Colônia Cecília - Uma Experiência Anarquista em Palmeira – PR. 1890 – 1894

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Instituto Histórico e Geográfico de Palmeira Fundado em 13 de fevereiro de 1955 Registro nº 438, Liv A-02 Cartório de Títulos e Documentos CNPJ 07.217.980/0001-28 Declarado de utilidade pública pela Lei nº 310 de 22 de maio 1955. ___________________________________________________________________________

UMA EXPERIÊNCIA ANARQUISTA EM PALMEIRA – PR. 1890 – 1894

Vera Lúcia de Oliveira Mayer 1

O presente artigo tem por objetivo apontar uma cronologia histórica sobre a experiência anarquista efetivada no Município de Palmeira entre os anos de 1890 a 1894, “A Colônia Cecília de Giovanni Rossi” Uma história que sensibilizou e inspirou romancistas, historiadores e tantos pesquisadores, causando inúmeras interpretações sobre o tema. Na eminência da inauguração de um novo memorial, desta feita através de um projeto governamental, quando se reproduzirá pelas artes plásticas um resumo histórico em painéis. A fim de instrumentar estes artistas desde o contexto de sua criação, concretização até chegar os dias atuais, buscou-se a referência de alguns autores que desmistificaram alguns pontos obscuros e errôneos dessa experiência que tem sido propagado no decorrer do tempo, numa narrativa que se buscou a aproximação com a “verdade” acerca dos fatos. Desenvolvido em temáticas que podem auxiliar a compreender a história da “Colônia Cecília, a única experiência anarquista da América” de forma mais factual. PALAVRAS CHAVE: anarquismo, anarquia, Colônia Cecília (PR), Giovanni Rossi, Palmeira (PR) ABSTRACT: This article aims to point out a historical chronology of the anarchist experience carried out in the City of Palmeira between the years 1890-1894 , "The Colony Cecilia of Giovanni Rossi" A story that touched and inspired novelists , historians and many researchers , causing numerous interpretations on the theme . On the verge of unveiling of a new memorial, this time through a government project, when it will play the visual arts in a historical summary panels . In order to instrument these artists from the context of its creation, implementation until reaching the present day, we looked for the reference of some authors who demystified some obscure points and erroneous that experience that has been propagated over time, a narrative that sought rapprochement with the "truth " about the facts . Developed in themes that can help you understand the history of "Colony Cecilia, the only anarchistic experience of America " more factual way . KEY WORDS: anarchism, anarchy, Colony Cecilia (PR), Giovanni Rossi, Palmeira, (PR) 1

Vera Lucia de Oliveira Mayer é graduada em Licenciatura em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. – Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Palmeira – Diretora do Museu Histórico do Município. Escritora e pesquisadora da História de Palmeira.

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1. INTRODUÇÃO

Era final do século XIX, para o Sul do Brasil o então governo imperial estimulava a vinda de imigrantes europeus, para colonizarem as vastas terras existentes, que precisavam ser desbravadas. Em Palmeira já haviam se estabelecidos os portugueses, seus colonizadores, alguns escravos africanos, os imigrantes alemães do Volga, famílias árabes e os poloneses, recém chegados. A colônia de Santa Bárbara, zona rural de Palmeira era um dos locais demarcados para a colonização, já estavam instalados alguns alemães e os poloneses e em 1890 foram também enviados os italianos anarquistas, liderados por Giovanni Rossi, para fundar uma colônia experimental dentro da filosofia anarquista. Assim, se efetivou a única experiência anarquista da América, e a mais conhecida no mundo, sediada em terras palmeirenses: A Colônia Cecília. Uma experiência baseada nos ideais de liberdade. Sem hierarquia, sem religião, sem governo. Na Colônia Cecília seria posta à prova as verdades do socialismo anárquico. Em 1890 Palmeira tinha na época da instalação da Colônia, aproximadamente 8.500 habitantes. Vivia-se o momento de transição entre o Brasil Império para o Brasil República, com mudanças de toda ordem. 2 Motivado pela propaganda brasileira ao mercado de trabalho europeu, Rossi optou por fundar uma colônia anarquista no Brasil, e, em função das circunstâncias então encontradas, ele e um pequeno grupo de companheiros acabou se instalando no Paraná, no município de Palmeira, aí permaneceram durante quatro anos. A utopia destes idealistas acabou fracassada e a experiência da Colônia Cecília acabou não dando certo. Muitos voltaram para a Itália, outros se espalharam pelo imenso Brasil. Permaneceram em Santa Bárbara apenas os Agottani, Artusi e Mezzadri, outros se deslocaram para a zona urbana de Palmeira, para cidades vizinhas e depois pelo imenso Brasil. Se de um lado o anarquismo enquanto ideologia não foi possível, a experiência anarquista em Palmeira é um legado de histórias da vida de pessoas que contribuíram para o enriquecimento sócio-cultural do Estado do Paraná.

