Cinema do IMS Poços, junho de 2025

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destaques de junho

No mês do orgulho LGBTQIAPN+, uma pequena seleção de filmes que abordam gênero e performatividade. Dos concursos de beleza drag nos EUA dos anos 1960 à chegada e expansão da ballroom no Brasil, são filmes que apontam também para as tensões entre a autorrepresentação e um retrato desde o ponto de vista do “outro”.

Em 1948, Ida Lupino deixou a Warner Bros., onde trabalhava como atriz, para fundar uma produtora independente. Assim, estreou na direção de filmes, trabalhou com artistas censurados pela indústria e ofereceu uma alternativa estética e temática a Hollywood. Em junho, a mostra Dirigidos por Ida Lupino apresenta os três primeiros filmes da pioneira cineasta.

Duas obras prestigiadas de Jorge Furtado retornam aos cinemas em cópias restauradas. Com um elenco que inclui Camila Pitanga, Fernanda Torres, Lázaro Ramos e Wagner Moura, Saneamento básico, o filme será exibido junto a Ilha das Flores, um dos mais populares curtas-metragens brasileiros de todos os tempos.

Entre as estreias do mês, Ainda não é amanhã, de Milena Times, aborda com sensibilidade o tema da interrupção voluntária da gravidez; em Eros, Rachel Daisy Ellis investiga as lógicas do motel a partir do olhar de seus frequentadores; Em rumo a uma terra desconhecida, de Mahdi Fleifel, apresenta dois refugiados palestinos em Atenas que lutam por uma vida melhor; e Levados pelas marés, de Jia Zangke, retoma a personagem de Qiaoqiao, em uma história que perpassa as profundas mudanças sociais na China do século XXI.

[imagem da capa]

Mãe solteira (Not Wanted), de Ida Lupino e Elmer Clifton

Em rumo a uma terra desconhecida (Vers un pays inconnu), de Mahdi Fleifel

yi

Saneamento básico, de Jorge Furtado
Levados pelas marés (Feng liu
dai), de Jia Zhangke

Em cartaz

Ainda não é amanhã

Milena Times | DCP

Em rumo a uma terra desconhecida

(Vers un pays inconnu)

Mahdi Fleifel | DCP

Eros

Rachel Daisy Ellis | DCP

Ilha das Flores

Jorge Furtado | DCP, restauração 4K

Inventário de imagens perdidas

Gustavo Galvão | DCP

Levados pelas marés (Feng liu yi dai)

Jia Zhangke | DCP

Milton Bituca Nascimento

Flavia Moraes | DCP

Saneamento básico, o filme

Jorge Furtado | DCP, restauração 4K

Dirigidos por Ida Lupino

Circuito ballroom

Mãe solteira (Not Wanted)

Ida Lupino e Elmer Clifton | DCP, restauração 2K

O mundo odeia-me (The Hitch-Hiker)

Ida Lupino | DCP, restauração 4K

Quem ama não teme (Never Fear)

Ida Lupino | Arquivo digital, restauração 2K

Feminino

Carolina Queiroz | Arquivo digital

Queens at Heart

Arquivo digital

Salão de baile – This Is Ballroom

Juru e Vitã | DCP

The Queen

Frank Simon | DCP, restauração 4K

Milton Bituca Nascimento (110')

16:00 Quem ama não teme (82') 19:00 Ainda não é amanhã (76')

16:00 Inventário de imagens perdidas (77')

18:30 Saneamento básico, o filme + Ilha das Flores (127') 8

16:00 circuito ballroom Salão de Baile – This is Ballroom + Feminino (120') 18:30 Em rumo a uma terra desconhecida (105') 15

19:00 Eros (108')

19:00 Ainda não é amanhã (76')

16:00 O mundo odeia-me (71')

19:00 Em rumo a uma terra desconhecida (105')

circuito ballroom The Queen + Queens at Heart (90')

Levados pelas marés (111')

19:40 Ainda não é amanhã (76')

19:00 Em rumo a uma terra desconhecida (105')

16:00 Levados pelas marés (111')

19:00 Saneamento básico, o filme + Ilha das Flores (127')

16:00 Em rumo a uma terra desconhecida (105')

18:30 Milton Bituca Nascimento (110')

16:00 Eros (108')

18:30 Levados pelas marés (111')

19:00 Levados pelas marés (111')

16:00 Mãe solteira (91') 19:00 Eros (108')

16:00 Saneamento básico, o filme + Ilha das Flores (127') 18:30 Eros (108')

Dirigidos por Ida Lupino

Ida Lupino: cineasta

Atriz, roteirista, produtora, diretora. Ida Lupino foi uma mulher de muitos talentos, mas por muito tempo foi lembrada principalmente pela primeira função. Abre-se um livro de história do cinema e depara-se com a frase “a atriz Ida Lupino dirigiu…”. Mas quem dirige é o quê? Por muito tempo, o apagamento histórico rondou seu nome: ou foi omitida dos tratados de história do cinema, ou foi abordada como uma curiosidade ou como uma nota de rodapé. Sempre batalhou por papéis melhores e mais significativos, e talvez por isso tenha decidido contar ela mesma suas histórias. Em 1948, fundou com seu então marido, Collier Young, The Filmmakers, uma pequena produtora de filmes de baixo orçamento onde pôde, nos anos seguintes, realizar obras que jamais seriam feitas nos grandes estúdios naquele momento, especialmente em tempos de (auto)censura do Código de Produção.

Em 1949, trabalhou como diretora pela primeira vez, durante as filmagens de Mãe solteira (Not Wanted). Lupino era, junto com Paul Jarrico, uma das roteiristas da obra, além de produtora. Quando o diretor Elmer Clifton sofreu um infarto logo no começo da produção, ela, que já estava tão envolvida, assumiu também essa função. E, embora tenha sido responsável pelo filme em sua

quase integridade, não recebeu os devidos créditos na época. Na trama, a protagonista é Sally, interpretada por Sally Forrest, uma jovem que se apaixona por um pianista que trabalha em casas noturnas, engravida e é rejeitada por ele, como o título em português indica.

