Revista Saída 9

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SAÍDA

Revista Saída nº 9 | Volume 1 | novembro, 2016

INCLUSÃO DESAGREGADORA —1—


Seja a saída que você espera do mundo: Lê, Escreve, Faz arte? Colabore : gocanarim@gmail.com —2—

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Redação

Editor geral Guilherme Oreste Cananrim

Conselho editorial Alex Sander da Silva Gisele da Silva Rezende Greyce Kelly de Souza Guilherme Oreste Cananrim

Colaboração Edevaldo de Freitas Gabriel da Silveira Angelo Gisele da Silva Rezende da Rosa Guilherme Orestes Canarim Herique dos Anjos Cruz Lêda Garcia Marina Tanabe Livramento Michelle Zanelato Borges Paula Cristina de Souza Slavoj Zizek Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno Yuri Cidade

Projeto gráfico Greyce Kelly de Souza

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Inclusão Desagregadora

Com a continuidade da crise do capitalismo historicamente se apreendeu que a inclusão nos circuitos produtivos era lucrativa. No entanto, o avanço da permanência das camadas despossuídas em estados de conforto necessários a sua constituição enquanto operários mais bem preparados levou paulatinamente a necessidade do “reconhecimento” do “lugar” social que estes “protagonizavam” em sua existência econômico-política. Por hora já não é novidade que a aderência das classes dominadas ideologicamente aqueles programas de manutenção do status quo da sociedade que deles se alimenta não é mais nem forçada nem falseada, simplesmente se aposta em discursos hedonistas intensamente regurgitados a partir da “cotidianeidade” das massas em que os recursos miméticos recalcados se interpõem na forma de utilidade discursiva, o que não apenas invalida a comunicação pela sua via da deslizante natureza necessária ao fluxo contínuo e em edição hipertextual como ainda impossibilita polifonias das figuras artísticas ou discursivas na linguagem dos mais “pós” alguma coisa. Assim fica instituída a membrana interna de um sistema do qual não podemos sair, cujas ingerências devem constituir nossa preocupação mais ferrenha na sua forma mais avançada, a modalidade de razão que operamos, sob o vaticínio de que não consigamos nem com a reflexão, dadas as proporções da pauperização subjetiva cada vez mais diminuída e colonizada, alcançar a busca pela saída da menoridade.

Sumário

Panorama Inclusão Desagregadora O Homem no mundo contemporâneo Sobre o Conhecimento de História

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Notas de Literatura A Ideia de História Natural O Humanismo Protestante na Visão de Fernand Braudel Conceito de História Ambiental Fichamento de Leitura: Kulturindustrie, Aufklärung als Massenbetrug

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Crítica Roedora (Pretensão de) Ensaio sobre a Maldade É a Mitologia Grega Machista? Politica a gente pratica todo o dia Friedrich Nietzsche

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Exercícios Ensaísticos As Montanhas se separam Interpretar ou interpretar? (deuten oder interpretation) Vomitando o Caos

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PANORAMA HILLARY, TRUMP E O MAL MENOR por Slavoj Zizek

A questão não é votar para Trump (não só não se deve votar para um verme como ele, como não se deve sequer participar em tais eleições!). O ponto é abordar o problema de maneira fria e fazer o seguinte exercício de pensamento: a vitória de quem seria melhor para o destino de um projeto emancipatório radical, a de Clinton ou a de Trump? No romance Ensaio sobre a lucidez, José Saramago narra uma série de estranhos acontecimentos que acometem uma capital não nomeada em um país democrático não identificado. Quando a manhã do dia de eleição é atrapalhado por chuvas torrenciais, o número de cidadãos que saem de casa para votar se mostra perturbadoramente baixo. Mas mais para o meio da tarde, o clima normaliza e a população segue em massa para seus colégios eleitorais. O alívio do governo, no entanto, dura pouco: a contagem de votos revela que mais de 70% das cédulas depositadas estavam em branco. Estupefatos com esse aparente lapso cívico, o governo dá aos seus cidadãos uma segunda chance e logo na semana seguinte decide convocar outra eleição. Os resultados são ainda piores: agora, 83% das cédulas depositadas estão em branco… Será uma conspiração organizada para derrubar não apenas o governo dominante mas a totalidade do sistema democrático? Se sim, quem estará por trás disso? E como conseguiram organizar centenas de milhares de pessoas para essa subversão sem serem percebidos? A cidade continua a funcionar em aparente plena normalidade, com o povo esquivando-se de cada uma das investidas do governo em inexplicável uníssono e com um nível verdadeiramente ghandiano de resistência não-violenta… A lição desse experimento de pensamento é clara: o perigo hoje não é a passividade, mas a pseudo-ativida-

de, o impulso de “ser ativo” e de “participar” para mascarar a vacuidade do que se passe. As pessoas intervêm o tempo todo. As pessoas “fazem algo”. Acadêmicos participam de debates sem sentido, e por aí vai. Mas a coisa verdadeiramente difícil de se fazer é dar um passo atrás e recuar. Os detentores do poder geralmente preferem até uma participação “crítica” do que o puro silêncio – simplesmente para se certificar de que, com algum tipo diálogo encenado, nossa ameaçadora passividade esteja quebrada. A abstenção dos votantes é portanto um verdadeiro ato político: ela forçosamente nos confronta com a vacuidade das democracias de hoje. Essa é exatamente a forma que os cidadãos devem agir diante da escolha entre Clinton e Trump. Quando perguntaram a Stalin no final dos anos 1920 qual desvio ele considerava pior, o direitista ou o esquerdista, ele rebateu: “Os dois são piores!” Não se passa a mesma coisa com a escolha diante da qual os eleitores estadunidenses estão postos nas eleições presidenciais de 2016? Trump é evidentemente “pior” na medida em que promete uma guinada à direita e encena uma degradação da moralidade pública; no entanto, enquanto ele ao menos promete uma mudança Hilary também é a “pior” na medida em que faz com que não mudar nada pareça desejável. Diante de uma tal escolha, não devemos nos desesperar e escolher o “pior” que significa mudança – ainda que seja uma mudança perigosa, ela abre espaço para uma mudança diferente e mais autêntica. A questão portanto não é votar para Trump – não só não se deve votar para um verme como ele, como não se deve sequer participar em tais eleições. O ponto é abordar o problema de maneira fria e fazer o seguinte exercício de pensamento: a vitória de quem seria melhor para o destino de um projeto emancipatório radical, a de Clinton ou a de Trump? Trump diz que quer “fazer a América voltar a ser grandiosa”. Obama rebateu dizendo que a América já é grandiosa. Mas será que é mesmo? Pode um país em que uma pessoa como Trump tenha uma chance de se tornar presidente realmente ser considerado grandioso? Os perigos de uma presidência Trump são evidentes: ele não apenas prometeu nomear

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juízes conservadores à Suprema Corte; ele mobilizou os mais sombrios círculos de supremacia branca e abertamente flerta com racismo anti-imigracionista; ele escarnece regras básicas de decência e simboliza a desintegração de padrões éticos básicos; ao se dizer preocupado com a miséria das pessoas ordinárias, ele efetivamente promove uma agenda neoliberal brutal com isenções fiscais para os ricos, mais desregulamentação etc. etc. Trump é um oportunista vulgar, mas ele é ainda uma espécie vulgar da humanidade (ao contrário de figuras como Ted Cruz ou Rick Santoro, que suspeito serem alienígenas!). E o que ele definitivamente não é é um capitalista bem sucedido, produtivo e inovador – ele se destaca pela capacidade que tem de entrar em falência e depois fazer com que os pagadores de impostos cubram suas dívidas. Os liberais apavorados com Trump rejeitam a ideia de que sua eventual vitória poderia desencadear um processo a partir do qual uma autêntica esquerda emergiria. Seu contra-argumento preferido é uma referência a Hitler. Muitos comunistas alemães acolheram a tomada nazista de poder como uma chance para a esquerda radical se destacar como a única força capaz derrotá-los. Como sabemos, a apreciação deles se provou um erro catastrófico. Mas a questão é: a situação atual com Trump é mesmo comparável à da ascensão do nazismo? Será ele mesmo um perigo que trará consigo uma ampla frente da mesma forma que Hitler fez, uma frente na qual conservadores “decentes” e libertários lutaram juntos com progressistas liberais mainstream e (o que quer que tenha sobrado da) esquerda radical? Fredric Jameson acertadamente advertiu contra a apressada designação do movimento Trump como neo-fascismo: “As pessoas estão dizendo agora que esse é uma espécie de novo fascismo e minha resposta a isso é: ‘ainda não’. Se Trump chegar ao poder, será algo diferente.” (Aliás, o termo “fascismo” é hoje muito usado como um significante vazio sempre que emerge na cena política algo obviamente perigoso mas que carecemos do instrumental para compreender adequadamente – não, os populistas de hoje não são simplesmente fas-

