatadas e/ou ocupadas, geralmente, revelam vestígios do passado. Contudo, é essencial considerar que o desmatamento na Amazônia é uma questão complexa e multifacetada.

A busca por soluções equilibradas exige um entendimento do patrimônio arqueológico da região, que há décadas passa por diversos tipos de dificuldades, desde recursos humanos e financeiros, difícil acesso a locais, políticas públicas insuficientes e também pela incompleta sistematização dos dados arqueológicos já existentes — as informações sobre os sítios arqueológicos disponibilizados pelo Centro Nacional de Arqueologia (CNA) e pelo IPHAN mostram as dificuldades desses órgãos para conseguir acompanhar o progresso de tecnologias de armazenamento de grandes volumes de informação.

Além do SICG, base oficial com as coordenadas dos sítios disponibilizada pelo IPHAN, há ainda uma outra base, a do Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA), que inclui mais 2.114 sítios, mas sem os dados de localização de cada um deles. Mesmo entre os dados da base do SICG, que apresenta os pontos de localização dos mais de 6 mil sítios, apenas 1090

Sítios arqueológicos em áreas desmatadas na Amazônia Legal

sítios (ou 17%) possuem dados geoespaciais com área delimitada (camadas de polígonos). Essas informações mais detalhadas e precisas seriam fundamentais para melhor entendimento do impacto e avanço da ocupação e exploração sobre estas áreas. Apesar do termo “sítio arqueológico” não ser de todo estranho, poucos brasileiros sabem realmente o que significa. Conforme a Portaria n° 316/2019 do IPHAN, um lugar é considerado um sítio arqueológico quando mostra sinais de atividade humana em épocas pré-coloniais (antes da invasão dos colonizadores europeus) ou em épocas históricas (quando já existiam registros escritos e documentos). Esses sinais podem ser vistos no chão, escondidos ou até debaixo d’água.

Para o governo brasileiro reconhecer oficialmente um sítio arqueológico, é fundamental que as descobertas sejam estudadas considerando o todo, desde os objetos encontrados até as camadas de terra que se acumularam ao longo do tempo, além de outras características ambientais que ajudam a contar a história do lugar.

Uma vez cadastrado como um sítio arqueológico, a gestão e preservação desse patrimônio fica a cargo do IPHAN, sendo vedado o aproveitamento econômico, destruição ou mutilação desses locais antes da realização de pesquisas por arqueólogos devidamente autorizados pelo órgão, conforme a Lei 13.653.

Mesmo sob pressão, UCs representam proteção para sítios arqueológicos

As pesquisas arqueológicas sistemáticas na Amazônia começaram na década de 40, marcada por expedições como as da arqueóloga americana Betty Meggers, pioneira em estudos na Amazônia e que contribuiu de maneira crucial para a área, inclusive na execução do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas na Bacia Amazônica (PRONAPABA). Mas de maneira problemática, por décadas a abordagem científica utilizada entre pesquisadores, ainda que tenha produzido muitos dados em relação à arqueologia da região, foi centrada em um viés colonizador, com uma visão eurocêntrica, que frequentemente desconsiderava a complexidade e a diversidade das culturas amazônicas.

Atualmente, os estudos arqueológicos sofrem pressão para uma prática mais integrada e colaborativa com a população. O trabalho em conjunto com as comunidades locais, que valoriza os saberes tradicionais, reafirmam a urgência e a importância de que os povos da Amazônia sejam protagonistas na construção de conhecimento sobre seu próprio legado ancestral.

Dos mais de 3 mil sítios localizados em áreas desmatadas pela reportagem, 12,5% (394) localizam-se em Unidades de Conservação, Terras Indígenas ou Quilombolas. Nos últimos 15 anos, o aumento no número de sítios em zonas florestais desmatadas foi de 8% para áreas protegidas e 23% para terras comuns, indicando que esses locais, mesmo sob pressão, proporcionam um nível de salvaguarda maior também para os sítios arqueológicos.

