Conecthos 12

12 REVISTA DO HOSPITAL DONA HELENA

QUEM É ESTA MULHER?

Fortalecer o protagonismo feminino e compreender sua identidade são desafios para a bioética

INSTITUCIONAL: SISTEMA DA QUALIDADE É DESTAQUE 6 Interação em pesquisas científicas 8 PUERPÉRIO: SAÚDE MENTAL DA MÃE 16 Diagnóstico precoce é a chave 20 UMA BOA CONVERSA SOBRE SLOW MEDICINE 22 Amamentação & autonomia 25 MÉDICO: PRESENTE E FUTURO 34 Caminho sem volta da inovação 36 COLUNA DA SBB/SC 40

Nesta edição

Reflexões sobre a identidade feminina e a bioética

Accredited by Joint Commission InternationalTM

Associação Beneficente Evangélica de Joinville/ Hospital Dona Helena Rua Blumenau, 123 Centro – Joinville/SC CEP 89204-205 (47) 3451-3333 www.donahelena.com.br Revista Conecthos é um projeto do IDHEP – Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa – Núcleo Editorial ISSN: 2358-8217 Circulação: novembro de 2019 Coordenação geral: Carlos José Serapião Conselho editorial: Ana Ribas Diefenthaeler, Antonio Sérgio Ferreira Baptista, Gizele Leivas Marketing e Comunicação HDH: Talita Paternoli Schroeder Editores associados: Bruno Rodolfo Schlemper Jr., Christian Ribas, Maria José Varela, Fernando Hellmann, Nelma Baldin, Euler Westphal, Wladimir Kümmer, Paulo Henrique Condeixa de França, Mirelle Finkler, José Carlos Abellán (Espanha), José Luis Fernández Fernández (Espanha) Jornalista responsável: Guilherme Diefenthaeler (reg. prof. 6207/RS) Produção: Mercado de Comunicação Edição: Guilherme Diefenthaeler Reportagem: Marcela Güther, Ana Ribas Diefenthaeler e Guilherme Diefenthaeler; apoio: Giovanni Malagoli Diagramação: Fábio Abreu Fotografia: Assessorias de imprensa e banco de imagens Impressão: Tipotil Indústria Gráfica Tiragem: 2 mil exemplares Redação: contato@mercadode comunicacao.com.br Realização Associação Beneficente Evangélica de Joinville/ Hospital Dona Helena Apoio Sociedade Brasileira de Bioética/Regional Santa Catarina Os artigos publicados correspondem à opinião de seus autores, não expressando o pensamento da direção do hospital. Todas as informações são de responsabilidade dos autores. Direitos reservados.

Proibida a reprodução integral ou parcial.

Em sua 12ª edição, a Revista Conecthos reflete sobre o protagonismo da mulher e o fortalecimento de sua identidade no campo da bioética. A reportagem de capa, intitulada “O que é uma mulher, afinal?”, resgata o pensamento filosófico de Simone de Beauvoir para repensar o lugar do feminino nos discursos e reflexões éticas atuais. A matéria conta com a participação da professora Livia Maria Zago, uma das conferencistas do 19ª Simpósio Catarinense de Bioética de 2019.

Entre outros temas da edição, o repensar dos discursos também permeia a reportagem “A saúde mental no pós-parto”, em que especialistas abordam as mudanças psicológicas no período do puerpério e apontam como é possível amenizá-las, em uma abordagem humanizada, que desmistifica a maternidade, evidenciando seu aspecto de construção afetiva.

A Conecthos traz, ainda, uma interessante entrevista com o médico Marco Bobbio, secretário-geral da Associação Italiana de Slow Medicine, que discorre sobre a aplicação desse conceito na Itália e no Brasil. Para finalizar a revista, a palavra passa para o professor Raúl Javales, que trata da inovação na saúde, campo em que é especialista, coordenador do curso Health Tech, da Sustentare Escola de Negócios, em Joinville (SC).

Desejamos uma ótima leitura e um excelente final de ano.

4 Nossa palavra

6 Gestão da qualidade em destaque 8 Investigações científicas para promoção da saúde 12 Reflexões sobre o protagonismo feminino 16 Maternidade e o desafio do puerpério 20 Tratamento da esclerose múltipla 22 Slow medicine: fazer mais não significa fazer melhor 24 Diálogos bioéticos 36 Especialista defende o “caminho sem volta” da inovação 40 A coluna da SBB/SC

Nossa palavra

A diversidade das esperanças Carlos José Serapião

Coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP)

N

asce um novo feminismo, um feminismo múltiplo com a liberdade para a palavra das mulheres, cada uma em sua singularidade, suas diferenças, revelando uma verdadeira galáxia de feminismos, criativos, exuberantes, às vezes convergentes, outras divergentes, criando, para este início de século, uma tarefa de alcançar a equidade na vida familiar e profissional, mas também dando as mãos, homens e mulheres, sem privilégios, exaltando suas diferenças, na busca de se ajudarem na construção de um novo mundo.

Coincide com outros extraordinários avanços tecnológicos, entre os quais impera, absoluta, a inteligência artificial, posicionando-se em múltiplas áreas das atividades humanas, com marcada influência na saúde, área na qual a chamada medicina numérica permitirá a utilização de dados que estarão a serviço de cada um e de uma experiência coletiva útil na construção de um sistema de cuidados continuamente evoluído.

Uma variedade de assuntos, todos tendo como fulcro a figura humana, caracteriza este número da nossa revista, de conteúdo plural não só nas opiniões como aceitando os an-

tagonismos decorrentes, conduzindo a detalhes que contribuem para enriquecê-las.

Neste terreno, os leitores vão apreciar exemplos de avanços significativos das tecnologias da atenção médico-assistencial, ao lado da valorização das comunicações interpessoais, componente imprescindível para a construção da via de mão dupla que se espera no conceito da humanização. É, pois, um desafio ao pensamento, expor-se à riqueza de argumentos formulados nas reportagens, entrevistas e artigos, para os quais convido a participar aqueles interessados em se manter atualizados, comungando palavras que vestem as inúmeras ideias apresentadas neste número da Conecthos.

Institucional

Revista especializada em saúde destaca ações do Dona Helena A certificação do seu sistema da qualidade pela norma ISO 9001, há mais de 20 anos, veio confirmar a qualidade, a segurança e a padronização dos processos do Hospital Dona Helena. Entre outros avanços, a certificação “permite que as decisões sejam tomadas com base em fatos e não em sentimentos ou expectativas; que a organização visualize aonde quer chegar e defina como chegar, quais são seus principais desafios e que tipo de recurso deve ser provisionado”, conforme a síntese apresentada pelo coordenador do Comitê de Qualidade e Segurança Caio Tavares, em entrevista à Revista Healthcare Management, publicação de destaque no segmento de saúde.

Em sua edição 59, a revista discorreu sobre o case do HDH na reportagem “Tão importante quanto estar envolvido, é preciso estar comprometido”.

“O intuito da certificação é garantir a otimização de processos e uma maior agilidade no desenvolvimento dos serviços prestados, a fim de satisfazer os clientes e alcançar o sucesso sustentável” Caio Tavares, coordenador do Comitê de Qualidade e Segurança

Quando a alegria é contagiante Com uma ação mais do que consolidada em Joinville, no trabalho conhecido como “Hospirrisos – Agentes da Alegria”, o Pró-Humano, programa de humanização do Hospital Dona Helena, lançou, na metade do ano, uma nova iniciativa baseada no voluntariado. É o projeto “Mundo da Fantasia”, por meio do qual sete participantes incorporam personagens que fazem parte do imaginário das crianças e adultos – super-heróis, princesas e animais que “combatem o mal” . Dois grupos formados, “A Liga do Bem” e “KPersonagens – Atos de Alegria”, visitam os setores da pediatria e das unidades de internação três vezes por mês. Maria José Varela, coordenadora do Pró-Humano, ressalta a importância da ação: “Fala-se que a interação com personagens do imaginário pode somar e contribuir com os cuidados em saúde. Nas primeiras visitas, já pudemos observar os efeitos, a alegria é contagiante entre voluntários, funcionários, pacientes e acompanhantes.

Um clima leve e acolhedor se instala”.

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Romper a barreira da comunicação com um paciente surdo é um desafio complexo – mas que ganha, na Língua Brasileira de Sinais, importante aliado. No Hospital Dona Helena, as capacitações em Libras são sistemáticas. Recentemente, a instituição formou sua quinta turma de intérpretes, com 36 profissionais da saúde. A capacitação ocorreu sob a responsabilidade da instrutora Sueli Bartnikwosky, formada em pedagogia com habilitação em supervisão escolar e educação especial, pós-graduada em psicopedagogia e em educação especial inclusiva. “Com teorias, dinâmicas, simulações de atendimento, músicas e jogos, os participantes foram capacitados na língua de sinais e hoje são certificados para atendimento aos surdos”, detalha Bruna Maiara Cardoso, assistente de recursos humanos.

Saúde da família é foco do Centro de Cuidados Integrados

Teste assegura diagnóstico precoce

Equipe multidisciplinar que desenvolve um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo faz parte do Centro de Cuidados Integrados à Saúde (CCIS) do Hospital Dona Helena. O serviço, implementado no início de 2019, funciona no primeiro andar do Centro Clínico Dona Helena, em horário comercial. Entre os propósitos do CCIS, destacam-se promoção e proteção à saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos e manutenção da saúde, com o objetivo de desenvolver uma atenção integral que impacte na melhor experiência do paciente/indivíduo em relação à assistência, no aumento da qualidade em saúde e na satisfação do colaborador, associada a outros níveis de cuidado já existentes.

A atenção à saúde é conduzida por uma Equipe de Atenção Básica (EAB), composta por médico especialista em saúde da família, enfermeira e técnico de enfermagem com experiência na área de saúde família, e por uma Equipe de Apoio à Atenção Básica (EAAB) formada por um time multidisciplinar e especialidades médicas.

O Hospital Dona Helena faz parte da rede de instituições de saúde pioneiras na realização do teste da orelhinha, que assegura o diagnóstico precoce aos recém-nascidos que tenham perda auditiva congênita. Em 20 anos, mais de 22 mil bebês passaram pelo procedimento – entre eles, 1.600 foram identificados com surdez e devidamente acompanhados, segundo a fonoaudióloga Fabiane Zimmermann, da FRZ Fonoaudiologia e Assessoria, que atua como prestadora de serviços fonoaudiológicos junto ao corpo clínico.

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Pesquisa

O papel de ponta das instituições hospitalares

A

pesar dos desafios que precisa enfrentar na área de ciência e tecnologia, o Brasil tem hospitais de excelência que promovem e incentivam a pesquisa científica. Nos últimos anos, inúmeros fatores impactaram o setor, como o envelhecimento e o crescimento das populações, a expansão do mercado, além de avanços clínicos e tecnológicos. Segundo a pesquisa “Tendências para o setor global de saúde 2019: definindo o futuro”, a mais recente na área da saúde, assinada pela consultoria Deloitte, a solução para dar conta da demanda ascendente de pacientes e ser mais assertivo nos diagnósticos pode estar na tecnologia. As instituições procuram, assim, reduzir custos e melhorar a qualidade e o acesso a práticas médicas personalizadas aliadas à utilização de tecnologias, com procedimentos inovadores que respondam às exigências do setor. Para chegar a esse estágio, as pesquisas são essenciais, mostrando os caminhos para aprimoramento dos procedimentos e aplicações tecnológicas.

No Hospital Dona Helena, o Instituto de Ensino e Pesquisa (IDHEP) abriga diversas investigações científicas que visam à promoção da saúde e da qualidade de vida. Recentemente, a instituição foi destaque internacional em edição do Jornal da Associação Americana de Medicina (Jama), uma das revistas de maior relevância na área médica, com uma pesquisa denominada “UTI Visitas”. A pesquisa descobriu que a visita flexível de familiares na UTI não gera riscos de infecções ao paciente, ao contrário: reduz em 50% os sintomas de depressão e ansiedade dos parentes. O estudo foi conduzido pelo Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS) do Ministério da Saúde, e realizado em 36 UTIs de hospitais públicos e filantrópicos do Brasil. Participaram 1.685 pacientes

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internados em UTIs, com idade média de 58,5 anos.

No HDH, a pesquisa ocorreu de junho a novembro de 2017, envolvendo, em cada etapa, 25 pacientes e seus familiares. “Fizemos um trabalho de sensibilização com a equipe da UTI, abordando a importância e os possíveis benefícios do projeto. Além disso, oferecemos suporte à equipe sempre que uma demanda era trazida por eles”, destaca Fabiana Efting Mohr, gerente de enfermagem do HDH. De acordo com a psicóloga Kethe Oliveira, que também atua no hospital, os pacientes se mostravam mais tranquilos, seguros e colaborativos. “A comunicação entre equipe e paciente se tornou mais efetiva, pois ocorreu melhor entendimento das informações. Os próprios familiares se apresentaram mais seguros com relação à assistência prestada pela equipe, gerando menos questionamentos e incertezas”, aponta. Tendo em vista os resultados positivos da pesquisa, o hospital decidiu implementar, em 2018, a visita ampliada: dois familiares treinados podem revezar a visitação e escolher o melhor período para sua permanência, dentro de 24 horas. Foram mantidas as visitas sociais (são permitidas três por dia, de meia hora, restrita a duas pessoas).