cistas!) E por que ainda não? Em primeiro lugar, o medo de que uma vitória Trump teria transformado os EUA em um Estado fascista é um exagero ridículo. Os EUA têm uma trama complexa de instituições políticas e cívicas divergentes, de forma que sua Gleichshaltung direta não poderia ser ordenada. De onde, então, vem esse medo? Sua função é claramente a de unificar todos nós contra Trump, ofuscando assim as verdadeiras divisões entre a esquerda ressuscitada por Sanders e o projeto de Hillary – que é acandidata por excelência do establishment, apoiada por uma ampla coalizão arco-íris que inclui defensores neoconservadores da Guerra ao Iraque como o Secretário de Defesa de George Bush Paul Wolfowitz e intervencionistas como o Secretário Assistente de Defesa para Política de Segurança Internacional de Ronarld Reagan, Richard Armitage. Em segundo lugar, o fato é que Trump se alimenta da mesma raiva da qual Bernie Sanders se valeu para mobilizar seus partinsans – ele é percebido pela maioria de seus apoiadores como o candidato anti-establishment, e o que ninguém deve jamais esquecer é que a raiva popular é por definição amorfa e pode ser re-direcionada. Os liberais que temem a vitória de Trump não estão realmente com medo de uma guinada radical à direita. O que eles realmente temem é uma efetiva mudança social. Para falar com Robespierre, ele admitem (e estão sinceramente preocupados com) as injustiças de nossa vida social, mas o que eles realmente querem é sanar elas por meio de uma “revolução sem revolução” (em exato paralelo com o consumismo de hoje, que oferece café sem cafeína, chocolate sem açúcar, cerveja sem álcool, multiculturalismo sem choques violentos etc.): uma visão de mudança social sem efetiva transformação social, uma mudança em que ninguém realmente se machuca, em que liberais bem-intencionados permanecem abrigados em seus enclaves seguros. Em 1937, George Orwell escreveu em seu A caminho de Wigan: “Todos nós censuramos as distinções de classe, mas poucos desejam seriamente aboli-las. Aqui chegamos à importante consta-

tação de que toda opinião revolucionária extrai parte de sua força da convicção secreta de que nada pode ser mudado.” O argumento de Orwell é de que os radicais invocam a necessidade por uma transformação revolucionária como um tipo de cartada que deve atingir o oposto, isto é, prevenir a única mudança que realmente importa, a mudança que toca aqueles que nos comandam, de ocorrer. E quem efetivamente comanda os EUA? Podemos quase que já ouvir o murmúrio das reuniões secretas onde membros das elites políticas, econômicas e financeiras estão negociando a distribuição de postos-chave na gestão Clinton. Para se ter uma ideia de como essas negociações às sombras funcionam, basta ler os e-mails de John Podesta ou o livro Hillary Clinton: The Goldman Sachs Speeches (que sairá em breve pela OR Books de Nova York com uma introdução de Julian Assange). A vitória de Hillary é a vitória de um status quo ofuscado pela perspectiva de uma nova guerra mundial (e Hillary é definitivamente uma típica guerreira fria democrata), um status quo de uma situação em que gradual mas inevitavelmente deslizamos para catástrofes ecológicas, econômicas e humanitárias, entre outras. É por isso que considero extremamente cínica a crítica “de esquerda” à minha posição que alega que “para intervir em uma crise, a esquerda deve se organizar, preparar-se e conquistar apoio dentre a classe trabalhadora e os oprimidos. Não podemos de maneira nenhuma endossar o racismo e o machismo repugnantes que nos dividem e enfraquecem nossas lutas. Devemos sempre nos levantar ao lado dos oprimidos, e devemos ser independentes, lutando por uma saída verdadeiramente à esquerda para a crise. Mesmo que Trump cause uma catástrofe para a classe dominante, também será uma catástrofe para nós que não tenhamos criado as bases para nossa própria intervenção.” Muitos dos eleitores pobres alegam que Trump fala por eles. Como é que eles podem se reconhecer na voz de um bilionário cujas especulações e fracassos são uma das causas de sua miséria? Como os caminhos traçados por Deus, os caminhos da ideologia são,

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para nós, misteriosos… (Se bem que, é verdade, alguns dados sugerem que a maioria dos apoiadores de Trump não são de renda baixa). Quando os apoiadores de Trump são denunciados como “white trash”, é fácil discernir nessa designação o medo das classes mais baixas que caracteriza a elite liberal. Este foi o título e subtítulo de uma reportagem do Guardian sobre uma reunião eleitoral recente de Trump: “Por dentro de um comício Trump: pessoas boas em um loop de feedback de paranoia e ódio. O público de Trump está cheio de pessoas honestas e decentes – mas a invectiva do republicano tem um efeito arrepiante nos fãs de seu espetáculo de um homem só”. Mas como foi que Trump se tornou a voz de tantas pessoas “honestas e decentes”? Trump conseguiu, sozinho, arruinar o Partido Republicano, antagonizando tanto o establishment da velha guarda quanto os fundamentalistas cristãos. O que restou como o núcleo de seu apoio são os portadores da raiva populista contra o establishment – e esse núcleo é desprezado pelos liberais como “white trash”. Mas não são exatamente eles que devem ser conquistados pela causa radical de esquerda (que foi o que Bernie Sanders conseguiu)? Devemos nos livrar do falso pânico, temendo a vitória de Trump como o maior de todos os horrores) que nos faz apoiar Hillary apesar de todos seus evidentes defeitos. Embora a batalha pareça perdida para Trump, sua vitória teria criado uma situação política totalmente nova com chances para uma esquerda mais radical – ou, para citar Mao: “Tudo sob o céu está mergulhado no caos; a situação é excelente”. * Texto enviado pelo autor diretamente para sua coluna no Blog da Boitempo. A tradução é de Artur Renzo.


PANORAMA INCLUSÃO DESAGREGADORA por Gisele Rezende

Existe ou é possível um “modelo” educacional que aborde a educação em sua totalidade formativa? A orientação/ o ensino dado instrui o indivíduo a atuar no seu contexto social, ou pelo menos se pretende a isso. Se somente a metodologia educacional fosse responsável, ou a via de fato que oportunizasse a capacidade de formular juízos autônomos, não teríamos autores em outro século escrevendo sobre a necessidade de autonomizar se, ainda numa época onde a igreja era incontestável. Esta determinação é construída com base em grupos sociais que motivaram o modelo hierárquico de submissão a um governante para o bem comum. “Os modelos educacionais elaborados a partir de um pensamento tecnicista-instrumental não abordam a educação em sua totalidade formativa, se mostrando, portanto, insuficientes na formação do educando enquanto homem e cidadão” (ZATTI, 2007, p. 9) Dentre os muitos papéis que a escola é obrigada a desenvolver, ou se pretende, está em capacitar e garantir que o indivíduo realize suas ações/ metas. Mas a capacitação, ou práticas pedagógicas, não garantem (e nem devem) a concretude dos projetos. Quando o indivíduo está ciente de sua liberdade, é capaz de optar por escolhas, mas não de furtar- se delas. O fato de tomar consciência da sua condição social, política e econômica não assegura uma tomada de decisão, pelo menos, não destituído do contexto ao qual faz parte. São decisões que estão entrelaçadas a viabilidade do sistema social e considerando isto, é possível o sujeito agir de acordo com sua vontade ou querer? Se sim, sabe o

mesmo o que fazer com sua liberdade? Uma consciência reflexiva viabiliza uma atuação com um menor número de erros, mas, este índice, de acordo com cada um, com o que cada indivíduo entende por erros e acertos. O esclarecimento pode propor aos profissionais da educação uma responsabilidade em sua atuação em meio à sociedade, que sustentasse uma democratização de opiniões como direito e ao mesmo tempo permitisse uma hegemonia curricular comum a todos? Uma educação para autonomia exigi uma diminuição de espaço que existe entre a teoria e prática. Procuramos modelar conceitos já existentes de modo a encaixar uma postura que difere das que já foram instituídas e cada análise e pesquisa realizada tende a defender um ponto de vista previamente estabelecido por uma necessidade social, ou crença adquirida é a ideia de uma suposta autonomia. Ao mesmo tempo que difere, se opõe, relaciona-se de algum modo com a produção social de liberdade, a sua validade precisa estar pautada em argumentos antes já ditos, comprovados e apontados. O estado de autonomia absoluto dentro de uma sociedade, historicamente distante de um pensamento unificado da condição humana, é ao mesmo tempo alienado na formação deste indivíduo. A noção moderna de identidade é enfraquecida, na medida em que assumi a necessidade de moldar se as minorias, por meio de uma visão política holística que visa atender a política da diferença. Uma prática em campo vulnerável, cujas relações sociais conduzem a uma racionalidade instrumental abrupta, fragilizada e sensível.