A InfoAmazonia segmentou esses locais entre terras comuns e áreas protegidas. Até 2022, sítios arqueológicos em áreas florestais com desmatamento alcançaram uma taxa acumulada de 76% para terras comuns, enquanto para áreas protegidas foi de 45%. Em destaque, as Terras Indígenas apresentam o menor índice de sítios em áreas desmatadas, com 21%, seguidas pelas Unidades de Conservação com 52% e, por fim, as Terras Quilombolas com 59%.

ações em rede

Nós, os guardiões

Localizada no Pará, a região de Gurupá apresenta o maior número de sítios arqueológicos em terras quilombolas na Amazônia Legal, conforme os dados do IPHAN. Entre os 27 sítios identificados nesses territórios, 12 estão localizados em Gurupá, com 7 deles estando fora de áreas desmatadas.

O presidente da Cooperativa Agroextrativista dos Remanescentes de Quilombos dos defensores da floresta de Gurupá, Agenor Pombo, explica que o território quilombola possui 83 mil hectares, e muitos sítios arqueológicos que ainda que não foram estudados.

“Separamos nossa floresta em duas áreas, uma de preservação, com 66 mil hectares, e outra de uso, destinada à nossa área de cultivo, da nossa roça, da produção. Elaboramos um plano de uso, aprovado pela comunidade, e também trabalhamos no planejamento do território das comunidades locais”, detalha Agenor.

Desde 2014, a região vivencia uma relação de proximidade e preservação do legado ancestral, fruto de uma parceria com pesquisadores do Museu Paraense

A

relata como o contato com o patrimônio arqueológico da região se intensificou com a chegada do Projeto Origens, Cultura e Ambiente (OCA), iniciativa do museu. O que inspirou também a criação do coletivo “Nós, os guardiões”, para dar continuidade à conscientização local sobre o patrimônio arqueológico.

“Antes da presença deles, nós não sabíamos muito sobre a arqueologia em si. Era uma história de Gurupá que ficava escondida. E foi tudo novo. Eram várias informações novas para todo mundo”, relata Benathar, que após o projeto se inspirou e hoje é mestranda também no Museu. A atuação do coletivo, em parceria com pesquisadores e a cooperativa, vem resultando na organização de oficinas para reunir moradores das diferentes comunidades locais.

Um dos objetivos da cooperativa, em conjunto com a Associação dos Remanescentes de Quilombos de Gurupá (ARQMIG), entidade que possui a titulação das terras no local, é organizar e identificar todas as nascentes dos igarapés e os sítios arqueológicos.

“Antes da presença deles, nós não sabíamos muito sobre a arqueologia em si. Era uma história de Gurupá que ficava escondida. E foi tudo novo. Eram várias informações novas para todo mundo”
Oficina de cerâmica com inspiração Afro na comunidade quilombola de Jocojó. Foto: Acervo de Cássia Benathar
Emílio Goeldi.
professora de história e moradora local, Cássia Benathar,
Cássia Benathar, professora de história

Embora mantenha contato com profissionais da arqueologia, em especial do Museu Goeldi, Agenor Pombo expressa preocupação com o retorno prático que chega às comunidades em relação às pesquisas científicas realizadas.

“A gente continua encontrando artefatos, principalmente no trabalho de roça. Identificamos outros sítios também dentro da floresta. Estamos correndo atrás de apoios para gente tentar organizar isso. O nosso território é extenso e a gente trabalha essa questão da preservação e conservação porque existem outros fatos ocorrendo aqui, como os incêndios”, diz Agenor.

Para ele, um maior contato com esse conhecimento poderia fazer com que os jovens das comunidades se engajem mais também. “O que a gente tem que fazer daqui para frente para preservar esses locais? Essa é uma pergunta que temos para que a gente não utilize essas áreas, conserve esse patrimônio do nosso território e possa repassar isso para nossa juventude”.

Terra, água e floresta

O ideal de grandiosos artefatos arqueológicos construídos à base de filmes hollywoodianos, como o Indiana Jones, ajudaram a construir, muitas vezes, um olhar de pouco interesse da sociedade brasileira em relação à própria arqueologia. Por não apresentar esses símbolos estereotipados, a Amazônia muitas vezes é subestimada em seu valor arqueológico. Essa visão limitada não poderia estar mais distante da realidade.

