Cinema do IMS Rio, outubro de 22

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cinema out.2022
Moonage Daydream, de Brett Morgen (Alemanha, EUA | 2022, 140’, DCP)

destaques de outubro 2022

I’m singing in the rain…”

“Estou cantando na chuva/ Só cantando na chuva./ Mas que sensação gloriosa,/ estou feliz de novo!”.

A cena musical que se tornou uma das clássicas da história do cinema poderá ser revista em sala escura. Em 2022, o musical Cantando na chuva, cuja história narra a transição do cinema silencioso ao falado em Hollywood, completa 70 anos e será exibido nos Cinemas do IMS em uma nova cópia em DCP 4K.

Um grupo de foliões cariocas rouba o equipamento de filmagem de uma equipe estadunidense e resolve fazer seu próprio filme. Esse é o ponto de partida de Ladrões de cinema, de Fernando Coni Campos, que será exibido na Sessão Cinética, com a presença de Antonio Pitanga e Léa Garcia.

Disponibilizado na íntegra e gratuitamente, o livro O primeiro cabra apresenta o roteiro original de Cabra marcado para morrer, a ficção que Eduardo Coutinho dirigia junto ao Centro Popular de Cultura da UNE antes de ser interrompido pelo golpe civil-militar de 1964. Preparado por Carlos Alberto Mattos, o livro inclui ainda documentos da época e um estudo do roteiro. Por ocasião do lançamento, o Cinema do IMS apresenta o Cabra documentário, junto aos filmes em que Coutinho revisita seus entrevistados anos depois.

Celebrando o aniversário de Laudelina de Campos Mello, duas obras que ecoam, seja no ativismo organizado, seja na disputa das imagens, a luta das trabalhadoras domésticas por direitos e dignidade: Diga às companheiras que aqui estão e Marte Um.

[imagem da capa] Ladrões de cinema de Fernando Coni Campos (Brasil | 1977, 127’, DCP)

1 Sobreviventes da Galileia, de Eduardo Coutinho (Brasil | 2014, 27’, arquivo digital )
Cantando na chuva (Singin’ in the Rain), de Stanley Donen, Gene Kelly (EUA | 1952, 103’, DCP 4K ) Digo às companheiras que aqui estão, de Sophia Branco, Luís Henrique Leal (Brasil | 2022, 35’, DCP)

quarta quintaterça

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14:00 Tromba Trem: O filme (94’)

15:45 Desterro (123’)

18:00 Marte Um (115’)

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14:00 Tromba Trem: O filme (94’)

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18:00 Desterro (123’)

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18:00 Peter von Kant (86’)

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18:00 A família de Elizabeth Teixeira

+ Sobreviventes da Galileia (93’)

O IMS estará fechado nesse dia

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15:00 Moonage Daydream (140’)

18:00 Cantando na chuva (103’

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14:00 Tromba Trem: O filme (94’)

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14:00 Tromba Trem: O filme (94’)

16:30 Sessão Cinética: Ladrões de cinema (127’)

Seguido de debate com Antonio Pitanga, Léa Garcia e Juliano Gomes

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14:00 Marte Um (115’)

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18:00 Moonage Daydream (140’)

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18:00 Marte Um (115’)

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O IMS estará fechado nesse dia

Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas em ims.com.br.

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O primeiro cabra

O acervo de Eduardo Coutinho está desde janeiro de 2019 sob a guarda do Instituto Moreira Salles. São cadernos com anotações, decupagens de filmes, roteiros de projetos que nunca saíram do papel, objetos. Um dos documentos mais sedutores é certamente o roteiro original de Cabra marcado para morrer, que o IMS oferece agora ao público, totalmente digi talizado e gratuito, em forma de ebook, preparado por Carlos Alberto Mattos.

O roteiro foi digitalizado a partir de uma fotocópia do datiloscrito original, que por sorte sobreviveu à passagem do tempo entre os guardados de Coutinho. Além do roteiro, há também outros documentos importantes sobre o filme, como fotos da época da filmagem e do lançamento, além de imagens históricas, como a da protagonista Elizabeth Teixeira prestando depoimento à CPI sobre a morte de seu compa nheiro, João Pedro Teixeira. Também se encontram ali os rascunhos dos textos de narração para o filme, redigidos por Eduardo Coutinho e Ferreira Gullar, com anotações de Coutinho relativas à sincro nização com as imagens. Há, por fim, o

parecer da censura federal, liberando Cabra marcado para morrer para maiores de 18 anos, em 1984.

Publicamos a seguir um trecho do texto de apresentação do ebook, escrito por Carlos Alberto Mattos para apresentar ao público esse material histórico. Por

ocasião do lançamento, o Cinema do IMS exibe os filmes Cabra marcado para morrer, A família de Elizabeth Teixeira e Os sobreviventes da Galileia, de Eduardo Coutinho. A publicação será disponibili zada na íntegra em ims.com.br a partir do dia 6 de outubro de 2022.

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Cabra marcado para morrer, 1964

O maior clássico do documentário brasileiro se organiza como um cotejamento constante entre duas épocas. Vale dizer, entre dois momentos bastante diferentes tanto em matéria de situação política brasileira quanto no que se refere aos modelos cinematográficos postos em prática. O Cabra/64 e o Cabra/84 divergem em quase tudo, mas o segundo depende fundamentalmente do primeiro para existir, já que é, ao mesmo tempo, o seu resgate e o seu contraponto.

Como bem ressaltou Marilena Chauí, “Cabra marcado para morrer realiza refle xões. Por um lado, enquanto obra de arte e de comunicação, realiza a reflexão do projeto anterior: da epopeia ao drama documentado, dos arquétipos perfeitos à complexidade do real, da intenção pedagógica à percepção do outro como consciente de si”.¹

Esse tipo de raciocínio, com algumas variações, vem sendo construído desde que o filme surgiu, em 1984, com base no que ele próprio deixava entrever em sua

1. Folha de S.Paulo, 09.06.1984.

complexa – e ao mesmo tempo tão clara –exposição. No entanto, observou-se com pouca profundidade o que constituía o projeto gestado no CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 1964. A publicação do roteiro original de Eduardo Coutinho permite agora um exame mais detido das intenções esboçadas e do modelo narrativo adotado no filme interrompido pelo golpe civil-militar.

Da mesma forma, à luz do roteiro e do que chegou a ser filmado, é possível também analisar o uso que se fez daquele material na montagem final do filme, na década de 1980. Para isso, resumimos um pequeno histórico do projeto, desde o engajamento de Coutinho na UNE Volante, em 1962, até a montagem final realizada por Eduardo Escorel entre 1981 e 1983.

A UNE volante

Mas um dia o gigante despertou Deixou de ser gigante adormecido E dele um anão se levantou Era um país subdesenvolvido Subdesenvolvido Subdesenvolvido.

“Canção do subdesenvolvido”, de Carlos Lyra e Chico de Assis

A “Canção do subdesenvolvido”, de Carlos Lyra e Francisco “Chico” de Assis, interpretada pelo Conjunto do CPC, é ouvida no segundo minuto de projeção de Cabra marcado para morrer . Era um hit no meio estudantil em 1962, antes de ser censurada pela ditadura instalada em 1964. Fazia parte do disco O povo canta , editado pelo CPC como parte de uma múltipla atividade cultural destinada a levantar as massas contra a opressão capi talista e o imperialismo internacional. A ironia da letra era uma das estratégias utilizadas, ao lado de outras formas de conscientização.

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O CPC havia sido criado em 1961 por lideranças estudantis, artistas e intelectuais de esquerda para levar música, filmes, esquetes de teatro de rua e pales tras ao meio popular. Entre os autores figuravam, além de Lyra e Assis, Oduvaldo Vianna Filho, Armando Costa, Antonio Carlos Fontoura, Carlos Estevam Martins, Moacir Félix, Augusto Boal, Arnaldo Jabor, Nelson Xavier e Ferreira Gullar, alguns deles ligados ao Teatro de Arena.