Ela dá seu bebê para adoção, mas alimenta um sentimento de culpa, até que tenta tomar para si um bebê que está chorando em um carrinho na rua. Estruturado em flashback, o drama social trata do tema sensível de maneira formalmente sofisticada, revelando a trajetória da protagonista a partir desse momento, justificando seus atos a partir de sua subjetividade abalada pelos acontecimentos. Ao retratar as amarras impostas a uma mulher que engravida fora da instituição matrimonial e elaborar consequências psicológicas para sua heroína, a diretora estabelece a simpatia do público com seu sofrimento, apesar das convenções sociais de então.

Em Quem ama não teme (Never Fear, 1950), Lupino foi devidamente creditada como diretora, e produziu e roteirizou em parceria com Collier Young. Sally Forrest novamente interpreta a protagonista, dessa vez para contar a história de Carol, uma dançarina que tem a carreira e a vida pessoal abaladas pelo diagnóstico de poliomielite.

Na narrativa, a jovem é noiva de seu parceiro de dança. Ao perder os movimentos das pernas, ela se afasta dele, por imaginar ter perdido o vínculo que tinham em comum, e busca uma maneira de recuperar sua mobilidade. O filme parte da experiência da própria cineasta com a doença uma década antes. A personagem principal se aproxima de outras pessoas com quem possa compartilhar suas vivências, destacando, como na obra anterior, os estigmas sociais e as dificuldades enfrentadas pela comunidade que acolheu.

Em 1951, Lupino estrelou e codirigiu um filme noir, Cinzas que queimam (On Dangerous Ground), do cineasta Nicholas Ray. Talvez a experiência tenha inspirado seu projeto seguinte, O mundo odeia-me (The Hitch-Hiker, 1953), que roteirizou em parceria com Collier Young, e que muitas vezes é citado como sendo o primeiro filme noir dirigido por uma mulher. Nele, dois homens que estão viajando dos Estados Unidos para o México aceitam dar carona a um desconhecido, sem saber que ele é foragido por já ter matado outros que lhe deram carona anteriormente. O captor mantém suas duas presas sob controle, enquanto a polícia está no rastro dos três. Ao contrário dos seus dramas com temas sociais, Lupino constrói um mundo quase sem mulheres,

marcado pela violência e com uma atmosfera sinistra que, aliada a uma violência particularmente masculina, resulta em um suspense crescente.

Foram poucos filmes, mas significativos, dirigidos em um curto espaço de tempo. Aos já mencionados se somam O mundo é culpado ( Outrage , 1950), Laços de sangue (Hard, Fast and Beautiful!, 1951) e O bígamo (The Bigamist, 1953).

Com eles, a cineasta elabora temas como estupro, carreira, parentalidade e bigamia.

O conjunto de títulos muitas vezes flerta com o melodrama, colocando em primeiro plano temas espinhosos, sem deixar de lado uma linguagem sofisticada.

A teórica de cinema Claire Johnston (1940-1987) escreveu em 1973 a respeito da forma como Ida Lupino, assim como Dorothy Arzner (a única mulher dirigindo em Hollywood a partir de meados da década de 1930), trabalhou em meio ao que chamou de ideologia sexista dominante. Segundo Johnston, ambas se valeram dos filmes que dirigiram e se apropriaram da iconografia vigente (uma certa representação mítica das mulheres) para provocar duplicações críticas.

Para a autora, o fato de Lupino escolher usar o melodrama como forma de expressão é significativo justamente por se tratar do

gênero que apresenta uma visão mais humana das mulheres (e nesse caso de seus dramas) e que se adapta à exteriorização de sua opressão. Por isso, o cinema de Lupino aponta para a própria subversão da mítica hollywoodiana da criação imagética de mulheres.

Nesse sentido, é interessante observar como seu legado tem sido redescoberto em suas particularidades. O fato de ela estar virtualmente sozinha enquanto mulher diretora em certo momento de sua carreira não é algo que deixe de ter influência na construção do lugar peculiar que está se construindo para ela na história do cinema. Sua breve filmografia, com orçamentos reduzidos, traz majoritariamente dramas e protagonismos femininos, em narrativas que se destacam pela sua elegância, usando de temas vistosos com uma abordagem ambígua, ao mesmo tempo crua e empática. O resultado são filmes memoráveis, que merecidamente estão ganhando espaço, assim como ela mesma, Ida Lupino, enquanto cineasta, redescoberta por novas políticas do olhar.

Eros, de Rachel
Daisy Ellis

Em cartaz: Eros

A porosidade de Eros

O longa-metragem de Rachel Daisy começa com imagens da paisagem urbana do Recife captadas de dentro de um carro. O brilho de uma luz neon mostra o letreiro que nomeia um motel chamado Eros. Qualquer associação mais direta ao caráter divino ou erudito evocado por essa palavra de origem grega, também escolhida para nomear o longa, cai por terra. A palavra “Eros”, aqui, é um fato concreto, está posta na avenida para simbolizar uma instituição comercial e, se brilha, é para atrair clientes. Com uma câmera subjetiva, vemos o registro de alguém que entra no motel e passa por um painel eletrônico, revelando diferentes suítes para serem escolhidas mediante poucos cliques.

Em seguida, pelos refl exos dos espelhos nas paredes laterais e no teto, tão característicos desse ambiente, vemos uma mulher que se fi lma com o celular. Há algo de ambíguo nos seus gestos. Sua postura hesitante contraria o que se espera de um motel – quem nunca se sentiu ligeiramente inseguro ao entrar nesse ambiente associado a performances espetaculares?

A incerteza de seus movimentos contraria, ainda, as imagens que costumam representar esses espaços, dominadas pelo registro pornográfi co. Essa mulher – que observamos meio desconcertados – é a própria diretora do fi lme, Rachel. Em off, ela

relata ter ido ao motel para se fi lmar com um parceiro, em um “exercício de intimidade de um novo casal”. Fato é que o parceiro faltou e, no tempo de espera, a diretora se deixou levar pela escuta das vozes e dos gemidos provenientes dos outros quartos. Movida pelo desejo de saber mais sobre as pessoas que estavam além das paredes opacas, decidiu realizar o fi lme.