Referência ZATTI, Vicente. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire/ Vicente Zatti. – Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.

O HOMEM NO MUNDO CONTEMPORÂNEO

SOBRE O CONCEITO DE HISTÓRIA

por Edevaldo de Freitas

por Gilherme Canarim

O homem busca em si mesmo, artefatos que o deixa moribundo e incapaz de estabelecê-lo como um ser criado propriamente para adorar a Deus. Nisto, esquece-se, pois, sua arrogância viciosa e mentirosa, desmembra a possibilidade de encorajá-lo para um conceito: verdadeiro e preciso. Sem ideologia, nem ao menos solicitado para tais vínculos, o homem contemporâneo é idealista, assumindo de vez, uma ruptura em seu cognitivo aberto e gradativo, isto é, se expõe ao mundo futurista de uma maneira pejorativa. Sendo assim, mesmo com um conhecimento oriundo, e vindo das melhores dinastias de vanguardas, ele por si só, coloca-se e desmembra-se, com um estereótipo vindo de uma magnitude exemplar e eficiente A situação hoje, no vertical, é precariamente um “status”, sendo que, trabalhada de uma maneira provinciana, isto é, conduz o homem a habituar-se em conceitos não favoráveis a sua convicção. Como falei anteriormente, a Realeza Sem Formas, obstrui a indiferença, colocando-a em um patamar não conciso, deixando-a também como um holofote sem direção, e muito mais, sem foco. O incisivo e vulnerável conceito militante consegue afastá-los mais e mais de sua reciprocidade evoluída de maneira estonteante e abstrata, isto é, não existem princípios que sejam básicos, e muito menos conceitos. Mediante a tais fatos, às vezes, conjuram-se os ideais, como se fosse um Deus, mesmo assim, esse mesmo deus, ostenta-se de idolatrias e profanações idealistas. E a liberdade aonde está? Existe? Dificilmente saberia responder sobre esta censurada e obscura idealidade.

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O conceito de historia é o sustentáculo das estruturasdo sociometabolismo do capital, pois que dele emanam as substancias dos discursos hegemônicos do monopólio e uma parcela importantíssimo da impossibilidade de emancipação da humanidade, por conta disso é precípuo a qualquer compreensão da sociedades contemporâneas, e a realização daquele ideário kantiano da saída da menoridade, que debrucemo-nos sobre este pilar do tártaro sobre o qual vivemos e no qual funcionamos como que concluídos no maquinário do colapso da exploração que o capital esta vivendo. Dai que, em havendo um conceito cujos componentes deem margem a legitimação de objetos diversos, não há ai nenhum avanço no sentido do empoderamento do individuo em lugar de sujeito e potencia de si, posto que o impacto deste é senão mais destrutivo e abolidor de qualquer possibilidade de sequer elucubrar a si mesmo como tal em seu lugar, [...] a explicação para o historiador não consiste em uma enumeração mais completa possível de todas as circunstancias aí presentes, mas em destacar a conexão entre certos componentes do acontecimento, importantes para a continuação do processo histórico, e, por outro lado, os processos individuais determinantes. Esta conexão, por exemplo, o julgamento de que uma guerra foi desencadeada pela ação politica de um estadista decidido, pressupõe logicamente que, no caso de esta politica não ter sido levada a cabo, não se daria o efeito explicado por ela, mas outro. (HORKHEIMER, Max, teoria tradicional e teoria critica inp.35 HORHEIMER, Max, textos escolhidos, coleção ospensadores são Paulo Nova cultural 1989)

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NOTAS DE LITERATURA A IDEIA DE HISTÓRIA NATURAL por Theodor Adorno

Talvez posso antecipar que a minha fala não é uma “exposição” em sentido próprio, nem uma comunicação de resultados ou uma elaboração sistemática conclusiva, e sim algo que se situa no plano do ensaio, como um esforço de acolher e levar mais longe a problemática da denominada discussão frankfurtiana. Sou consciente do quanto se aborda mal essa discussão, mas também de que seu ponto central está corretamente colocado, e seria falso começar novamente tudo do princípio. Quero observar algo sobre a terminologia. Quando se fala de história natural, não se trata no caso de entendê-la em sentido tradicional pré-científico, nem como história da natureza à maneira como a natureza é objeto das ciências da natureza. O conceito de natureza, de que aqui se serve, não tem absolutamente nada a ver com o conceito de natureza das ciências naturais matemáticas. Não é possível expor antecipadamente o significado de natureza e história no que segue. Mas não exagero se afirmar que o intuito mesmo de minha fala visa suprimir a antítese habitual entre natureza e história; portanto, onde opero com os conceitos natureza e história, eles não são entendidos como definições essenciais válidas para sempre; persigo, antes, a intenção de levar tais conceitos até um ponto em que a mera separação entre eles seja superada. Para entendimento do conceito de natureza, que eu gostaria de dissolver, basta dizer que se trata de um conceito que, se eu quisesse traduzi-lo na linguagem conceitual filosófica mais habitual, poderia caracterizá-lo mais facilmente pelo conceito de mítico. Também este conceito é demasiado vago e sua determinação precisa não pode ser dada por definições prévias, mas tão só por me-

diação da análise. Por ele (mítico) se entende o que está aí desde sempre, o que sustenta a história humana e nela aparece como um ser anteriormente dado, submetido inexoravelmente, o que nela há de substancial. O demarcado por estas expressões é o que eu entendo por natureza. A questão que se coloca aqui refere-se à relação dessa natureza com o que entendemos por história, em que história designa uma forma de conduta dos homens, forma de conduta transmitida, que se caracteriza antes de tudo pelo fato de aparecer nela o qualitativamente novo, por ser ela um movimento que não se desenvolve na pura identidade, na pura reprodução do que sempre esteve aí, e sim produz o novo e alcança seu verdadeiro caráter através do que, nela, aparece como novo. Pretendo desenvolver o que denomino idéia de história natural com base em uma análise ou em uma visão sinóptica correta da posição ontológica da questão no interior do debate contemporâneo. Isso significa “tomar o natural” como ponto de partida. Pois a questão para a ontologia, tal como se coloca hoje, não é outra senão aquilo que eu tenho entendido por natureza. Depois estabelecerei um outro ponto, e a partir da problemática da filosofia da história, procurarei desenvolver, por dentro, o conceito de história natural, com o qual caracterizarei e preencherei, de uma maneira já considerável, o conteúdo desse conceito. Depois de ter abordado apenas indícios dessas duas posições, procurarei articular o conceito mesmo de história natural e diferenciar para vocês os momentos que parecem caracterizá-la. 1. Primeiramente a questão na atual situação ontológica. Se vocês acompanham atentamente a posição ontológica tal como se tem desenvolvido particulamente no âmbito da chamada fenomenologia, e sobretudo da fenomenologia pós-husserliana, como a partir de Scheler, se pode dizer que a verdadeira intenção de partida dessa posição ontológica é superar o ponto de vista subjetivista da filosofia – a substituição de uma filosofia, que pretende dissolver todas as determina-