O pesquisador colaborador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Carlos Augusto da Silva, explica que grande parte da floresta densa que vemos hoje, com árvores centenárias resistindo ao avanço do desmatamento, é, na verdade, fruto de um inteligente manejo da natureza feito por populações antigas. Para ele, o patrimônio arqueológico na região não se limita ao que está enterrado, e ele também pode ser visto na vertical.

“A arqueologia amazônica revela a céu aberto uma rica história da interação entre os povos originários com o meio ambiente. Uma sumaúma, por exemplo, ela é um grande útero que abarca todo um contexto de gerações na Amazônia”, explica o pesquisador amazonense.

Assim, não é exagero dizer que os sítios arqueológicos na região estão por toda parte: sob os pés das comunidades tradicionais, marcados, como, por exemplo, pela descoberta da famosa “terra preta”, mas também verticalizados sobre a floresta, como nas grandes e antigas copas de árvores. E em meio a essa vastidão verde, pouco comum quando se imagina em artefatos arqueológicos, a Amazônia se destaca como um ponto de convergência entre gerações que se conectam ao longo do tempo.

“A floresta é um patrimônio arqueológico dessas populações que viveram no passado. As populações antigas usavam exatamente todos esses produtos, mas após um, dois, três anos, todo o material orgânico virava o quê? Adubo! Enquanto as populações do passado adubaram a Amazônia com terra, floresta e água, a nossa geração está adubando com desmatamento e plástico”, diz o pesquisador, que é integrante também do Projeto Amazônia Revelada. Essa iniciativa pretende sobrevoar a Amazônia com uma tecnologia de mapeamento a laser, conhecida como Lidar, para descobrir sítios arqueológicos encobertos pela vegetação.

Desde 25 de setembro do ano passado, a reportagem tenta contato com o IPHAN, solicitando entrevista com a direção do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), em busca de mais esclarecimentos sobre a política de preservação desses sítios arqueológicos e investimentos na área. Durante este tempo, foram trocados 15 e-mails, mas até o fechamento desta reportagem, a demanda não foi atendida. Como justificativa, a assessoria de imprensa do órgão alegou: “o volume de trabalho e compromissos dos técnicos V

Esta reportagem foi realizada com o apoio do Programa Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), que atua para amplificar ações climáticas locais e busca desempenhar um papel central no debate climático global. A InfoAmazonia faz parte da coalizão “Fortalecimento do ecossistema de dados e inovação cívica na Amazônia Brasileira” com a Associação de Afro Envolvimento Casa Preta, o Coletivo Puraqué, PyLadies Manaus, PyData Manaus e a Open Knowledge Brasil.

ações em rede

Encontro Kanindé. Foto: Rose Farias

A ALIANÇA DAS AMAZÔNIAS

Unindo Vozes, entrelaçando raízes e construindo o agora!

Aliança das Amazônias surge como um movimento inspirado na histórica Aliança dos Povos da Floresta, liderada pelo seringueiro Chico Mendes, nos anos 80. A necessidade de preservar, não apenas as riquezas naturais da Amazônia, mas também as tradições, estilos de vida e bem viver das comunidades que a habitam, impulsionou a formação da nova Aliança em 2023.

A iniciativa é resultado de uma construção coletiva, envolvendo diversos grupos, como indígenas, quilombolas, extrativistas e moradores das periferias do Norte do Brasil, mais especificamente das paisagens Acre, Rondônia e Tapajós.

A juventude desempenha um papel crucial nesse processo, sendo parte ativa na luta pela defesa dos territórios originários e pela preservação ambiental. Caminhando ao lado do Vozes pela Ação Climática Justa (VAC), essa juventude têm se capacitado e engajado em atividades de conscientização e mobilização.

O Acampamento Terra Livre (ATL) foi um espaço importante de participação e articulação para os membros da Aliança das Amazônias, tanto em 2023 quanto em 2024. Esses eventos proporcionam

Encontro VACBrasiléia Jun/24.

oportunidades para destacar demandas específicas, contribuir para construir e fortalecer uma agenda comum e consolidar a união entre as comunidades indígenas e tradicionais.