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Em novembro de 1889, o Império havia sido substituído pelo regime republicano; e dois anos antes ocorrera a abolição da escravatura.

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2. O ANARQUISMO - GIOVANNI ROSSI – E A CECÌLIA O Anarquismo é a doutrina, teoria ou filosofia política que afirma que a autoridade política, sob qualquer aspecto, é desnecessária e indesejável. Baseia-se nos princípios de autogestão de sua economia, política e liberdade plena aos adeptos, onde o trabalho é distribuído entre seus componentes; sem regulamentos nem chefes; forma descompromissada da vida sexual entre casais - o amor livre. ANARQUISTAS: Ação de indivíduos que se opõem e dão combate ao capitalismo, almejando a derrocada do Estado e a reconstrução de uma “Nova Ordem Social.”. "Dicionário de Ciências Sociais" FGV.

GIOVANNI ROSSI: Um misto de cientista, filósofo, veterinário de profissão e agrônomo por vocação, também foi jornalista, poeta e músico. CECÍLIA: Personagem de um romance escrito por Giovanni Rossi, num país imaginário chamado de “Paggio Al Mare” cuja inspiração é o que se passava na Itália na época. Cardias3 é o outro personagem do romance, este fez uma incursão numa região agrícola, onde havia miséria, ignorância e exploração humana, pregando o socialismo como manifestação de amor pela humanidade, ideias que encantam Cecília. (BACH, 2011) A divulgação de uma experiência anarquista, em território italiano, feita por Rossi, atraiu o interesse de alguns compatriotas que buscavam novas terras e estavam dispostos a enfrentar desafios em busca de uma vida melhor na América do Sul. O Italiano Giovanni Rossi, nascido em Pisa – Itália em 1856,

membro

da

Associação

Internacional

dos

Trabalhadores desde seus 17 anos e convicto das premissas anarquistas, idealizou uma colônia experimental na América do Sul. A primeira opção era o Uruguai, certamente em razão da disputa política naquele país entre os partidos Blanco e Colorado, optou pelo Brasil.

3. A CHEGADA NO BRASIL.

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Cárdias é o pseudônimo que Rossi utilizou depois, em diversos artigos que publicou, formatando e disseminando os ideais anarquistas.

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Rossi partiu da Itália em um vapor mercante adaptado para o transporte de passageiros, o Città di Roma. Partiram do porto de Gênova, em 20 de fevereiro de 1890. No bolso um capital de 2.500 mil liras, com passagem paga pelo governo brasileiro. Na bagagem um sonho e a esperança. O grupo pioneiro estava constituído por seis pessoas, cinco homens e uma mulher. Além de Rossi, vieram o casal Cattina e Achille Dondelli, Evangelista Benedetti, Lorenzo Arrighini e Giacomo Zanetti. Com exceção de Rossi, que era de Pisa, os demais componentes do primeiro grupo eram procedentes da Bréscia. Após a longa travessia, os seis pioneiros italianos anarquistas desembarcam no dia 18 de março no Rio de Janeiro, de lá pra a Ilha das Flores. Em 26 de março o grupo embarcou no vapor Desterro. Pretendiam chegar ao Rio Grande do Sul. O mal-estar da longa viagem afetou dois membros do grupo, fez com que eles desembarcassem em Paranaguá em 30 de março. Resolveram ficar, pois sabiam da existência de um clima ameno e saudável no Paraná. Seguiram de trem para Curitiba e se estabeleceram na “Casa do Imigrante”. Em contato com a Inspetoria de Terras e Colonização do recente governo republicano, receberam por concessão e parcelamento um terreno com aproximadamente 200 hectares no município de Palmeira, pelo valor de 15 liras que deveria ser pago em 5 anos. No dia 2 de abril Giovani Rossi e Evangelista Benedetti, chegam a Palmeira. Dr. Franco Grillo, há 17 anos no Brasil, médico Italiano então residente em Palmeira hospedouos em sua casa e auxiliou Rossi e Benedetti na instalação da Colônia Cecília, viabilizou os contatos e os encaminhamentos com as autoridades locais. Por isso Dr. Grillo é considerado um dos beneméritos do empreendimento anarquista no município.

4. FUNDAÇÃO DA COLÔNIA - PALAVRAS DE ROSSI.4 "Foi nos primeiros dias de abril de 1890 que Evangelista Benedetti e eu, depois de alguns dias de exploração, nos estabelecemos em uma casinha de madeira abandonada, numa área de 10 quilômetros quadrados, constituída de pradarias e bosques e reservada para nós." "Não foi estipulado nenhum pacto, nem verbal nem escrito. Nenhum regulamento, nenhum horário, nenhum encargo social, nenhuma delegação de poderes, nenhuma norma fixa de vida ou de trabalho". Além disso, seus habitantes "viveram livres de toda e qualquer 4

As anotações de Rossi, são encontradas em diversos livros e artigos quando foram transcritos.