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ções do ser em determinações do pensamento, e crê poder fundar toda objetividade em determinadas estruturas fundamentais da subjetividade – por uma posição mediante a qual se conseguiria um ser diferente, radicalmente diferente, uma região do ser, fundamentalmente diferente, uma região do ser transubjetiva, ôntica. E, em relação a isso, se fala de ontologia na medida em que desse on se deve alcançar o logos. Ora, há um paradoxo de base em toda posição ontológica na filosofia atual, pois o meio com que se procura alcançar o ser transubjetivo não é outro que a mesma razão subjetiva, que anteriormente garantiu a estrutura do idealismo crítico. Os esforços ontológico-fenomenológicos se apresentam como uma tentativa de alcançar o ser transubjetivo com os meios da ratio autônoma e com a linguagem da ratio, pois não se encontram disponíveis outro meio e outra linguagem. Então essa questão ontológica pelo ser se articula de maneira dupla: primeiro, como a questão pelo ser mesmo, como aquela que, desde a crítica de Kant havia sido empurrada, como coisa em si, para detrás da posição filosófica e que é retirada novamente dali. Ao mesmo tempo, se articula também como pergunta pelo sentido do ser, pelo sentido inserido no ente (Sinnhaftigkeit des Seienden) ou, simplesmente, pelo sentido do ser como possibilidade. Precisamente esse duplo caráter se expressa a fundo a favor da tese que eu defendo: que a posição ontológica, com que hoje nos deparamos, detém a mesma posição de partida da ratio autônoma; unicamente aí, onde a ratio reconhece a realidade, que se situa frente a ela, como um ser estranho, perdido, imerso na coisa (dinghaftes), unicamente aí, onde ela não é mais imediatamente acessível e onde o sentido não é comum à realidade e à ratio, unicamente aí pode-se colocar a questão do sentido do ser. A questão do sentido se depreende da posição de partida da ratio, mas, ao mesmo tempo, essa questão do sentido do ser, que se situa em um ponto central da primeira fase da fenomenologia (Scheler), produz, pela sua origem subjetivista, uma

problemática mais ampla; pois, este dotar de sentido (Sinngebung) outra coisa não é que um implantar significados, tal como eles foram estabelecidos pela subjetividade. A compreensão de que a questão do sentido outra coisa não é que um implantar significações subjetivas no ente leva à crise esse primeiro estágio (da fenomenologia). A expressão drástica disso se manifesta na inconsistência das determinações ontológicas fundamentais, que a ratio deve estabelecer, como experiência, em sua tentativa de alcançar uma ordenação do ser. Quando se tornou manifesto que os fatores reconhecidos como fundantes e doadores de sentido – como em Scheler – procedem de uma outra esfera da coisa, não são eles mesmos possibilidades inerentes ao ser, e sim extraídas do ente e, como tais, internamente também merecedoras de questionamentos, toda pergunta pelo ser se torna problemática no seio da fenomenologia. À medida que a pergunta pelo sentido pode ocorrer ainda, ela não significará a conquista de uma esfera de significados – posta a salvo do empírico – que seriam válidos e sempre acessíveis, e sim tão somente a pergunta ti hn on, a pergunta pelo que o ser realmente é. As expressões sentido (ou significado) estão aqui carregadas de equívoco. Sentido pode querer dizer um conteúdo transcendente, que é significado pelo ser, se encontra atrás do ser e pode ser tirado fora (sacado) por mediação da análise. Porém, por outra parte (andererseits), sentido pode ser também, por sua parte (seinerseits), a interpretação que o ente faz de si mesmo, que o caracteriza como ser (Sein), seu (sein), sem que por isso se possa certificar de que o ser assim interpretado resulte pleno de sentido. É possível, portanto, que se pergunte pelo sentido do ser como significado da categoria ser, pelo que o ser realmente é, mas que, entretanto, o ente evidencie, neste primeiro sentido da questão, algo não pleno de sentido e sim sem sentido, tal como é apresentado freqüentemente no sentido do desenvolvimento atual. Se se dá esse giro (essa mudança) na pergunta pelo ser, desaparece uma das intenções de

partida do originário giro ontológico, a saber, a de voltar à historicidade. Foi assim com Scheler, pelo menos com o primeiro Scheler (e é este que foi o mais competente), que tentou construir um céu de idéias com base em uma visão puramente racional de conteúdos ahistóricos e eternos, de caráter normativo, que resplandecesse sobre o empírico e que se tornasse translúcido por intermédio do empírico. Mas, ao mesmo tempo, se estabeleceu na origem da fenomenologia, uma tensão fundamental entre esse “denso-de-sentido” (Sinnhaften), de essência – que se encontra por detrás do que aparece historicamente – e a esfera da história mesma. Estabeleceu-se nas origens da fenomenologia uma dualidade entre natureza e história. Essa dualidade (aqui por natureza se entende o ahistórico, o ontológico platônico), bem como aquela (dualidade) situada na intenção de partida do giro ontológico, sofreram uma correção. A pergunta pelo ser já não tem mais o significado de uma pergunta platônica no âmbito de idéias estáticas e qualitativamente diferentes, que se encontrariam em uma relação normativa e de tensão frente ao ente, como frente à empiria. Antes, a tensão desaparece: o ente mesmo se converte em sentido, e, em lugar de uma fundamentação além-da-história do ser comparece o projeto do ser como historicidade. Com isso se desloca a posição do problema. Em um primeiro momento, desaparece aparentemente a problemática entre ontologia e historicismo. Do ponto de vista da história, da crítica historicista, a ontologia aparece como um marco meramente formal, que nada, absolutamente, afirma sobre o conteúdo da história, que pode, de qualquer maneira, distender-se em torno do concreto, ou, por outro lado, a intenção ontológica aparece – se é, como em Scheler, ontologia material – como uma absolutização arbitrária de fatos intra-históricos, que talvez até mesmo podem obter o status de valores eternos e de vigência geral, com fins ideológicos. Para a posição ontológica, a coisa se apresenta de maneira diversa, e essa antítese – que domi-

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nou nossa discussão frankfurtiana – seria a de que todo pensamento, que busque retomar os conteúdos emergentes apenas em condições históricas, pressupõe um projeto próprio de ser, mediante o qual a história seja dada como estrutura do ser; somente assim, no marco de um projeto semelhante, seria afinal possível a ordenação histórica de fenômenos e conteúdos singulares. Agora, então, o mais recente giro da fenomenologia – se se deve chamar isso ainda de fenomenologia – passou aqui por uma correção, a saber, deixou de lado a pura antítese entre história e ser. Assim, de um lado, renunciou ao céu platônico das idéias e, ao analisar o ser, considera-o como vivente – através disso, deixa de lado o formalismo com seu caráter estático, pois o projeto do ser acolhe a riqueza de suas determinações, e assim desaparece o receio em relação à absolutização do casual. Pois agora, é a história mesma em sua extrema mobilidade, transformada em estrutura ontológica fundamental. De outro lado, o mesmo pensamento histórico parece ter experimentado um giro fundamental, reduzindo-se a uma estrutura filosófica que o sustenta, a da historicidade enquanto uma determinação fundamental da existência, pelo menos da existência humana, a única que torna possível que algo aconteça como história, sem que isso – o que “é” história – seja confrontado como algo acabado, paralisado, alheio. Este é o estado da discussão de que eu parto. Aqui se levanta uma série de motivos críticos. Assim me parece que o princípio até então alcançado, que associa a questão ontológica e a histórica sob a categoria historicidade, não seja suficiente para dar conta da problemática concreta ou que apenas modifica sua própria coerência e aceita como conteúdos motivos que não surgem necessariamente do princípio esboçado no projeto. Vou mostrar isso em dois pontos apenas. Primeiro, este projeto continua (esboçado) em determinações gerais. O problema da contingência histórica não pode ser dominado pela categoria da historicidade. Pode-


NOTAS DE LITERATURA -se elaborar uma determinação geral da estrutura do vivente, porém quando se interpreta um fenômeno particular, suponhamos, a Revolução Francesa, lá se pode encontrar todos os momentos possíveis desse vivente, como, por exemplo, o que já foi, retorna, é acolhido; pode-se verificar o significado da espontaneidade que brota dos seres humanos, encontrar as inter-relações causais etc, mas não se consegue levar a facticidade da Revolução Francesa às extremas determinações do ser-fático, e dela resultará, no máximo, uma dimensão de facticidade, que esmaece. É evidente que não é nenhuma descoberta minha e sim que isso já foi demonstrado há tempo no interior da própria discussão ontológica. Porém não foi expresso com a realidade como aqui fiz, ou, antes, foi retrabalhado em sua problemática de uma maneira rápida (ausweghafte): toda facticidade, que não se encaixa no projeto ontológico, é incluída em uma categoria, a de contingência, a de casualidade, e esta é acolhida no projeto como determinação do histórico. Porém, por muito conseqüente que seja, isso contém a confissão de que não se conseguiu o domínio do material empírico. Ao mesmo tempo, esse giro oferece o esquema de um giro no interior da questão ontológica. Trata-se de um giro em direção à tautologia. Eu não entendo que o propósito do pensamento neo-ontológico de se conformar com a inacessibilidade do empírico proceda vez ou outra segundo o mesmo esquema, a saber: precisamente onde alguns elementos não se encaixam nas determinações do pensamento, não se fazem transparentes, antes se plantam em seu puro “estar-aí”, é precisamente aí que esse “plantar-se” mesmo do fenômeno se transforma em um conceito geral e se imprime nele algum título de dignidade ontológica. Assim sucede com o conceito ser-para-a-morte de Heidegger e até com o próprio conceito de historicidade. O problema da reconciliação entre história e natureza na posição neo-ontológica, só aparentemente se resolveu na estrutura da historicidade,