Evidência científica

“O objetivo desta tecnologia não é tirar o médico da beira do leito, mas oferecer apoio e suporte. Estamos na contramão do resto do mundo”

Regis Goulart Rosa é médico intensivista do Hospital Moinhos de Vento e líder do projeto “UTI Visitas”. Ele afirma que a pesquisa surgiu para uma avaliação prática dos dados que a instituição já mantinha, sobre modelos flexibilizados de visita familiar em UTIs. “Era preciso avaliar a exequibilidade, a eficácia e a segurança desse formato. Sempre questionamos a restrição de visitação, porque isola o paciente do seu mundo afetivo no momento mais crítico de sua vida. Acreditávamos que a visitação dos familiares poderia ser factível e segura, desde que conhecimentos e boas práticas fossem ensinados”, explica. “Faltava a evidência científica, ou seja, um estudo metodologicamente bem desenhado que pudesse trazer dados valiosos para debatermos as políticas atuais de visita familiar em UTIs. Por isso, resolvemos botar a mão na massa e produzir essa evidência dentro da nossa realidade de UTIs de hospitais públicos e filantrópicos brasileiros.”

Segundo Rosa, o maior desafio foi implementar uma tecnologia inovadora e disruptiva no ambiente complexo e desafiador de um hospital, com grande quantidade de pacientes vulneráveis.

“A maioria das UTIs no Brasil e no mundo adota modelos restritivos de visitação.

No Brasil, geralmente, os pacientes têm permissão para receber visitas por breves momentos durante o dia, de meia hora a uma hora e meia. Sempre se atuou dessa maneira, pois se supunha que a presença dos familiares em um ambiente tão controlado como a UTI pudesse aumentar o estresse do paciente, desorganizar os cuidados ou, até mesmo, aumentar o risco

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Regis Goulart, intensivista, liderou o projeto sobre UTI do qual o HDH participou, com Kethe Oliveira e Fabiana Mohr à frente

de infecções”, contextualiza. Outro desafio para a equipe de pesquisa foi recrutar centros dispostos a sair de suas zonas de conforto. “Nesses locais, os familiares poderiam permanecer ao lado do paciente por até 12 horas por dia – algo totalmente fora do usual. Felizmente, a prática foi um sucesso e o estudo demonstrou que a implementação em larga escala foi benéfica no contexto de saúde do país.”

Entre os principais ganhos decorrentes, ressalta-se a proximidade em um “momento tão importante, que demanda carinho, compaixão e companhia”. Para os pacientes, a maior permanência dos familiares não resultou em riscos como transmissão de infecções ou desorganização dos cuidados. Para os familiares, o maior contato com o paciente aumentou a satisfação com os cuidados e diminuiu a ocorrência de sintomas de ansiedade e depressão. “No estudo, identificamos que a visita familiar ampliada funcionou como potente remédio, reduzindo em mais da metade a ocorrência desses sintomas indesejáveis. O modelo de visitação flexível aumentou a satisfação dos familiares, principalmente em relação ao maior contato com o paciente e ao acesso a informações do estado clínico dos seus entes queridos.” O HDH não foi a única instituição participante do estudo a adotar o modelo de visitação ampliada.

No total, 80% das UTIs participantes fizeram o mesmo. “O tempo médio de visitas passou de 90 minutos (pré-estudo) para 10 horas e meia (pós-estudo). Os 20% que não aumentaram os horários após o estudo estavam aguardando a publicação dos resultados”, explica Rosa, evidenciando que a maioria dessas UTIs que aguardou a publicação já sinalizou que irá adotar, em breve, a visita familiar ampliada.

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Excelência na promoção de pesquisas Paulo Pitrez, coordenador institucional de pesquisa do Hospital Moinhos de Vento, entende que uma instituição de saúde que investe em pesquisa produz novos conhecimentos que podem beneficiar pacientes em todo o mundo. “Também atrai e retém talentos para atuar em pesquisa e assistência, assegurando um ambiente cada vez mais moderno e tecnológico na área biomédica. Por fim, fortalece sua marca como instituição de excelência na área da saúde, trabalhando na fronteira do conhecimento e da inovação”, ressalta. Nos últimos anos, de acordo com o coordenador, o desenvolvimento de pesquisas no hospital permitiu atrair inúmeros pesquisadores, tanto jovens quanto sêniores, para trabalhar na instituição.

“Modernizamos estruturas de apoio ao pesquisador, publicamos artigos científicos relevantes internacionalmente, oferecemos novas terapias em fase de pesquisa para pacientes com doenças crônicas ou graves e divulgamos mais a marca como um hospital de excelência”, ressalta.

O Moinhos de Vento conta com o Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP), estrutura moderna de apoio ao pesquisador para consultorias de projetos e estudos. “A iniciativa conta com equipe altamente capacitada para pesquisas clínicas patrocinadas, além de um programa robusto de projetos vinculados ao Ministério da Saúde para benefício do SUS, dentro do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do SUS (Proadi-SUS)”, explica Pitrez. Algumas pesquisas em andamento no Moinhos

“A visita familiar ampliada funciona como potente remédio, diminuindo sintomas indesejáveis” Outros estudos em andamento no IDHEP Eficácia do soro fisiológico Estudo multicêntrico sobre soluções alternativas ao cloreto de sódio em pacientes graves.

A proposta é avaliar a eficácia de uma solução alcaloide balanceada em comparação ao cloreto de sódio a 0,9%. No país, a pesquisa coordenada pelo HCor pretende atingir 11 mil pacientes.

Pitrez, do Moinhos de Vento: benefício a pacientes e retenção de talentos de Vento: a humanização da assistência em paciente e familiares internados e qualidade de vida pós-alta em terapia intensiva; o impacto da infecção pelo vírus papiloma humano (HPV) no país; a efetividade da telemedicina na realidade brasileira (projetos em oftalmologia e terapia intensiva pediátrica); o benefício de telemonitoramento pós-alta de pacientes com insuficiência cardíaca; e o impacto da tuberculose infantil no Brasil.

O Dona Helena também conta com um NAP, que integra o IDHEP, e dá suporte aos profissionais interessados na área. Para Alexandre Cavalcanti Biasi, médico responsável pelo núcleo, um bom hospital não é somente reconhecido por prestar assistência de alta qualidade, mas também por ações no campo da educação, treinamento e pesquisa. “Hospitais que têm participação intensa em pesquisas costumam obter resultados clínicos melhores. Eles implementam protocolos assistenciais, com um rigor maior de acompanhamento para garantir que esses protocolos sejam adotados, e treinamentos das equipes”, frisa Biasi.

Junto ao Moinhos de Vento, o HDH ainda participa da implantação de uma estratégia de monitoramento, educação e autocuidado para ajudar pacientes com insuficiência cardíaca após a alta hospitalar. Coordenado pelo hospital gaúcho e pelo HCor (SP), o estudo, iniciado no segundo semestre deste ano, consiste na utilização de um aplicativo de celular que interaja de forma regular e sistemática com o paciente, com conselhos úteis e, sobretugudo, frequentes avaliações da sua recuperação.

Cardiologia menos invasiva A Hemodinâmica do HDH foi o único centro brasileiro convidado a participar de um estudo pioneiro para avaliar o uso da artéria radial distal, que se localiza em uma estrutura anatômica denominada “tabaqueira anatômica”, na mão.

Vacina contra o influenza Equipe do HDH desenvolve estudo multicêntrico, proposto pelo Hospital Albert Einstein para avaliar a eficácia da vacina contra o influenza – aqui, aplicada em dose dobrada – na redução de eventos cardiovasculares maiores, após uma síndrome coronariana aguda.

Mortes por Sepse Estudo multicêntrico coordenado pelo HCor busca mensurar a mortalidade atribuível à Sepse, em pacientes hospitalizados.

A infecção generalizada pode atingir 31 milhões de pessoas por ano, no mundo todo.

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Inserir as questões envolvendo as desigualdades e vulnerabilidades sociais são desafios para a bioética

Bioética

O que é uma mulher, afinal?

O

questionamento inicial da francesa Simone de Beauvoir, em seu livro mais famoso, “O Segundo Sexo”, permeia até hoje os debates em torno do ser feminino. Ainda – e sempre – atual, Beauvoir é autora de uma filosofia feminista que se expressa no conjunto de sua obra e continua inspirando mulheres, mundo afora. No entanto, permanecem as reflexões, os embates, as teses, as pesquisas, a busca de cientistas, sociólogos, filósofos, acadêmicos em geral, para deslindar este ser tão complexo, intrincado – e, ao mesmo tempo, tão desconectado da ordem social masculina, vilipendiado, agredido e desrespeitado pelo seu entorno.

Em reportagem sobre a questão da mulher brasileira, para a BBC de Londres, a jornalista Luiza Franco exibe dados alarmantes: não há lugar seguro para mulheres, no Brasil. Estudo conduzido pelo Datafolha para a ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, de fevereiro de 2018 a fevereiro deste ano, 1,6 milhão de mulheres foram agredidas ou submetidas a tentativas de estrangulamento – e 42% dessas agressões ocorreram dentro de casa. Mais da metade dessas mulheres não denunciou o agressor ou procurou ajuda externa. Nesse período, também, quase 40% das brasileiras passaram por algum tipo de assédio.

Neste mundo masculino, como se insere a mulher? A manutenção dessa condição de inferioridade, reconhecem as próprias mulheres, é cultural. “Temos a Lei Maria da Penha, a alteração da lei do estupro, a lei do feminicídio, a de importunação sexual, são todas boas, mas a lei, por si só, não resolve o problema. O menino que vê o pai batendo na mãe vai bater na esposa. A menina que sofre violência sexual dentro de casa muitas vezes nem sabe que aquilo é violência. Se ouvir falar sobre isso na escola, vai identificar que talvez ela seja vítima”, pondera Samira Bueno, diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

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Ser agredida, considerada quase objeto de namorados, maridos e mesmo pais, são, ainda, situações comuns. Como o fato de ganhar menos que o homem em funções semelhantes de trabalho. Segundo estudo da Organização para Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), o salário médio de uma brasileira com educação superior representa 62% do de um homem com igual escolaridade.

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a renda média dos homens brasileiros, em 2014, chegava a R$ 1.831. Entre as mulheres brancas, a média correspondia a 70% do salário deles: R$ 1.288. Já entre as negras, um quadro ainda pior: média de R$ 946.

Autora, também da famosa frase “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher”, Simone de Beauvoir encheu de interrogações o meio feminino de meados do século 20, associando-se ao existencialismo de seu companheiro Jean-Paul Sartre que, em uma ideia, resume seu pensamento: “Não existe um caminho traçado que leve o homem à sua salvação. Ele precisa inventar, incessantemente, seu próprio caminho”. Na esteira do existencialismo, Beauvoir foi escrevendo seus ensaios, tentando olhar para si e para as outras mulheres. “Querer ser livre é também querer livres os outros”, escreveu, em uma de suas mais citadas expressões. “Repensar o lugar dos feminismos nos discursos filosóficos atuais é o desafio que leva a novas indagações sobre as possibilidades de identidades generizadas. Se não há como destacar abstratamente ´a mulher´, como falar de experiências de mulheres, individuadas e descritas por meio de uma situação de mulher?”, indaga a professora mineira Magda Guadalupe dos Santos, em ensaio sobre a obra da autora francesa.

Reflexão ética Inserir as questões envolvendo as desigualdades e vulnerabilidades sociais são desafios cotidianos para as bioeticistas. Mirelle Finkler, especialista convidada para o 19º Simpósio Catarinense de Bioética, presidente da regional catarinense da Sociedade Brasileira de Bioética, produziu artigo com a colega Ana Luísa Remor da Silva, em que avalia outro grupo considerado quase à margem das reflexões éticas, o LGBT, e lança atento olhar à questão da bioética crítica de inspiração feminista, com base nas pesquisas e reflexões da antropóloga Débora Diniz, uma das mais importantes pensadoras brasileiras em bioética e feminismo. Desde os anos sessentas, as reflexões éticas a respeito do feminismo e do feminino vêm ganhando espaço, embora as primeiras publicações sobre o assunto tenham aparecido apenas na década de 90.

“A proposta da Bioética Feminista não se limita à inserção dos estudos feministas no campo de ética aplicada, mas está relacionada com a perspectiva crítica

do movimento feminista em relação às desigualdades sociais, às questões de disparidades de gênero ou qualquer forma de opressão social como base de análise. Concomitantemente, a inclusão de questões de gênero e do feminismo na bioética, outras teorias com forte apelo crítico – que aqui denominaremos [...] bioética crítica –, tais como as antirracistas, de estudos culturais ou de sociologia de classe, aportaram seus pressupostos na pauta teórica da bioética”, lembra o artigo de Mirelle e Ana Luísa, que critica os pressupostos “universais e imprecisos” da chamada Bioética Principialista.

“A união de outras vertentes teóricas ao olhar crítico do feminismo provocou uma nova forma de perceber o movimento contra o principialismo da bioética, chamado de antiprincipialismo, como movimento crítico ou teoria crítica, sendo ambos, portanto, sinônimos ora das teorias feministas, ora das teorias antirracistas, por exemplo. Ainda que alguns princípios também fundamentem reflexões da bioética crítica, como o da beneficência e do respeito à autonomia, este segundo princípio ético é compartilhado tanto pelo feminismo quanto pela luta antirracista, antes mesmo de estes adentrarem na bioética. Porém, a bioética crítica aponta ainda para a necessidade de refletir sobre as condições sociais do exercício da autonomia, a qual pode estar mascarada por situações coercitivas”, argumentam as autoras.