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lei e autoridade”. “Com efeito, as sanções legais do país em que vivemos não exerceram nenhuma influência sobre nós”. Giovani Rossi - A ajuda do Governo: 4.700 liras para a instalação; 2.500 liras para viagens de Rossi; 1.100 liras por família – auxilio para construção das casas; 2.884 francos - ajuda para o grupo. (BACH. 2011 p.63 2011)

LOCALIZAÇÃO: A Colônia Cecília esteve localizada entre as localidades de Mandaçaia, Santa Quitéria e Santa Bárbara. No terreno5 onde se localizou a sede do núcleo estava um barracão construído para servir de abrigo e sala de decisões, de auditório, armazém, e dormitório, local também chamado de “A casa do amor e da fraternidade”. Havia barracos individuais para os casais. Os anarquistas costumavam hastear uma bandeira, nas cores vermelha e preta, em tronco de uma palmeira, defronte ao barracão coletivo utilizado para assembléias. Na área que lhes estava disponível construíram ruas-estradas, valos para divisão, moinhos e parreiras, fabricaram tijolos, plantaram milho e outros cereais. “Mesmo mudando de idiomas falava-se a mesma linguagem, cantavam-se as mesmas canções, erguiam-se as mesmas barricadas”. (KUPPER, 1993). “A Colônia Cecília nascia pobre, sem assistência, sem discursos e aplausos. O duro contraste entre teoria e prática se apresentou nos primeiros dias ao grupo de pioneiros idealistas. Traziam pouca experiência para cumprir os ideais de sobrevivência de uma colônia agrícola” (MELLO, 2003). Entre outros aspectos, Giovanni Rossi estabeleceu um método chamado pedagogia ácrata, considerada o ensinamento ao ar livre. "Nosso propósito não é a experimentação utopística de um ideal, mas o estudo experimental - e o quanto possível rigorosamente científico - das atitudes humanas em relação a um determinado problema." Giovanni Rossi. A colônia tornou-se um laboratório, onde seu idealizador tinha objetivos técnicos. Enquanto se desenrolava a experiência, Rossi anotava minuciosamente o comportamento de seus membros. Passa então a estudar um modelo de família comunitária onde nem os filhos eram de ninguém, seriam da comunidade. Ele buscou criar uma colônia em que as suas idéias pudessem ser comprovadas: mostrar a realização de uma vida comunitária – não sem problemas, logicamente, mas num

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Atualmente o terreno onde se fez a experiência da Colônia Cecília é de propriedade de um dos membros da família Arttuzi, descendente de um dos pioneiros da Colônia. Não disponível para visitação.

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espírito de camaradagem completa, numa forma de vida em que não deveria haver um poder constituído, nem no âmbito de Estado, de religião ou de família. 5. A FORMAÇÃO DA COLÔNIA 1890 - Nov - Giovanni Rossi volta à Itália para formar um novo grupo para integrar a colônia. 1891: Novos integrantes começaram a chegar, eram em sua maioria lavradores vindos majoritariamente do norte da Itália. Ao mesmo tempo, atraídos pela propaganda de Rossi e por uma vida sem patrão e sem fome, outras pessoas se mobilizavam para a viagem à América, boa parte

daquelas pessoas queria apenas um pedaço de terra para trabalhar e condições de vida, melhores do que na Itália. Segundo os escritos do próprio Rossi, a Colônia Cecília entre o final dos anos de 1891 e os meados de 1892 abrigava cerca de 250 integrantes, não necessariamente seguidores do pensamento anarquista. 1892 - Novas famílias juntam-se à Colônia, desenvolvendo-se algumas atividades artesanais de carpintaria, sapataria, abertura de estradas. A agricultura é intensificada. Boas relações com as autoridades e comerciantes locais que abrem créditos para os cecilianos. Rossi mantém uma vida social e cultural, integrado com a sociedade palmeirense. Foi o período do auge da experiência. Ao instalar a Colônia Cecília, Rossi desafiou de uma só vez a igreja, a família e o estado. Na Colônia Cecília, a religião não tinha vez: a maioria de seus membros eram ateus, e as datas religiosas eram ignoradas. Os casamentos não existiam oficialmente e as propriedades privadas eram negadas. “Rossi passou por cima de leis federais, estaduais e municipais. Rossi também defendia o amor livre, experiência que ele provou entre o final de 1892 e começo de 1893, quando dividiu a mesma mulher com outro morador da colônia”. (ANTONELLI, 2013). Segundo Cararo: “Ninguém deve ser impedido de se organizar. Mas ninguém deve ser obrigado a se organizar. O anarquismo, ao colocar a liberdade individual em primeiro plano, sempre privilegiou a organização voluntária”. (CARARO, 2008) 6. A DESINTEGRAÇÃO E O FIM DA EXPERIÊNCIA