Além disso, a Aliança das Amazônias tem se empenhado em incidir em importantes espaços de decisão, como a Conferência das Partes (COP), buscando garantir a representatividade e os direitos das populações amazônicas.

Nesse contexto, a ativação na COP28 se apresenta como uma oportunidade crucial para amplificar as vozes da região e promover mudanças significativas.

O movimento da Aliança das Amazônias já se estabelece como a possibilidade de se constituir um verdadeiro legado, sendo abraçado por todos(as)(es) aqueles(as) que contribuíram para sua criação. É um testemunho do poder da união e da construção coletiva em prol de um futuro sustentável para as Amazônias e seus habitantes.

Da omissão à prioridade: a (i)relevância da pauta climática na política brasileira

Por Graziela Souza, coordenadora de relações governamentais do Clima de Eleição

Foto: Ana Pessoa / Mídia NINJA

Durante muito tempo a pauta climática foi ignorada nas agendas eleitorais de lideranças do Executivo e Legislativo na política brasileira. Sempre rivalizada com o que chamavam de “desenvolvimento” econômico, a questão ambiental foi posta em segundo plano, quase que como algo para “o futuro” ou um problema que simplesmente não existia. Nesse sentido, lideranças climáticas eram consideradas profetas do caos ou, até mesmo, desconectadas da realidade, afinal, o Brasil era repleto de problemas sociais como a desigualdade, a fome, a mortalidade infantil que precisavam ser postas à frente da pauta climática, esta, por sua vez, poderia esperar.

Nos últimos anos, a pauta climática não conseguiu mobilizar votos, o que explica a ausência generalizada de engajamento das lideranças políticas nesse eixo. Isso se deve, em grande parte, à falta de conexão explícita entre a questão ambiental e outras preocupações que afetam diretamente o eleitorado.

Entretanto, o presente evidencia que a questão ambiental sempre foi relevante. Se a economia, o trabalho e a renda eram prioridades eleitorais, era crucial destacar os impactos socioeconômicos das mudanças climáticas. Hoje, observamos como esses pilares são afetados à medida que o clima muda, com perdas de colheitas, diminuição de empregos e aumento dos custos de vida, especialmente com alimentos. ATL 2023.

Em certa medida, pode-Em certa medida, pode-se dizer que a cada eleição a pauta climática vem sendo, paulatinamente, introduzida a planos de governos, embora ainda de forma incipiente. Longe de ser espontâneo, esse aumento se deve ao trabalho da sociedade civil, especialmente organizações e movimentos sociais ambientalistas/de justiça climática. Todavia, mais do que isso, se deve a constante piora do impacto das mudanças climáticas na população brasileira, o que tem dificultado a omissão à pauta climática.

Se há algum benefício no aumento de eventos climáticos extremos é que o ato de omitir a questão ambiental em planos de governo se tornou, no mínimo, desconfortável. As opções para lideranças políticas são claras: algumas têm, de fato, expandido seu conhecimento técnico sobre políticas públicas de clima e meio ambiente, investido em participação social e promovido articulação política multinível no combate às mudanças climáticas, outras focam em maquiar suas ações com práticas de greenwashing para receber o selo verde.

Por outro lado, ainda lidamos com lideranças que insistem no negacionismo climático, o que demonstra sua latência, visto que, longe de poder ignorá-la, os negacionistas disputam a questão ambiental ideologicamente.

Para o bem e para o mal, essas posturas explicitam a relevância da pauta climática. No entanto, o que mais tem chamado atenção é uma postura cínica que busca retirar a responsabilização das consequências de eventos climáticos extremos da pessoa tomadora de decisão. Essa postura, bastante presente nos últimos acontecimentos de relevância no debate público climático brasileiro, apesar de não negar as mudanças climáticas, se resguarda na ideia de que as consequências das mudanças climáticas são desastres inesperados na qual a pessoa tomadora de decisão, assim como a população, fora pega de surpresa.