Para as pesquisadoras, por meio da Bioética Feminista, pôde-se quebrar o silêncio dos pressupostos éticos universais que, segundo elas, não funcionam em contextos de desigualdades sociais. “A tarefa da bioética deveria ser a de pensar formas de

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Bioética feminista: uma insubordinação da ordem moral

desenvolver atitudes éticas para intervir diretamente nos determinantes das desigualdades sociais, a fim de encontrar ações que efetivem a reorganização social, diminuindo a vulnerabilidade moral, lidando diretamente com a dificuldade real, e não com a descrição do que ou de como deveria ser a humanidade”, raciocinam, ao concluir: “De princípios éticos universais, passaríamos, portanto, para a defesa de princípios compensatórios da vulnerabilidade social. Dessa forma, a Bioética Feminista sugere uma insubordinação da ordem moral, a fim de mudar o rumo da bioética atrelada aos interesses dos privilegiados para, assim, voltar-se aos oprimidos.”

As autoras recorrem, também, à médica e bioeticista Fátima Oliveira, autora de uma proposta de bioética antissexista, antirracista e libertária, na construção de uma bioética mais justa, “fundamentada por um olhar voltado para as características dos países latino-americanos, que têm grande ênfase nas desigualdades sociais”.

Fátima Oliveira foi uma das autoras pioneiras, no Brasil, a tentar consolidar uma mobilização para incluir os movimentos feminista e antirracista nos estudos em bioética, como um importante caminho para a luta de direitos humanos no século 21. “A autora sugeriu a aliança entre o feminismo e o movimento antirracista, não apenas por uma semelhança ideológica, mas também por lidarem com problemas éticos semelhantes e pouco discutidos nos fóruns de bioética, revelando um atraso de quase três décadas de reflexão e possibilidades de mudança”, sublinham Mirelle e Ana, argumentando que, ainda que apresente em sua epistemologia propostas de combate à eugenia, foi “originariamente racista, machista e até antimulher”.

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Em busca de autonomia Procuradora aposentada do Estado de São Paulo e com destacada atuação nas áreas de Bioética e Biodireito, a professora Livia Maria Zago, uma das conferencistas do 19º Simpósio Catarinense de Bioética, aponta, como grandes avanços da trajetória da mulher brasileira, ao lado e em função da atuação dos movimentos feministas, a assunção ao mercado de trabalho e de responsabilidades, tanto fora quanto dentro do lar. “Destaco seu papel de educadora dos filhos, de responsável por sua saúde e desenvolvimento.

Seus encargos são diversos, pesados, profundos e solitários. A autonomia da mulher ainda não foi devidamente alcançada”, reflete a procuradora, identificando nas diversas mobilizações em defesa dos direitos da mulher – sobretudo aqueles que apregoam a igualdade de direitos como os de voto, os de livre circulação no espaço público, os dos direitos à educação, à saúde – movimentos extremamente importantes no alcance da equiparação, pelo menos formal. “Diversamente da mulher, talvez o papel do homem permaneça como aquele ser cuidado pela mulher e na posição de mando e comando”, reconhece Livia, referindo “com indignação” a avassaladora perpetração e o aumento da violência contra a mulher. Mas faz questão de ressalvar o que chama de “honrosas exceções”, que são aqueles companheiros que se ombreiam à mulher e com ela compartem os encargos e responsabilidades, sobretudo os do lar e da educação dos filhos.

“A conexão entre o ‘status’ econômico e a saúde é de particular ressonância para a mulher dentro do duplo papel que ainda desempenha – de responsabilidade de reprodução e de produção –, que lhe recai pesadamente” Mulher, saúde e desenvolvimento

Múltiplas inciativas de organismos internacionais vêm estimulando e legitimando o papel da mulher como participante do desenvolvimento social. É um processo de evolução muito bem-vindo, até porque nem sempre foi assim. “Historicamente, as necessidades de saúde da mulher eram largamente reconhecidas e relacionadas com a função reprodutiva, seja na obstetrícia, na ginecologia ou no planejamento familiar”, assinala o médico Carlos Serapião, coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP) e idealizador do Simpósio Catarinense de Bioética.

Serapião escolheu o tema da mulher como um dos eixos do simpósio nesta edição de 2019. Aqui, algumas reflexões do médico sobre essa temática.

Gênero e saúde Existe um reconhecimento generalizado de que, embora a mulher viva por período maior do que o homem neste mundo desenvolvido, ela sofre muito mais de sintomas agudos e crônicos e usa serviços de saúde com maior frequência. No início deste século, o Instituto de Medicina da Academia Nacional de Ciências dos EUA concluiu que o sexo, isto é, masculinidade ou feminilidade tal como é determinado pelo padrão cromossômico, é importante variável humana básica que afeta a saúde e a doença ao longo de todo o período de vida do organismo humano. O próximo passo estará representado por evoluir do descritivo para o prático, e estabelecer as condições que devam ser alcançadas para

facilitar e encorajar os estudos dos mecanismos e origens desta diferença no gênero das pessoas.

Questão comportamental A saúde da mulher é não somente afetada por suas capacidades reprodutivas, como por todos os outros sistemas biológicos que podem operar diferentemente na mulher e no homem. Estamos ainda nos primórdios do conhecimento do quanto essa diferença pode influir e afetar a saúde. Não esqueçamos, no entanto, que, embora pouco possamos fazer ainda com respeito ao nosso genoma ou nosso DNA, existe muito que podemos fazer com respeito ao nosso comportamento.

Duplo papel A conexão entre o “status” econômico e a saúde é de particular ressonância para a mulher dentro do duplo papel que desempenha – de responsabilidade de reprodução e de produção –, que lhe recai pesadamente, sobretudo, dentro de um ambiente de baixa renda familiar, e cuja contribuição econômica é por vezes crucial para o bem-estar da família. A revolução da informação tem ajudado a mulher a melhor controlar sua própria saúde, mas é agora o momento de intensificar esta fase educacional. Estamos na era da “necessidade do conhecimento”, em que as mulheres, geralmente encarregadas não só da sua própria, mas da saúde dos filhos e do marido e até de parentes, buscam mais e mais informações.

Abandonar estereótipos A forte ênfase sobre as jovens, como é observada na maioria dos países ocidentais, está profundamente enraizada na sociedade e é prejudicial para a imagem-própria de muitas mulheres. Existe uma tendência de nossa sociedade para ignorar a velhice. Isto é errado, pois a jovem de hoje é a mulher idosa do futuro. A mídia desempenharia papel importante ao abandonar estereótipos e espalhar mensagens positivas de saúde. As jovens são bombardeadas com imagens de modelos esguios, com as quais elas aspiram se parecer, mas deveriam estar expostas a mensagens de que existem mulheres de diferentes idades, formas e tamanhos.

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MATERNIDADE

A saúde mental no pós-parto

A

gravidez é um dos acontecimentos mais marcantes na vida de uma mulher e de sua família. No pós-parto, a atenção de todos costuma se voltar para o bebê.

Os cuidados com a mãe devem ser aguçados – até mesmo porque ela também passou por momentos intensos, em alguns casos por um parto cesáreo, que requer cirurgia. O período após o parto, chamado puerpério (antes conhecido como resguardo), é aquele em que ocorrem intensas modificações físicas e psicológicas nas mulheres num curto espaço de tempo. São fatores que contribuem para aumentar a insegurança da mãe em relação aos cuidados necessários para garantir a saúde do seu bebê e dela própria nessa fase inicial. Em média, o puerpério dura 42 dias, e pode ser dividido em imediato (desde o momento do nascimento até das duas horas de vida do bebê), mediato (do 1º ao 10º dia após o parto), tardio (do 11º ao 45º dia) e remoto (após o 45º dia, com término imprevisto). “Temos uma queda nos níveis de estrogênio e testosterona, que são responsáveis por uma brusca mudança hormonal e, consequentemente, psicológica. Depois que o bebê nasce e a placenta sai de dentro do útero, que é também um dos órgãos produtores de hormônios, os níveis de progesterona caem por cerca de 400 vezes”, explica a obstetra Vanessa Engelmann, do corpo clínico do Hospital Dona Helena. Essa variação está relacionada especialmente a mudanças anatômicas e fisiológicas no organismo, embora questões de ordem psicossocial relacionadas à maternidade, à sexualidade, à autoestima e à reorganização da vida pessoal e familiar estejam ocorrendo ao mesmo tempo.

Vanessa passou recentemente pela segunda gestação.

Foram dois partos normais, com diferentes experiências no puerpério. “Como a primeira gestação foi muito tranquila, todos falavam para eu me preparar porque depois que nascer

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‘é que são elas’, aí que é puxado. Então, eu e o meu marido já imaginávamos enfrentar uma terceira guerra mundial. E foi bem mais leve do que estávamos esperando”, conta. Ambos foram “pegos de surpresa” na segunda gestação: “O pós-parto foi muito mais complicado. Senti mudanças físicas, com a questão do corpo, modificação anatômica (às vezes a autoestima já não ajuda muito), a flacidez, o tempo que falta para nos cuidarmos como deveríamos, a questão hormonal nos deixando mais fragilizadas, mais sensíveis, o cansaço pela privação de sono e falta de rotina, com a amamentação nos primeiros 30 dias”. Por isso, a obstetra sempre orienta as pacientes gestantes para os cuidados no puerpério. “Elas se preocupam muito com o momento do parto em si, mas acabam não se preparando para o pós, período que mais sentem e necessitam de mais atenção, ajuda e cuidados.”

Puerpério pode ser fase intensa e dolorosa para a mulher, o que requer atenção dos profissionais

Estefânia Corrêa Borela, psicóloga residente na Maternidade Darcy Vargas, afirma que algumas mulheres podem ter um puerpério extremamente tranquilo, como o que ocorreu na primeira gestação de Vanessa, mas, em geral, é uma fase intensa e dolorosa para muitas. Segundo a psicóloga, o período é permeado por intensas readaptações psíquicas, pela demanda que a chegada de um bebê impõe, o encontro com o filho real, diferente daquele que foi idealizado, e pelo exercício de um novo papel: ser mãe. O suporte afetivo-familiar é fundamental para que a mulher atravesse esse ciclo de forma saudável. “As modificações também dizem respeito ao encontro com a amamentação, a elaboração da experiência de parir, a introdução de um novo membro no sistema familiar, as crenças culturais e as heranças familiares. Muitos dos aspectos da nossa relação com as figuras parentais são rememorados nesse tempo”, explana.

No puerpério, ocorre, em até 90% dos casos, o chamado baby blues, blues puerperal ou tristeza materna – um estado emocional melancólico e regressivo, que tem como característica a transitoriedade, isto é, tende a sumir em até três semanas pós-parto, podendo se estender. “Os principais sintomas são irritabilidade, ansiedade, choro frequente, tristeza, sentimentos de dependência e cuidado excessivo com o bebê”, aponta Estefânia.

“Também é atravessado um período de luto pela separação do

bebê, o encontro com o filho real, a transição gestação-nascimento, alterações da autoimagem, sexualidade e o medo diante do novo e do processo de aleitamento: ‘Será que meu leite não é fraco? Será que é suficiente?’”, detalha. “Os profissionais devem estar atentos para apoiar a mulher e sua família, para reconhecer condições de risco e vulnerabilidade física, psíquica e social, proporcionando todo apoio e tratamento quando necessário”, completa Rosimeire Pereira Bressan, enfermeira obstetra da maternidade.

O período perinatal – espaço entre a gravidez e o primeiro ano após o parto – é considerado de maior vulnerabilidade para o adoecimento psíquico de mulheres. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença mental prolongada dificulta o vínculo entre mãe e bebê, a amamentação e os cuidados infantis. Qualquer

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Para Estefania, suporte familiar é fundamental

mulher, independentemente de sua cultura, idade, nível de renda e etnia, está exposta a transtornos do humor e de ansiedade perinatal. Dados da Global Alliance mostram que, em muitos países, até uma de cada cinco novas mães experimenta algum tipo de transtorno do estado de ânimo e ansiedade perinatal (PMAD), número que aumenta no caso de perdas perinatais. É preciso falar mais sobre o tema: os estados emocionais e transtornos mentais relacionados à maternidade são, muitas vezes, escondidos pelas próprias mães, submetidas à crença de que a maternidade só pode trazer consigo sentimentos relacionados à felicidade – segundo estimativas, 70% das mulheres escondem ou minimizam seus sintomas.

“Conhecimento é a melhor forma de se romper com este tabu, estar em sofrimento psicológico não a torna uma ‘mãe ruim’, e sim uma mãe real, com medos e inseguranças que devem ser acolhidos”, sublinha Sabrina Fagundes, psicóloga hospitalar do Hospital Dona Helena.

Daniela Benatti, também psicóloga da instituição, frisa que não existe manual de instruções para ser mãe. “Claro que se pode contar com o auxílio de profissionais, buscar recursos que auxiliem no empoderamento e na construção desse papel, mas sempre considerando que a realidade é individual, cada mulher e cada relação com a criança é única”, sublinha.