Não é desprezível que essa ideia cinematográfi ca tenha surgido de um tempo de espera. No capitalismo das largas avenidas e do consumo 24/7, o ato de espera irrompe como uma ruptura radical dos fl uxos costumeiros. Outro fator relevante é o ato de escuta diante de algo que não se vê. A avalanche de imagens a que somos submetidos pelas tantas telas presentes no cotidiano produz uma tirania do visível que tende a refratar qualquer resquício de curiosidade e imaginação do invisível. São, contudo, esses dois elementos – a espera e a abertura ao invisível – que perturbam em absoluto uma possível banalidade das imagens que viriam a compor o fi lme.

Após realizar uma pesquisa bibliográfi ca sobre motéis no Brasil, a diretora reuniu um grupo de pesquisadores. Encontraram diferentes perfis de frequentadores. Àquelas pessoas que mostravam alguma

receptividade, era feito um convite quase paradoxal. Rachel solicitava que registrassem em vídeo momentos de sua “intimidade”, com o objetivo de compor um documentário. A arquitetura dos motéis permitiu encontrarmos um elo entre figuras muito distintas, que raramente frequentariam os mesmos contextos sociais: um casal formado por uma mulher recém-chegada à terceira idade, que afirma manter uma vida sexual mais libertária do que a de muitas jovens; um casal homoafetivo evangélico, que se grava em cenas de sexo explícito entremeadas por discussões religiosas; adeptos do swing; duas mulheres acompanhadas por um homem fantasiado de padre, que fetichizam os interditos cristãos; uma sexóloga evangélica junto ao seu marido em busca de um espaço que permita descansar dos filhos; jovens tatuados adeptos das práticas de BDSM; uma mulher trans que se prostituía para custear seus estudos e está se despedindo de um companheiro amoroso, entre outros.

Apesar da rica e intrigante diversidade desses perfis, uma inquietação nos arrebata de início. Será que depois das redes sociais e de toda a pornografia amadora disponível na internet, ainda somos capazes de nos sensibilizar com imagens realizadas

por pessoas – apesar de todas as diferenças – comuns? O filme não pretende esgotar os possíveis perfis de frequentadores de motéis, nem mesmo almeja extrair, de modo objetivo, informações precisas ou discursos dos mesmos. O que se espera, então, dessas imagens de “intimidade” capturadas em motéis?

Assisti a Eros na ocasião de sua estreia brasileira, em janeiro de 2024, na Mostra de Tiradentes. O público, entre gargalhadas e comentários em voz alta, reagia com tanta intensidade que os instantes de silêncio é que se destacavam. Se o riso era movido por genuína empatia, deboche ou constrangimento, não há como averiguar. Fato é que algo de efetivamente íntimo e singular estava sendo exposto aos espectadores. A noção de intimidade no filme, entretanto, extrapola a representação – já banalizada –do ato sexual. O que chama atenção, por um lado, são os diferentes modos de filmar e encenar criados pelos distintos frequentadores de motel. Por outro lado, é uma certa quebra de controle dos modos de composição dos planos ou de como se portar diante da câmera o que nos toca. A montagem de Eros não privilegia a ação, mas as hesitações e os tempos mortos. Há, na duração do filme, o tempo para a espera,

o tempo para se perder nas conversas e imaginar aquilo que não é mostrado.

Vemos, em diversos momentos, rastros de busca, mais do que de representação: uma câmera que se move, procurando um enquadramento ideal, alguém que pergunta “já está filmando?”, enquanto reproduz sua melhor pose. Em suma, há tempo para visualizar a errância humana que precede e abala o espetáculo. A montagem preserva traços de um processo vivo.

Segundo certas versões da mitologia grega, Eros, ícone do desejo, nasce de um encontro forçado e um tanto clandestino entre Penia e Poros. Enquanto Penia era uma figura associada à pobreza, Poros, além de astúcia, representava a riqueza. O desejo erótico, além de ser luminoso – como propõe a publicidade, as peles cintilantes dos atores pornográficos e as arquiteturas dos motéis –, guarda em sua genética certo grau de precariedade e porosidade. Parece que certa instabilidade do filme de Rachel, expressa nas esperas e nos gestos errantes dos personagens-realizadores, remete a essa faceta um tanto oculta, ou íntima – embora desejante e definidora –, de Eros.

Ainda não é amanhã

Milena Times | Brasil | 2024, 76’, DCP (Embaúba Filmes)

Janaína é uma jovem de 18 anos que mora com a mãe e a avó em um conjunto habitacional na periferia do Recife. Ela é a primeira pessoa da família que pode obter um diploma universitário, mas uma gravidez indesejada ameaça os planos que havia traçado para sua vida.

“Acho que o meu interesse é de olhar para essas famílias compostas por mulheres. Não é exatamente o meu caso, mas, na minha observação, eram arranjos muito frequentes e sempre me chamaram a atenção”, disse a diretora Milena Times em entrevista a Isabela Ferro para a revista O Grito!. “Essa temática de como esse arranjo familiar lida com a maternidade e a divisão dos

cuidados, com a casa e umas com as outras, foi um desejo muito forte de abordar. Queria mostrar a maternidade não como algo imperativo, mas como uma escolha. [...] O fato de ser mãe cedo não significa necessariamente que foi uma gravidez indesejada, mas, na maior parte das vezes, não planejada.”

“A interrupção voluntária da gravidez aqui no Brasil é proibida, e isso gera um dilema. O aborto é uma realidade corriqueira na vida de inúmeras pessoas, mas ainda é um tema muito tabu e proibido. [...] Quando comecei a escrever [o roteiro], eu olhava para esse debate de forma um pouco mais otimista do que consigo olhar hoje em dia. Em 2015, 2016, havia uma certa primavera feminista, mas, a partir de 2018, assistimos a uma onda conservadora que ameaçou direitos adquiridos há mais de 80 anos. As mudanças que o roteiro sofreu foram muito atravessadas por essa conjuntura.”