Ao mesmo tempo, lutava-se por reivin dicações dos próprios estudantes, como a participação de um terço nos conse lhos universitários com direito a voz e voto. Essas pautas, embora independentes, identificavam-se em grande medida com o programa de reformas de base encam pado pelo governo João Goulart. Entre elas, a universitária, que visava ampliar o acesso às faculdades e decolonizar o ensino.

Em 1962, a UNE decidiu estender sua ação para além de suas bases por meio da UNE Volante, caravanas de estudantes e artistas ligados ao CPC enviadas a diversas capitais do país. Eram apre sentados filmes e peças, vendiam-se

livros e discos, promoviam-se debates sobre arte popular e eram feitos contatos com estudantes e líderes operários e camponeses, bem como fomentava-se a criação de CPCs nas cidades visitadas. Nos debates, discutiam-se a reforma universitária e os rumos do desenvolvi mento do país, assim como a miséria que assolava as populações rurais e as peri ferias urbanas era denunciada. O cenário parecia propício à tão almejada aliança da intelectualidade com as classes do trabalho braçal.

Um dos filmes exibidos pela UNE Volante era Cinco vezes favela, reunião de cinco curtas produzidos pelo CPC em 1961. Eram eles: Um favelado , de Marcos Farias, Zé da Cachorra, de Miguel Borges, Couro de gato, de Joaquim Pedro de Andrade, Escola de samba, alegria de viver , de Carlos Diegues, e Pedreira de São Diogo, de Leon Hirszman. Quem assinava a “gerência de produção” do episódio de Leon era um jovem paulista que se mudara para o Rio em fins de 1960 e atendia pelo nome de Eduardo Coutinho.

A total inépcia de Coutinho no trato com dinheiro e números não havia sido impedimento para que o amigo Leon o escalasse para o posto. Afinal, ele havia cursado o IDHEC (Institut des Hautes Études Cinématographiques) em Paris e era pessoa de absoluta confiança. Junto ao pessoal do Teatro de Arena, partici para da assistência de direção de peças de Amir Haddad e Chico de Assis.

A proximidade com o CPC, por meio de Carlos Estevam e de Leon, creden ciou Coutinho a ser o documentarista oficial da primeira UNE Volante (a segunda partiria em 1963).

Foi nessa função que ele chegou com a equipe da UNE a João Pessoa em 14 de abril de 1962. Coordenou filmagens em bairros populares e numa manifestação de lavradores no município de Sapé, a 42 quilômetros da capital. Ali se locali zava o núcleo nordestino mais ativo e um dos mais antigos (fundado em 1958) das Ligas Camponesas, movimento ligado ao Partido Comunista Brasileiro que apoiava as causas dos trabalhadores rurais e era tão atuante que, duas semanas antes, seu

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fundador e dirigente, João Pedro Teixeira, havia sido assassinado a tiros por ordem de latifundiários locais.

Coutinho filmou o “comício de protesto” (como foi noticiado na imprensa) e, segundo relato de Vladimir Carvalho, que o ciceroneou em João Pessoa, chegou a discursar brevemente no palanque. “Com uma dicção peculiar, quase sempre atro pelada pela rapidez de seu pensamento

e de seu proverbial senso de humor, era um desperdício naquela fila de oradores de rua”, recordou-se Vladimir em entrevista de 2014 ao jornal Estado de Minas. Impressão especial causou em Coutinho a viúva de João Pedro, Elizabeth Teixeira, que presidiu o ato, acompanhada por seis de seus 11 filhos. Mulher forte e bela, Elizabeth estava assu mindo a bandeira do marido. Coutinho

a entrevistou rapidamente e a filmou no local da manifestação. Costumava dizer que essa tinha sido a única vez em que operara uma câmera (uma Bell & Howell de 16 mm), cobrindo a ausência do cine grafista Acyr Pacheco, cujo adoecimento acabaria interrompendo as filmagens da expedição. O pretendido filme Isto é Brasil nunca seria montado.

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De volta ao Rio, o nascente cineasta era então tomado pelo desejo de levar ao cinema a trajetória de João Pedro e da Liga de Sapé. Após a experiência de Cinco vezes favela, o CPC encarregara Coutinho de realizar o segundo longa-metragem da entidade. A ideia inicial de adaptar os poemas sociais de João Cabral de Melo Neto acabou sendo descartada, uma vez que o poeta desistiu de ceder os direitos. Estava aberto o caminho para o primeiro Cabra marcado para morrer.

A preparação

Desde que viu pela primeira vez Elizabeth Teixeira no protesto em Sapé, Coutinho a elegeu como guia para o projeto de Cabra marcado para morrer . A história de João Pedro Teixeira e de sua família seria contada a partir, sobretudo, das reminiscências da viúva. Já no início de 1963, ele voltava à Paraíba por três meses para pesquisar o assunto e ouvir longamente os relatos de Elizabeth sobre as relações do casal com a Liga de Sapé. Tomava notas em seus indefectíveis caderninhos de espiral.

Em 17 de janeiro de 1963, o cineasta e jornalista Linduarte Noronha, autor do seminal curta Aruanda (1960), publicava em sua coluna de cinema no jornal A União o artigo intitulado “UNE procura camponeses”. A certa altura, escrevia Linduarte: “Coutinho e sua equipe procuram o homem da terra, o herói diário da luta pela sobrevivência; o lavrador que reivindica, no momento, o que lhe é de direito e inegável. A saga pela terra-mãe. O grito de desespero de milhões de espoliados, de famintos de enxadas nos ombros, sonâm bulos de fome e cansaço.”

Estava decidido que os familiares de João Pedro e os lavradores de Sapé inter pretariam suas próprias vidas, num dispo sitivo semelhante ao usado em filmes do neorrealismo italiano. Coutinho tinha uma admiração especial por A terra treme (1948), drama semidocumental de Luchino Visconti, em que pescadores sicilianos interpretavam uma história de contes tação da exploração econômica. Tudo seria encenado nos locais onde os fatos se desenrolaram.

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Esse modelo havia de se conjugar com o apelo da pedagogia política e os preceitos de arte engajada caros ao CPC, o que incluía estimular a união das forças populares e denunciar a exploração dos trabalhadores pelo poder econômico.

Para Coutinho, tratava-se apenas de “uma historinha”, como se referiu em entrevista de 1976 a José Marinho de Oliveira.² De suas anotações sairia um primeiro roteiro que, segundo Vladimir Carvalho, intitulava-se “Morte em Sapé”. O título definitivo, assumido mais adiante, seria derivado do folheto de cordel João Boa-Morte, cabra marcado pra morrer, de autoria de Ferreira Gullar, lançado com o selo do CPC em 1962.

Em fins de 1963, as condições pare ciam reunidas para o início das filmagens. Contudo, em 15 de janeiro de 1964, um conflito nas cercanias de Sapé entre poli ciais e empregados de uma usina, de um lado, e lavradores, de outro, resultou em

11 mortes e na ocupação do local pela Polícia Militar da Paraíba. Para não desmobilizar totalmente a produção, optou-se por transferir as locações para o Engenho Galileia, em Pernambuco, contando para isso com a intermediação de Francisco Julião, líder das Ligas Camponesas, e o bom acolhimento do governador de Pernambuco Miguel Arraes.

Perdia-se, assim, a participação dos camponeses de Sapé, legítimos personagens da saga. Ganhava-se, porém, um lastro histórico igualmente importante. O Engenho Galileia era o berço da primeira Liga Camponesa do país, surgida em 1955. Nove anos depois, estava habi tado por uma comunidade rural que havia lutado durante quatro anos por sua desa propriação. Como diz a narração do filme de 1984, Galileia tornou-se “um símbolo da força do movimento camponês”.

Santana da Silva, o único a não ter participado da Liga.