porque aqui se reconhece certamente que há um fenômeno histórico fundamental, mas a determinação ontológica desse fenômeno histórico fundamental ou a interpretação ontológica desse fenômeno histórico fundamental se frustra, ao se transfigurar ela mesma em ontologia. Para Heidegger acontece que a história, entendida como uma estrutura abrangente do ser, significa o mesmo que sua própria ontologia. Por isso, antíteses opacas (frágeis) como a de história e historicidade – nas quais nada se esconde a não ser algumas qualidades do ser, observadas na existência, que são retiradas do ente para serem transpostas para o âmbito da ontologia e se transformarem em determinação ontológica – podem contribuir para a interpretação do que, no fundamental, se torna a dizer uma vez mais. Esse momento tautológico não depende da casualidade da forma linguística e sim se adere necessariamente à posição ontológica mesma, que se prende ao esforço ontológico, porém não é capaz de, por seu ponto de partida racional, interpretar ontologicamente a si mesma, como ela é; a saber, algo produzido por e derivado da posição de partida da ratio idealista. Quero explicitar isso. Se há um caminho que possa levar mais longe, ele só pode estar objetivamente esboçado em uma “revisão da questão”. Entretanto esta revisão não se deve realizar apenas com a posição historicista mas também com a neo-ontológica. Em todo caso, deve-se apontar aqui, como indício – porque me parece – que essa problemática é levantada pelo fato de a posição de partida idealista não ter sido abandonada também no pensamento neo-ontológico. Para ser preciso: porque nele existem duas determinações específicas do pensamento idealista. Uma é a determinação da totalidade (Ganzheit) abrangente frente às particularidades contidas nela; não mais compreendida como totalidade do sistema e sim agora sob as categorias totalidade estrutural, unidade estrutural ou totalidade (totalität). Porém, quando se crê possível reunir univocamente (eindeutig) em uma estrutura a realidade in-

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tegral, estabelece-se a pretensão de que – na possibilidade de semelhante reunião de toda a realidade dada em uma estrutura – aquele que reúne todo o ente nessa estrutura tem o direito e a força para compreender adequadamente o ente em si mesmo e para enformá-lo. No momento em que não se coloca tal pretensão, nesse momento mesmo, não é mais possível falar de uma totalidade estrutural. Eu sei que os conteúdos da nova ontologia são diferentes do que acabo de apresentar. Dir-se-á que o giro da mais recente fenomenologia não é particularmente racionalista e sim que, neste momento, há uma tentativa de introduzir o elemento irracional sob a categoria “vivente” de uma maneira completamente diferente. Mas parece uma diferença muito grande entre construir conteúdos irracionais em uma filosofia fundada basicamente no princípio de autonomia e uma filosofia que não parta do fato de que a realidade é adequadamente acessível. Apenas recordo que uma filosofia, como a de Schopenhauer, não chega a seu irracionalismo a não ser por ater-se estritamente aos motivos fundamentais do idealismo racional, do sujeito transcendental de Fichte. Isto me parece depor em favor da possibilidade do idealismo com conteúdos irracionais. O outro momento idealista é o momento da ênfase na possibilidade frente à realidade. Acontece que no marco da posição neo-ontológica se sente o problema da relação entre possibilidade e realidade como uma dificuldade maior. Serei aqui cuidadoso e não definirei a nova ontologia através de posições que são controvertidas em si mesmas. Em todo caso, uma posição que a atravessa é a que afirma sempre uma prioridade do “projeto” do ser sobre a facticidade, tratada de maneira inferior, e, com essa premissa, se aceita o salto defronte da facticidade; esta deve se acomodar posteriormente, e, quando não, ela se abandona à crítica. Vejo um momento idealista nesse domínio do reino da possibilidade, pois que a contradição entre possibildade e realidade não é, no marco da crítica da Razão pura, outra que a (contradição) da

estrutura categorial subjetiva frente à multiplicidade empírica. Por esse reordenamento da nova ontologia à posições idealistas não apenas se torna elucidado o formalismo e a necessária generalidade das determinações neo-ontológicas, às quais a facticidade não se acomoda, e sim também que ela é a chave para o problema da tautologia. Heidegger disse que não é nenhum erro andar em círculo, o que se deve é caminhar no interior do círculo de maneira correta. Sinto-me inclinado aqui a dar razão a Heidegger. Porém se a filosofia permanece fiel à sua tarefa, essa incursão reta no interior do círculo não pode querer dizer outra coisa senão que o ser, que se determina a si mesmo como ser, ou que se interpreta a si mesmo, deixa claro, no ato da interpretação os elementos através dos quais se interpreta enquanto tal. Parece-me que a tendência tautológica não se explica de outra forma que mediante o antigo tema idealista da identidade. Ela surge quando se inclui o ser, que é histórico, sob uma categoria subjetiva, a historicidade. O ser, compreendido sob a categoria subjetiva da historicidade, deve ser idêntico à história. Deve-se acomodar às determinações que lhe são impressas pela historicidade. A tautologia me parece ser antes uma indagação da mítica profundidade da língua em si mesma que um novo ocultamento da antiga tese clássica da identidade do sujeito e objeto. E quando recentemente se encontra em Heidegger um retorno a Hegel, isso parece confirmar essa interpretação. Depois dessa revisão da questão, deve-se revisar o ponto de partida mesmo. Tem-se que insistir que o desmembramento do mundo em ser natural e espiritual, ou em ser natural e histórico, tal como é usual desde o idealismo subjetivo, deve ser superado para que, em seu lugar, ingresse uma posição que provoque, em si mesma, uma unidade concreta da natureza e da história. Unidade, porém, concreta, que não se oriente pela contradição entre ser-possível e ser-real, mas que se nutra das determinações do próprio ser real. O projeto de história na nova ontologia só

tem chance de conseguir dignidade ontológica e perspectiva de se converter em uma interpretação real do ser, se não se dirigir radicalmente às possibilidades do ser e sim ao ente, enquanto tal, em sua determinação concreta intra-histórica. Qualquer separação (Aussonderung) entre estática natural e dinâmica histórica conduz à absolutizações falsas, qualquer separação (Absonderung) entre dinâmica histórica e natural, assentada insuperavelmente nela, leva a um espiritualismo mau. É mérito da posição ontológica haver elaborado internamente o insuperável entrelaçamento entre os elementos da natureza e da história. Por outro lado, é necessário purificar esse projeto da representação de uma totalidade abarcadora e, além disso, criticar, a partir da realidade, a separação entre realidade e possibilidade, pois até agora ambas tombam separadas. Estas são, antes de tudo, exigências metodológicas gerais. Tem-se, porém, que postular mais. Se a questão da relação entre natureza e história deve ser colocada seriamente, então ela apenas oferece uma perspectiva, como resposta, quando consegue compreender o ser histórico como um ser natural em sua determinação histórica extrema, lá onde, ele mesmo, é maximamente histórico, ou quando consegue compreender a natureza, como ser histórico, lá onde, em aparência, ela persiste em si mesma, no mais profundo de si, como natureza. Já não se trata mais de conceber toto coelo o fato da história em geral, sob a categoria de historicidade, como um fato natural e sim de retransformar, em sentido inverso, a disponibilidade (Gefügtheit) dos acontecimentos intra-históricos em uma disposição (Gefügtsein) de acontecimentos naturais. Não é procurar um ser puro, subjacente ao ser histórico, ou que se encontraria nele, e sim compreender o próprio ser histórico como ontológico, isto é, como ser natural. Transformar assim, em sentido inverso, a história concreta em natureza dialética é a tarefa da ontológica mudança de orientação (Umorientierung) da filosofia da história: a idéia da história natural.