Em 2024, Mayara Santos, que interpreta a protagonista Janaína, recebeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival do Rio, e Milena Times foi premiada com Melhor Direção no Panorama Internacional Coisa de Cinema.

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/aindanaomt/] Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Em rumo a uma terra desconhecida Vers un pays inconnu

Mahdi Fleifel | Palestina | 2024, 106’, DCP (Imovision)

Chatila e Reda, dois primos palestinos refugiados em Atenas, sonham com uma vida melhor. Determinados a reunir dinheiro suficiente para adquirir passaportes falsos e se mudarem para a Alemanha, eles recorrem a todos os meios possíveis. Contudo, essa busca os força a ultrapassar seus próprios limites, deixando para trás uma parte de si mesmos.

“Eu venho tentando fazer este filme há dez anos, e, quando finalmente tive a chance de realizá-lo, foi quase como um cachorro faminto a quem jogam um osso ele agarra e não solta mais”, conta o diretor Mahdi Fleife em entrevista a Caitlin Quinlan para o portal Notebook, da Mubi. “A pré-produção foi um pesadelo, por causa da logística de fazer um filme palestino na Grécia e trazer os atores. Tivemos que coordenar todas essas pessoas exiladas ‘Quem tem qual passaporte?’, ‘Essa pessoa tem visto?’ [...] Então, começamos a

fi lmar um mês depois do 7 de outubro [de 2023]...

Isso impactou todo mundo, a tal ponto que comecei a perceber que os atores estavam chegando para os ensaios sem ter dormido, porque fi cavam acordados até as três da manhã assistindo às notícias. Eu tive que dizer a eles: ‘Olha, eu sei que é difícil, todos estamos preocupados com o que está acontecendo, mas a melhor coisa que podemos fazer agora é focar nisso aqui’. E acho que isso gerou um senso de camaradagem e solidariedade no set. Havia um laço tão forte de amor entre os gregos, palestinos e todos os envolvidos. Eu realmente diria que este é um fi lme feito no exílio, sobre exilados e para exilados − para todos que não sentem que pertencem a este nosso mundo de hoje.”

Inspirado pelo livro Men in the Sun, do escritor e ativista palestino Ghassan Kanafani, Fleifel atualiza essa tragédia, trazendo a luta dos palestinos para o contexto atual da migração na Europa: “Ele escreveu sobre esses caras, três homens que deixam os campos no Líbano para ir trabalhar no Golfo, que era meio que a terra prometida, e acabam presos no deserto entre o Iraque e o Kuwait, à mercê dos contrabandistas. Então, quando cheguei a Atenas, pensei: ‘Meu Deus, a história não mudou, só é diferente’. Agora o deserto é Atenas, esse deserto urbano em que eles estão presos, esse purgatório. Então, essa foi a inspiração espiritual, sempre senti como se tivesse Ghassan

Kanafani comigo. [...] E, claro, Edward Said, que me ajudou a entender − e não tenho certeza se entendo totalmente até hoje, mas pelo menos me deu uma janela para − o que signifi ca ser um exilado.”

Pouco mais de seis meses após o início das fi lmagens, Em rumo a uma terra desconhecida teve sua estreia mundial na Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes 2024.

[Íntegra do depoimento, em inglês: tinyurl.com/emrumomf]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Eros

Rachel Daisy Ellis | Brasil | 2024, 108’, DCP (Fistaile)

Com dez histórias contadas dentro de dez diferentes suítes, Eros explora as arquiteturas do amor, do sexo e da intimidade por meio de uma das mais infames e adoradas instituições brasileiras: o motel. Frequentadores foram convidados a se fi lmar durante uma noite e compartilhar os seus vídeos para fazer parte de um fi lme.

“Descobri que quase toda cidade tem um motel chamado Eros”, conta a cineasta Rachel Daisy Ellis em entrevista a Luciana Veras para a Revista Continente. “E essa coisa da mitologia era algo que combinava, porque traz a refl exão sobre o que seria esse desejo, essa paixão, num espaço de intimidade e sexo, e do que signifi ca amor. [...] Todo mundo vai naquele lugar, mas o espaço em si, com sua arquitetura, esconde a identidade das pessoas. Como isso se refl ete nas relações íntimas e amorosas das pessoas? Até que ponto é

um espelho da forma como as pessoas se relacionam? Fiquei com essa curiosidade, até para pensar diferente de como vemos o motel na mídia – nas outras séries, nas novelas e filmes ou nas propagandas, tudo é super estereotipado.”

“Eu sabia que nunca iria representar todo mundo que vai ao motel, mas, ao final de dois anos de pesquisa, vi, por exemplo, que era importante ter um casal mais velho, de mais idade, porque essa sexualidade existe também. Acho que o filme traz essa diversidade de corpos e a ideia do motel como um espaço que sai do cotidiano, do dia a dia das pessoas, e que permite um outro tipo de vivência. Acho que é impossível fugir do imaginário do motel que tem em todas as cidades, que está na beira da estrada, mas quis tentar mostrar que existem diversas razões que levam as pessoas a irem ao motel, e não apenas infidelidade ou fantasia, mas como um refúgio mesmo.”

[Íntegra da matéria em: tinyurl.com/erosrde]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Ilha das Flores

Jorge Furtado | Brasil | 1989, 14’, DCP, restauração 4K (Vitrine Filmes)

Um tomate é plantado, colhido, transportado e vendido num supermercado, mas apodrece e acaba no lixo. Acaba? Não. Ilha das Flores segue-o até seu verdadeiro final, entre animais, lixo, mulheres e crianças. E então fica clara a diferença que existe entre tomates, porcos e seres humanos.