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“O conhecimento é a melhor forma de se romper com este tabu; sofrimento não torna a mulher uma ‘mãe ruim’, e sim uma mãe real, com medos que devem ser acolhidos”

Sinais de alerta Estefânia alerta para a depressão pós-parto (DPP), que é multifatorial, envolvendo questões hormonais, familiares, culturais e histórico de saúde mental. “Os sintomas são semelhantes a um transtorno depressivo maior. A rede de suporte social/familiar e a equipe de saúde que acompanha a puérpera devem estar atentos aos sintomas de labilidade do humor, choro frequente, desinteresse pelas atividades cotidianas, alterações no sono e no apetite, falta de energia, desamparo, ansiedade, dentre outros”, enfatiza Estefânia. Impactos negativos observados: prejuízo do vínculo mãe-bebê, atraso no desenvolvimento psicomotor e cognitivo do bebê, falhas na maternagem que fazem com que a mãe não supra as necessidades físicas e afetivas do recém-nascido, chegando, em casos mais severos, até a negligência e agressividade. “Uma experiência traumática no trabalho de parto, falta de apoio do genitor, falta de suporte familiar, gestação não planejada e não desejada e prematuridade podem ser fatores de risco, por exemplo.”

NO CINEMA E NA LITERATURA Turma do Peito (2018) A série australiana tem sete episódios que falam sobre puerpério, rede de apoio, dificuldades na amamentação, noites em claro e do impacto profundo que o bebê causa nas relações familiares, amorosas e na roda de amigos. É uma criação de Sarah Scheller e Alison Bell, que protagoniza a série. Disponível na Netflix.

Tully (2018) O filme do diretor Jason Reitman mostra o lado sensível, real e duro da maternidade. Na trama, Marlo (Charlize Theron) constrói uma família bonita e aparentemente tranquila. Com dois filhos já crescidos, a protagonista está à espera do terceiro. Ao dar à luz, a vida de Marlo fica ainda mais carregada, atarefada e cansativa.

A psicóloga frisa a importância de um pré-natal de qualidade, como forma de prevenir ou, ao menos, conseguir identificar a emergência dos sintomas o mais rápido possível. Um pré-natal que não inclua somente os fatores biomédicos, mas sobretudo os psicológicos (curso de gestante, grupo de gestante, pré-natal psicológico, rodas de conversa). Dependendo da gravidade da DDP, de acordo com ela, é necessário acompanhamento psicológico periódico, avaliação psiquiátrica e introdução medicamentosa. Além da DPP, também há a psicose puerperal, diagnóstico grave e raro (entre 0,1% e 0,2%) que requer acompanhamento psicológico e psiquiátrico.

Maternidade (2019) No livro, Sheila Heti reflete sobre os ganhos e as perdas para uma mulher que decide se tornar mãe, tratando a decisão que mais traz consequências na vida adulta com franqueza, originalidade e humor. Ao se aproximar dos 40 anos, numa fase em que todas as suas amigas se perguntam quando irão ter filhos, a narradora do romance intimista e urgente de Heti no limiar entre a ficção e autorreflexão questiona se aquela é uma experiência que ela quer ter.

Trilogia “O Renascimento do Parto” A série documental traz mães e profissionais da área da saúde no Brasil, que contam suas experiências com os seguintes temas: a prática da cesárea, a fisiologia do parto e violência obstétrica. Disponível na Netflix.

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Entidade internacional promoveu uma campanha chamada “Meu EM Invisivel”, para debater os sintomas de mais difícil detecção

Saúde

Diagnóstico precoce é a chave para o tratamento da esclerose múltipla

U

m dos tantos desafios da medicina moderna é lidar com enfermidades ainda cercadas por indagações concretas sobre os fatores que as desencadeiam no organismo. É o que ocorre em torno da esclerose múltipla (EM), que acomete mais de 2 milhões de pessoas em todo o mundo, de acordo com os últimos dados disponíveis, de 2013. No Brasil, são cerca de 40 mil. Não há cura e nem mesmo consenso sobre o gatilho da doença, que afeta mais intensamente jovens entre 20 e 40 anos, de pele branca, especialmente mulheres, embora também haja casos em ambos os sexos e todas as idades.

De acordo com especialistas, a origem dessa condição médica pode estar relacionada a fatores genéticos e ambientais ou até à infecção por algum vírus, mas nada definitivo.

Segundo o neurologista Flávio Diniz Ribas, que integra o corpo clínico do Hospital Dona Helena, essa é uma doença inflamatória e de caráter autoimune, ou seja, causada pelo próprio sistema de defesa do corpo humano. A condição ataca e deteriora a bainha de mielina, que auxilia a transmissão e condução dos impulsos nervosos pelos neurônios. Pode acometer qualquer área do sistema nervoso central, criando uma gama diversificada de sintomas, com graus mais leves ou severos, que variam desde visão dupla e fadiga até depressão. Importante ressaltar: não é uma doença mental, nem contagiosa, e o tratamento, via medicamentos injetáveis ou orais, consiste em amenizar as consequências e tornar os surtos menos recorrentes e mais suaves, visando aumentar a qualidade de vida do paciente, reduzir a dor e evitar que afete as tarefas cotidianas.

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Neste ano, a Federação Internacional de Esclerose Múltipla (MSIF) promoveu uma campanha chamada “Meu EM Invisível”, para debater os sintomas de mais difícil detecção da doença. Como alertado pela iniciativa da federação, alguns portadores da doença permanecem sem apresentar sintomas severos durante longo tempo, mas é importante que a esclerose seja diagnosticada e acompanhada para impedir que ataque o paciente com um surto grave ou deteriore a massa cinzenta do cérebro e deixe sequelas. “O diagnóstico é feito com base no histórico clínico do paciente, exame físico e exames complementares, como a ressonância do encéfalo ou da medula”, sublinha Flávio Ribas.

Há avanços no tratamento, com novos métodos de terapia e medicamentos implementados com certo sucesso.

Recentemente, o laboratório suíço Roche divulgou que parte de seu crescimento de 7% em vendas globais em 2018 foi impulsionada pelos medicamentos para esclerose múltipla. “Estar ciente dos sintomas, da forma como a doença aparece e progride e todos esses outros conhecimentos torna o paciente mais apto a suspeitar da esclerose e procurar um neurologista para estabelecer um diagnóstico e receber o tratamento adequado”, alerta o especialista.

Na opinião do neurologista Felipe Ibiapina dos Reis, uma das dificuldades para o necessário tratamento e diagnóstico precoce se verifica em casos nos quais a doença não gera sintomas, encontrando-se em atividade, mas de forma branda. Segundo ele, hoje se sabe

também que a esclerose múltipla pode se apresentar de forma mais “benigna” e lentamente progressiva, como a chamada forma “primariamente progressiva”, que não cursa com piora clínica mais evidente (os chamados “surtos”). “Mesmo nessas situações, a inflamação cerebral e a consequente perda neuronal já vêm ocorrendo anos antes dos primeiros sintomas”, esclarece Felipe. Nesse contexto, uma avaliação neurológica direcionada para instituir o tratamento o mais breve possível seria ideal, a fim de retardar a evolução do quadro para estágios mais debilitantes. Por esse motivo, na primeira suspeita, a regra é procurar o neurologista.

SAIBA MAIS As origens Várias teorias já foram aventadas, como infecções, influência genética, fatores estressores ambientais, dentre outros. Provavelmente, todos esses fatores têm participação importante, mas não única. Por esse motivo, a EM é considerada uma doença multifatorial, que tem como principal característica, independente da origem, um desbalanço da autoimunidade – a nossa defesa natural – que acaba se voltando contra o próprio sistema nervoso central (cérebro e medula).

A quem afeta A doença se manifesta de maneira mais comum em mulheres jovens (de até 40 anos). Essa característica também é motivo de várias teorias, ainda sem explicação única. Apesar disso, têm-se visto mais manifestações também em homens, assim como em pacientes mais jovens e idosos, mostrando que a esclerose múltipla não se restringe a uma faixa etária ou grupo demográfico específico. Vale lembrar que homens afrodescendentes são afetados mais raramente, mas apresentam quadro mais grave da doença.

FONTE: FLÁVIO RIBAS E FELIPE IBIAPINA DOS REIS

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Marco Bobbio

Secretário-geral da Associação Italiana de Slow Medicine

Humanização

Por uma medicina sem pressa

U

ma medicina mais sóbria, respeitosa e justa. Eis a síntese de um conceito nascido na Itália, inspirado em um artigo do médico Alberto Dolara, publicado em 2002, que acabou dando nome ao movimento: “Slow Medicine”. Seus idealizadores defendem princípios como maior moderação no encaminhamento para diagnósticos, exames ou prescrição de medicamentos, como também o pleno respeito ao ambiente e proteção do ecossistema, utilizando de modo apropriado, e sem desperdício, os recursos disponíveis. “A Slow Medicine reconhece que fazer mais não significa fazer melhor”, pontua o manifesto que elenca os propósitos desse movimento, que tem, entre seus mentores, o médico Marco Bobbio, secretário-geral da Associação Italiana de Slow Medicine. Bobbio esteve no Brasil recentemente, para uma bateria de conferências e para o lançamento de seu novo livro, “Medicina Demais”. Ele concedeu entrevista veiculada no site brasileiro do movimento e reeditada abaixo.

Qual é a base conceitual da Slow Medicine?

A medicina avançou na percepção das pessoas, à medida que pode curar doenças que antes não tinham tratamento. Mas há um uso exacerbado de tratamentos médicos, que comparamos a fast-foods. A chamada “fast medicine” emprega muitos recursos, muitos diagnósticos e medicamentos, e perde cada vez mais na relação com o paciente. “Fast medicine” segue princípios como “tudo que é novo, é melhor”, “quanto mais diagnósticos, melhor”, mas não pensamos desse jeito. O movimento tem como objetivo ensinar aos médicos, cidadãos e pacientes que há uma maneira diferente de usar os mesmos recursos da medicina moderna de forma mais lenta e respeitosa. Respeitar as necessidades ou as expectativas do paciente. A Slow Medicine deve servir para todos os pacientes; não queremos uma medicina em que poucas pessoas têm muitos recursos e a maioria não tem nada. Devemos fazer todo o possível pelo bem do paciente, mas sem exageros, pois

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tratamento em excesso pode ser até mesmo prejudicial. Esses são os princípios do nosso manifesto.

Qual a inserção do movimento na Itália, entre médicos e profissionais de saúde? É bastante reconhecida por médicos, técnicos, enfermeiros e até mesmo reabilitadores físicos. Somos convidados para conferências, seminários ao redor do país, e a maioria dos membros do comitê de Slow Medicine tem que viajar toda semana pela Itália para esses encontros. Também porque o movimento começou na Itália e lançou várias campanhas lá, como o “Choosing Wisely”. Além disso, 44 sociedades se identificam com as cinco recomendações da Slow Medicine para reduzir o uso inapropriado de procedimentos médicos. Mais de 220 recomendações desse tipo foram publicadas na Itália. Infelizmente, o movimento não é tão conhecido em meio aos pacientes, deveríamos fazer um esforço maior para torná-lo mais popular, para sermos entendidos pelo público. A maior parte das nossas ideias é presa no campo científico ou da área de saúde, então precisamos entrar nessa camada da sociedade.

Porque, para a maioria dessas pessoas, “fazer mais” ainda é “melhor”, e a ideia pode parecer intuitiva, pois pessoas esperam fazer exames e tomar remédios. Mudar esse tipo de paradigma é difícil, não é suficiente explicar para os pacientes que algumas vezes reduzir o número de exames, testes e medicamentos é melhor, daí que precisamos encontrar uma forma de alcançar o coração dos pacientes.

“Esperamos de alguma forma infectar as pessoas de maneira positiva, para disseminar as práticas da Slow Medicine no Brasil inteiro, de forma que ela possa fazer parte da maneira como os médicos pensam a profissão”

vida, entendendo que, nesse momento, a pessoa não deveria ser alvo de uma medicina tão agressiva. Pensamos de maneira mais ampla, acreditamos que a Slow Medicine pode ser aplicada desde a gestação da mulher para o recém-nascido, uma criança, todas as idades podem encontrar uma medicina de forma mais lenta. O movimento no Brasil é o que está mais próximo das ideias propostas pelo nosso manifesto italiano, principalmente porque já tivemos vários encontros e reuniões para discutir o tema. Há muitos médicos, no mundo todo, interessados na nossa filosofia, mas lançar um movimento traz bastante trabalho e são necessários muitos recursos também.

E o movimento pode ganhar dimensão global?

Sim, mas infelizmente ainda não temos a força e a organização para atingir o mundo todo. O Brasil lançou seu projeto de Slow Medicine três anos atrás, Holanda e Japão também têm seus próprios projetos. Nos EUA, existem vários médicos e cientistas conversando sobre Slow Medicine, mas eles têm uma maneira diferente de pensar. Lá, a Slow Medicine está relacionada principalmente com os problemas do fim de uma

O sr. acompanha o movimento Slow Medicine no Brasil?