A essa altura, Coutinho já dispunha de um roteiro mais desenvolvido, com 37 páginas datilografadas e o título Cabra marcado para morrer – é o que veremos no ebook, a partir de um exemplar recupe rado pelo diretor cerca de dois anos após a interrupção das filmagens e conser vado atualmente no acervo do Instituto Moreira Salles. Esse roteiro foi previamente submetido a colegas do CPC, incluindo Oduvaldo Vianna Filho, que o aprovou. Nas margens, Coutinho fez anotações manuscritas, geralmente buscando ajustar o linguajar dos personagens.

2. OHATA, Milton. Eduardo Coutinho. São

Paulo: Cosac Naify, 2013, p. 184.

No curto espaço de um mês, a produção se reinventou, ao escalar trabalhadores ligados ao sindicalismo rural do Galileia e ao trazer Elizabeth da Paraíba. Por ironia, o papel central de João Pedro Teixeira acabou com o lavrador João Mariano

Embora fosse contemporâneo da fase inicial do Cinema Novo, o projeto do primeiro Cabra se distanciava do padrão cinemanovista por não conter uma proposta de inovação estética ou de linguagem. Apontava, ao contrário, para um estilo clássico, com o tempero neor realista de ser encenado com atores não profissionais e em locações condizentes com os fatos narrados (mas não exata mente fiéis aos acontecimentos).

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História “de empregada”

“Em se tratando de Brasil, não tem quem não tenha uma história sobre uma empregada para contar”, ouvi esses dias quando estava num boteco e escutava conversa da mesa alheia num happy hour qualquer.

A declaração foi recebida com entusiasmo na mesa: mulheres e homens, já alegrinhos de tantos drinks disputavam aos berros a oportunidade de contar a sua história de empregada. E saiu de tudo: a empregada que foi quase a mãe, que perguntava das festinhas da escola e dava colinho, a empregada gostosa que alguém ficava vigiando enquanto tomava banho, a empregada analfabeta, mas de coração, porque devotou a vida a uma família pra quem trabalhou, a que deu o golpe na patroa e a empregada que roubava leite Ninho. Entre gargalhadas e lágrimas etílicas e emocionadas, o grupo seguiu noite adentro nessas memórias. Em comum entre todas as histórias contadas, está o fato de que nenhuma delas possibilita o reconhecimento de cada uma das mulheres na sua dimensão de trabalhadora, na sua dimensão de pessoa humana e na sua dimensão

de potência. Mas, para usar a frase do boy: em se tratando de Brasil... não tem nada de novo né?

O Brasil tem a maior quantidade de pessoas empregadas em trabalho doméstico no mundo. São mais de seis milhões de pessoas. Noventa e quatro por cento são mulheres. Mais da metade são pessoas negras, e 4,5 milhões estão sem carteira assinada.

Último país do mundo a abolir formalmente a escravidão, o processo abolicio nista no Brasil, que foi indenizatório para os proprietários de seres humanos escra vizados, não previu a integração dessa massa de trabalhadoras e trabalhadores ao projeto de nação. Longe disso: criou regras que determinaram a impossibili dade de matrícula em escolas, de acesso a terras, estabelecendo que a rua, a miséria e a prisão seriam os espaços destinados a esse grupo populacional.

No Brasil, o tráfico de escravizados a partir da África foi maior do que em qualquer outro país do mundo, o que signi fica que o custo para aquisição era baixo, possibilitando que a posse de seres

humanos escravizados fosse comum inclusive para famílias não abastadas. Nesse contexto, diante da ausência de terras e trabalho agrário, era muito comum que essas pessoas escravizadas esti vesse dentro das casas, o que contribuiu para o fato de que, após a abolição, houvesse a permanência nas casas. Embora não fossem mais escravizadas, tampouco alcançaram o reconhecimento da sua condição de trabalhadoras livres. Essas pessoas seguiram nas casas, traba lhando, mas agora “como se fossem da família”, numa espécie de devoção igno rante e assustada, como a Tia Nastácia das histórias de Lobato.

Os fatos que geraram gargalhadas e lágrimas na mesa do happy hour são reais, mas têm outros nomes: o trabalho doméstico no Brasil tem entre suas principais marcas a vivência constante de episódios de violência física, violência verbal, denún cias de violência sexual e exploração do trabalho de meninas. Quando se soma a isso tudo a manipulação inadequada de produtos abrasivos, risco de ataques e mordidas de animais domésticos,

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acidentes, impactos na coluna, em função de carregar peso e arrastar móveis, fica fácil entender por que a Organização Internacional do Trabalho classifica o trabalho infantil doméstico como uma das piores formas de trabalho infantil. Existem inúmeros relatos de trabalhadoras que perderam sua vida ao despencar de varandas durante faxinas, com casos relatados como suicídio pelas famílias contratantes – como se alguém fosse se suicidar com desinfetante, vassoura e pano de limpar nas mãos. Há pessoas que dizem ter “herdado” trabalhadoras de suas mães e outras que costumam “emprestar” trabalhadoras domésticas para a casa de amigos. Trabalhadoras domésticas estão em luta pela efetivação de seus direitos trabalhistas há décadas. Nascida em 1906, Laudelina de Campos, mulher negra que nasceu em Poços de Caldas, fundou a primeira organização de traba lhadoras domésticas em 1936, em Campinas. Somente longos anos depois (na Constituinte de 1988) se deu parte de um reconhecimento de sua condição

de trabalhadoras, mas não a equiparação de seus direitos trabalhistas aos de demais categorias profissionais. A luta das trabalhadoras domésticas, entretanto, seguiu e segue, e nesse ponto o incrível Marte Um e o poderoso documentário Digo às companheiras que aqui estão cumprem um poderoso papel na disputa de um novo imaginário e uma nova relação com o trabalho e as trabalhadoras domésticas.

Em Marte Um, temos uma presença de trabalhadora doméstica raramente vista em produções no Brasil. Tércia, perso nagem da impressionante Rejane Faria, é uma mulher negra, que trabalha como diarista e é revelada numa complexidade de afetos, perspectivas sobre a vida e a morte, relações com família, amigas e sonhos que trazem dimensões completamente apagadas dos relatos de trabalho doméstico no Brasil. Tércia é polissêmica: terna com filha e filho, firme e generosa com o companheiro, sexy junto às amigas, cuidadosa com patroa e patrões. Tércia é complexa como todo ser humano é, tem múltiplas dimensões e, dentre elas, está

a de trabalhadora doméstica, alguém que realiza um trabalho de jornada intensa, sujeita a caprichos e à instabilidade de uma relação desprotegida legalmente e cuja precária remuneração incide dire tamente na qualidade de vida e saúde emocional dessa mulher: é de cortar o coração a cena em que a personagem recebe a notícia da viagem da patroa e percebe o quanto isso vai impactar seu orçamento. E Tércia segue sendo complexa, mas exercendo um trabalho que a mescla com a vida privada de seus patrões, expõe as intimidades, e ela se cola de tal maneira na casa que fica invisível, embora completamente necessária. Se em Tércia percebemos a comple xidade da mulher negra trabalhadora doméstica, é no documentário Digo às companheiras que aqui estão que o público tem que lidar com a incontornável verdade sobre o trabalho doméstico no Brasil e aprender a chamar as coisas pelo seu verdadeiro nome. Enfocado na vida e na luta de Lenira Maria de Carvalho [foto a seguir], uma das mais importantes lide ranças do movimento de trabalhadoras

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domésticas no Brasil, o documentário destaca a resistência, a inconformidade e o papel ativo desempenhado por essas mulheres na construção do reconheci mento de seus direitos. A despeito de uma cultura racista que objetifica, infantiliza, estereotipa perversamente as mulheres trabalhadoras domésticas, no documen tário é possível aprender como essas mulheres organizadas em movimentos de enfrentamento foram essenciais para a construção de sua equiparação traba lhista e também para a construção da democracia no Brasil.