Um raro e especial caso de curta-metragem brasileiro amplamente difundido entre o público e prestigiado pela crítica, Ilha das Flores retorna ao cinema em nova restauração 4K, junto ao longa Saneamento básico, o filme, também de Jorge Furtado. O filme recebeu prêmios em festivais nacionais e internacionais. No Festival de Gramado de 1989, recebeu os prêmios de Melhor Curta-Metragem, Melhor Curta do Júri Popular, Prêmio da Crítica. Em 1990, recebeu o Urso de Prata no Festival de Berlim. Em 1991, na França, recebeu o Melhor Filme pelo júri popular e o Prêmio da Crítica no Festival de Clermont-Ferrand.

Ao mesmo tempo, foi adotado como recurso pedagógico em escolas do Brasil e exterior. Em entrevista de 2019 a Milena Buarque Lopes Bandeira para o Itaú Cultural, por ocasião dos 30 anos de lançamento, Furtado declarou: “O filme fala de desigualdade social. Esse é o tema principal: gente que sobrevive com a sobra do alimento dos animais. Essa desigualdade, infelizmente, continua existindo. Se não é igual, segue sendo muito parecida. Então, Ilha continua atual nesse sentido. Por outro lado, ele tem uma linguagem que para a época foi muito inovadora, de velocidade, de planos, de relação entre conteúdos, hoje muito mais popularizada, especialmente pela internet. O hipertexto, aquela palavrinha que você clica e vai para outro texto, várias fontes de imagens diferentes. Isso já está mais naturalizado. Mas o tema dele, o assunto, continua muitíssimo atual.”

“Quando a gente fez o filme, em 1989, eu me lembro de ter chamado dois fotógrafos diferentes e pedi a eles que não se falassem, não combinassem nada, de modo que a linguagem ficasse bem fragmentada, muito diferente de um plano para o outro. Quando aparece uma palavra no curta, surge uma imagem. Por exemplo, se é falado ‘dinheiro’, aparece uma nota. É como quando a gente procura hoje algo no Google. Se você digita ‘dinheiro’, aparecem algumas imagens.”

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Inventário de imagens perdidas

Gustavo Galvão | Brasil | 2023, 77’, DCP (Crisol Filmes)

Num futuro próximo, uma revolução fundamentalista coloca o país em guerra civil. Duas mulheres em fuga se escondem no campo. Seus caminhos se cruzam numa casa povoada por memórias de um ex-cineasta, esquecido como o próprio cinema.

“Inventário de imagens perdidas surgiu do impulso de reunir amigos inconformados e decididos a fazer algo veloz, urgente e com o coração, em reação a um país (o Brasil) que testemunhava o avanço da extrema direita e do fundamentalismo evangélico”, relata o diretor Gustavo Galvão no material de imprensa do filme. “Os anos se passaram, a extrema direita diversificou seu alcance, e os desafios vividos pelo cinema são ainda maiores. O filme nasceu como um grito que não era possível guardar mais no

peito e que ainda reverbera dentro de nós.

Não por acaso, tudo gira em torno de um cineasta recém-falecido e de sua ex-aluna, pega de surpresa por uma revolução conservadora.”

O longa foi selecionado para diversos festivais ao longo de sua trajetória, dentre eles o 41º Festival Cinematográfico Internacional del Uruguay, a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, o 38º Festival de Cinema Ibero Latinoamericano de Trieste, dentre outros.

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Levados pelas marés

Feng liu yi dai

Jia Zhangke | China | 2024, 111’, DCP (Filmes da Mostra)

A duradoura e frágil história de amor de Qiaoqiao e Bin, ambientada na China do início dos anos 2000 até os dias atuais. Ligados um ao outro, eles aproveitaram tudo o que a cidade de Datong tinha a oferecer. Até que um dia Bin decide tentar a sorte em um lugar maior. Sem qualquer aviso, o rapaz vai embora. Depois de um tempo, Qiaoqiao parte em uma jornada para encontrá- lo.

Jia Zhangke percorre todos os seus trabalhos anteriores e oferece um olhar épico sobre o destino romântico de sua eterna heroína, Qiaoqiao.

Abrangendo 21 anos de um país em profunda transformação, o filme oferece uma nova perspectiva para enxergarmos a China contemporânea, bem como as experiências individuais, sob turbulentas mudanças emocionais e sociais.

“Este filme abrange os primeiros 21 anos do novo século. Colaborei novamente com o compositor taiwanês Lim Giong, que já havia trabalhado comigo em O mundo (2004), Em busca da vida (2006) e Um toque de pecado (2013). Sua música eletrônica traz um tom poético e melancólico à jornada do filme. Além disso, escolhi 19 músicas para o filme, incluindo alguns rocks chineses de diferentes períodos”, comenta o diretor em entrevista a Tony Rayns divulgada com o material de imprensa do filme.

“O filme cobre um bom número de anos, e você pode encará-lo como uma espécie de revisão da China contemporânea. Só quando olhamos para trás percebemos o quanto foi esquecido nos últimos 20 anos e os sons, em especial, foram os que mais se apagaram. Se quisermos imaginar a Dinastia Tang, de mais de mil anos atrás, podemos observar seus edifícios e pinturas remanescentes, as montanhas, os rios, os lagos e os mares que permanecem inalterados, e visualizar como viviam os antigos naquela época. Mas é difícil imaginar o som da Dinastia Tang.”

“A música, no entanto, agora pode ser transmitida. Canções de diferentes épocas podem nos transportar de volta ao seu tempo, como um código ou chave para destrancar o passado. Minhas próprias memórias são frequentemente ativadas pela música. Pegue, por exemplo, a canção pop ‘Genghis Khan’, que me leva de volta aos anos 1980, quando a China iniciou suas reformas econômicas; muitos artistas chineses fizeram versões dessa música alemã naquela época. Na terceira parte do filme, uma celebridade da inter-

net, agora com mais de 70 anos, dança ao som dessa música, e conseguimos imaginar sua juventude como um cantor e dançarino apaixonado, forte e expressivo.”

“A música das bandas de rock chinesas, em especial, expressa as emoções e os sentimentos daqueles que a ouviam. Essas bandas romperam tabus sociais com sua música, dando voz aos sentimentos e às aspirações de uma maioria silenciosa. No filme, às vezes elas soam como a voz interior de Qiaoqiao.”