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II. Partirei agora da problemática histórico-filosófica que, de fato, tem levado à formação do conceito de história natural. A concepção de história natural não caiu do céu e sim possui sua legitimação obrigatória em uma área do trabalho histórico-filosófico com determinado material, sobretudo, atualmente, estético. O mais simples, para dar uma idéia desse tipo de concepção histórica da natureza, é indicar as fontes, das quais brota esse conceito de história natural. Vou me reportar aos trabalhos de Georg Lukács e de Walter Benjamin. Lukács usou na “Theorie des Romans” um conceito, o de segunda natureza, que conduz ao de História natural. A base desse conceito de segunda natureza é este: Lukács apresenta uma idéia geral histórico-filosófica, a de um mundo pleno de sentido e um mundo vazio de sentido (mundo imediato e mundo alienado, mundo da mercadoria) e tenta representar esse mundo alienado. Esse mundo, como mundo das coisas criadas pelos homens e danificadas por eles, denomina ele mundo da convenção. “Ali onde os fins não são dados imediatamente, as figuras – que a alma (psique), pela sua humanização, encontra como cenário e suporte de sua atividade entre os seres humanos – perdem suas raízes evidentes em necessidades suprapessoais, que devem existir; elas simplesmente existem, talvez onipotentes, talvez corrompidas, porém não trazem em si a benção do absoluto, nem são receptáculos naturais da interioridade transbordante da alma. Elas formam o mundo da convenção: um mundo, de cuja onipotência apenas se subtrai o mais íntimo da alma; que está presente por toda parte em uma multiplicidade invisível; cuja estrita legalidade, tanto em relação ao ser quanto ao devir se torna necessariamente evidente para o sujeito cognoscente, porém que, com todo esse caráter de lei, não se oferece nem como sentido para o sujeito, que busca uma finalidade, nem como material para aquele que atua na imediatez sensível. Uma segunda natureza; igual à primeira” . “Primeira natureza”, para Lukács, igualmente alienada, é a natureza no sentido


NOTAS DE LITERATURA de ciência da natureza – “somente definível como a mais alta representação de necessidades conhecidas e alheias de sentido, e, por isso, inconcebíveis e irreconhecíveis em sua substância real”3. Essa realidade do mundo da convenção, como é produzida historicamente, das coisas que se tornam estranhas, que não podemos decifrar, mas que topamos como cifras, é o ponto de partida da problemática que eu apresento aqui. O problema da história da natureza, visto a partir da filosofia da história, se coloca, antes de tudo, com a questão de como é possível esclarecer, conhecer este mundo alienado, coisificado, morto. Lukács já tinha visto este problema no que ele tem de estranho e de enigma. Se eu tiver êxito na apresentação da idéia de história natural, vocês devem experimentar antes de tudo algo do qaumazein, que esta questão significa. História natural não é uma síntese de métodos naturalistas e históricos, e sim uma mudança de perspectiva. A passagem em que Lukács se aproxima desta problemática diz: “A segunda natureza das figuras humanas não tem nenhuma substância lírica: suas formas estão demasiadamente estarrecidas para se ajustarem ao instante criador de símbolos; a sedimentação do conteúdo de suas leis está demasiadamente definida para que possa abandonar os elementos que na lírica devem se transformar em ocasiões para o ensaio; porém, esses elementos vivem tão exclusivamente por graça da legalidade e carecem de tal forma do valimento do sentido autônomo da existência, que sem eles teriam que se desfazer em nada. Essa natureza não é como a primeira, muda, evidente, e alheia ao sentido: ela é um conjunto de sentido paralisado, alienado, que não desperta mais a interioridade; ela é um calvário (lugar da caveira) de interioridades corrompidas, que só poderiam estar despertas – se isso fosse possível – através do ato metafísico de uma ressurreição do anímico, que as criou ou as mantém em sua existência anterior ou presumida (sollende), porém que não poderiam ser vividas por uma outra interioridade”4. O problema desse despertar,

que aqui se sustenta como possibilidade metafísica, é o problema que constitui o que ora se entende por história natural. O que Lukács contempla é a transformação do histórico, enquanto o “passado” (tem-sido/ Gewesen), em natureza, a história paralisada é natureza, ou o vivente paralisado da natureza é um mero ter-sido histórico. Em seu discurso sobre o calvário se encontra o momento da cifra; que tudo isso significa algo que, entretanto, ainda se deve extrair dali. Lukács não pode pensar esse calvário a não ser sob a categoria da ressurreição teológica, sob o horizonte escatológico. A mudança decisiva frente ao problema da história da natureza, que Walter Benjamin anteviu, foi ter trazido a ressurreição da segunda natureza da distância infinita para a proximidade infinita, e o fez objeto da interpretação filosófica. E, ao se prender a esse motivo de decifrar o enigmático, o paralisado, a filosofia chegou a formar mais nitidamente o conceito de história natural. Antes de tudo há duas colocações de Benjamin que são complementares ao trecho de Lukács. “A natureza flutua sobre eles (os escritores alegóricos) como trânsito eterno, no qual apenas o olhar saturnino destas gerações reconhecia a história”5. “Se com a tragédia a história caminha para dentro do cenário, ela o faz como escrita. Sobre a máscara da natureza se encontra a ‘história’ na escrita cifrada do trânsito”6. Aqui se acrescenta algo fundamentalmente diferente da filosofia da história de Lukács, em ambas as vezes se encontram as palavras trânsito e transitoriedade. O ponto mais profundo na convergência da história com a natureza se situa precisamente nesse momento da transitoriedade. Se Lukács faz com que o histórico, enquanto o ter-sido, se volte a transformar em natureza, aqui se dá o outro lado do fenômeno: a mesma natureza se apresenta como natureza transitória, como história. Os posicionamentos históricos naturais não são possíveis como estruturas gerais e sim tão somente como interpretação da história concreta. Benjamin parte do pressuposto de que a alegoria não é uma relação de casuali-

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dade, meramente secundária; alegórico não é um signo casual para um conteúdo extraído de seu interior; e sim que, entre a alegoria e o pensado alegoricamente existe uma relação objetiva, “alegoria é expressão”7. Habitualmente se denomina alegoria a apresentação sensorial (mediante elementos sensoriais) de um conceito, e, por isso, ela é taxada de abstrata e casual. Porém a relação entre o que aparece alegoricamente e o significado não está simbolizada casualmente, e sim que algo de particular se passa aí – a alegoria é expressão – e o que se representa nesse espaço, o que se expressa, não é outra coisa que uma relação histórica. O tema do alegórico é simplesmente história. Que se trata de uma relação histórica entre o que aparece (Erscheinenden), a natureza manifesta (erscheinenden), e o significado, a saber, a transitoriedade, explicita-se assim: “Sob a categoria decisiva de tempo, em cuja área da semiótica se constitui a grande perspicácia romântica desse pensador, se pode estabelecer a relação entre símbolo e alegoria de forma eficaz e em termos formais. Enquanto no símbolo, com a transfiguração da queda, o rosto transfigurado da natureza se manifesta fugaz à luz da salvação, na alegoria a face hipocrática da história se manifesta diante dos olhos do observador como paisagem primordial paralisada. A história, com tudo o que, desde o começo, tem de intemporal, de doloroso, de falha, se expressa em um rosto – não em uma caveira. E assim certamente falta nela toda liberdade “simbólica” de expressão, toda harmonia clássica da forma, todo humano – não é expressa apenas a natureza do existir humano simplesmente, e sim a historicidade biográfica de um indivíduo nessa sua figura da natureza decaída, plena de significado como enigma. Este é o núcleo da contemplação alegórica, barroca, mundana exposição da história como história do sofrimento do mundo; significativa apenas nas estações de suas ruínas. Tão grande significado, tão grande ruína mortal, porque no mais fundo a morte escava a quebrada linha de demarcação entre physis e significação”8. O que pode

significar aqui o discurso da trasitoriedade e o que quer dizer proto-história do significado? Não posso desenvolver estes conceitos à maneira tradicional, um separado do outro. Aquilo, de que se trata aqui, provém de uma forma lógica radicalmente diferente da (forma lógica) do desenvolvimento de um “projeto”, que serve de base constitutiva para elementos de uma estrutura de conceitos gerais. Não é o momento de se analisar essa outra estrutura lógica, a constelação. Não se trata de um esclarecimento dos conceitos, um separado do outro, e sim de uma constelação de idéias, e, a saber, da idéia de transitoriedade, da de significado, da idéia de natureza e da idéia de história. Às quais não se recorre como “invariantes”; buscá-las não é a finalidade da questão, e sim que se reúnem entorno da facticidade histórica concreta, a qual, na conexão desses momentos, se manifesta em sua irrepetibilidade, Como se relacionam aqui esses momentos entre si? A natureza enquanto criação é concebida por Benjamin como assinalada pelo sinal da transitoriedade. A natureza mesma é transitória. Dessa maneira, tem em si mesma o momento da história. Sempre que aparece históricamente, o histórico remete ao natural, que nele passa. Ao contrário, sempre que aparece como “segunda natureza”, esse mundo da convenção, que chega até nós, se decifra pelo fato de sua transitoriedade se tornar clara como significado. Em Benjamin isto se concebe em um primeiro momento – e aqui se tem que ir mais longe – desse modo: há alguns fenômenos fundamentais proto-históricos que originalmente estavam ali, que foram esquecidos e que se transformam em significado no alegórico, que retornam no alegórico, como retorna o literal. Por isso não se trata de meramente indicar que na própria história temas proto-históricos sempre se voltam a manifestar, e sim que a própria proto-história, enquanto transitoriedade, leva em si o tema da história. A determinação fundamental, a transitoriedade do terreno não significa outra coisa que uma relação semelhante entre natureza