Como visto, este tipo de postura tem sido rechaçada no debate público, o que estreita ainda mais as possibilidades de atuação de lideranças políticas frente às mudanças climáticas. A conclusão que se tira é que a questão ambiental deve tomar forma em momentos eleitorais, talvez sendo, como nunca, impactante em resultados políticos.

Mas deve haver ainda um esforço constante em destacar a transversalidade da questão ambiental, sempre em busca de sua evidente relação com qualquer tema prioritário da pessoa eleitora. Nesse contexto, discursos pessimistas desmobilizadores não são bem vindos, deve haver possibilidades no final de cada denúncia. Somente isso garante que a pauta climática não seja isolada politicamente e que pessoas tomadoras de decisão não possam mais se esquivar de suas decisões políticas que impactam pessoas, sobretudo, as mais vulneráveis.

Para as lideranças políticas do presente e do futuro, é fundamental reconhecer que suas ações e omissões reverberam não apenas nos corredores do poder, na burocracia estatal e nos gabinetes políticos, mas, especialmente, nos rios, nos biomas e florestas, no ar que respiramos e, principalmente, na possibilidade de vida da atual e das futuras gerações. Lidar com as consequências das mudanças climáticas é tarefa prioritária de qualquer liderança, acostumem-se! V

DIA DAS ÁGUAS

Jovens mergulham no debate sobre a Conjuntura Socioambiental das Águas do Tapajós

Por Movimento Tapajós Vivo

Ilustração: Jambo Estúdio

Aágua, na Amazônia, não é apenas um elemento natural. Ela pulsa como as veias de um gigante vivo, essencial para a cultura, a vida e a sobrevivência dessa região. Desde os ribeirinhos até as grandes cidades às margens dos rios, a água molda tradições, sustenta economias e embala lendas que atravessam gerações. Mais que nutrir a biodiversidade exuberante, ela é o elo invisível entre o passado e o futuro da Amazônia, conectando as raízes ancestrais com os desafios modernos de preservação.

Nesse contexto e em comemoração ao Dia Mundial das Águas, em 22 de março, a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) recebeu o seminário “Conjuntura Socioambiental das Águas do Tapajós”. O evento, uma parceria entre o Movimento Tapajós Vivo, SAPOPEMA e o Instituto de Ciências e Tecnologias das Águas (ICTA/UFOPA), reuniu mais de 130 participantes com o objetivo de discutir a governança das águas na Bacia do Rio Tapajós e a comunicação popular.

Alunos da Escola de Militância Socioambiental Amazônida (EMSA) tiveram a chance de se envolver nos debates, que abordaram a preservação ambiental, o uso sustentável dos recursos e os conflitos de interesse na gestão das águas, além de conhecer mais sobre os cursos oferecidos pelo ICTA, com visitas técnicas aos laboratórios.

O dia terminou com uma caminhada em defesa dos rios, lagos e igarapés, mobilizando a sociedade para proteger esse recurso vital, e um ato cultural que destacou a importância das águas por meio da arte e da cultura.

Mais uma turma da Escola de Militância

Outro destaque do semestre foi a realização de mais uma formação da EMSA, em Santarém. Também em março, entre os dias 21 e 25, a turma foi composta por uma diversidade de 27 alunos (14 homens e 13 mulheres) indígenas, ribeirinhos, quilombolas e pessoas de áreas urbanas de diferentes territórios do baixo e médio tapajós.

A formação buscou promover uma análise de conjuntura e sua importância, engajamento na militância, bem como a geopolítica e socioeconômica da Amazônia e da Bacia do Tapajós, além de aspectos relacionados às mudanças climáticas e seus impactos nos territórios da bacia do Tapajós.

O objetivo também foi de debater sobre a Conjuntura da Bacia do Rio Tapajós, aprofundando contextos geográficos, históricos, arqueológicos, valorizando a cultura e saberes locais, assim como, trazendo debates sobre projetos de impacto socioambiental como infraestrutura/logística; garimpo; desmatamento entre outros. Contamos, inclusive, com a participação de uma representante da Organização das Nações Unidas – ONU durante a formação da EMSA para conhecer mais sobre o projeto e as atividades. V

Alunos da EMSA e Professores da UFOPA no Seminário “conjuntura Socioambiental das Águas do Tapajós.
Militantes na caminhada na Defesa das Águas.