Sim, desde o começo, pois fui convidado em 2014 para lançar meu primeiro livro traduzido aqui. Logo comecei a conversar com alguns médicos sobre a ideia de Slow Medicine e, nos anos seguintes, fui convidado mais três vezes para falar sobre o tema em diferentes cidades, pelo país todo. Tive a oportunidade de espalhar a ideia e, depois de conversar com meu amigo Dario Birolini e outro médico que conheci em minhas palestras, José Carlos Campo Velho, decidimos começar um movimento no Brasil. E então, toda vez que eu venho para o Brasil, temos a oportunidade de conversar sobre como seguir o movimento. No momento, a ideia ainda está apenas entre um grupo de médicos que discutiram juntos sobre a dinâmica de uma medicina rápida em relação à Slow Medicine.

Como o sr., pessoalmente, aderiu à Slow Medicine?

Eu não estava entre os cinco fundadores do movimento, que decidiram se unir pois pensavam da mesma maneira sobre a medicina contemporânea. Dois deles também idealizaram outro movimento, chamado slow food, e decidiram usar um nome parecido ao do outro movimento, dadas suas similaridades. Naquele momento, eu trabalhava como diretor de cardiologia de um hospital na Itália, mas os fundadores sabiam que eu estava interessado nesse tipo de pensamento, até pela forma como eu atuava como médico. Já na minha tese, do final do curso de medicina, eu refletia sobre uma medicina mais lenta, isso desde o começo da minha carreira. Como conhecia os fundadores do movimento, eles me chamaram para participar e eu tive um papel em todos os passos seguintes.

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Amamentação

Diálogos

Gabriele Anzolin

Caminhos da inovação

Pág. 25

Inteligência artificial Carlos Serapião Pág. 26

Raúl Javales Pág. 36

Cardiologia e tecnologia Rodrigo Strelow

Herança genética em oncologia

Pág. 28

Lucas Sant´Ana Pág. 34

Mulher e violência Antônio Baptista Pág. 29

Médico: presente e futuro Paulo Mafra Pág. 32

Humanização Daniela Tamanini Pág. 30

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Gabriele Trevisan Anzolin

Ginecologista e obstetra, integrante do quadro clínico do Hospital Dona Helena

A amamentação e a autonomia da mulher

A

amamentação provê a nutrição ideal para os recém-nascidos até os 6 meses de idade. Para reduzir a mortalidade infantil e os índices de morbidade, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda a amamentação exclusiva até essa faixa e a complementação da dieta com a amamentação até os 2 anos.

Em paralelo ao aumento da divulgação do parto normal e de suas características humanizadas, vê-se uma ampla disseminação da amamentação e dos benefícios dessa prática para a mãe e para o bebê. Como em qualquer outra generalização, seja na área da saúde ou não, as pessoas que não se adaptam a tal prática acabam sofrendo por banalizações ou julgamentos. Na amamentação, por exemplo, atendemos pacientes que apresentam contraindicações por questão de saúde para amamentar seus filhos, ou simplesmente não têm volume o suficiente para mantê-lo até os 6 meses em aleitamento materno exclusivo, diminuindo ou parando a amamentação. Isso acaba resultando em alteração do estado nutricional do bebê e frustração materna.

Não é incomum encontrarmos situações em que a autonomia materna em relação à amamentação está em conflito com a assistência médica ou o bem-estar das crianças. Encontramos mães com dificuldade em amamentar já na primeira

“Para alcançar autonomia para a amamentação, a mãe necessita de suporte emocional, estrutural e educacional, tanto familiar quanto no ambiente de trabalho” semana de puerpério e com o baixo ganho de peso do recém-nascido, com necessidade de complementação de fórmula infantil, que passam pelo julgamento familiar e social de “leite fraco”, “leite insuficiente” e, por falta de apoio e autonomia, acabam por suspender totalmente a amamentação, privando o filho de receber os benefícios do ato. Ou, por outro lado, a mãe com algum trauma relacionado à amamentação que decide não amamentar seu filho e não é apoiada por uma equipe multiprofissional para que suas angústias sejam acalmadas e alternativas sejam buscadas para suprir as demandas do binômio mãe-bebê.

O conceito de autonomia tem sido amplamente discutido como um dos princípios éticos da saúde que se destina a garantir o respeito, a integridade e o valor de um indivíduo. Com o progresso do movimento feminista e as disparidades em torno da saúde materna, o conceito ganha popularidade devido às suas implicações na prática cotidiana.

Walker & Avant, em 2011, levantaram alguns atributos que gerem o conceito de autonomia materna no contexto da amamentação: o controle da mãe sobre suas vidas, seus corpos, informações disponíveis, recursos e decisões; o gerenciamento materno que se refere à capacidade da mãe fazer escolhas a partir das opções; independência para tomar suas escolhas; raciocínio ético como sendo a capacidade da mãe usar seu raciocínio para tomar as decisões que sejam do melhor interesse, para si mesma e para seus filhos.

Obviamente, para alcançar a autonomia plena para a amamentação, a mãe necessita de suporte emocional, estrutural e educacional, tanto familiar quanto no ambiente de trabalho.

Competência física e psicológica para amamentar, bem como alternativas para a amamentação quando não for possível realizá-la. Fica fácil definir autonomia quando se pensa individualmente como um adulto, porém, o conceito se torna um pouco mais abstrato quando se leva em consideração que a autonomia materna tem implicações diretas no bem-estar da criança. É importante que as mães sejam orientadas por profissionais qualificados, tanto do ponto de vista físico quanto psicológicow, para que possam exercer sua autonomia sobre a amamentação em todos os âmbitos da sociedade, principalmente para que tenham raciocínio ético sobre suas decisões e argumentos que as tornem defensoras de seus princípios.

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Carlos José Serapião Coordenador do Instituto Dona Helena de Ensino e Pesquisa (IDHEP)

Inteligência Artificial é fator de evolução na área da saúde

A

Inteligência Artificial, instrumento de evolução na área da saúde, seja na organização dos hospitais, seja nas profissões ligadas ao tema, está, hoje, associada a preocupações maiores, em uma amplitude que afeta não somente a cada profissional, pela ajuda em suas práticas cotidianas, mas igualmente a todos, por meio da melhora no exercício coletivo dos processos de gestão.

Na atenção à saúde, impõe-se garantir uma boa atitude terapêutica ao paciente, abrindo, igualmente, oportunidades para medidas que forneçam provas de uma boa mão de obra e da utilização dos melhores métodos possíveis na condução do seu tratamento. Tudo isso influencia, sobremodo, as profissões da saúde. Os progressos médicos devem ser acompanhados por procedimentos que requeiram atualização permanente, bem como recursos constantes na formação.

A legítima exigência dos pacientes quanto à rapidez do acesso aos cuidados e recursos disponíveis nos hospitais impõe como nunca que a organização esteja apta a responder as demandas. A quantidade de dados e a rapidez na resposta às solicitações, bem como a multiplicidade de situações, necessitam ferramentas de ajuda nas decisões mais apro-

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priadas, mais adaptáveis e mais poderosas do que aquelas que possuíamos até hoje, encontrando na inteligência artificial, ao lado dos computadores e das lógicas performáticas dos algoritmos complexos, o imprescindível apoio tecnológico.

A capacidade de analisar com rapidez dados em grande quantidade é utilizável na pesquisa aplicada ou na rotina.

Amplia o poder e a evolução prática da sistematização do tratamento desses dados, a exploração dos bancos de dados em tempo real, a análise das imagens e dos textos etc. Não se cogita substituir a intervenção humana onipresente, mas completá-la, guiá-la e racionalizá-la. A partir de então, o homem e a medicina, cada um particularmente, possuem recursos e instrumentos para ampliar seu poder, e cada inovação importa, evidentemente, em uma grande variedade de questões.

Isso não é exceção, sobretudo em matéria médica, na qual a relação entre o paciente e o profissional é o cerne dessa prática e ninguém pode deixar de imaginar o que poderá ser alterado pela utilização de ferramentas de ajuda nas decisões necessárias.

Uma vez considerados todos esses aspectos, os aportes da Inteligência Artificial deveriam se fazer segundo vários aspectos, com consequências sobre a organização e sobre as profissões. Nessas condições, a criação de ferramentas de análise, baseada em boas práticas, ajudará a tornar as decisões clínicas mais confiáveis. A identificação precoce, em tempo real, de pacientes potencialmente portadores de bactérias multirresistentes, por exemplo, já está em curso de desenvolvimento, e permitirá uma melhora na gestão do risco no interior do hospital, o qual passou a colocar em prática processos preventivos de higiene e isolamento séptico que reforçam o controle dos riscos infecciosos.

O acompanhamento dos pacientes que apresentam risco de degradação crônica do seu estado de saúde se reveste de uma dinâmica de análise, em tempo real, dos parâmetros e dados para cada enfermidade, com uma melhora considerável na personalização dos cuidados.

Isso mostra que aquele hospital irá se alinhar muito próximo dos centros de medicina onde se praticam os cuidados “preditivos, preventivos, personalizados e participativos”, que, associados à evolução da biologia integrada com a análise de

“Não se cogita substituir a intervenção humana onipresente, mas completá-la, guiá-la e racionalizála. A partir de então, o homem e a medicina, cada um particularmente, possuem recursos e instrumentos para ampliar seu poder, e cada inovação importa em uma grande variedade de questões” fatores ambientais e sociais, permitirão que unidades de pesquisa e plataformas colaborativas construídas em bases de associação de biólogos clínicos, sociólogos e profissionais da informática alcançarão o intento de ampliar os conhecimentos.

O hospital é, assim, uma instituição que deve garantir o exercício da medicina e a coordenação de cuidados. E é provavelmente a organização social mais complexa do mundo industrial e dos serviços, combinando aspectos de segurança com a coordenação entre processos complementares de diferentes naturezas, como a hospitalização, a consulta e as imagens, valendo-se de profissionais de logística, técnicos e administrativos, formando um sistema ajudado e acompanhado, em sua organização, pela Inteligência Artificial que pode ser imaginada, em sua dimensão, para os anos que se aproximam.

No que se refere aos profissionais, pode-se estimar o que será acompanhado e completado de duas maneiras: por um lado, a competência nos domínios que utilizam as imagens, ao lado da ajuda no diagnóstico, que repousa nos estudos de bases de dados médicos. Esses campos de ajuda à medicina se apoiam: em um reforço na capacidade de estabelecer um prognóstico, uma terapêutica e um seguimento evolutivo no tratamento; na ajuda para o diagnóstico por imagens, numa eficiência sempre crescente; na melhora da confiabilidade no diagnóstico, mesmo que haja demora nesta evolução.

Pode-se indagar: qual o impacto so-

bre os as profissões e a formação dos profissionais? É pouco provável que a introdução da inteligência artificial no hospital conduza à economia de profissionais, até porque poucas são as tarefas hospitalares ou de saúde automatizadas, visto que há definida interação social no campo dos cuidados, e que de maneira autônoma e permanente o humano estará sempre no centro do sistema.

A principal aposta é aquela de afirmar a complementariedade de ações entre o profissional de saúde e a máquina. Isso acontece em todas as profissões. Os profissionais de saúde deverão aprender a utilizar a Inteligência Artificial e ser iniciados em conhecer os limites e as condições de utilização das redes sociais, que podem, por outro lado, representar um risco para a preservação da confidencialidade e da privacidade.

Assim, poderíamos arriscar em responder a algumas inquietudes: # Os profissionais de saúde não vão desaparecer, pois irão se adaptar às máquinas como agentes auxiliares, conduzindo-os por meio de conhecimentos que lhes outorgarão a decisão final, apoiada na literatura e em sua formação nas ciências sociais. # O acesso ao conhecimento se tornará mais fácil e será preciso, entretanto, mais do que nunca, aprender a aprender.

As associações entre as escolas de engenharia e as de ciências humanas serão indispensáveis.

A Inteligência Artificial bate, hoje, à porta da medicina, e isso é importante, com grandes esperanças para o reforço desse conhecimento e a potência das pesquisas e da utilização dos sistemas logísticos de organização em todos os domínios. Urge, pois, preparar um conjunto de profissionais de saúde para o futuro, permitindo-lhe, com toda segurança, integrar estas novas ferramentas de um poder incomensurável.

Bibliografia Deep Learning for the Life Sciences. Ramsundar, B. - Eastman, P. O`Reilly Media, Inc - USA - 2019 L`Intelligence Humaine N`est pas un Algorithme Houdé, O. Odile Jacob - France - 2019 Santé et Intelligence Artificielle. Nordlinger, B. - Villane, C. CNRS – France - 2018

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Rodrigo Hammes Strelow

Cardiologista, integrante do quadro clínico do Hospital Dona Helena

Cardiologia e revolução tecnológica

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ão inegáveis e espantosos os avanços que a medicina cardiovascular obteve nas últimas décadas. Da disseminação do uso dos stents intracoronarianos nos anos 1990 à realidade na última década da atual, com a até então impensada possibilidade de se substituir a válvula aórtica de um paciente com o tórax fechado.

Dos transplantes de coração aos novos fármacos que trouxeram, além de longevidade, qualidade de vida. Em poucas áreas da medicina, o impacto das novas tecnologias foi tão grande. A expectativa de vida da população e sua qualidade de vida têm aumentado, e os créditos à medicina são justos.