Levados pelas marés teve sua estreia na competição oficial do Festival de Cannes em 2024. Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Milton Bituca Nascimento

Flavia Moraes | Brasil | 2025, 110’, DCP (Gullane+)

O documentário musical parte da turnê de despedida de Milton Nascimento, um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos, para entender a complexidade simples de sua obra e o quanto os mistérios que ele carrega permitem refletir sobre a alma brasileira.

Além de acompanhar a longa e bem-sucedida turnê de Nascimento, a diretora Flavia Moraes reúne depoimentos de personalidades, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Mano Brown, Djamila Ribeiro, Quincy Jones, Spike Lee e Paul Simon.

“Eu gosto de dizer que esse é mais um road-movie do que um documentário”, declara Flavia Moraes em entrevista ao portal Meio Amargo. “Porque ele se propõe a registrar esse recorte da vida do Milton que é a despedida, que é o fim. E ao mesmo tempo a gente questiona,

o que é o fim de um artista imortal. O filme se propõe a viajar com o Milton e levar o público pra viajar com ele. A gente não preparou um roteiro, a gente se preparou pra captação e pra tudo o que acontecesse no caminho. Coisas difíceis, coisas emocionantes, o cansaço, o show.”

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/miltonbitucafm]

Ingressos: R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia).

Saneamento básico, o filme

Jorge Furtado | Brasil | 2007, 112’, DCP, restauração 4K (Vitrine Filmes)

Moradores de uma pequena vila se juntam para pleitear a construção de uma estação de tratamento de esgoto. Para conseguir o dinheiro, eles precisam fazer um filme de ficção.

Com um elenco que inclui Fernanda Tores, Wagner Moura, Camila Pitanga, Lázaro Ramos, e Paulo José, Saneamento básico, o filme foi relançado nos cinemas brasileiros pelo projeto Sessão Vitrine Petrobras em uma restauração 4K. O filme será exibido junto ao curta-metragem Ilha das Flores, também dirigido por Jorge Furtado.

“Eu identifico o início desse filme com uma vontade que eu tinha de fazer alguma história em cima da Commedia dell’Arte”, contou Furtado em entrevista à época do lançamento do filme. “Eu estava na época estudando os personagens da

Commedia dell’Arte e queria fazer uma história de seis, sete personagens, arquetípicos da Commedia dell’Arte, numa pequena comunidade. Em função disso, comecei a pensar em alguma coisa italiana, uma colônia italiana. Tempos depois, fui ao Santa Maria Vídeo e Cinema, no Rio Grande do Sul. Visitei a quarta colônia italiana de Santa Maria pensando em locações, e, quando estava lá, durante o festival, foi lançado um concurso para produção de vídeos de cidades com até 20 mil habitantes. Santa Maria queria participar, mas não podia porque era grande demais, com seus 200 mil habitantes. [...] Então me ocorreu essa história: imaginei uma cidadezinha muito pequena, com problemas para conseguir dinheiro para algumas coisas de que precisa, mas que tem a possibilidade de fazer um vídeo.”

“Sempre existe uma contradição nos países subdesenvolvidos sobre o investimento na cultura. Como um país que não tem saneamento básico vai fazer cinema? Mas claro que essa é uma contradição boba: é preciso fazer tudo ao mesmo tempo. Não podemos só fazer saneamento. Comecei a escrever essa história com esses personagens que querem resolver um problema de saneamento básico e não têm verba, mas têm para realizar um vídeo e resolvem usar a grana para fazer a obra; fazendo um vídeo sobre a construção da obra.”

Ingressos: R$ 15 (inteira) e R$ 7,50 (meia).

Além de ser uma das primeiras mulheres a dirigir filmes em Hollywood, Ida Lupino também foi pioneira ao abordar temas nada convencionais à época, como gravidez fora do casamento, bigamia e os efeitos psicológicos de um estupro. Nos anos em que atuou como diretora, no entanto, não teve seu talento reconhecido, e cada novo trabalho era um desafio para ser concluído.

Apesar de ser a única mulher citada no livro

The American Cinema: Directors and Directions 1929-1968, seu autor, o crítico cinematográfico Andrew Sarris, ao falar da obra de Lupino, cita a atriz Lillian Gish, que, em sua única tentativa de direção, disse: “Dirigir não é trabalho para uma dama”.

Ida Lupino (1918-1995) foi uma atriz, diretora, escritora e produtora britânica que desafiou os padrões de sua época. Ao longo de sua carreira de 48 anos, participou de 59 filmes e dirigiu oito, trabalhando principalmente nos Estados Unidos. Mais conhecida pelo seu trabalho como atriz durante a Era de Ouro de Hollywood, sua obra enquanto diretora ainda é pouco conhecida no Brasil.

Em junho, a mostra segue em cartaz com a exibição das primeiras experiências da cineasta na direção: Mãe solteira (1949), Quem ama não teme (1949) e O mundo odeia-me (1953).

Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).

Mãe solteira

Not Wanted

Ida Lupino (não creditada) e Elmer Clifton | EUA | 1949, 91’, DCP, restauração 2K (Kino Lorber)

Na estreia de Ida Lupino como diretora embora não creditada −, a vida da jovem e ingênua mãe solo interpretada por Sally Forrest sai do controle depois que seu namorado músico a abandona para fazer um show fora da cidade, apesar da presença de outro homem determinado a conquistar seu coração.

Em 1948, a atriz Ida Lupino deixou a Warner Bros. para cofundar uma produtora independente concebida como uma alternativa às estéticas dominantes de Hollywood: “Collier Young e eu havíamos formado nossa própria companhia produtora, chamada The Filmmakers. Nós tínhamos coescrito um roteiro sobre uma mãe solteira intitulado Mãe solteira e tínhamos começado os trabalhos para filmar. Tínhamos acabado de começar quando nosso diretor Elmer Clifton teve um ataque cardíaco. Éramos muito pobres para pagar um outro diretor, e então tomei as rédeas.”