Em outubro, celebramos a vida de Laudelina de Campos Mello, cele bramos Lenira, e nelas toda a resis tência de mulheres trabalhadoras domés ticas. Nessa data, convidamos o público para se relacionar com a urgência de se comprometer com o fim da exploração do trabalho doméstico no Brasil, com o reconhecimento das mulheres trabalha doras domésticas na sua condição de trabalhadoras, abandonando essa ideia perversa de “devoção” e “quase da família”, que se comprometam a respeitar seus

direitos e, como diz Lenira, sejam respei tadas em sua dignidade enquanto trabalhadoras domésticas.

Com a exibição do filme Marte Um e do documentário Digo às companheiras que aqui estão, deixamos a provocação para que as pessoas possam pensar bem qual história de empregada vai decidir protagonizar e contar. Que todos tenham em conta que, ao apostar em contar a

história das trabalhadoras domésticas, de sua vivência e resistência em sua inteireza e complexidade, rompe-se com práticas que se iniciaram na escra vidão, e também que se conectar com a atuação das trabalhadoras domés ticas na história do Brasil é o único – e necessário – caminho para de fato cons truirmos resistência e vivermos alteridade e antirracismo.

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Com a palavra, Lenira

Minha esperança1

Lenira Carvalho

Por ocasião do aniversário de Laudelina de Campos Mello, precursora na luta das trabalhadoras domésticas no Brasil, no dia 12 de outubro, o Cinema do IMS realiza uma programação dedicada a uma das mais importantes lideranças que seguiu no aprofundamento dessa luta: Lenira Carvalho.

Respectivamente produzido e editado pelo SOS Corpo – Instituto Feminista para a Democracia, o documentário Digo às companheiras que aqui estão, que será exibido dia 12 nos Cinemas do IMS, e o livro A luta que me fez crescer e outras reflexões apresentam o pensamento e a vida de Lenira em suas próprias palavras. Apresentamos aqui um trecho do livro, que reúne seus depoimentos e escritas, em coautoria com Cornelia Parisius. Livro e filme estão disponíveis gratuitamente e na íntegra no site soscorpo.org.

Trinta anos de muita luta, começando praticamente do zero, do nada! A chegada ao Recife, os primeiros grupos, as primeiras reuniões, a criação da Associação, a Constituição de 88 e o Sindicato. Nestes últimos 11 anos, a partir da nova Constituição, avançamos bastante na conquista dos direitos trabalhistas, mas não conseguimos ainda o reconhecimento do valor social do nosso trabalho. É fácil entender o que quero dizer, comparando com o problema da raça negra. Tantos anos já se passaram desde a abolição da escravatura no Brasil, e a discriminação em relação aos negros ainda continua a existir. É verdade que tem diminuído um pouco, por conta da ação dos movimentos negros. Hoje, existem também algumas leis contra a discriminação racial que podem até levar alguém para a cadeia, mas a cultura de desprezo aos negros ainda está longe de se acabar. Eu percebo até dentro da cate goria e no bairro onde moro essa discrimi nação em relação ao negro.

1. Texto originalmente publicado no livro

A luta que me fez crescer (2000)

Faço uma comparação com o valor social do trabalho doméstico. Existem os direitos, existe a lei, mas a sociedade ainda desvaloriza o trabalho doméstico.

O conceito de trabalho doméstico tem que mudar, e a doméstica deveria ser a primeira a fazer isso, o que é muito difícil quando o resto da sociedade não o valo riza. Se fosse valorizado, não se dava mais emprego nas casas sem documento. Nenhum trabalhador se emprega sem documento, nós sim! Não será a prova de que este trabalho ainda não é consi derado como outro qualquer? Carteira assinada, documentos, tudo isso pode parecer insignificante, mas é o que todo trabalhador tem, e queremos ser consi deradas parte da classe trabalhadora.

O trabalho da diretoria do Sindicato, ao mesmo tempo, é muito grande, por não podermos pagar mais funcionários que possam atender às pessoas e assim liberar nossa diretoria desses serviços. Como os patrões não respeitam as leis e as domésticas ainda são inseguras sobre os seus direitos, o trabalho jurí dico aumentou muito e, com isso, essas

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militantes que, no tempo da associação, faziam trabalho de base, hoje têm que assumir todas as tarefas administrativas e de atendimento e encaminhamento jurí dico (temos um advogado), além da faxina e serviços bancários. Não podemos fechar as portas quando alguém nos procura atrás de uma informação que lhe é muito importante. Temos que atender a todos os que vão ao Sindicato e, com isso, não sobra tempo nem força para a realização do trabalho na base da categoria.

O Sindicato tem que continuar a ser Sindicato e levar a categoria à luta, mas deve ter também esse trabalho de base que leve as pessoas a descobrirem a sua dignidade. Na medida em que a domés tica descobrir o seu valor, ela vai exigir e lutar, como muitas estão fazendo. O Sindicato tem que trabalhar esses dois lados. Tanto precisa estar preocupado com a situação geral de nossa categoria, como também não pode deixar de tentar ajudar no crescimento individual de cada doméstica. A gente não pode esquecer que o coletivo é feito de pessoas. O que quero mostrar, quando digo que tenho

uma esperança, é que quando estamos organizadas e não esperamos mais pelos políticos, o negócio anda. Claro que os políticos têm que trabalhar, porque eles ganham para isso e alguns deles decidem onde empregar o dinheiro do povo. A gente passou muitos anos nessa luta, e avançamos porque nossa esperança não está mais nos políticos.

Na Constituinte, a luta foi muito maior a partir da parceria com outros movimentos. Quando a gente foi levar o nosso docu mento lá em Brasília, foram tantas domés ticas que impressionamos. Os deputados ficaram admirados. Diziam que não tinham noção de que a categoria das domésticas pudesse estar organizada daquele jeito. Causou muita surpresa aquele mundão de domésticas ocupando os espaços do Congresso Nacional. E é assim que tem que ser. A gente tem que impressionar, tem que mostrar aos políticos que a gente está organizada. Em Brasília, não só os deputados se surpreenderam, mas também outros movimentos, inclusive o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, que propôs lançar uma cartilha sobre nossos direitos.

Minha esperança está em avançarmos na nossa organização de domésticas e exercermos a nossa cidadania em todas as situações de vida. Se eu tenho dentro de mim, bem forte, essa convicção de que sou uma pessoa de valor, eu vou sempre lutar para que respeitem a minha digni dade. Trabalho, escola, saúde, casa. Por tudo isso vou batalhar, e não posso estar sozinha nessa luta. Tenho que procurar mais e mais parceiras. É nisso tudo em que acredito e é por isso que tenho a espe rança de que, um dia, nenhuma moça do interior ou da cidade, empregada domés tica, do comércio ou da fábrica, tenha que chorar em busca de sua própria dignidade.

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A insustentável beleza de não ser

A ideia de haver “filmes definitivos” pode eventualmente soar arrogante ou exagerada, porém há casos como este longa de Fernando Coni Campos, em que se consegue sintetizar tantos aspectos de camadas ligados ao processo político e cultural de um país numa só obra que a alcunha parece mais que precisa. E, na galeria dos “definitivos”, provavel mente este está fadado a ser um dos mais “indefinitivos” na sua maneira de ser. O que faz a fábula de Ladrões de cinema ser uma resposta fundante ao problema de um cinema feito num país periférico é sua escolha por uma estrutura e um tom que colocam a discussão sobre uma possível definição do que é a ideia de cultura popular em outro patamar, fora dos esquemas mais correntes de entendimento.

A sinopse é simples: uma equipe de estrangeiros está filmando o carnaval no Rio de Janeiro quando um grupo de homens (fantasiados de índios) rouba o equipamento de filmagem e o leva para o seu território: a favela do Pavão-Pavãozinho. A princípio, a motivação era

comercial, pensavam em vender os artefatos para tirar uma grana. Porém, num segundo momento, optam por usar o equi pamento e fazer um filme eles mesmos, ali mesmo. O desenrolar dessa jornada e seu redor é o que mostra Ladrões de cinema.