A cardiologia diagnóstica também obteve avanços notáveis. A angiotomografia possibilita a reconstrução digital das artérias coronárias. A ressonância magnética cardíaca fornece informações extremamente valiosas sobre a anatomia e a função cardíacas, com elevado grau de detalhamento. Tudo isso cria um desejo em muitos pacientes de “ver como estou”, o que é impulsionado pelas notícias de esportistas e outras personalidades, ou mesmo de pessoas anônimas, que foram acometidas por doenças do coração ou que tiveram morte súbita. Es-

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se desejo, no entanto, precisa ser entendido e processado pelo médico com responsabilidade, sabendo que toda ação médica, mesmo que diagnóstica, possui implicação clínica.

A realização de exames desnecessários, sem indicação clínica, pode levar a intervenções terapêuticas inúteis e muitas vezes prejudiciais ao paciente, além de gerar consequências psicológicas indesejadas. O paciente, na maioria das vezes, não tem conhecimento para entender conceitos de epidemiologia como prevalência, sensibilidade e valor preditivo, que são fundamentais para determinar, por exemplo, qual método diagnóstico vai lhe trazer benefício ou vai apenas ser um fator estressor.

Essa busca pelo alívio das angústias e dos medos por meio de exames diagnósticos precisa encontrar no médico uma figura de equilíbrio, capaz de acolher o indivíduo, escutá-lo, entendê-lo e lhe propor o que de melhor a ciência pode oferecer, seja o último método de imagem ou “apenas” uma conversa e orientação adequadas.

Embora a subjetividade muitas vezes seja determinante e as peculiaridades sejam inúmeras, a cardiologia moderna oferece, em abundância, diretrizes e consensos respaldados pela medicina baseada em evidências. Cabe ao bom médico utilizá-la com sabedoria, não esquecendo, no entanto, que a melhor evidencia científica pode ser no mínimo incompleta se a relação médico paciente não for sólida e saudável.

“A busca pelo alívio das angústias e dos medos por meio de exames diagnósticos precisa encontrar no médico uma figura de equilíbrio, capaz de acolher o indivíduo”

Antônio Sérgio Baptista Médico do Hospital Dona Helena

A violência feminina

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ções violentas de homens contra mulheres são um evento comum no mundo inteiro. Muitos estudiosos atribuem a uma provável misoginia culturalmente impregnada nas sociedades humanas. Mas há também os que defendem outra perspectiva que é respaldada por enorme quantidade de evidências: que a violência é mais bem entendida como problema humano, com uma dinâmica de gênero muito mais complexa do que comumente presumida.

Há poucas dúvidas de que os homens são mais violentos do que as mulheres.

Nos Estados Unidos, dados do FBI mostram que 90% dos assassinatos e 80% de atos violentos são cometidos por homens. Mas, quaisquer que sejam as explicações para tal número de atos de violência cometidos por homens – biologia, cultura ou ambos –, o fato indiscutível é que essa violência é primariamente dirigida a outros homens. Os homens são vítimas de quatro em cinco homicídios e em 2/3 dos assaltos e agressões externas. Na área da violência doméstica, que as feministas dizem ser aquela em que as mulheres mais sofrem, é também a área na qual as mulheres são mais sujeitas a ser violentas, contra crianças, idosos, parentes mulheres e parceiros, e isso não em resposta a alguma agressão masculina, de acordo com o Journal of Family Violence.

“Estudos cuja amostragem foi colhida nas delegacias e hospitais podem apresentar um viés: raramente, os homens relatam ter sido agredidos por suas mulheres, por vergonha de ser ridicularizados” Pesquisas mostrando que as mulheres frequentemente são as agressoras na violência doméstica causam discussões há 40 anos, desde que, em 1975, os sociólogos Murray Straus e Richard Gelles, do Family Research Laboratory da Universidade New Hampshire, demonstraram que as mulheres, tanto quanto os homens, são quase igualmente responsáveis por iniciar a agressão em conflitos domésticos. Estes achados foram confirmados por mais de 200 estudos (web.csulb.edu/~mfiebert/ assault.htm).

Estudos cuja amostragem foi colhida nas delegacias de polícia e nos hospitais podem apresentar um viés devido ao fato de que muito raramente os homens relatam ter sido agredidos por suas mulheres, por vergonha de ser ridicularizados.

A violência provocada pelas mulheres causa menos dano devido às óbvias diferenças em tamanho e força, mas não é menos perigosa. Mulheres usam armas, de facas a objetos da casa (incluindo água fervendo), para neutralizar suas desvantagens físicas.

No Brasil, o Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves), da Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, realizou um estudo sobre agressões no namoro com 3.200 estudantes de 104 escolas públicas e particulares, em 10 Estados, e revela que 9 em cada 10 adolescentes praticam ou sofrem violência no namoro; 30% das meninas agridem fisicamente o namorado (tapa, puxar cabelo, empurrar, desferir soco e chute); 17% dos meninos agridem as meninas.

A agressão física do companheiro – tapas, socos ou chutes – foi assumida por 24% das mulheres. E, segundo as próprias mulheres, apenas 20% dos parceiros cometeram o mesmo tipo de agressão contra elas. Quando o ato violento deixa lesões, hematomas ou causa desmaio após a pancada, cerca de 13% delas são responsáveis pela ação, contra 9,5% das agressões masculinas infligindo danos às parceiras.

Não se trata aqui de vilanizar a mulher, mas apenas mostrar que a violência contra os homens exercida por mulheres é um problema importante que merece ser levado em conta, evitando assim a falsa crença de que as mulheres são sempre vítimas, seus depoimentos sempre verdadeiros e os homens são todos violentos e potencialmente agressores e estupradores.

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Daniela Tamanini Benatti

Psicóloga do Ambulatório de Psicologia do Centro Clínico Dona Helena

Cuidado centrado na pessoa e a valorização dos sujeitos

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ara adentrar no universo do cuidado em saúde centrado na pessoa, é importante apresentar uma breve compreensão de seus fundamentos e histórico. Essa modalidade de cuidado está fundamentada no humanismo, corrente filosófica centrada na pessoa, na sua natureza e em valores. Seu primórdio se deu na antiguidade grega, com pensadores Protágoras (séc. V a.C.) e Sócrates (séc. V a. C.), e ressurgiu no renascimento na Itália no século XIV. Na atualidade, há um destaque no debate entre o determinismo e liberdade, chegando ao consenso da concepção de que “a essência do ser humano é a sua capacidade de autodeterminação” (MELLO MONTEIRO, 2003).

Essa ideia vem em contraponto à visão biomédica trazida após a segunda guerra mundial, caracterizada pelo desenvolvimento dos recursos técnico-científicos. O modelo biomédico de saúde e doença tendia a ser a visão predominante. Dedicada à procura de uma causa “mecânica, unidirecional e progressiva” que explicasse o adoecimento e pudesse ser replicada universalmente (PUTTINI et al 2010).

No século XX, houve um imenso aumento de poder nas intervenções médicas, em razão das tecnologias disponíveis, mas em simultâneo não ocorriam na mesma proporção discussões sobre qualidade de vida dos enfermos. Frente a essa necessi-

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dade, o conceito de saúde passa a ser modificado.

Inicialmente, a concepção de saúde intimamente ligada à visão biomédica é considerada como ausência de doença, passando, em 1978, a incluir a compreensão de um estado “[...] completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doença ou enfermidade” OMS). Ocorre nesse período um rompimento de olhar mecanicista para o ampliado no sujeito.

A ampliação do conhecimento no século 21 na atuação em saúde é essencial, a exemplo de nanotecnologia, neurociências, que têm conquistado notório espaço e trazido muitos benefícios. Seus processos lógicos e dedutíveis atendem aos pressupostos científicos do “determinismo, racionalismo e naturalismo”. As práticas globalizadas e sistematizadas auxiliam na mensuração de dados e impactam grande número de pessoas. Porém, as transformações biopsicossociais e econômico-culturais desafiam as pessoas a adotar uma visão sistêmica única e exclusiva.

Diante de grandes avanços tecnológicos e científicos de uma sociedade cada vez mais globalizada, tratar de humanização pode parecer incomum, já que humanidade teoricamente seria nossa característica exclusiva, e a descrição clara enquanto espécie. O ritmo acelerado de mudanças tecnológicas, ferramentas e técnicas, quando não bem equilibradas, permite refletir sobre a disparidade na construção de relações interpessoais, e como tem se dado o contato face a face com o outro.

Num momento de grande imersão tecnicista, em mesma proporção é importante aprimorar o cuidado humanizado, aquele “realizado pelo homem para o homem” (SILVA et al, 2015). Desenvolver o cuidado centrado na pessoa e em realidades locais pode ser um grande campo a ser explorado. Logo, práticas sistemáticas não precisam ser excluídas, no entanto, poderiam ser repensadas e adaptadas a necessidades específicas.

No Brasil, com o movimento de reforma sanitarista (1988) e criação do Sistema Único de Saúde, ocorreu a abertura para possibilidade futura de se pensar humanização no cuidado ao paciente. Mas somente a partir da 11ª Conferência Nacional de Saúde, no ano 2000 (“Efetivando o SUS: Acesso, Qualidade e Humanização na Atenção à Saúde com Controle Social”), o tema humanização e qualidade dos serviços começou a ser discutido com maior afinco (SILVA et al, 2015).

”O ritmo acelerado de mudanças tecnológicas ferramentas e técnicas, quando não bem equilibradas, nos permite refletir sobre a disparidade na construção de relações interpessoais, e como tem se dado o contato face a face com o outro”

O movimento de humanização passa a incorporar a perspectiva qualitativa de análise do comportamento humano, e que todo comportamento existe aplicado a contextos.

Atualmente, o Ministério da Saúde compreende humanização como “a valorização dos usuários, trabalhadores e gestores no processo de produção de saúde”. O aspecto de valorização dos sujeitos oportuniza “uma maior autonomia, a ampliação da sua capacidade de transformar a realidade em que vive, através da responsabilidade compartilhada, da criação de vínculos solidários, da participação coletiva nos processos de gestão e de produção de saúde”.

Dessa forma, a filosofia desses cuidados visa à valorização da qualidade de vida do paciente, seu cuidado integral e sua autonomia em relação ao processo, permitindo-lhe dignidade de um papel ativo, validando a importância de proporcionar um novo olhar além da perspectiva curativa, sobre as possibilidades de atuação de seus familiares e profissionais da saúde junto aos pacientes. E com foco no cuidado total, em que as intervenções abranjam o processo de sofrimento e não somente a “cura” de modo isolado, valorizando a dignidade humana em sua integralidade.

Para que se tenha caráter de humanização nas instituições de saúde, é necessária a aplicação eficaz do acolhimento, o qual representa o reconhecimento do outro como único, suas demandas, aquilo que ele traz, dando lugar à singularidade.

Diante das necessidades em saúde que

forem apresentadas, se o ato de acolher ocorre de forma legítima e singular, possibilitará a construção de relações baseadas na confiança, compromisso, empatia, favorecerá na formação de vínculos de qualidade entre equipes e usuários.

Ter um sistema de atendimento humanizado aponta para melhorias em habilidades de comunicação interpessoais, suporte gerencial adequado, estrutura e rotinas que permitam o cuidado diferenciado ao outro, em contraponto de sistemas superlotados e sobrecargas de funções e atividades que propiciam somente atendimentos em série e automáticos de demandas.

A promoção de mudanças humanizadas em ambientes hospitalares ambulatoriais permitirá não somente a melhora da experiência do usuário, mas também, tão importante quanto, a qualidade e excelência oferecida para os profissionais na execução de suas atividades. Logo, de quem é o papel da humanização? Nesta direção, visualiza-se uma via de mão dupla, entreposta entre os envolvidos, podendo ser aplicada nas mais diversas áreas nas instituições de saúde.

No campo da psicologia, o psicólogo é o profissional que na sua práxis analisa e trabalha com os aspectos comportamentais e emocionais do sujeito. Seu olhar e sua escuta clínica são diferenciados e direcionados para questões singulares, contextuais e subjetivas, muitas vezes não observadas e integradas como causadores de sofrimento e adoecimento, por outros membros da equipe multidisciplinar. Dessa forma acredita-se que esse profissional pode contribuir na construção de novos saberes na assistência aos pacientes, auxiliando-os a promover a reflexão acerca dos tabus e preconceitos existentes frente aos temas que acompanham as terminologias envoltas na humanização.

REFERÊNCIAS • FEIO, Ana; OLIVEIRA, Clara Costa. Confluências e divergências conceituais em educação em saúde. Saude soc., São Paulo , v. 24, n. 2, p. 703-715, junho 2015 .

• ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. Informe sobre la salud en el mundo 2008: la atención primaria de salud, más necesaria que nunca.

• PUTTINI, Rodolfo Franco; PEREIRA JUNIOR, Alfredo; OLIVEIRA, Luiz Roberto de. Modelos explicativos em saúde coletiva: abordagem biopsicossocial e auto-organização. Physis, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 753-767, 2010 .

• SILVA, Rose Mary Costa Rosa Andrade; OLIVEIRA, Denize Cristina de; PEREIRA, Eliane Ramos.

A produção discursiva dos profissionais acerca da humanização em saúde: singularidade, direito e ética. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 23, n. 5, p. 936-944, out. 2015

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Paulo Mafra

Diretor do corpo clínico do Hospital Dona Helena

O médico: presente e futuro

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resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) no 2217, datada de 27/09/2018, aprovou o novo Código de Ética Médica.

