Folha da Rua Larga Ed.53

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4 folha da rua larga

setembro – outubro de 2015

história baú da rua larga

Moinho Fluminense: farinha no saco, pão francês, samba no pé e Boa Sorte A história da fábrica responsável pelo melhor pão de cada dia dos cariocas Reprodução

A história do Moinho Fluminense está intimamente ligada aos hábitos europeus de fabricar pão. Martin Afonso de Sousa, em 1534, trouxe as primeiras sementes de trigo em suas naus para o Brasil, e as lavouras se espalharam pelo Sul, fazendo da nossa terra uma das primeiras da América a exportar o grão. Mais de trezentos anos se passaram e, em 1900, a praga da ferrugem se alastrou dizimando as plantações. A produção nacional de trigo incipiente obrigou à importação de trigo para suprir as necessidades brasileiras. A inauguração do Moinho Fluminense foi aprovada pela princesa Isabel em 1887 e é considerada um marco da fabricação do pão no país. Debret, o pintor francês da missão artística trazida por Dom João VI, estranhava a falta do pão de trigo em 1834. Segundo ele, o Rio possuía apenas três padeiros. O prédio do Moinho Fluminense, com arquitetura inglesa do século XIX, com tijolinhos e arcos, serviu de cenário para fatos históricos da cidade. A eclosão da Revolta da Armada, em setembro de 1893, e a Revolta da Vacina, em 1904, são acontecimentos que marcaram a área portuária do Rio. Rui

Divulgação

Fabricação pioneira de pão no Moinho Fluminense

Barbosa, ministro da Fazenda e um dos fundadores do Jornal do Brasil, precisou buscar refúgio dentro do Moinho com ajuda do proprietário, seu amigo Carlos Gianelli. Isso porque, ao defender os ocupantes do navio Júpiter, como o senador Almirante Eduardo Wandenkolk e outros oficiais reformados, presos por ocasião da captura do navio, o jurista ganhou o ódio do governo. Com o receio de ser preso, ele se refugiou na casa de um amigo e dali se transferiu para a Legação do Chile, onde pediu asilo. Com a decretação de estado de sítio por Floriano, ele passou a noite escondido no Moinho Fluminense e, dali, embarcou clandestinamente no navio Madalena para

Ferragens, louças, tintas, utensílios domésticos e muito mais.

Buenos Aires, usando disfarce de explorador inglês. E escreveu, em 7 de setembro de 1893, para a esposa Maria Augusta: “Estou experimentando pela primeira vez as ‘delícias’ de ser preso, e preso inocente”. Em 13 de setembro, os revoltosos aquartelados nos navios abriram fogo contra a cidade do Rio de Janeiro. Da mesma forma, na Revolta da Vacina, a população montou barricadas na frente do Moinho contra a vacinação obrigatória, instituída pelo prefeito Pereira Passos e executada pelo sanitarista e médico Oswaldo Cruz. Passados quatro anos, ergueu-se um quartel de polícia na bucólica Praça da Harmonia, ou Coronel Assumpção, como se a segurança militar

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Os silos do antigo Moinho serão transformados em quartos de um moderno hotel

pudesse esconder a história de Pata Preta, líder dos revoltosos. No local perto das ruínas do mercado da Harmonia, conhecido como Porto Arthur, em referência à fortaleza russa que bravamente resistiu aos ataques japoneses na Guerra Russo-Japonesa, Pata Preta e seus aliados contavam apenas com a coragem e barricadas feitas com os trilhos de bondes arrancados das ruas. Enquanto navios da Marinha com canhões engatilhados estavam prontos para destruir a área, a imprensa, quando o conflito acabou, registrou um artefato feito de um poste de ferro preso a uma carroça, que simularia um canhão, produzido pelos revoltosos. Pata Preta foi preso e espancado barbaramente, pondo fim à batalha. A importância do Moinho Fluminense se reflete até no Carnaval carioca. Em 1939, desfilavam os chamados blocos oficiais, de funcio-

nários públicos e grandes empresas: os Destemidos da Casa da Moeda, Mudando as Caras (dos funcionários da Prefeitura do Distrito Federal) e o Bloco da Boa Sorte, em alusão à famosa farinha, composto por funcionários do Moinho Fluminense. Em 1939, o trigo brasileiro foi o motivo principal do desfile, apresentado em artísticos painéis. Na comissão de frente, uma crítica à adição de mandioca na farinha de trigo: dois foliões vestidos de Dom Trigo e Senhorita Mandioca e, fechando o cortejo, uma comissão vestida de padeiros cantava a marchinha Trigo Brasileiro, com letra de Ximenes, que dizia: “Salve Rei Momo / Rei do Carnaval / Com Boa Sorte compartilhamos / Em tua festa universal...”, Carlos Gianelli e seu irmão Leopoldo, filhos de um italiano que morou em Montevidéu em 1849, investiram

na indústria da moagem de trigo no Brasil. Abriram seu primeiro negócio na Rua Larga de São Joaquim e, logo depois, já com o investimento de acionistas, conseguiram inaugurar o Moinho Fluminense, com máquinas importadas da Inglaterra, capazes de moer 80 toneladas diárias de trigo vindos dos Estados Unidos, Argentina e Uruguai. O Moinho virou escola para padeiros do Rio e os produtos se diversificaram. O melhor pão tipo francês foi produzido e testado com as farinhas ali produzidas. Hoje, o velho Moinho Fluminense renasce como um símbolo da região do Porto Maravilha, transformando o espaço num dos maiores complexos hoteleiro, residencial e empresarial da cidade. Unindo a arquitetura antiga dos prédios e silos tombados pelo patrimônio histórico despercebida pelos transeuntes, ainda funciona desde 1887 nos subterrâneos, a longa esteira que transporta por um túnel toneladas de grãos de trigo para os cargueiros atracados no Porto. Tudo isso será passado quando o VLT tiver uma estação na porta do novo empreendimento, que contará com cinemas, centros médicos, praça de alimentação e prédios residenciais. Seus passadiços históricos que embelezam o local poderão servir aos novos usuários dos prédios vizinhos e o silo será transformado em hotel.

aloysio clemente breves pesquisador de história soubreves@yahoo.com.br


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