A crítica conjuntural que o filme faz ao modelo vigente de financiamento da Embrafilme à época, parodiando a opção pelo filme histórico pomposo como forma de atingir o mercado nacional, poderia ser só uma denúncia ou uma nota de amar gura de quem não gozava de prestígio junto aos figurões ligados anteriormente ao grupo do Cinema Novo que se institucionalizaram e controlavam esse meca nismo. Porém, Coni Campos não está de brincadeira. Ou melhor, está, e a resposta sairá na forma que leva o lúdico muito a sério e o incorpora como uma marca definitiva de sua relação com quem assiste ao filme. Esse é um dos mais bem-suce didos exemplos em que uma pesquisa estrutural radical de narrativa heterogênea se combina com um poder de comu nicação, graça e pregnância intensa. A suposta oposição entre um cinema de

caráter mais reflexivo e um cinema mais popular comunicativo cai por terra diante da espantosa armação do longa de Coni Campos, concentrado numa rarefeita dialética entre não ser e ser outro – mate rializando a forma pauloemiliana.

Provavelmente, trata-se de um dos mais ricos exames da condição de uma prática de cinema realizada sob o subde senvolvimento, contagiada por ele em todos seus níveis. Por exemplo, o filme joga constantemente com uma tensão entre fundo e figura, com eventuais zooms, onde o espaço da favela ao mesmo tempo contrasta e completa os textos das encenações relacionadas a Tiradentes, que é escolhido como enredo do filme. O samba não é um elemento de ilustração do filme, mas o mote artístico principal, é a forma que influencia a constituição do filme. O samba e o carnaval são pensados e prati cados aqui como modelos culturais, que têm um tipo de estrutura, nuance de tom, um registro de relação com o real, com a história, e que têm uma maneira sua de produzir nexo. Essa forma tem uma carac terística radicalmente dinâmica, que, ao

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mesmo tempo, descreve, critica, parodia e incorpora o redor, instaurando um regime performático essencialmente híbrido. Tal atmosfera de impureza de estatuto é a característica essencial do filme e o que chamei de “indefinitivo” no começo do texto. Nunca sabemos o registro da próxima cena: se será a visão da câmera dos cineastas favelados, se será uma espécie de making off do filme ou uma mistura dos dois. A paleta do filme varia e sobrepõe uma sensação docu mental, direta, com performances delibe radamente teatrais e farsescas, próximas a algo que o diretor contemporâneo Adirley Queirós chama de “etnografia da ficção”. Não por acaso, o personagem vivido pelo crítico belga Jean-Claude Bernardet se chama Claude Rouch – evocando o antropólogo e cineasta francês Jean Rouch, que é o artista que mais abriu caminho para o cinema explorar os mais diversos níveis de relação com os territórios periféricos através dos mais complexos e pregnantes registros de fabulação, ficção e encenação.

Um elemento central na constituição desse modo de narrar e construir o filme

é a digressão. Constantemente, o filme se ocupa de não ser “focado” em termos de registro, em variar. Ao longo de suas sequências, nos acostumamos a um trançado de interrupções que não deixa fixar uma ideia de “centro”, de núcleo. A resistência à eficiência narrativa se torna política e, mais, geopolítica. A força definidora de Ladrões de cinema como um dos mais paradigmáticos objetos de nossa filmografia se dá justamente por essa potência indefinidora, onde o centro, o foco, se desloca constante mente, produzindo um campo dinâmico de relações, poroso, pronto para incorporar o que for, o que houver ao redor, desfazendo hierarquias que muitas vezes orientam o diálogo sobre materiais cultu rais e contrastando com o imperialismo do storytelling estadunidense.

Trata-se então de uma espécie de mani festo, onde o inconformismo é uma maneira de construir forma e de não deixá-la cris talizar, e onde a investigação formal se dá com uma naturalidade serenamente acachapante e cômica. Pois a chamada arte popular parece ter resolvido os dilemas

das artes modernas muito antes e sem nenhum grilo. Porque o realismo estrito necessita meios de produção para tal, e é, portanto, uma questão de orçamento e, portanto, também uma questão de classe. Um cinema pobre necessariamente terá que desenvolver uma sensibilidade extrema de incorporação de elementos heterogê neos e, assim, construir uma intensa sensi bilidade para uma forma que não constitui pela unidade, mas justamente por uma costura da multiplicidade, uma abertura generosa para compor o que pintar. Porque é o que dá (em oposição “ao que vende”).

E hoje, quando é muito mais visível o cinema que pessoas negras, faveladas, fora das classes econômicas dominantes, fazem, voltar a este clássico de Coni Campos se prova mais do que pertinente. Pois os americanos que se apropriam da forma do filme, que controlam a distri buição e o comércio, em um processo radical de extração, ainda estão aí, de maneira acintosa, controlando, em nosso território, o negócio do filme no Brasil. Seja dominando os multiplexes ou nos fazendo pensar que as corporações de streaming

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são “salvadoras”, em sua postura em geral obscura e parasitária. O discurso do ponto de vista “autêntico”, baseado na vivência daqueles que seguram as câmeras, tem se consolidado como um valor natural mente ligado a uma forma, em geral. Essa forma inclui ideias narrativas que são do

dominante geopolítico: unidade, clareza, coerência, moralismo, heroísmo e indivi dualismo. A ameaça do conformismo, da aceitação da polarização falsa entre valor artístico e valor comunicativo, adquire uma nova face em cada momento histó rico. Portanto, Ladrões de cinema se

reconsolida, cada dia mais, como um dos mais contemporâneos filmes de nosso cinema, apresentando soluções vigoro samente indefinitivas para dilemas políticos, formais e culturais que estão mais vivos do que nunca. Viva.

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Sessão especial

Cantando na chuva

Singin’ in the Rain

Stanley Donen, Gene Kelly | EUA | 1952, 103’, DCP 4K (Park Circus)

O clássico musical Cantando na chuva completa 70 anos de seu lançamento e poderá ser visto em uma nova cópia 4K nos cinemas do IMS.

No filme, Don Lockwood e Lina Lamont são dois dos astros mais famosos do cinema silencioso em Hollywood. Seus filmes são um verdadeiro sucesso, e as revistas apostam num relaciona mento mais íntimo entre os dois, o que não existe. Porém, o cinema falado chega para mudar total mente a situação de ambos no mundo da fama. Quando os chefes do estúdio decidem produzir um filme falado com o casal, Don e Lina preci sam superar as dificuldades do novo método para manter seu lugar na indústria.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Em cartaz

Desterro

Maria Clara Escobar | Brasil, Argentina, Portugal 2020, 123’, DCP (Embaúba Filmes)

Uma casa está em chamas. Todas as casas. Uma viagem resulta em várias viagens, e essa é sem regresso. Muitas mulheres falam. Contam suas histórias. A perda, a morte e a luta por ser, ao lado dos outros.

Em entrevista à pesquisadora e jornalista Carol Almeida, a diretora Maria Clara Escobar, de Os dias com ele (2013), lançado também pela coleção DVD IMS, declara: “Desterro para mim sempre foi um sentimento. Uma atmosfera a ser construída no filme. Acho até difícil de alguma forma expli car ele em sinopses, porque o filme não é sobre a linha narrativa dele. Sempre foi sobre criar uma atmosfera e filmar esses corpos em desencon tro, desconforto e desencaixe com o que eles são propostos a ser. Acho que existe uma forma de se pensar como as coisas são e como deveriam ser. É impossível ser um corpo igual ao que sempre se esperou que ele fosse. A própria existência é des

compassada. O filme é muito pensado para gerar esse sentimento de desterro e tentar apontar caminhos para o que seria uma possibilidade de existência, que não é algo fixo. Não poderia, por tanto, ser um corpo fixo. Desterro é esse embate, essa falha.”