Colônia Cecília existiu de 1890 a 1894 e as dificuldades começaram logo após sua constituição. Entre os idealistas que chegaram havia, filósofos, músicos e outros intelectuais

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que não tinham nenhuma habilidade com a terra. Os que eram agricultores encontraram terras pouco férteis, sem divisões, próximas à colônia de poloneses extremamente religiosos, católicos por excelência, o que dificultou o relacionamento entre vizinhos. O fim da Colônia Cecília não foi definido por nenhum fato específico, mas pela soma de alguns pontos que determinaram sua extinção: o grau de miséria em que viviam os anarquistas: "Não era possível sobreviver em meio à miséria, mesmo em nome de um ideal. Até porque esse ideal pressupunha uma vida prazerosa e, na miséria, não há prazer que sobreviva", (MUELLER, 1989.) 1893 - Marcaria o princípio da desagregação definitiva da Colônia:

O Governo republicano tratou os imigrantes anarquistas como os demais, tendo exigido deles o pagamento de tributos e taxas, inclusive a legislação da posse do terreno, mediante o pagamento do seu valor venal. Além das dívidas com os fornecedores locais que agora estavam sendo cobradas. Todavia, o fracasso da experiência não se deu tão somente à imposição governamental, pois com a produção agrícola intensificada, já haviam reunido condições de saldar o débito, porém outros fatores influíram: a fuga do tesoureiro6 da Colônia com o dinheiro de parte substancial da colheita vendida, veio somar à crise. O furto representou a ocorrência mais ponderável, porque violentou a ordem anárquica dominante. “A semente da desconfiança nascera com o episódio, e poucos demonstraram interesse em tentar tudo de novo, partindo do zero.” (CHAVES, 2001) O crupe, de caráter epidêmico, deixou cicatrizes nos barracões anarquistas. Sete crianças do núcleo anarquista faleceram. Todo o otimismo da comunidade havia sido arrasado, até porque não puderam enterrar seus mortos no cemitério da localidade, tiveram de criar um cemitério para os “renegados”. As oportunidades de trabalho em outras comunidades, vantagens materiais em cidades servidas de energia elétrica, água, diversões, fizeram com que o núcleo fosse, aos poucos, abandonado. A grande demanda por mão-de-obra e a expectativa de melhores condições de vida nas cidades vizinhas fizeram com que muitos abandonassem o local e partissem para Palmeira, Porto Amazonas, Ponta Grossa, Curitiba, depois pelo imenso Brasil.

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. Jose Gariga, misto de espanhol, argentino e italiano, seria o responsável pelas negociações de venda do milho na cidade. Nunca mais voltou à Colônia com o dinheiro.

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A colônia vê-se envolvida na Revolução Federalista o que provocou a repressão, a disputa entre Maragatos e Picas Paus.7 Apesar de não ter ligação com os maragatos da Revolução Federalista, os membros da colônia eram perseguidos.8 Até o que teria sido um dos fatores de atração da Colônia, o amor livre, poucas vezes se concretizou na prática, ficando restrito apenas dois casos. Um deles envolvendo uma mulher de nome Adele e outros três homens, o homem que a acompanhou desde a Itália, chamado Anniballe; o próprio Rossi e o jovem Jean Géleác (FELICI, 1998, p. 29-30). Vários jornais anarquistas divulgam notícias sobre a experiência e desencadeia-se polêmica em torno das idéias de Rossi sobre amor livre, interpretado de modo diferente do anarquismo. Segundo Roscoche, a entrada e saída de integrantes da Colônia revelam a instabilidade que ela sofreu durante os anos. Alguns a abandonaram com medo de dividir ou perder a mulher, outros com o anseio de adquirir sua propriedade, outros não se adaptaram aos trabalhos rurais, por possuírem profissões liberais ou ligadas a setores como a indústria. “Alguns integrantes chegaram até mesmo a roubar bens e capital da colônia quando de saída. Outra fonte de conflitos teria sido a rivalidade e os ressentimentos entre os que trabalhavam mais e aqueles que trabalhavam menos”.(ROSCOCHE, 2009) O poder mantido no seio das famílias: nos momentos de crise, as famílias começaram a guardar e esconder alimentos para dar a seus filhos, infringindo a ideia anarquista de divisão comum. O próprio Rossi chegou a atribuir o fim da Colônia à existência da família como unidade social, “O pior é a família. No seio do parentesco, ordinariamente, os defeitos são tolerados, os quais, ao contrário, se condenam acerbamente nos outros”. Além disso, o pouco amor ao trabalho, praticado por alguns participantes do grupo, não servia de modelo para uma população que vinha incorporando o patriotismo convicto e os princípios do catolicismo. Também a falta de técnica de muitos dos membros em agricultura e criação de animais, foi mais um empecilho. Depois o cansaço de Rossi, que abandona a colônia ao ver comprovada a sua tese: que a vida comunitária é possível desde que destruídos o casamento monogâmico e, com ele, a