e história; que todo ser ou todo ente deve ser compreendido apenas como cruzamento do ser histórico e do ser natural. Enquanto transitoriedade, a proto-história está absolutamente presente. Está presente sob o signo de “significação”. O termo “significação” quer dizer que os momentos natureza e história não se dissolvem um no outro, e sim (que), ao mesmo tempo, se separam e se cruzam entre si, de tal modo que o natural aparece como signo para a história e a história, onde ela se manifesta mais historicamente, como signo para a natureza. Todo ser ou, pelo menos, tudo que foi transformado (gewordene) em ser, tudo que foi (gewesene) ser, se metamorfoseia em alegoria, e com isso a alegoria deixa de ser uma mera categoria da história da arte. Igualmente o “significar” mesmo se transforma de um problema de hermenêutica histórico-filosófica, ou até de problema do sentido transcendente, em momento que transubstancia a história constitutiva em proto-história. Daí a “proto-história do significado”. A queda de um tirano, por exemplo, é similar ao por do sol na linguagem barroca. Essa relação alegórica contém em si já a intuição de um procedimento que pode conseguir interpretar a história concreta em suas manifestações como natureza e constituir dialeticamente a natureza na figura da história. O desenvolvimento dessa concepção é uma vez mais a idéia de história natural. III. Depois de ter apontado a origem da idéia da história natural, avançarei mais. O que entrelaça essas três posições é a imagem do calvário (Schädelstätte). Em Lukács é algo meramente enigmático, em Benjamin se torna cifra, que se deve ler. Sob esse pensamento radicalmente histórico-natural, porém, todo ente se transforma em escombro e fragmento, em um calvário, no qual se cruzam natureza e história, e a filosofia da história realiza a tarefa de sua interpretação intencional. Assim se realizou um duplo giro (mudança). De um lado, eu levei a problemática ontológica a uma formulação histórica, tentando indicar de que modo se pode radicalizar a

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posição ontológica historicamente concreta. De outro lado, sob a figura da transitoriedade, mostrei como a história mesma a impulsiona para um giro (mudança) em certo sentido ontológico. O que entendo aqui por um giro ontológico é algo completamente distinto do que hoje se entende habitualmente como tal. Por isso não quero reclamar essa expressão de forma permanente, e sim a introduzo exclusivamente com fins dialético. O que tenho em mente por história natural não é uma ‘ontologia historicista’, nem a tentativa de extrair um conjunto de fatos históricos e hipostasiá-los ontologicamente, de modo que possa abranger, como sentido ou estrutura fundamental, a totalidade de uma época, como Dilthey, por exemplo, fazia. Esta tentativa de Dilthey de uma ontologia historicista fracassou, porque ele não teve seriedade suficiente com a facticidade, permaneceu no terreno da história do espírito e, à maneira de conceitos arbitrários de estilo de pensamento, não compreendeu absolutamente a realidade material-sensitiva. Em lugar disso, o que se deve realizar não é a construção de modelos históricos por épocas e sim analisar a facticidade histórica em sua própria historicidade como algo histórico-natural. Em relação à articulação da história natural, levanto uma segunda questão, que se apresenta do lado inverso. (Situa-se diretamente num sentido que continua a discussão de Frankfurt). Poder-se-ia dizer que penso em uma espécie de encantamento da história. Aqui o histórico se despenderia, em toda sua casualidade, em favor do natural e do protohistórico. Porque parece alegórico, tudo aquilo com que se depara historicamente pode se transfigurar em algo carregado de sentido. Não é assim que penso. De todas as formas, o que causa estranheza é o ponto de partida da posicionamento do problema, o caráter natural da história. Porém, se a filosofia não quisesse insistir em outra coisa que na aceitação do choque de ser história e se apresentar sempre, ao mesmo tempo, como natureza – então isto seria, como Hegel o


NOTAS DE LITERATURA censurava em Schelling, algo como a noite da indiferença, na qual todos os gatos são pardos. Como sair dessa noite? Isso eu quero apontar a seguir. Vou partir do fato de que a história, tal como a encontramos, se dá como algo absolutamente descontinuado, e, neste caso, não contém apenas fatos e circunstâncias disparatados mas também disparidades estruturais. Quando Riezler fala de três determinações da historicidade opostas uma à outra (einander) e também enredadas uma na outra (ineinander), a saber tyche, ananké e espontaneidade, eu não tentaria sintetizar essa repartição da estrutura da história nessas determinações mediante uma assim chamada (falsa?) unidade. Julgo precisamente que a nova ontologia prestou um serviço mais frutífero na concepção desse ser assim disposto (Gefügtsein). Então, essa descontinuidade – em relação à qual, como disse, não vejo nenhum direito para transportá-la a uma totalidade estrutural – se apresenta, de entrada, como existente entre o mítico-arcaico, material natural da história, do ter-sido (Gewesene) e o novo que nela emerge dialeticamente, novo em sentido estrito. Estas são categorias cuja problemática me é clara. Mas o procedimento diferencial para se chegar à história natural, sem antecipá-la como unidade, é, antes de tudo, que se aceite (annimmt) e se acolha (hinnimmt) as duas estruturas problemáticas e indefinidas, em sua contradição, tal como se dão na linguagem da filosofia. Isto é sempre mais possível, como se manifesta, pois a filosofia da história se aproxima cada vez mais de um cruzamento entre o existente originário e o novo em processo de aparição, graças aos resultados que são apresentados pela investigação. A respeito desse terreno da investigação eu recordo que na psicanálise se encontra essa contradição com toda clareza: na diferença entre os símbolos arcaicos, em relação aos quais não se processa nenhuma associação, e os símbolos intra-subjetivos, dinâmicos, intrahistóricos, que se deixam eliminar e que podem ser transformados em atualidade

psíquica, em conhecimento presente. Então a primeira tarefa da filosofia da história é elaborar esses dois momentos, distingui-los e confrontá-los entre si, e apenas quando essa antítese for explicitada, existirá uma chance de se poder chegar à desconstrução da história natural. Os resultados pragmáticos, que se apresentam quando se consideram o arcaico-mítico e o historicamente novo, oferecem novamente a indicação disso. Ao mesmo tempo fica evidente que o mítico-arcaico subjacente, mítico que supostamente persiste de forma substancial, não se mantém subjacente, em absoluto, de uma maneira estática; antes, em todos os grandes mitos, e, provavelmente, também nas imagens míticas que nossa consciência ainda tem, já se encontra presente o momento da dinâmica histórica, na verdade, em forma dialética, de modo que as realidades fundamentais míticas são plenamente contraditórias em si mesmas e se movem de forma contraditória (recorde-se do fenômeno da ambivalência, do “contra-sentido” das palavras primitivas). O mito de Cronos é um destes. Nela a extrema força criadora dos deuses se estabelece, ao mesmo tempo, como força que aniquila suas criaturas, seus filhos. Ou, como acontece na mitologia subjacente à tragédia – que é sempre dialética –, de um lado carrega em si a condição de culpabilidade do ser humano decaído nas dependências da natureza, mas, ao mesmo tempo, aplaca o destino por si mesma; por que o ser humano se eleva como tal sobre o destino. O momento da dialética se enraíza nisso: os mitos trágicos contém em si, ao lado da queda na culpa e na natureza, o momento da reconciliação, essa radical superação da dependência da natureza. A representação não apenas de um mundo das idéias estático, adialético e sim da dialética que irrompe dos mitos adialéticos, faz o retorno a Platão como sua origem9. Em Platão, o mundo dos fenômenos está realmente rompido, abandonado, porém, visivelmente dominado pelas idéias. Não obstante, as idéias não tomarem parte alguma nele, e como não tomam parte alguma no movi-