“Para mim, o filme é muito sobre a falência de estruturas e sobre a insistência numa ideia de olhar e de narrativa. Estamos vivendo num mundo em que pessoas que nunca conseguiram se dizer ou se representar vão começando a conquistar esse lugar e, nesse momento, sinto necessidade de desconstruir o status quo da ideia de normali dade, do casal branco hetero intelectualizado. Vejo um desejo do filme de olhar justamente para essa repetição, para essa classe média que faz a manu tenção de algo decadente, cujo desejo é não falar sobre isso e não questionar, para não perder seu chão, que foi conquistado por gerações e gera ções anteriores de pessoas que mantiveram o status quo. Com certeza há uma relação com Os dias com ele, no sentido do que é público e do que é privado, porque as práticas do privado são públi cas e representam a manutenção de uma política e de uma sociedade sempre voltada para o que é uma estrutura familiar. O que representa essa ideia de família que, através de um discurso emotivo, mantém tantas opressões, usando ideias de pro teção e garantia?”

[Citações retiradas do material de imprensa do filme.]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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Lavra

Lucas Bambozzi | Brasil | 2021, 101’, DCP (Pandora Filmes)

Camila é uma geógrafa que retorna à sua terra natal depois que o rio da sua cidade é contaminado pelo maior crime ambiental do Brasil, provocado por uma mineradora transnacional. Camila repensa seu estilo de vida enquanto segue o caminho da lama que atingiu o rio, varrendo povoados e tirando vidas. Ela decide, então, fazer um mapeamento dos impactos da mineração no estado e se envolve com ativistas e movimentos de resistência.

“Eu nasci em Governador Valadares, vivi em Belo Horizonte por muitos anos, e estava afastada de Governador Valadares quando, em 2015, teve o rompimento da barragem do Fundão”, comenta a roteirista do filme, Christiane Tassis em entrevista à Mostra Ecofalante. “Aquelas imagens me emo cionaram muito, parecia que eu estava perdendo um parente mesmo. Esse tema é presente na vida dos mineiros. Você vai num lugar um dia, passa

um tempo sem ir e já não tem montanha, já virou uma cratera.”

“Nosso desejo de fazer um filme em conjunto era muito informado por esse tipo de pensamento: uma espécie de revisão histórica”, complementa o diretor Lucas Bambozzi. “Não dá para dizer que é um filme sobre a mineração. Ele é também, mas é também sobre alguns traumas, sobre alguns pro blemas que existem na condição de ser mineiro ou na condição de ser brasileiro.”

“A gente queria que tivesse uma personagem ficcional”, diz Tassis, “que foi a geógrafa, a Camila, que pudesse ser os olhos dessas pessoas, que conduzisse essa viagem pelo estado, mais pela região do quadrilátero. E no meio disso veio [o rompimento da barragem de] Brumadinho. Isso não estava previsto no projeto, então o projeto tomou outro rumo. E as situações todas que estão no filme são reais. São situações que eu vivi na pesquisa, que a retirada de uma paisagem provoca na vida de uma pessoa.”

Lavra estreou em 2021 no IDFA (Festival Internacional de Documentários de Amsterdã).

Ao longo de sua trajetória em festivais, recebeu os prêmios de Melhor Som e Melhor Fotografia no Festival de Brasília de 2021, e o prêmio do público de Melhor Longa-Metragem na 11ª Mostra Ecofalante, em 2022.

[Íntegra da entrevista à jornalista Marcela Fonseca em: bit.ly/lavraims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Marte Um

Gabriel Martins | Brasil | 2022, 115’, DCP (Embaúba Filmes)

Os Martins são sonhadores, otimistas e levam a vida às margens de uma grande cidade brasileira depois da decepção da eleição de um presidente de extrema direita. Uma família negra de classe média baixa, eles sentem a tensão da nova realidade. Tércia, a mãe, revê seu mundo depois de um encontro inesperado que faz com que ela suspeite ter sido amaldiçoada. Seu marido, Wellington, coloca todas suas esperanças em fazer do filho caçula um jogador de futebol. Deivinho acompanha relutante a ambição do pai, pois sonha em estudar astrofísica e colonizar Marte. Enquanto isso, Eunice, a filha mais velha, se apaixona por uma jovem de espírito livre, e se questiona se não está na hora de sair de casa.

Marte Um é a estreia na direção solo de Gabriel Martins em longa-metragem e foi financiado pelo primeiro e, até agora, último edital afirmativo do Brasil, que, em 2016, contemplou três longas -metragens produzidos ou dirigidos por pessoas

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negras. O filme estreou na edição deste ano do Festival de Sundance, maior evento do cinema independente norte-americano e foi o filme indi cado pelo Brasil para concorrer a uma vaga no Oscar.

“Tudo começou com a imagem de um garoto olhando para o céu e segurando uma bola de fute bol”, conta o diretor em entrevista ao portal Screen Daily. “Talvez tivesse algo a ver com o Brasil per dendo de 7 a 1 pra Alemanha nas semifinais da Copa do Mundo de 2014, em Belo Horizonte. Esse foi um grande momento, porque também estáva mos passando por muitas lutas no cenário político. O Brasil tem sido uma enorme bagunça desde então e antes também, então se trata de futebol, política e sonhos. Eu decidi fazer esse filme sobre o que significa para esse garoto sonhar com algo tão grande, algo tão distante dele.”

“Filmamos em novembro, dezembro de 2018, então este filme é um retrato de como eu e acho que muitas pessoas estavam se sentindo em rela ção a raça, sonhos, política e decepção com tudo o que estava acontecendo no Brasil. [...] Tudo isso estava na minha mente, mas eu não poderia fazer um filme que fosse uma espécie de plano de vin gança contra esta eleição, porque ele foi eleito de forma justa. Sim, houve fake news, como houve com Trump, mas as pessoas o elegeram demo craticamente. Portanto, não há um problema apenas com Bolsonaro, mas com um país – quão polarizados nos tornamos, como não temos dis cussões maduras sobre política. Este é um filme sobre diferenças entre gerações também. Como o pai vai se relacionar com a filha? O jovem verá o mundo como seu pai o vê ou encontrará seu pró prio caminho?”

Marte Um será exibido junto com o curta-metra gem O mundo em cima de um avião, de Rayanna Maria, produzido no contexto das ações do cole tivo Coquevídeo para o programa IMS Convida.

[A íntegra da entrevista, em inglês, está disponível em: bit.ly/imsmarteum]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Moonage Daydream

Brett Morgen | Alemanha, EUA | 2022, 140’, DCP (Universal Pictures)

Um documentário-concerto que segue a vida e a carreira musical de David Bowie. O filme explora a jornada criativa, musical e espiritual do artista, tendo em vista não apenas a vida, mas também a personalidade de Bowie, que, além da música e do cinema, explorou outras formas de arte, incluindo dança, pintura, escultura, colagem, audiovisual, roteiro, atuação e teatro.

Nas palavras do diretor Brett Morgen, “Moonage Daydream foi criado e projetado não para ser um filme biográfico, mas para ser uma experiência cinematográfica imersiva que convida o público a nadar por duas horas na mente e imaginação criativa de David Bowie. Foi inacreditavelmente desafiador tentar escrever uma narrativa que não se parecesse com uma narrativa. Você sabe, sem ter a coisa biográfica, a Wikipedia, o ‘segue o fio’. Mas David Bowie – um dos traços únicos dele é que sempre foi como um enigma, sempre foi meio misterioso, e essa é a mágica sobre ele.”