Lupino abordou o tema “tabu” da gravidez fora do casamento, aventurando-se de imediato por um terreno que os filmes de grande orçamento e do mainstream temiam explorar. De muitas formas, esse primeiro trabalho como diretora já carrega a marca da visão única de Lupino: a empatia pela personagem principal (Sally Forrest, como a jovem garçonete atordoada e traumatizada, jogada no mundo da maternidade solo), os momentos alucinatórios (a câmera subjetiva na sequência do parto), e a habilidade nas filmagens em locações (enquanto Forrest vaga por rodoviárias e pensões de cidades pequenas dos EUA).

[Depoimento extraído da revista Positif, editado e traduzido por Luiz Carlos Oliveira Jr. para a revista Contracampo: tinyurl.com/idalupinoims]

Quem ama não teme

Never Fear

Ida Lupino | EUA | 1949, 81’, Arquivo digital, restauração 2K (Kino Lorber)

Carol Williams (interpretada por Sally Forrest, que também trabalhara no filme anterior de Lupino, Mãe solteira) é uma jovem dançarina, cuja carreira promissora e vida pessoal são subitamente afetadas pela poliomielite. Seu parceiro de dança e noivo, Guy Richards, quer apoiá-la durante a doença, mas Carol, tomada de raiva e autocomiseração, prefere enfrentar tudo sozinha. Seu pai a leva ao Instituto Kabat-Kaiser para reabilitação, onde ela conhece outros pacientes com quem partilhará uma difícil jornada rumo à recuperação.

Coescrito e coproduzido por Lupino e seu parceiro Collier Young, Quem ama não teme é um filme de inspiração autobiográfica: Lupino enfrentou a poliomielite quando adolescente e realiza aqui um retrato psicológico profundo sobre como lidar com uma doença crônica.

Lupino repete também a parceria com o montador William Ziegler, que trabalhara com Hitchcock em Festim diabólico. Em depoimento à revista Positif, ela conta: “A cada cinco minutos, eu pegava o telefone para lhe perguntar: ‘Bill, escuta só, eu queria fazer um movimento de carrinho para a frente, mas estou com medo de não dar raccord’. No primeiro filme, ele me ajudou. Ele ia pro set. No segundo, tínhamos Bill de novo. Esse filme, Quem ama não teme, era baseado em minha história original, a de uma jovem dançarina que fica com poliomielite. Eu o coescrevi. Nesse eu ainda recorria ao telefone, mas Bill me dizia: ‘Não, não! Vire-se sozinha. Eu farei a montagem depois. Você não pode permitir que eu vá ao set.’ E foi assim que eu me tornei diretora.”

[Depoimento extraído da revista Positif, editado e traduzido por Luiz Carlos Oliveira Jr. para a revista Contracampo: tinyurl.com/idalupinoims]

O mundo odeia-me

The Hitch-Hiker Ida Lupino | EUA | 1953, 71’, DCP, restauração 4K (Kino Lorber)

Inspirado na onda de assassinatos cometida na vida real por Billy Cook, O mundo odeia-me é a tensa saga de dois homens em uma viagem de acampamento em que são feitos reféns por um andarilho homicida. Sob a mira de uma arma, ele os força a embarcar numa tensa viagem sem rumo pelo deserto mexicano.

Um exemplo de cinema independente em sua forma mais ousada, o longa foi produzido fora dos grandes estúdios, o que permitiu a Lupino e ao produtor e ex-marido Collier Young abordarem um episódio considerado brutal demais para que os grandes estúdios sequer cogitassem filmá-lo. E também a trabalharem a partir de um argumento do roteirista Daniel Mainwaring, que estava na assim chamada “lista negra” de Hollywood, que impedia a atuação de profissionais considerados comunistas na indústria cinematográfica.

Circuito ballroom: o amor é a mensagem

Cinema, identidade e protagonismo

No mês do orgulho LGBTQIAPN+, o IMS Poços celebra a cultura ballroom, ressaltando seu protagonismo no Brasil e nas diásporas. Com curadoria de filmes assinada por Angel Jayaci Hands Up e Statement Princess Dani Mutatis, integrantes do Potências T – grupo formado por pessoas trans do IMS –, e pelo Cinema do IMS, o circuito apresenta dois longas e dois curtas que dialogam com o universo dos bailes e suas relações com o mainstream. Um convite para se encantar, refletir e pertencer a essa celebração da identidade e da resistência cultural.

Esta seleção de filmes foi originalmente desenhada como parte da programação do Circuito ballroom: o amor é a mensagem, evento que aconteceu no IMS Paulista, em São Paulo, entre os dias 30 de maio e 1 de junho de 2025.

Entrada gratuita. Distribuição de senhas 60 minutos antes da exibição. Limite de uma senha por pessoa. Sujeito à lotação da sala.

Feminino

Carolina Queiroz | Brasil | 2016, 26’, Arquivo digital (Acervo da diretora)

Como a performatividade de uma drag queen é capaz de nos mostrar que, no fundo, não existe a natureza do feminino além dos atos, gestos e signos?

O filme envolve o telespectador na questão de performances de gênero, aproximando-as para um cenário regional. Utilizando da temática queer, o curta discute a relação de identidade de gênero, questionando conceitos baseados no que é considerado masculino ou feminino.

“Trabalhar com esse assunto no documentário surgiu através da minha amizade com o Nino. Sabendo que ele já se montava como drag, resolvi associar ao meu interesse pelas questões de gênero, o que me torna uma mulher, toda performatividade das drag queens e como ele pega e utiliza essas características femininas”, relata a diretora Carolina Queiroz, na época do lançamento do curta, para o portal de notícias da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

“Essas questões que implicam que você deixa de ser homem por fazer uma coisa feminina, ou que você deixa de ser mulher por fazer uma coisa masculina, se tornam muito problemáticas e fechadas. Acredito que a compreensão deve ser de forma mais orgânica e, por isso, é importante trazer à tona esse lugar de limite do gênero, já que eles se encontram, se chocam e se misturam, não fica tão separado.”