“ Mal chegado seu quarto ano de fundação, e com a colheita malmente recolhida, chegou de inopino um destacamento „pica pau‟ leal ao Marechal Floriano Peixoto, à cata de supostos remanescentes „maragatos‟, e sem entender quem era quem, pôs fogo nas tulhas e nos paióis que guardavam todo os suprimentos” (Orlando Pessuti. 2011) 7

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. O fim da colônia teria sido o apoio dado pelos anarquistas aos Revolucionários Maragatos na

Revolução Federalista. Giovanni Rossi teria atuado como enfermeiro nessa luta armada no Paraná. (ROSCOCHE,) Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 1, 2011

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paternidade. “Independente dos resultados concretos de seus sonhos, são os ideais que movem a máquina do mundo, empurrando a humanidade para frente” Giovanni Rossi. O próprio Rossi deixava a Colônia Cecília, dando por encerrada a experiência que pretendera desenvolver. Vencida essa etapa experimental de seu pensamento social, Rossi retoma sua vida pessoal e profissional vai para o Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Em 1907, Giovanni Rossi decidiu retornar à Itália com Adele e suas filhas Ebe e Pierina. Faleceu aos 87 anos no dia 9 de janeiro de 1943. Está sepultado em Pisa, no jazigo da família. (BACH, 2011. p. 1057). 1894 - Mesmo após sua saída, algumas famílias continuaram chegando à Colônia, caso, por exemplo, da família Mezzadri, em razão da forte propaganda difundida pelos veículos da imprensa socialista européia. Encontraram a Colônia em decadência. Esse movimento, no entanto, não foi suficiente para sua manutenção, e ela se extinguiu por volta de abril de 1894, juntamente com os Artusi, os Agottani e os Mezzadri foram as últimas famílias a abandonar definitivamente as terras da Colônia Cecília, estabelecendo-se em áreas próximas.9. Declarou certa vez numa entrevista o ator Luiz Melo que: "A Colônia Cecília foi uma utopia que tinha tudo para dar certo, mas acabou demonstrando que o ser humano ainda não está preparado para a vida em comunidade, para dividir a mesma cozinha, o mesmo amor, embora os imigrantes não tenham recebido qualquer tipo de apoio, e estavam numa região totalmente inóspita" - (LUIS MELLO). 7. O LEGADO

Apesar de sua breve duração, a história da Colônia Cecília ainda hoje exerce um imenso fascínio sobre os pesquisadores que sobre ela se debruçam. Para a historiadora Helena Mueller, o experimento de Rossi traz outra mensagem. “Um dos legados que ele nos deixou é de que é possível lutar para tentar construir um mundo mais justo e igualitário”. Hoje, o anarquismo não assusta mais ninguém no Brasil. “Palavra temida, ridicularizada10, esta filosofia de vida resiste ao tempo e se tornou tema de monografias, 9

Quando a experiência se desfez, a terra não tinha sido paga e a família Artusi quitou as dívidas e ficou com a propriedade. 10

A palavra “anarquismo” muitas vezes foi interpretada pelos menos esclarecidos como bagunça, desordem, vandalismo. Não como uma filosofia de vida política. Anarquia não é confusão. Anarquista não é bagunceiro. Anarquia, do grego: an (=sem) e arché (=poder).Também podem ser chamados de ácratas, defensores da

