Na intratextualidade trata-se de multiplicar as versões da peça em diferentes instâncias. Assim, quase todas as peças são reescritas, desde a primeira, Uma mulher vestida de sol (1947, 1957). Cantam as harpas de Sião (1948) torna-se O desertor de Princesa (1957); o Auto de João da Cruz foi refeito; o terceiro ato do Auto da Compadecida é reescrito como “O processo do Cristo negro”, que por sua vez é retocado para se tornar o “Auto da virtude da esperança”, isto é, o terceiro ato de A pena e a lei. Outra possibilidade é a transformação do mesmo texto publicado, como se dá com os entremezes Torturas de um coração (1951) e O castigo da soberba, ambos possuindo dois textos distintos ou variantes. Um outro aspecto consiste em transformar textos integrando-os a outros maiores, como acontece com O castigo da soberba em relação ao Auto da Compadecida, bem como O homem da vaca e o poder da fortuna e O rico avarento quanto à Farsa da boa preguiça. As conchambranças de Quaderna (1988) introduz soluções inovadoras. Seus dois primeiros atos – respectivamente “O caso do coletor assassinado” e “Casamento com cigano pelo meio” – derivam de narrativas homônimas em prosa, constantes de Seleta em prosa e verso (1974). O terceiro, “O processo do Diabo”, reelabora o entremez inédito A caseira e a Catarina (1962). A intertextualidade consiste em se apropriar de texto de outrem, assimilando-o por vários meios: 1) adoção parcial da fonte, como os personagens Cancão e João Grilo em relação ao folheto e ao mito; 2) adoção de fragmento de texto, reelaborando-o, como a cena da cortina de Hamlet em O casamento suspeitoso (1957), as inúmeras passagens dos Evangelhos, as orações literais ou paródicas; 3) adoção de texto completo, com suas motivações, temas e seqüências, traduzindo-os para outro contexto e outro gênero literário, conforme a transposição do folheto de cordel para os entremezes; 4) adoção de mais de uma fonte para o mesmo texto, segundo vemos na relação entre a Aulularia, O rico avarento e O santo e a porca (1957); 5) citação literal de texto popular (cantiga de Canário Pardo no Auto da Compadecida, romance ibérico no Homem da vaca, folheto sobre Camões em Farsa da boa preguiça), erudito (parte de um soneto de Camões, na mesma peça) ou religioso (agnus dei ao final de O casamento suspeitoso); 6) citação literal de folheto mas com deslocamento paródico, como o ofício dos mortos para enterrar o cachorro (Auto da Compadecida); 7) remanejamento paródico do discurso, obtendo atestados de óbito histriônicos (A pena
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