CLIMÁTICO

Para se alimentar de conhecimento sobre justiça climática!

O xibé é a mistura de farinha de mandioca com água, pra beber ou pra comer. Também conhecido como Jacuba, é um ícone da riqueza da comida amazônica, presente no dia-a-dia de muitos ribeirinhos, indígenas e extrativistas. Devore este xibé e delicie-se!

PUBLICAÇÃO

Cuida!

Confira aqui o material utilizado na Formação em incidência Amazônida pelo Clima, Cuida! A formação é uma parceria de VAC e Observatório do Clima e este material trata de maneira sucinta 8 temas diferentes tratados ao longo do processo formativo.

Baixe o material completo aqui

PUBLICAÇÃO

É Clima de Educação Ambiental

Este material educativo elaborado a partir da campanha “É Clima” oferece ferramentas para a abordagem de questões ligadas à emergência climática. Ele pode ser utilizado nos mais variados contextos de ensinoaprendizagem e apresenta a possibilidade de ser adaptado para diferentes faixas etárias. Há versão para o professor e para o aluno.

Acesse o material aqui

PUBLICAÇÃO

Mudanças Climáticas: em que barco estão as comunidades tradicionais do Marajó?

Esta cartilha produzida pelo Observatório do Marajó aborda de forma acessível e em acordo com a realidade das comunidades tradicionais, as mudanças climáticas a partir da escuta, observação e vivência de quem vive no Marajó em diferentes dinâmicas territoriais.

audiovisual

Tapajós nas Telas

Confira as diversas produções audiovisuais das organizações, lideranças, jovens comunicadores e outros defensores ambientais da Coalizão Vozes do Tapajós.

Confira aqui os vídeos.

web

Plataforma de Soluções Comunitárias

Baseadas na Natureza

Esta plataforma apresenta projetos e iniciativas que envolvem, o que aqui denominamos, soluções comunitárias baseadas na natureza, mapeadas no âmbito do projeto “Engajamento Urbano na Agenda

Climática – Vozes Amazônicas” promovido pela Rede Internacional de Ação Comunitária – Interação e a SOMECDH – Sociedade, Meio Ambiente, Educação, Cidadania e Direitos Humanos, em parceria com o LabdaCidade.

Acesse aqui a plataforma e navegue pelas soluções.

Acesse a cartilha neste link.

CONHEÇA A ARTISTA DA CAPA

Juliana Gomes tem vinte e três anos, é graduanda no curso de história na Universidade Federal Fluminense, co-fundadora e integrante do Coletivo dos Estudantes Indígenas da UFF. É palestrante e artista visual autodidata, trabalhando questões como anticolonialidade e ancestralidade a partir de técnicas diversas e interdisciplinares. Assina seus trabalhos como Jaguatirika, apelido pelo qual seu avô a chamava. Começou seu trabalho de ilustradora com livros indígenas independentes produzidos para a arrecadação para aldeias em vulnerabilidade por conta da pandemia. Nascida no interior de Goiás, mora atualmente em Niterói, no estado do Rio de Janeiro. Já teve trabalhos expostos no Festival LivMundi, que ocorreu no Parque Lage localizado no Rio de Janeiro, na Galeria Dandi, em São Paulo, no Memorial dos Povos Indígenas em Brasília, na Primeira Bienal de Arte Indígena do Rio de Janeiro, no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticida, no Museu Itinerante da Amazônia, na Mostra Noix de arte periférica em Madureira e no Carrossel do Louvre, em Paris. Além desses trabalhos fez a identidade visual do Festival Tagua de Cinema, ilustrou a história em quadrinho da Bancada do Cocar e atualmente está trabalhando como ilustradora e animadora no curta metragem Kagpó Jó, premiado pelo Prêmio Catarinense de Cinema.

Para saber mais: @jaguatirikapintora / @abyayalese

www.voicesforjustclimateaction.org

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.