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dissertações e teses de doutoramento, peças de teatro, novelas exibidas na televisão e filmes de curta e longa metragem.” (RODRIGUES, 1999). Se, materialmente, a Colônia Cecília não atingiu tudo o que se exige de um grupo social, serviu, pela ação doutrinária e pelo trabalho de seus membros para consolidar valores. “Afirma-se, antes, nas idéias germinadas, na tradição operária de lutas que criou e estimulou. Seus líderes não foram poucos, e cada anarquista deu sua contribuição efetiva aos movimentos operários do Paraná e do Brasil do século XX”. (CHAVES, 2001) Segundo Rodrigues11, a trajetória do anarquismo no Brasil teve a participação de uma confederação, várias federações, mais de 100 grupos especificamente libertários, seis editoras, três livrarias, mais de uma dezena de escolas racionalistas, duas universidades populares, uma intensa propaganda através do teatro “ácrata”. Os anarquistas fundaram escolas livres, desenvolveram intensa propaganda educativa, sociológica, de cultura geral, libertária. Foi uma sementeira que germinou, e hoje alimentam pesquisas, teses de doutoramento e sensibiliza várias editoras comerciais para publicá-las. Alguns historiadores descrevem, até com minúcias, o que foi a vida efêmera da experiência anarquista representada pela Colônia Cecília, localizada no município de Palmeira dando ênfase, principalmente, à vida íntima de Giovani Rossi. Foram vários romances, artigos acadêmicos, textos jornalísticos, peças de teatro, além de alguns filmes, pois a Colônia Cecília motivou a construção de inúmeras versões que se perpetuaram, deixando marcas significativas na memória coletiva. No campo historiográfico pode-se pontuar alguns daqueles que foram mais fiéis a fontes primárias e as fontes orais com os remanescentes e descendentes da Colônia Cecília: 1. Edgar Rodrigues, 1984 em “Os Anarquistas – Trabalhadores Italianos no Brasil” apresenta um relato vivo das lutas empreendias pelos imigrantes italianos de tendência anarquista no inicio do século XX no Brasil, que tanta importância teve para a formação e a consolidação de uma consciência operária no então nascente proletariado brasileiro. Traz alentada relação nominal de participantes do feito.

Acracia, do grego: an (=sem) e kratos (=governo). Os ácratas, ou anarquistas, querem uma sociedade em que ninguém governe ninguém. Pela ênfase que dão à liberdade e à negação de qualquer autoridade, são também conhecidos como libertários. 11

Este autor desenvolveu uma vasta pesquisa sobre a trajetória do anarquismo no Brasil.

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2. Já Zélia Gattai, em “Anarquistas Graças a Deus” 1979, conta em dois títulos do livro a participação dos seus ascendentes naquela aventurosa comunidade, inclusive descrevendo com detalhes a viagem, a chegada e a recepção que tiveram ao atingirem o local de destino. 3. Na tese de Isabelle Felici “A verdadeira História da Colônia Cecília de Giovanni Rossi” - 1998, na qual a autora desmistifica as lendas e mistos, numa revisão bibliográfica que separa o que história e o que é romance e ficção, um trabalho de pesquisa puramente cientifico. Procura apresentar "a verdade" sobre a experiência anarquista, reunindo as interpretações do passado e do presente sobre o tema. Se concentrou em distinguir a lenda da realidade, ela também acaba por atribuir um sentido ao vivido na Colônia Cecília, produzindo uma verdade histórica, uma representação construída a partir das questões do presente em relação com as representações e sentidos elaborados e dados no passado. 4. O médico pontagrossense Dr. Cândido de Mello Neto publicou em 1998 o livro “O Anarquismo Experimental de Giovanni Rossi de Poggio al Mare à Colônia Cecília” pela editora da UEPG, trabalho considerado pela crítica especializada como “o mais completo estudo sobre a Colônia Cecília”. O autor conseguiu reunir vários documentos e elaborou vasta pesquisa de fontes, teve acesso a textos de autoria de Giovanni Rossi, documentos raros que ele disponibiliza em sua obra, descrevendo os caminhos da pesquisa e a origem das fontes.

Além de depoimentos precisos sobre a inédita experiência, fruto de um longo

trabalho de pesquisa na região palmeirense com os descendentes na Itália e em outras bibliotecas especializadas do Brasil e do mundo.

5. No ano de 2000, a jornalista Marzia Terenzi Vicentini e o escritor Miguel Sanches Neto, fizeram a tradução dos textos e cartas de Giovanni Rossi e publicaram “Colônia Cecília e outras utopias” pela imprensa oficial; cujo lançamento em Palmeira aconteceu no dia 26 de setembro de 2001. Aí tem-se as palavras e conclusões do próprio Rossi a respeito de sua experiência.

6. Em 2011 o escritor Palmeirense e membro do Instituto Histórico de Palmeira, Arnoldo Monteiro Bach, publicou “Colônia Cecília” onde fez uma coletânea de informações, buscou pela oralidade mais de uma dezena de temas (historias locais e regionais) que envolveram cecilianos, trazendo à tona uma versão humana dessa instigante historia que tem gerado curiosidade e polêmica. Segundo o próprio autor, nessa teia se movem personagens ligados aos libertários, por sangue ou ideologia. São eles os atores a se representar, sob a ótica de quem fez parte da história.