[Íntegra da entrevista: tinyurl.com/femininocq]

Queens at Heart

EUA | 1967, 22’, Arquivo digital (Kino Lorber)

Queens at Heart é um raro olhar sobre a vida de quatro mulheres trans e a cultura drag em meados dos anos 1960 em Nova York.

De acordo com Jenni Olson, historiadora e pesquisadora de arquivos LGBTQIAPN+ que redescobriu o filme na década de 1990, em matéria para o site da UCLA, “Misty, Vicky, Sonja e Simone são quatro mulheres trans corajosas que discutem francamente suas vidas pessoais com um entrevistador homem, cis e heterossexual, que afirma ter conversado com ‘milhares de homossexuais’ (e que claramente não entende a diferença entre orientação sexual e identidade de gênero).

Embora o interrogatório seja assustador e inadequado por parte do entrevistador e seja muitas vezes difícil de suportar, as mulheres conseguem

transcender o tom do entrevistador e se apresentam com um incrível senso de dignidade e franqueza. Elas falam sobre suas vidas duplas: sair como mulheres à noite, mas viver como homens durante o dia, e sobre como tomam hormônios e sonham em ‘mudar de vida’. Uma fala sobre como evitar o alistamento militar, outra sobre seu noivo e outra sobre o tormento da infância como um jovem efeminado. A honestidade e vulnerabilidade delas são realmente uma dádiva.”

[Íntegra da matéria em inglês: tinyurl.com/ queensatheartims]

Salão de baile – This Is Ballroom

e Vitã | Brasil | 2024, 94’, DCP

Nas margens da baía de Guanabara, uma comunidade de jovens LGBTQIAPN+ resgata e vivencia a cultura ballroom. Rio is burning!

Salão de baile é o primeiro longa-metragem documental brasileiro a explorar profundamente o universo da cena ballroom no Rio de Janeiro, oferecendo uma imersão na cultura do voguing e dos balls, lugares que servem como espaços de resistência, celebração e autoexpressão para esses jovens da periferia do Rio de Janeiro. O filme acompanha a produção de um ball, mergulhando na vida de seus participantes e revelando tanto os momentos de glória quanto os desafios enfrentados por essa comunidade vibrante e marginalizada.

Juru
(Retrato Filmes)

Com uma trajetória de sucesso em festivais internacionais – incluindo exibições no CPH, em Copenhagen, e no Sheffield DocFest, no Reino Unido –, o filme já foi exibido em cinco países. No Brasil, ele encerrou a 13ª edição do Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, além de ter sido premiado no Festival do Rio como Melhor Montagem e ter recebido menção honrosa no prêmio Felix de Melhor Documentário.

The Queen

Frank Simon | EUA | 1968, 68’, DCP, restauração 4K (Kino Lorber)

Mais de 40 anos antes do programa RuPaul’s Drag Race, esse documentário inovador sobre o concurso de beleza Miss All-America Camp de 1967 apresentou ao público o mundo de competição drag. O filme nos leva aos bastidores do concurso para acompanhar as candidatas enquanto elas ensaiam, jogam shade e se transformam em suas drag personas na preparação para o grande evento. Organizada pela ícone e ativista LGBTQIAPN+ Flawless Sabrina,

a competição contou com um painel de jurados famosos, como Andy Warhol e suas superestrelas Edie Sedgwick e Mario Montez. Mas talvez o momento mais memorável do filme seja a afronta épica, chamando a atenção para o preconceito racial da cena dos concursos de beleza, feita por Crystal LaBeija, que viria a formar a influente Casa LaBeija e teve grande destaque no documentário Paris Is Burning (1990).

Uma peça vibrante da história queer, The Queen será exibido em restauração 4K.

Instituto Moreira Salles

Cinema

Coordenador | Curador

Kleber Mendonça Filho

Supervisora de curadoria e programação

Marcia Vaz

Programador adjunto

Thiago Gallego

Produtora de programação

Quesia do Carmo

Assistente de programação

Lucas Gonçalves de Souza

Projeção

Fagner Andrades e Gilmar Tavares

Revista de Cinema IMS

Produção de textos e edição

Thiago Gallego e Marcia Vaz

Diagramação

Marcela Souza e Taiane Brito

Revisão

Flávio Cintra do Amaral

Os filmes de junho

A programação do mês tem apoio das distribuidoras Crisol Filmes, Embaúba Filmes, Filmes da Mostra, Fistaile, Gullane +, Imovision, Kino Lorber, Retrato Filmes, Vitrine Filmes e do projeto Sessão Vitrine Petrobras.

Agradecemos a Carmen Galera, Carolina Queiroz, George Schmalz, Isabel Wittmann, Lívia Fusco, Maria Bogado e Tamara Ganhito.

Venda de ingressos

Ingressos à venda pelo site ingresso.com e na bilheteria do centro cultural, para sessões do mesmo dia. No ingresso.com, a venda é mensal, e os ingressos são liberados no primeiro dia do mês. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Capacidade da sala: 85 lugares.

Meia-entrada

Com apresentação de documentos comprobatórios para professores da rede pública e privada, estudantes, crianças de 3 a 12 anos, pessoas com deficiência, portadores de Identidade Jovem, maiores de 60 anos e titulares do cartão Itaú (crédito ou débito).

Devolução de ingressos

Em casos de cancelamento de sessões por problemas técnicos e por falta de energia elétrica, os ingressos serão devolvidos. A devolução de entradas adquiridas pelo ingresso.com será feita pelo site Programa sujeito a alterações. Eventuais mudanças serão informadas no site ims.com.br e no Instagram @imoreirasalles. Confira as classificações indicativas no site do IMS.

Eros, de Rachel
Daisy Ellis

Queen, de Frank Simon

Visitação: terça a sexta, das 13h às 19h. Sábados e domingos, das 9h às 19h.

Entrada gratuita.

Sessões de cinema: Quinta a domingo.

Rua Teresópolis, 90 CEP 37701-058

Cristiano OsórioPoços de Caldas ims.pc@ims.com.br

ims.com.br

/institutomoreirasalles

@imoreirasalles

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