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“Eu não quero ir ao cinema e ver pessoas falando. Não é nisso que estou interessado. As pessoas podem fazer isso, mas não sei por que isso estaria em um filme… Eu queria criar um espe táculo. Para mim, este foi o meu filme da Marvel. Bowie foi um herói para mim melhor que o Thor; ele era um herói para mim melhor do que qualquer um dos personagens da Marvel. Ele fez coisas que nenhum outro humano fez.”

[Íntegra da entrevista de Brett Morgen ao jorna lista Kaiya Shunyata para o portal Roger Ebert, em inglês: bit.ly/bowieims]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Peter von Kant

François Ozon | França | 2022, 86’, DCP (Bonfilm)

Peter von Kant é um diretor de cinema de sucesso que mora com seu assistente, Karl, a quem gosta de maltratar e humilhar. Quando conhece o jovem Amir, Peter se apaixona, con vida Amir para morar com ele e se compromete a ajudá-lo a entrar na indústria cinematográfica como ator.

O filme de François Ozon faz referência direta a As lágrimas amargas de Petra von Kant (1972), de Rainer Werner Fassbinder, em parte como uma reencenação, em parte como um estudo da per sonalidade de Fassbinder. Na conferência de imprensa do Festival de Berlim de 2022, Ozon declarou:

“Rainer Werner Fassbinder foi um dos maiores cineastas com quem cresci. Descobri seus filmes quando era muito jovem, e seu cinema foi algo que me ajudou a encontrar meu próprio caminho. [...] Quando eu era estudante, basicamente passei por todo o seu trabalho, o que foi muito emocio nante para mim, mas também muito interessante

estética e politicamente. Meu desejo de voltar a Fassbinder veio de fato do lockdown na França, quando todos os diretores se perguntavam se poderiam continuar fazendo filmes e em que cir cunstâncias. Então voltei a As lágrimas amargas de Petra von Kant.”

[Depoimento extraído de: youtu.be/n9ARjBii6VA]

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

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Tromba Trem: o filme

Zé Brandão | Brasil | 2022, 94’, DCP (Vitrine Filmes)

Gajah é um elefante sem memória que viaja no Tromba Trem acompanhado dos amigos Duda, uma inocente tamanduá vegetariana, e um grupo de cupins. Do dia para a noite, o elefante se torna uma celebridade da internet e se afasta dos velhos companheiros de viagem. Mas o estrelato dura pouco, pois ele acaba se tornando o principal suspeito de uma série de desaparecimentos misteriosos.

Ingressos: terça, quarta e quinta: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia); sexta, sábado, domingo e feriados: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia).

Sessão Cinética

Ladrões de cinema

Fernando Coni Campos | Brasil | 1977, 127’, DCP (acervo do artista)

Durante o Carnaval, no Rio de Janeiro, uma equipe de cineastas norte-americanos tem seu material de filmagem roubado no bloco que eles estavam documentando. Os ladrões, do morro do Pavãozinho, resolvem eles mesmos fazer um filme, tendo a Inconfidência Mineira como tema. A população da comunidade adere à ideia com o mesmo espírito da preparação de uma escola de samba.

A revista Cinética e o IMS promovem sessões bimestrais no Cinema do IMS, abrindo mais um espaço de reflexão e apreciação de filmes fora do circuito exibidor tradicional. Os críticos da revista produzem textos especiais para as sessões e mediam um debate após algumas das exibições.

A exibição no IMS Rio será seguida por um debate com os atores Antonio Pitanga e Léa Garcia, que fazem parte do elenco do filme, e o crí tico Juliano Gomes.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Laudelina de Campos Mello

Nascida em 12 de outubro de 1904, Laudelina de Campos Mello, mulher negra que nasceu em Poços de Caldas, fundou a primeira organização de trabalhadoras domésticas do Brasil, em 1936. Em celebração à sua memória, o Cinema do IMS exibe duas obras que ecoam, seja no ativismo organizado, seja na disputa das imagens, a luta a que Laudelina dedicou sua vida.

O documentário Digo às companheiras que aqui estão aborda a vida de Lenira Carvalho, uma das mais importantes lideranças do movimento de trabalhadoras domésticas no Brasil. Exibido em seguida, o filme de ficção Marte Um apresenta Tércia, uma trabalhadora que vive uma crise finan ceira e existencial após as eleições presidenciais de 2018.

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O primeiro Cabra

Digo às companheiras que aqui estão

Sophia Branco, Luís Henrique Leal | Brasil | 2022, 35’, DCP (SOS Corpo)

Lenira Maria de Carvalho foi pioneira na luta por direitos das trabalhadoras domésticas, ainda no início da década de 1960. No anos 1970, fundou com outras trabalhadoras a Associação das Trabalhadoras Domésticas do Recife e, na Constituinte, foi a liderança que representou a voz da categoria no Brasil. Lenira fundou o Sindicato das Trabalhadoras Domésticas do Recife e é uma das fundadoras do Fórum de Mulheres de Pernambuco. Ela faleceu em agosto de 2021, deixando um legado fundamental para a categoria e para a luta feminista brasileira.

Neste filme, Lenira é entrevistada em sua casa poucos meses antes de seu falecimento, e narra sua trajetória na organização da luta das trabalha doras domésticas. Uma história pessoal que se entrelaça com a luta por direitos e pela democra cia nas últimas seis décadas no país.

Entrada gratuita. Os ingressos serão distribuídos uma hora antes da sessão.

No dia 6 de outubro de 2022, o Instituto Moreira Salles disponibiliza o roteiro original de Cabra marcado para morrer, totalmente digitalizado e gratuito, em forma de ebook, preparado por Carlos Alberto Mattos. Por ocasião do lançamento, o filme será exibido no Cinema do IMS junto aos filmes A família de Elizabeth Teixeira e Os sobreviventes da Galileia, de Eduardo Coutinho. Neles, Coutinho revisita seus personagens 50 anos depois da ficção interrompida pelo golpe militar, em março de 1964, e 30 anos depois da conclusão do documentário, em março de 1984.

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

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Cabra marcado para morrer

Eduardo Coutinho | Brasil | 1964-1984, 119’ arquivo digital (Acervo IMS)

“As filmagens começaram em fevereiro de 1964. Coutinho pretendia contar a história de João Pedro Teixeira, líder da liga camponesa de Sapé, na Paraíba, assassinado em 1962. Não queria atores profissionais: que os personagens fossem interpretados pelos próprios camponeses. Dezessete anos depois, Coutinho volta à região, consegue encontrar Elizabeth e, através do filho mais velho, Abraão, investiga o destino dos outros dez filhos e de todos os envolvidos no projeto. Ele exibe os originais filmados há tanto tempo, os camponeses se alegram com seus rostos, mais jovens, vivem a emoção do reconhecimento e o jogo de identificações. Vinte anos depois, Coutinho conclui seu filme, um épico contado com clareza, paciência e perseverança, por alguém que confia no trabalho e nos dias. Uma experiência original na cinematografia brasileira.”

[Roberto Mello, Jornal do Brasil, jan.1985]

A família de Elizabeth Teixeira Eduardo Coutinho | Brasil | 2014, 65’ arquivo digital (Acervo IMS)

Cinquenta anos depois da ficção interrompida pelo golpe militar, em março de 1964, um reencontro com Elizabeth Teixeira e seus filhos.

Filme produzido especialmente como comple mento da edição de Cabra marcado para morrer da coleção DVD | IMS. Na ocasião do lançamento do DVD, José Carlos Avellar escreveu para o Blog do IMS:

“‘Eu sou morta desde a idade de oito anos’.

Cortada da imagem em que existe, a frase não transmite seu real sentido. Dor extrema. Na essên cia mesmo da pessoa. Modo de ser. Viver morta desde os oito anos. No filme, a fala transmite uma dor diferente, não menos intensa talvez, mas de outra natureza. Depois do filme, a radicalidade da afirmação retorna, independente, como condição trágica. Nada define melhor A família de Elizabeth Teixeira: uma das personagens que nos conta a história está morta desde a idade de oito anos.

