Esse último verso beliscado, ardilosamente, em Apollinaire mostra quanto a poesia é pólvora e perigo ou sacrifício neste tempo, que Henry Miller, ao analisar Rimbaud, denomina “o tempo dos assassinos”. Sim, O aprendiz de feiticeiro é a álgebra, o centro da arte poética de Quintana, em que a grande personagem – não é ele – é a distintíssima pessoa do Poema (não em vão, muitos guardam o mesmo título). No dito livro, situam-se, rodeados de clima de novela policial, o insólito – “Cripta” (que mereceria pela estranheza, estudo especial) –, “O poema do amigo” (“calado cúmplice!”), a “Obsessão do mar Oceano”, “Casas” (tanto a de Herédia, a de Rimbaud, Apollinaire, Blake e Cecília, onde sentimos, embora não o diga, que nelas construiu a sua) e “O anjo da escada”: (“Deixa-me! Que tenho a ver com as tuas naus perdidas? Deixa-me sozinho com os meus pássaros... com os meus caminhos... com as minhas nuvens...”) Também o surrealista “A noite” (com o diligente Sherlock Holmes, Watson por um fio de confusa e deliciosa história e Pallas Nausicaa Athena), “Ao longo das janelas mortas” (“Ah, que esta vida é automática!/ Estou exausto da gravitação dos astros!/ Vou dar um tiro neste poema [...]”), “No silêncio terrível” (“No silêncio terrível do Cosmos/ Há de ficar uma última lâmpada acesa.”) e o apoteótico “Cântico”, um dos importantes poemas visionários da língua: O vento verga as árvores, o vento clamoroso da aurora... Tu vens precedida pelos voos altos, Pela marcha lenta das nuvens. Tu vens do mar, comandando as Frotas do Descobrimento! Minh’alma é trêmula da revoada dos Arcanjos. Eu escancaro amplamente as janelas. Tu vens montada no claro touro da aurora. Os clarins de ouro dos teus cabelos cantam na luz! (“Cântico”, p. 207)
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