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7. O Anarquismo da Colônia Cecília: Uma jornada do sonho à desilusão. Um artigo do Palmeirense Luiz Fernando Roscoche traça um panorama da Colônia Cecília desde o contexto de sua criação, concretização até chegar os dias atuais levantando algumas problemáticas sobre o futuro incerto do patrimônio cultural da colônia. Busca-se ainda desmistificar alguns pontos obscuros e errôneos dessa experiência que tem sido propagados no decorrer da história. Utilizou-se para tanto, uma revisão teórica baseado em obras de cunho científico. Ao final do artigo, elabora-se um balanço de algumas das variáveis que se considerou de maior importância e delineiam-se algumas ações que estão sendo levadas a cabo na atualidade e que pode auxiliar a compreender o futuro do patrimônio histórico da Colônia Cecília.

7. Em 2012 um descendente de cicilianos, morador ainda em Santa Bárbara, o Senhor Darwino Agottani publicou, “A Saga da Colônia Cecília.” através da memória e da lembrança dos seus antepassados, quando pontuou de modo peculiar a história da Colônia anarquista no Brasil, a Colônia Cecília em Palmeira.

Além do legado historiográfico, outras ações ajudam a manter viva a história da Colônia Cecília, o Museu Histórico e Geográfico de Palmeira, dispõem de uma coletânea no acervo a cerca do assunto. São livros, artigos, reportagens e fotografias que são disponibilizados para visualização e pesquisa. De âmbito municipal promulgou-se a Lei nº 2.737 de 01/07/2008, instituindo o dia 01 de abril, como dia da “Colônia Cecília” e em decorrência dos efeitos dessa lei, “passam as escolas palmeirenses a incluir em seus currículos pedagógicos a temática. Todos os anos o departamento de Cultura deverá promover atividades que venham tratar do tema: Colônia Cecília” Desde 2011, próximo ao Mercado Municipal de Curitiba, no restaurante “Anarco” essa história é recontada por dois descendentes da Colônia Cecília, Ilsa Agottani e Mauricio Mezzadri Picanço. Eles juntaram esforços para criar uma ONG e um memorial que conta um pouco dessa história. Outra referência à Historia da Colônia Cecília em Palmeira é um memorial do Museu instalado no Sitio Minguinho, uma iniciativa do professor Arnoldo Monteiro Bach, bem próximo ao local da instalação da Colônia Cecília que reúne objetos, fotos e uma maquete que nos mostram o que foi uma experiência anarquista em Palmeira.

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Desde a promulgação da Constituição do Estado do Paraná12 em 1989, em seu artigo 32 das “Disposições Transitórias”, a indicação da construção de um memorial sobre a Experiência Anarquista em Palmeira. No entanto ela só vem se efetivando agora em 2013, depois que o então vereador Sérgio Luiz Belich conseguiu viabilização de recursos através do Governo Federal para a construção de um memorial, projeto este executado pelas equipes da Secretaria de Planejamento e Turismo da Prefeitura de Palmeira. Obra que está sendo executada em terreno doado ao município pelo senhor Evaldo Agottani um descendente da Colônia Cecília, que será inaugurado no principio do ano vindouro, quando turistas e pesquisadores poderão se deparar com a materialização da “História da Colônia Cecília, uma experiência Anarquista de Giovanni Rossi”. COLONIA CECILIA: “É um grande tema, não serve como modelo, mas como lição. Os idealistas é que mudam a realidade, mesmo quando falham. Sem o idealismo, tudo vira pragmático demais, imediatista. Manter um ideal, mesmo correndo o risco de ser quixotesco, é a única forma de continuar acreditando no ser humano”. (MIGUEL SANCHES NETO. 2011).

6. Alguns integrantes da Colônia Cecília que foram identificados: Segundo: BACH. 2011.p. 1020 e FELICI. 1998. p. 68

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Art. 32. O Estado, em colaboração com o Município e a comunidade de Palmeira, e sob a coordenação da Secretaria de Estado da Cultura, reconstituirá, dentro de 2 (dois) anos da promulgação desta Constituição, parte da Colônia Cecília, fundada nesse Município, no século XIX, para a preservação de seus caracteres históricoculturais

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1. Achille Dondelli 1. Achille Gallina 2. Adele Serenti 3. Adele Serventi 4. Adelina Artusi 5. Aldino Agottani 6. Alessandro Nannoni 7. Amilcare Capellaro 8. Andréa Giuseppe Agottani 9. Aniceto Artusi 10. Ângela Tonelli 11. Antônio Massa 12. Argia Fagnoni 13. Arnaldo Francesco Gattai 14. Arturo Previtalli 15. Aurélio Gattai 16. Bruno Celli 17. Carlo Artusi 18. Carlo Carzino 19. Carlo Soldi 20. Carlo Torti 21. Carlo Mezzadri 22. Caterrina Mezzadri 23. Cattina Dontelli 24. Cursio Corsi 25. Danielle Dusi 26. Dante Mansani 27. Dante Venturini 28. Decio Boni 29. Domenico Códega 30. Domenico Garzino 31. Domenico Mansani 32. Domingos Frattino 33. Elisabetta Arighini 34. Emílio Romani 35. Ernesto Faccini 36. Ernesto Ganassoli