Este, em seus diversos capítulos, define normas a ser seguidas por todos os médicos, no exercício da profissão, como as seguintes: “O trabalho médico não pode ser explorado por terceiros com o objetivo de lucro, finalidade religiosa ou política”; “A medicina não pode ser exercida como comércio”; ou ainda “é direito dos médicos: indicar o procedimento adequado; decidir… o tempo a ser dedicado aos pacientes, … e estabelecer seus honorários, de forma justa e digna”.

A realidade se mostra mais complexa.

Em estudo realizado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), apenas 2% dos médicos paulistas atendem, exclusivamente, pacientes particulares (versus 10% no início dos anos 80). A atividade médica em consultório caiu 19% em SP (versus 1995). O médico paulista é cada vez mais empregado – 67% na rede pública, 60% na privada – do que dono do seu consultório (55%0.

Os modelos de remuneração médica também apresentam muitas mudanças. O tradicional “Fee-for-service” – que estimula a produtividade, por vezes em detrimento da qualidade – vem sendo substituído por pagamentos baseados em performan-

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ce e em valor. Há soma da qualidade assistencial com um custo compatível, sendo maior a percepção de valor e da remuneração.

Outros modelos se apresentam: Capitação (pagamento per capita), por pacote de serviços (bundle) e por diagnóstico (diagnosis related group, DRG, baseado no código internacional de doenças, CID). Há perda do status liberal da medicina, não havendo controle do profissional médico sobre o preço de seus serviços. Os valores de consultas e atos médicos são determinados por operadoras de saúde, seguradoras, cooperativas, empresas de autogestão e hospitais, muitas vezes sem respeitar valores mínimos éticos, mesmo havendo tabelas mínimas de remuneração vigentes e legais.

A medicina evoluiu de um contexto antigo, baseado em aspectos preventivos e curativos, para novos horizontes; acrescido de conceitos de promoção de saúde, de qualidade de vida e de medicina restaurática: a medicina desiderativa – do desejo, transformadora, ou remodeladora; a preditiva – predizendo malformações e suscetibilidade a doenças; a psicoindutiva – controle da mente com medicamentos e cirurgias; a paliativa – ética do final da vida; a permutativa – bioengenharia e transplantes; e a medicina perfectiva – visando ao aperfeiçoamento da raça.

Acompanhando essa evolução, ocorrem grandes avanços tecnológicos, com a chegada da medicina do futuro, da saúde 4.0: telemedicina, uso de Inteligência Artificial, Internet das Coisas (IoT),

“O médico dos próximos anos deve compreender a dura realidade descrita e planejar seu futuro. Deve ser menos curador e mais cuidador, com mais empatia e compaixão, trabalhando pela qualidade de vida”

monitoramento remoto e em tempo real, prontuário eletrônico inteligente, robótica em cirurgias, biônica e Impressões em 3D, intercâmbio de informações, medicamentos personalizados (farmacogenômica), atendimento humanizado e medicina preditiva. Esses avanços tecnológicos devem ser assimilados pelo profissional médico, com grande impacto no dia a dia de diversas especialidades.

Ainda segundo o trabalho do Cremesp, 27% dos médicos paulistas estão insatisfeitos e 53% parcialmente satisfeitos com a profissão. Muitos abandonam a medicina e outros se dedicam a tarefas administrativas e gerenciais. O estresse médico e a depressão são queixas frequentes, muitas vezes derivadas de ambiente agressivo e políticas de trabalho. A exaustão emocional (falta de energia e entusiasmo); a des-

personalização e a menor realização profissional levam à Síndrome de Burnout, que é uma reação a tensão emocional crônica, por trabalho exaustivo com pessoas, sendo a categoria médica uma das mais atingidas.

O grande número de médicos chegando ao mercado, a má qualidade do ensino médico em muitas faculdades e a concentração dos profissionais em grandes centros, levam à desvalorização dos honorários e à competição predatória entre os profissionais.

O médico dos próximos anos deve compreender a dura realidade descrita e planejar seu futuro. O avanço tecnológico poderá poupar médicos das atividades repetitivas de análise de imagens e de dados, liberando-os para outras atividades, como aplicação de tempo em pesquisa e inovação e, cada vez mais, na humanização da relação médico-paciente. Deve ser um médico menos curador e mais cuidador, com mais empatia e compaixão, trabalhando pela qualidade de vida. Deve incluir o paciente nos processos decisórios de todos os níveis, cuidar da própria saúde, aproveitar a tecnologia a seu favor, delegar, melhorar as relações na equipe, ter noções de gestão e marketing, ser empreendedor e líder. Deve desfazer as amarras e alçar um novo voo.

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Lucas Sant’Ana

Oncologista, integrante do quadro clínico do Hospital Dona Helena

Herança genética em oncologia: quando as más notícias antecedem o diagnóstico

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m dos grandes pilares da medicina desde seu surgimento até os dias de hoje se baseia no princípio descrito por Hipócrates, o pai da medicina, há mais de 2 mil anos: Primum non nocere, ou seja, primeiramente não fazer o mal. Para que alcance seu êxito de cura ou alívio do sofrimento, o médico deve se certificar de que não irá causar a seu paciente nenhum dano desnecessário durante sua jornada terapêutica. Ao ouvir esta premissa, é quase intuitivo relacioná-la ao dano orgânico, seja ele resultante de uma cirurgia mal indicada, exame invasivo sem justificativa que o valha ou medicações com efeitos colaterais vultosos que não trarão alívio na mesma medida.

No entanto, sendo a medicina uma profissão na qual a relação humana é intrínseca e a palavra é a sua ferramenta mais primordial, quando pensamos em não fazer o mal devemos começar por refletir sobre como e o que falamos aos nossos pacientes.

Uma palavra mal proferida pode levar a mais sofrimento do que uma cirurgia mal executada.

Na especialidade da oncologia, a comunicação de más notícias faz parte da rotina médica. Desde o diagnóstico até as condolências finais, um paciente oncológico e

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sua família podem experimentar uma miríade de diálogos com seu médico que podem tanto aliviar quanto agravar o sofrimento. Nos últimos anos, essa gama de diálogos aumentou e a carga emocional que o diagnóstico de câncer carrega pode se instalar anos antes do diagnóstico.

E se você soubesse, por meio de uma conversa com seu médico, que carrega o risco extremamente alto de desenvolver um câncer de estômago, ou que os pólipos benignos que se formam em seu intestino irão inexoravelmente evoluir para uma doença maligna no decorrer dos próximos anos, ou que suas chances de desenvolver um câncer de mama ou ovário são tão altas quanto as de cara ou coroa no lançar de uma moeda? Apesar de soar distante da nossa realidade, isso já faz parte da rotina de alguns serviços de oncologia e é a base de uma nova área da medicina denominada Oncogenética. Os três cenários descritos acima são reais para alguns pacientes (mutação no gene CDH1 leva a chance de 70% de desenvolver câncer de estômago, mutação no gene APC leva inexoravelmente ao câncer de cólon e mutação no gene BRCA carrega

“Na especialidade da oncologia, a comunicação de más notícias faz parte da rotina médica; desde o diagnóstico até as condolências finais, um paciente oncológico e sua família podem experimentar uma miríade de diálogos com seu médico que podem tanto aliviar quanto agravar o sofrimento”

probabilidade de câncer de mama ou ovário de 20-80%).

Estudos recentes demonstram que até 75% dos pacientes que estão recebendo aconselhamento genético sobre doenças oncológicas experimentam sentimentos negativos como depressão e ansiedade.

Os motivos são diversos e se relacionam a tanto a aspectos gerais quando se fala do diagnóstico de câncer quanto de aspectos específicos de cada paciente. Há grande ansiedade com probabilidade de talvez viver com câncer no futuro, medo de realizar cirurgias agressivas com intuito de diminuir a probabilidade de desenvolver a neoplasia, tristeza pelas modificações estéticas e funcionais que essas cirurgias possam trazer. E, por fim, a informação genética tem implicações não somente no indivíduo investigado, mas também em outros familiares que também podem carregar as mesmas alterações genéticas e o risco oncológico associado, Apesar do estudo da oncogenética de ser um tema moderno e revolucionário em oncologia, a forma de abordá-lo deve se basear em um dos fundamentos mais inatos da medicina: o princípio de não causar o mal. Há de se partir do princípio que esta não será uma notícia corriqueira e que suas implicações na saúde emocional do paciente podem ser impactantes. A

“Quando pensamos em não fazer o mal, devemos começar por refletir sobre como e o que falamos aos nossos pacientes.

Uma palavra mal proferida pode levar a mais sofrimento do que uma cirurgia mal executada” forma como a informação será dada ao paciente deve ser cuidadosamente avaliada, assim como fazemos sempre que uma má notícia é informada. O profissional deve estar pronto para ouvir os anseios do paciente, deve avaliar o grau de entendimento sobre o assunto antes da explicação, avaliar se o paciente deseja mesmo receber o aconselhamento genético, explicar detalhadamente em linguagem propícia e particularizada para aquele indivíduo e estar pronto para esclarecer os pontos de dúvidas.

Embora a notícia de ser portador de um gene defeituoso seja, sem dúvidas, negativa, a forma como o profissional médico a aborda com seu paciente pode tornar esta jornada menos dolorosa e seu enfrentamento mais tranquilo. Um bom diálogo eleva as chances de se obter o sucesso terapêutico seja pela cura ou pelo alívio do sofrimento.

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Raúl Javales

Doutorando e pesquisador em inovação tecnológica vinculado à USP

ENTREVISTA “A aposta em inovação é um caminho sem volta”

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novar é necessário para a sobrevivência, alerta o professor Raúl Javales, que é especialista neste campo e coordenador do curso Health Tech, da Sustentare Escola de Negócios, em Joinville. Sócio da Inn. pulse/TNVG aceleradora, Javales concedeu entrevista à Revista Conecthos para falar de tendências em inovação no campo da saúde, salientando que uma das mais significativas é a chamada “Digital Health”, ao lado da utilização da Inteligência Artificial, que observa como “um apoio aos médicos e uma segurança aos pacientes para que processos rotineiros tenham acuracidade e possam ser acompanhados digitalmente”. Na entrevista, ele também discorre sobre “benchmarks” e centros de excelência em inovação.

Como o sr. analisa o status da inovação na área da saúde do Brasil? Onde estamos e para onde vamos?

O Brasil deu um salto em inovação na saúde, nos últimos dez anos, e principalmente de cinco anos para cá. Inovação virou ponto crucial para qualquer instituição de saúde, ligada à prevenção, diagnóstico, tratamento ou continuidade, principalmente com a virada do foco para “patient centricity”, no qual tudo que é gerado na área da saúde é focado

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no benefício e bem-estar do paciente. Mas é fato que esse salto foi meio forçado, devido ao atraso que houve até então. Não foi algo do tipo “fui superinovador ou procurei uma solução eureca”. Deu um salto porque havia ficado para trás neste mundo.

Adequou-se ao que tinha no passado, funcionando, e avançou para recuperar o tempo perdido. Está absorvendo muitas tecnologias já testadas fora e traz isso para o nosso dia a dia.

Que áreas destacaria como as mais avançadas na compreensão sobre a importância da inovação em saúde? E em que aspectos estamos defasados?

Vivemos um dilema. Temos muita coisa de peso ligada à inovação em saúde, principalmente à Inteligência Artificial e à robótica. Ao mesmo tempo, as instituições brasileiras estão bastante atrasadas tecnologicamente (não incluo engenharia clínica), o que dificulta sua implementação. Quando pensamos em implementação de tecnologia em saúde, estamos falando de transformação digital. E transformação digital vem muito antes, a partir de um mindset de gestão, estratégico, do que propriamente de tecnologia. Boa parte das tecnologias que a gente precisa para fazer alguma coisa bem inovadora está disponível no mercado, e o que a gente não consegue fazer é acoplar essas tecnologias ao que já existe na operação. O Brasil tem um dos melhores modelos do mundo desenhados de saúde pública, que é o SUS, mas ele não foi 100% implementado. O desenho é muito bem feito, mas a implementação não foi exatamente como deveria ser, até pelos custos; se funcionasse 100%, os benefícios para a população seriam gigantescos. O investimento em saúde e tecnologia no Brasil ainda é muito baixo em relação ao que precisaria ser feito. E, ao falar em pouco investimento, caímos em tecnologia. Boa parte da inovação em saúde está ligada a processos tecnológicos que favorecem a saúde, seja em engenharia clínica, tecnologia de sistemas, tecnologia de pesquisa, seja em pesquisas avançadas (medicamentos, criação de protocolos de doenças específicas).

Que benchmark (país ou instituição de excelência) entende que o Brasil deveria adotar para melhor disseminar o princípio da inovação em saúde?

Alguns benchmarks internacionais são interessantes. A Univer-

sidade de Stanford puxa muito essa linha.