De um certo modo o filme se serve de um

mecanismo semelhante ao usado na formulação dessa frase. Avança noutra direção, no contra campo do comentário de Marta, mas guiado por uma semelhante máquina de viajar no tempo, de existir no presente sem sair do passado: como a personagem, cuja vida está marcada pelo fato de ter morrido aos oito anos, o filme está marcado pelo fato de Cabra marcado para morrer ter vol tado à vida há 30 anos, depois de um perverso estado de coma induzido pelo regime militar entre 1964 e 1984.”

A família de Elizabeth Teixeira será exibido junto ao filme Sobreviventes da Galileia, de Eduardo Coutinho.

[Íntegra do texto em: bit.ly/cabraims]

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Sobreviventes da Galileia

Eduardo Coutinho | Brasil | 2014, 27’ arquivo digital (Acervo IMS)

Em janeiro de 2013, Eduardo Coutinho vai a Pernambuco para reencontrar dois dos personagens de Cabra marcado para morrer Cícero e João José (o Dão da Galileia).

Na ocasião da morte do diretor, o crítico José Carlos Avellar escreveu para o Blog do IMS: “Terminada a conversa, os amigos se despe dem com um abraço.

A amizade nasceu do cinema. João José, em 1964, então um menino, guardou o livro esquecido quando o Exército invadiu a Galileia e interrom peu as filmagens de Cabra marcado para morrer. Guardou porque a história do livro era como a da gente do filme. O abraço do filme é como o de todos nós.

Coutinho filmou João José em janeiro de 1981 e voltou a visitá-lo, em janeiro de 2013, para um novo filme, Sobreviventes da Galileia. O abraço apertado e silencioso na despedida resume o sen timento comum a todos os que participaram de

seus filmes como personagens ou como espec tadores diante das lições de vida reveladas pelo seu cinema.

É a última cena do último filme de Eduardo Coutinho.”

Sobreviventes da Galileia será exibido junto ao filme A família de Elizabeth Teixeira, de Eduardo Coutinho.

[“Despedida”, texto de José Carlos Avellar, dispo nível em: bit.ly/cabraims2]

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coleção

Grey Gardens. de Albert Maysles, David Maysles, Ellen Hovde, Muffie Meyer | EUA | 1975, 94’)

As Beales de Grey Gardens. de Albert Maysles e David Maysles | EUA | 2006, 91’)

Em 1973, um escândalo tomou as manchetes dos jornais americanos. Alegando falta de condi ções sanitárias, as autoridades de East Hampton, um balneário de luxo a 160 quilômetros de Nova York, tentaram expulsar as duas moradoras de uma mansão à beira-mar. Elas viviam isoladas ali, em Grey Gardens, há mais de 20 anos, entre gua xinins, sujeira e mato. Notícia banal, não fossem elas Edith Bouvier Beale e sua filha de 56 anos, Edie, respectivamente, tia e prima de Jacqueline Kennedy Onassis. Dois anos depois, Big Edie e Little Edie abrirão as portas de Grey Gardens a Albert Maysles e David Maysles. Eles registrarão a personalidade e os conflitos de mãe e filha, mulhe res inteligentes e excêntricas.

Esta edição em DVD duplo inclui ainda As Beales de Grey Gardens, em que, passadas três décadas do lançamento de seu filme, os irmãos Maysles revisitam e apresentam parte das sobras de montagem.

Extras:

- Faixa comentada por Albert Maysles, Ellen Hovde, Muffie Meyer e Susan Froemke

- Entrevista de Albert Maysles a João Moreira Salles (2006)

- Livreto com depoimentos de Albert Maysles, Susan Froemke e Ellen Hovde

Criada em 2012 pelo então coordenador de cinema José Carlos Avellar (1936-2016), a coleção DVD | IMS já lançou diversos filmes, entre produções brasileiras e estrangeiras.

O futebol, de Sergio Oksman

O botão de pérola e Nostalgia da luz, de Patricio Guzmán

Photo: Os grandes movimentos fotográficos

Homem comum, de Carlos Nader

Vinicius de Moraes, um rapaz de família, de Susana Moraes Últimas conversas e Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho

A viagem dos comediantes, de Theo Angelopoulos Imagens do inconsciente e São Bernardo, de Leon Hirszman Os dias com ele, de Maria Clara Escobar

A tristeza e a piedade, de Marcel Ophüls

Os três volumes da série Contatos: A grande tradição do fotojornalismo; A renovação da fotografia contemporânea; A fotografia conceitual

La Luna, de Bernardo Bertolucci Cerimônia de casamento, de Robert Altman Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho

Vidas secas e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos

O emprego, de Ermanno Olmi Iracema, de Jorge Bodanzky e Orlando Senna

Cerimônia secreta, de Joseph Losey

As praias de Agnès, de Agnès Varda

A pirâmide humana e Cocorico! Mr. Poulet, de Jean Rouch

Diário 1973-1983 e Diário revisitado 1990-1999, de David Perlov Elena, de Petra Costa

A batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo Libertários, de Lauro Escorel, e Chapeleiros, de Adrian Cooper

Seis lições de desenho com William Kentridge

Sudoeste, de Eduardo Nunes Shoah, de Claude Lanzmann Memórias do subdesenvolvi mento, de Tomás Gutiérrez Alea

E três edições voltadas à poesia: Poema sujo, dedicado a Ferreira Gullar; Vida e verso e Consideração do poema, dedicados a Carlos Drummond de Andrade

Os DVDs podem ser adquiridos nas livrarias especializadas, nas lojas dos nossos centros culturais e na loja online do IMS: bit.ly/imsdvd.

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DVD | IMS

Curadoria de cinema

Kleber Mendonça Filho

Programadora de cinema

Marcia Vaz

Programador adjunto de cinema

Thiago Gallego

Assistente de programação/ produção

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Adriano Brito e Edmar Santos

Legendagem eletrônica

Pilha Tradução

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de outubro

O programa do mês tem o apoio da revista Cinética, do SOS Corpo e das distribuidoras Bonfilm, Embaúba, Pandora Filmes, Park Circus, Universal Pictures do Brasil, Vitrine Filmes.

Agradecemos a Gabriel Martins, Viviana Santiago, Carlos Alberto Mattos, Luis Abramo, Antonio Pitanga e Léa Garcia.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública municipal, estudantes, menores de 21 anos, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos, pessoas que vivem com HIV e aposentados por invalidez.

Cliente Itaú: desconto para o titular ao comprar o ingresso com o cartão Itaú (crédito ou débito).

Venda de ingressos

Ingressos à venda na bilheteria, para sessões do mesmo dia. Vendas antecipadas no site ingresso.com. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala (113 lugares).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos ou por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site. Sessões para escolas e agendamento de cabines pelo telefone (21) 3284 7400 ou pelo e-mail imsrj@ims.com.br.

Programa sujeito a alterações. Acompanhe nossa programação em cinema.ims.com.br e facebook.com/cinemaims.

As seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS Rio:

Troncal 5 - Alto Gávea - Central (via Praia de Botafogo) 112 - Alto Gávea - Rodoviária (via Túnel Rebouças)

538 – Rocinha - Botafogo

539 – Rocinha - Leme Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea.

28
Lavra, de Lucas Bambozzi (Brasil | 2021, 101’, DCP )
Rua Marquês de São Vicente 476 CEP 22451-040 Gávea – Rio de Janeiro 21 3284 7400 imsrj@ims.com.br ims.com.br /institutomoreirasalles @imoreirasalles @imoreirasalles /imoreirasalles /institutomoreirasalles Visitação Terça a sexta, das 12h às 18h Sábado, domingo e feriados (exceto segundas) das 10h às 18h Entrada gratuita. Mais informações: ims.com.br Cantando na chuva (Singin’ in the Rain), de Stanley Donen, Gene Kelly (EUA | 1952, 103’, DCP 4K)
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