37. Ernesto Gatai 38. Ernesto Tabachi 39. Eugenio Grassi 40. Eugenio Lemmi 41. Evangelista Benedetti 42. Ezígio Cini 43. Florindo Fecci 44. Francesco Nicola 45. Francesco de Francesqui 46. Francesco de Paola 47. Francesco Nicola 48. Fulton Del Frate 49. Giacomo Zanetti 50. Gioacchino Lottici 51. Giovanni Rossi 52. Giuseppe Maderna 53. Giuseppe Soldi 54. Giuseppe Zerla 55. Guerrando Gattai 56. Humberto Verona 57. Jean Saint Pierre 58. José Gariga 59. Lorenzo Arrighini 60. Luigi Concetto Crollanti 61. Luigi Silano 62. Maiol Puig 63. Mardena Giuseppe 64. Marco Soldi 65. Pacifico Agottani 66. Paolo Costalli 67. Pasquale Talignani 68. Pedro Bruno 69. Piero Colli 70. PietroGavarri 71. Pietro Griselli 72. Pietro Lombardini 73. Pietro Minardi

74. Pietro Riva 75. Puig Mayol 76. Primo Crolanti 77. Reinaldo Parodi 78. Rina Gattai 79. Roberto Ganassoli 80. Romano Minardi 81. Romilda Popoli 82. Tranquillo Agottani 83. Umberto Verona 84. Vicenzo Benedetti 85. Zeferino Agottani 86. Zefiro Artusi Com apenas um nome: 1. Annibale 2. Baldi 3. Balsini 4. Bientinezzi 5. Carnevale 6. Cioli 7. Costtali 8. Fanin 9. Francalacci 10. Lorenzini 11. Mela 12. Novelli 13. Petinatti 14. Ravarani 15. Roncadelli 16. Tabachi 17. Todeschini 18. Tomei 19. Vercezzi 20. Zilli

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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANTONELE, Diego – Colônia Cecília. Posted on 18 de Abril de 2013 - Revista Alambique- Disponível em http://revistaalambique.wordpress.com/2013/04/18/coloniacecilia/ acesso 29/12/2013. BACH, Arnoldo Monteiro. Colônia Cecília. Estúdio Texto. Ponta Grossa, 2011. CARARO, Izis L. Felix; SOCHODOLAK, Hélio. 1890-Colônia Cecília, uma experiência anarquista no Paraná. Revista Eletrônica Lato Sensu- Ano 3, n1, março 2008. Disponível em <http://www.1911enciclopedia.org/Anarchism> aceso em 26/04/2010. CHAVES, Lázaro Curvêlo Colônia Cecília: uma experiência anarquista no Brasil, 2001. Disponível em http://www.culturabrasil.pro.br/cecilia.htm.Acesso em 19/12/2013 FELICI, ISABELLE. A verdadeira história da Colônia Cecília de Giovanni Rossi. (tradução: Edilene T. Toledo; Revisão Sergio S. Silva) Cad. AEL. n. 8/9, 1998 disponível em http://www.ifch.unicamp.br/ael/website-ael_publicacoes/cad-8/Artigo-1-p09.pdf aceso em 26/04/2009 KUPPER, Agnaldo. Colônia Cecília. São Paulo: FTD, 1993. MELLO NETO, Candido. O Anarquismo experimental de Giovanni Rossi (de Poggio al Maré à Colônia Cecília). 2 ed. Ponta Grossa: Ed. EPG, 1998 MONTEIRO FILHO, Mauricio. Memória Anarquista. Repórter Brasil, 2004. disponível em http://reporterbrasil.org.br/2004/07/memoria-anarquista/ . Acesso nov.2013 MUELLER, Helena Isabel. Flores aos rebeldes que falharam – Giovani Rossi e a Utopia Anarquista. Colônia – São Paulo, SP: FFLCH, 1998. RODRIGUES, Edgar. História do movimento anarquista no Brasil In: Universo Ácrata. Florianópolis: Editora Insular, 1999

ROSCOCHE, Luiz Fernando. Colônia Cecília: uma jornada do sonho à desilusão. Revista de Geografia (UFPE) V. 28, No. 1, 2011. ROSSI, Giovanni. Colônia Cecília e outras utopias (trad. E introdução Marzia Terenzi Vicentini e Miguel Sanches Neto). Curitiba: Imprensa Oficial. 2000. SIMÕES, Teotônio. Anarquismo - Pequena Introdução às Idéias Libertárias, 2006. Disponível em http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/anarquismo.html. Acesso 19/12/2013.

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