Tem um evento de inovação em saúde chamado Med X, que ocorre geralmente uma vez por ano, e os próprios hospitais como El Camino Real, em Palo Alto, ou a Mayo Clinic, são instituições que já convivem com inovação em saúde há longo tempo e se tornaram referência. Outro hospital de referência passa ser o Harvard Hospital, como também o Boston Hospital, que suportam esse tipo de solução. No Brasil, uma referência é o Hospital Israelita Albert Einstein. Mas o Brasil é um país continental. Tem um monte de “Brasis” dentro do Brasil. Em uma cidade como São Paulo, a concentração de hospitais de excelência provoca desenvolvimento de tecnologias, fomento da inovação e de pesquisa, e, lógico, muitos outros hospitais no Brasil também geram inovação. Contudo, as regiões Sul e Sudeste lideram. Quando você vai para outras regiões, muitas vezes até o acesso à tecnologia é uma dificuldade. Tem regiões em que não chega a pegar nem o 4G, quando já está se falando em 5G. Ou pelo acesso de pessoas que queiram pesquisar naquela área, ou pela experiência de ser documentado o que acontece naqueles hospitais para aquilo virar case e possa ser melhorado. Tem-se, por exem-

“A dispersão de energia pode ser a principal barreira para o insucesso da inovação. O caso crítico não seria especificamente orçamento, mas ao risco de a organização não querer mudar” plo, vários protocolos em níveis diferentes de maturidade, muitas vezes sobre uma mesma doença, sobre o mesmo tratamento. Um hospital que tem menos acesso está usando um protocolo mais antigo, um hospital que tem mais acesso, ou tem mais experiência, criou protocolos mais modernos, só que a gente não consegue replicar na velocidade que deveria. É um questionamento que se faz como exemplo de possibilidade de inovação. Trazer protocolos clínicos de hospitais de excelência e proporcionar um acesso a esses protocolos por toda a rede hospitalar. Temos muito questionamento sobre conteúdos, sobre validação de pesquisa, e sobre costume mesmo, cultura de usar esses protocolos, ou até aparelhagem e estrutura adequadas.

Como inovar em saúde num país em que as carências são tão evidentes?

Acho que é até uma oportunidade. Quando se fala em carência do setor público, a inovação pode ser um caminho para diminuir

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“O Brasil tem um dos melhores modelos do mundo em saúde pública, que é o SUS, mas ele não foi 100% implementado: o desenho é muito bem feito, mas a implementação não foi exatamente como deveria ser” esse desequilíbrio. Soluções mais práticas, de menor custo. Pensar em inovação não somente como algo que demande investimento, mas promova aplicabilidade e soluções de baixo custo. O ponto é repensar a saúde. O SUS já está focado em fazer isso, em projetos como o DigiSUS, onde a gestão e o uso de tecnologias, como interoperabilidade, IoT, protocolos digitais, níveis de maturidade em sistemas HIMSS, entre outros, instrumentos fundamentais para uma operação mais eficiente. Quanto mais eficiente, menor o custo e mais fácil multiplicar. O DigiSUS, conduzido pelo Ministério da Saúde, é um projeto interessante e atua em várias vertentes. Está seguindo as normas estratégicas da Organização Mundial da Saúde (OMS), contando com consultorias externas, apoio de hospitais de excelência. E o DigiSUS está se ampliando para integração tecnológica, utilizando a interoperabilidade, troca de informações, conexões de bases de dados críticos, conexões no exterior, além de um lado de gestão mais unificada, tornando real o prontuário médico de cada brasileiro.

Quase ninguém sabe, mas você consegue baixar um aplicativo e, com o número do cartão SUS, ter acesso no seu celular a tudo, informações sobre vacinas, consultas etc., baseados naquele cartão (recomendo o “MeuDigiSUS”, disponível para IOS ou Androide). O Ministério da Saúde está muito voltado a esse processo de inovação e entende que, para uma melhoria de custos e para uma operação mais efetiva, a aposta em inovação é um caminho sem volta. Um trabalho que vem sendo feito há alguns anos, e que está em ritmo acelerado.

Quais os dilemas éticos da inovação em saúde?

Um dos pontos críticos está ligado à inter-

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pretação muitas vezes incorreta da telemedicina, ou do “Digital Health”. A inovação em saúde vem, a telemedicina está aí, não é algo que está para chegar, já existe... Já se vê até alguns aplicativos um acesso via telemedicina. O conflito que pode se dar é, muitas vezes, de interpretação, não vejo que esteja vindo alguma coisa que possa, realmente, tornar-se um dilema ético, mas sim uma maneira diferente de operacionalizar a saúde, mudar a cabeça e mudar a maneira como se trabalha a saúde no Brasil.

E que tendências observa no campo da inovação em saúde?

A principal é o “Digital Health” e, principalmente, a utilização de Inteligência Artificial. Existem algumas dúvidas sobre a eficiência e o impacto real. Mas o que se observa é que, se a Inteligência Artificial for bem utilizada, será um apoio muito grande à execução da medicina, um apoio principalmente aos médicos e uma garantia de segurança aos pacientes para que processos rotineiros tenham mais acuracidade e possam ser acompanhados digitalmente.

Quais os primeiros passos para uma instituição de saúde que deseja inovar em seus processos?

Quando se fala em inovação em processos, temos que voltar um pouco e pensar qual é a estratégia desta instituição. Ela tem que estar muito ligada ao que quer, como futuro, que barreiras terá que suplantar, como vai dispor do orçamento, investimentos para que isso aconteça, e principalmente como vai trabalhar a cabeça das pessoas. Colocar todos numa mesma página, e todos focarem numa mesma direção, porque a dispersão de energia nesse ponto pode ser a principal barreira para o insucesso da inovação. O caso crítico nesse ponto não seria especificamente orçamento, mas ao risco de a organização não querer mudar. O principal ponto é como fazer isso acontecer de maneira coerente, e hoje eu digo que é um caminho sem volta. Inovar é necessário para a sobrevivência. Se isso implica, por exemplo, em adotar processos automatizados, só vem favorecer quem trabalha em assistência, os médicos, enfermeiros, ou seja, os profissionais envolvidos passam a ter mais tempo para dedicar ao paciente, e não a processos administrativos ou operações técnicas que a tecnologia pode fazer por você. Em grande parte, há uma aceleração dessa ajuda. É uma dicotomia interessante: estou automatizando, e ao mesmo tempo humanizando, porque estou liberando mais tempo para ficar em contato com o paciente. Alguns programas de humanização se tornam mais efetivos com a tecnologia.

“Quando se fala em carência do setor púbico, a inovação pode ser um caminho para reduzir esse desequilíbrio”, afirma o especialista

Poderia citar um exemplo de como isso ocorre na prática?

Digamos que sou médico e vou fazer uma consulta. Coloco uma assistente virtual por voz, ela informa ao paciente que vai participar da anamnese. O paciente informa que está tomando um medicamento. Durante a anamnese, a assistente está salvando aqueles dados, e, na hora em que o médico vai receitar um remédio, ela já pode fazer uma validação de interação medicamentosa, para saber se o remédio que a pessoa toma teria alguma contraindicação ligada ao remédio que o médico teria que recomendar para aquele tratamento. É uma facilidade na operação e um incremento no tocante à qualidade e à segurança. De forma geral, o fato é que os processos estão mudando.

E a telemedicina pode permitir o acesso à saúde em muitos locais aos quais o médico não chega, dentre inúmeros outros impactos positivos.

No campo da inovação, um dos atores importantes têm sido as chamadas healthtechs, focadas na busca de soluções específicas para temas de saúde. Qual a importância desse movimento?

Grande parte das startups que surgem são healthtechs. Não que sejam apenas

as healthtechs que vão mudar a saúde, mas o importante é o aprendizado de usar a tecnologia para melhoria ou para a inovação. As healthtechs vêm com essa pegada, resolver problemas reais e trazer a tecnologia como apoio, como solução para esses problemas. A importância é gigantesca. Muito do que a gente gera vai ser ligado a soluções criativas, provavelmente resolvendo problemas em que até hoje não tínhamos pensado de forma diferente. Um exemplo? A própria tecnologia que a Apple está colocando no Apple Watch, que consegue, já em casos validados, fazer a previsão de um infarto e dar um alerta para que o paciente procure uma unidade de saúde. Ou algumas câmeras que fazem acompanhamento do paciente no quarto, para previsão de queda, prevenção de movimento. Tecnologias que já vi em países como Portugal, em que a observação por imagem consegue identificar se o paciente tem algum problema de coluna, postural. Fora os wearables, como o próprio relógio que eu citei, ou os insidebleas, como colocar um chip na pessoa e acompanhar tudo o que ela faz, o que é tecnicamente muito útil, mas ainda gera discussão ética no tocante a privacidade. Falamos em prontuário eletrônico, que, muita gente não sabe, não é do hospital nem do médico, mas do paciente. Hoje, com recursos de interoperabilidade, que seria a gente colocar todas as informações, todos os dados acessíveis, mediante autorização, em nuvem, e possa fornecer esse histórico médico para o hospital ou laboratório que quiser. Uma curiosidade: se você pegar o Iphone e tentar desligar, se você habilitar, terá uma função chamado Medical ID, e você consegue ter seu prontuário acessível por qualquer pessoa, mesmo que não tenha sua senha, garantindo informações básicas no caso de emergências.

Como o sr. vê as mudanças no perfil do mercado de saúde, no que tange aos reflexos disso nos elos da cadeia e no perfil do negócio de saúde de forma geral?

A saúde está passando por uma mudança gigantesca. Na cadeia de saúde, passamos a pensar muito mais em atenção primária, atenção integral. É uma mudança de direcional, de como se trabalha o atendimento ao paciente. Os participantes desse mundo, tanto gestores quanto médicos, enfermeiros, ou qualquer outra profissão relacionada à saúde, precisarão entender esse mundo digital. Um dos principais desafios é fazer a inovação se possível com tecnologia não percebida, para que a gente não perca o lado humano, e possa ter retorno e impactos para a saúde como um todo.

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Associação à SBB A incorporação de novos associados a partir de 2019 está voltada à garantia da autossuficiência financeira da regional, bem como à construção de um coletivo de pensamento e ação pautado nos debates mais candentes da ética, tendo como marco o congresso nacional da entidade, neste ano. A associação pode ser realizada em: https://www.sbbioetica.org.br/CadastroAssociado

Em dia Vacinação é tema de Ciclo de Debates em Bioética

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SBB/SC realizou o 6o Ciclo de Debates em Bioética, com apoio do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Bioética e Saúde Coletiva (Nupebisc), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O objetivo dos ciclos é promover a reflexão crítica sobre os problemas éticos que permeiam o campo da saúde. Esta edição abordou a questão da vacinação e seus desafios éticos contemporâneos. No contexto de queda na vacinação, especialmente infantil, com o consequente risco de ressurgimento de graves doenças como a poliomielite, diversas questões éticas precisam ser analisadas.

O debate contou com mesa-redonda composta pela professora Sonia Maria de Faria, representante da Secretaria Estadual de Saúde de Santa Catarina, que abordou o cenário da cobertura vacinal no Estado, e pelo professor-doutor Bruno Schlemper Jr., da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) e ex-presidente da SBB/SC, que falou sobre o imperativo ético de os profissionais de saúde terem suas vacinas

em dia, bem como do papel destes no repasse da informação à população. A mesa foi mediada médica pediatra Jucélia Maria Guedert, membro da SBB/ SC. A profissional trouxe à tona as questões éticas envolvidas na pesquisa, na alocação de recursos públicos e nas questões de autonomia dos pais.

Na foto acima, os membros da diretoria da SBB/SC junto aos palestrantes.

Da esquerda para a direita: Fernando Hellmann, Marta Verdi, Dóris Gomes, Dulcinéia Schneider, Mirelle Finkler (que participa do Simpósio Catarinense de Bioética em novembro deste ano), Carlos Serapião, e os palestrantes Sonia Maria de Faria, Jucélia Maria Guedert e Bruno Rodolfo Schlemper Jr.

Curso internacional tem representante brasileiro O curso gratuito “Training and Resources in Research Ethics Evaluation” (em português, “Treinamento e Recursos para Avaliação da Ética em Pesquisas”) é voltado para formação de profissionais de comitês de ética em pesquisa e tem o presidente da SBB, Dirceu Greco, como representante brasileiro. O objetivo do TRREE é fornecer formação básica sobre a ética na pesquisa para a saúde, principalmente aquelas que envolvem seres humanos, para que a investigação seja conduzida com os mais elevados padrões éticos e capaz de promover o bem-estar dos participantes. O programa de ensino, conduzido em parceria com colaboradores locais, é baseado em princípios e regulamentações éticas reconhecidas internacionalmente. Engloba questões locais e perspectivas provenientes de países com baixa e média renda, sobretudo de países africanos. O acesso é gratuito e livre para e-learning (programa de ensino à distância com certificação) e e-resources (um website participativo com materiais educativos sobre regulamentação e políticas internacionais, regionais e nacionais). Os materiais educativos do TRREE estão disponíveis em português. Visite o site: www.elearning.treee.org.

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BOAS FESTAS! A verdadeira paz, o sentido da vida, os sonhos realizados, a proximidade dos amigos, a esperança redobrada, a fé revivida, o fluir carinhoso da ternura entre as crianças, o meigo olhar entre os pares, o seguro caminhar de quem conhece o caminho, são as pequenas grandes coisas que desejam, os editores,

a todos os leitores da Revista

REVISTA DO HOSPITAL DONA HELENA

Rua Blumenau, 123, Centro, Joinville/SC (47) 3451-3333 www.donahelena.com.br