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mento do mundo, por esse alheamento do mundo da experiência humana em relação às idéias, estas deverão permanecer forçosamente entre as estrelas, para poder manter-se frente a essa dinâmica. Tornam-se estáticas: paralisadas. Porém isso é já a expressão de um estado da consciência, que perdeu sua substância natural, enquanto imediação. Neste momento de Platão, a consciência já sucumbiu à tentação do idealismo: o espírito desterrado do mundo e alienado da história, se absolutiza ao preço da vida. E a fraude do caráter estático dos elementos míticos é aquilo de que temos de nos desembaraçar, se quisermos chegar a uma imagem concreta da história natural. Por outra parte, “o novo em seu momento”, o produzido dialeticamente na história, se apresenta na verdade como arcaico. A história é “mais mítica lá onde mais histórica é”. Aqui surgem as maiores dificuldades. Ao invés de desenvolver idéias gerais, apresentarei um exemplo: o da aparência; e, certamente, falo da aparência no sentido de uma segunda natureza, da qual tratava antes. Esta segunda natureza, quando se manifesta plena de sentido, é uma natureza da aparência, e nela a aparência é produzida historicamente. Ela é aparente porque a realidade se perdeu e cremos entendê-la plena de sentido, quando na verdade está vazia, ou porque introjetamos em seu estranho ter-sido (Gewordene) intenções subjetivas enquanto significados seus, como na alegoria. Agora, porém, o mais notável é que essa criatura intra-histórica, a aparência, é ela mesma do gênero mítico. Assim como o momento da aparência está grudado em todo mito, assim como a dialética do destino mítico, sob as formas de Hybris e de cegueira, é inaugurada a todo momento pela aparência, assim também os conteúdos-da-aparência, produzidos historicamente são a todo momento de caráter mítico; e não apenas o fato de tais conteúdos recorrerem ao arcaico proto-histórico e de na arte todo aparente ter a ver com os mitos (pense-se em Wagner), e sim também que o caráter mesmo do mítico retorna nesse

fenômeno da aparência. Esse destaque (Herausarbeitung) era realmente um problema da história natural. Em relação ao que se tratou, deveria eu mostrar, por exemplo, que quando se constata o caráter de aparência de certas moradias, nessa aparência está difusa o pensamento do ser que já foi (Gewesenseins) desde sempre e que se reconhece uma vez mais. Aqui se deveria analisar o fenômeno do dejà-vu, do reconhecimento. Desta aparência intra-histórica alienada retorna novamente o fenômeno mítico primordial da angústia. Sobrevem uma angústia arcaica em qualquer lugar onde esse aparente mundo da convenção nos defronte. É sempre próprio dessa aparência o momento da ameaça; é igualmente um momento mítico da aparência o fato de ela ter o caráter de atrair para dentro de si tudo, como se fosse um funil. Ou o momento da realidade da aparência frente a seu caráter simbólico (Bildlichkeit): que em todo lugar onde nos defrontamos com a aparência, a sintamos como expressão, como algo não apenas aparente que se deixa de lado, e sim que expresse algo que aparece nela e que não pode ser descoberto independentemente dela. Esse é igualmente um momento mítico da aparência. E finalmente: o motivo decisivo, transcendente do mito, o da reconciliação, se presta também à aparência. Quero lembrar que a comoção está em toda parte associada às obras de arte menores e não às maiores. Penso que o momento da reconciliação está por toda parte onde o mundo se apresenta o mais aparente possível; em que a promessa de reconciliação é dada da forma mais perfeita, onde, ao mesmo tempo, o mundo está mais fortemente protegido contra todo “sentido”. Com isso volto a lhes remeter à estrutura do proto-histórico na aparência mesma, onde esta, em seu próprio ser, se revela como algo produzido historicamente: na linguagem corrente da filosofia: onde a aparência se torna madura pela dialética sujeito-objeto. A Segunda natureza é na verdade a primeira. A dialética histórica não é um mero retomar materiais proto-históricos reinterpretados e sim transformar esses

mesmos materiais históricos em mítico e histórico-natural. Quisera ainda falar sobre a relação dessas coisas com o materialismo histórico, porém aqui só me cabe dizer isso: não se trata do complemento de uma doutrina por outra, e sim da interpretação imanente de uma teoria. Por assim dizer, me situo como uma instância judicial do materialismo dialético. Gostaria de enfatizar que o exposto é apenas uma interpretação de certos elementos fundantes da dialética materialista.

1 Conferência apresentada em julho de 1932 na Kantgesellschaft de Frankfurt e publicada postumamente. Foi uma contribuição de Adorno à “Discussão de Frankfurt”, debate sobre o historicismo, que acontecia na Universidade de Frankfurt e da qual já tinham participado anteriormente Max Scheler e Karl Mannheim (NT) 2 Título Original: Die Idee der Naturgeschichte. In ADORNO, T. W. Philosophische Frühschriften. Band I. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1996, pág. 345-365. Tradução de Bruno Pucci, prof. titular da Faculdade de Educação da UNIMEP e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa “Teoria Crítica e Educação”, financiado pelo CNPq e FAPESP. Tradução cotejada com a versão castelhana de José Luis Arantegui Tamayo (Barcelona: Ediciones Paidós, 1991). Revisão da tradução de Newton Ramos de Oliveira e Antônio Álvaro Soares Zuin 3 Georg Lukács, Die Theorie des Romans, Berlim 1920, pág. 52. 4 Op. Cit. Pág. 54. 5 Walter Benjamin, Ursprung des deutschen Trauerspeils, Berlin, 1928, pág. 178. 6 Op. Cit. Pág. 176. 7 Ver op. cit. Pág. 160. 8 Op. cit., pág. 164 e seguuintes 9 Para o que segue, ver Sören Kierkegaard, Begriff der Ironie (Conceito de ironia), Berlin, Munich, 1929, pág. 78 e seguinte. Texto retirado e conforme o da página Debates <http://planeta.clix.pt/adorno/>.

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O HUMANISMO PROTESTANTE NA VISÃO DE FERNAND BRAUDEL por Guilherme Canarim

Fernand Braudel explicita as contradições do Humanismo Protestante. Braudel (2004) aborda alguns aspectos do que denomina “humanismo protestante”, centrando sua visão em Lutero e Calvino, e algumas observações sobre o protestantismo primitivo (século XVI) e o “protestantismo vitorioso” do século XVIII. Discute a fronteira entre católicos e protestantes, suas diferenças e convergências. Braudel situa a crise que resultou na Reforma entre os séculos XV e XVI, primeiramente na Alemanha. Afirma que a Reforma se consolida com Lutero, a partir das 95 teses fixadas nas portas da Igreja de Schlosskirche, em Wittenberg. Salienta que as guerras de religião eclodem em 1546, ano de morte de Lutero; e que a fúria da violência religiosa se ameniza no século XVIII. Martinho Lutero (1483-1546) “era um camponês das províncias limítrofes do leste germânico”. Para Braudel (2004, p. 323), havia algo natural e coerente na revolta espiritual de Lutero. Este se aventura a “denunciar os abusos, os absurdos, as complicações da Igreja”; ele deseja “sair dessas incertezas apostando tudo na redenção pela fé (‘o justo é salvo por sua fé), contentar-se com tomadas de posições emocionais, instantâneas, sem preocupar em ordená-las meticulosamente, tal é a posição clara, simples do jovem Lutero, uma posição romântica e revolucionária”. Braudel descreve um Lutero que sente a gravidade da crise moral de sua época e expressa sua indignação contra os abusos e desvios de sua própria Igreja. Mas “verdade é que Lutero não poderá manter essa atitude que


NOTAS DE LITERATURA o opõe aos poderosos, aos ricos. Em 1525, o Reformador deverá separa-se dos camponeses alemães sublevados, em parte por causa dele, entre o Elba, o Reno e os Alpes”. Sobre Calvino, Braudel (2004, p. 323-324) eleva o tom de sua visão crítica. Ao contrário de Lutero, Calvino é “o citadino, o letrado de cabeça fria, o organizador paciente, enérgico, o jurista que sempre experimenta a necessidade de ir até o fim de suas deduções”. Umas das contradições mais visíveis do humanismo protestante pode ser identificado no período em que se desencadeia a grande revolta (século XVI) e no período em que os ânimos já estão mais brandos (século XVIII). Braudel distingue estes dois momentos caracterizando um “protestantismo primitivo” e um “protestantismo triunfante”. Na fase primitiva predomina a violência e as contradições de um movimento que lutava por liberdade.

CONCEITO DE HISTÓRIA AMBIENTAL

“Iniciada sob o signo da liberdade e da revol-

poder e a influência do Estado nacional e

ta, a Reforma não tarda a mergulhar na mesma intransigência que criticava em seu adversário. Ela cria um edifício tão rígido quanto o catolicismo medieval, ‘onde tudo está subordinado à escala dos valores sobrenaturais da revelação: o Estado, a Sociedade, o ensino, a ciência, a economia, o Direito’. No topo do edifício, o ‘Livro’, a Bíblia, e, como intérpretes do livro, o Estado e a Igreja protestante. Ao Estado (príncipe ou cidade), o velho episcopale”. (Braudel, 2004, p. 325).

Referência BRAUDEL, Fernand. Gramática das civilizações. 3 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

por Guilherme Canarim

Antigamente a disciplina da história tinha uma tarefa no cômputo geral mais fácil. Todo o mundo sabia que o único assunto importante era a política e que o único campo digno de interesse era o Estado nacional. Esperava-se que o historiador investigasse os conchavos de presidentes e primeiros-ministros, a tramitação de leis, as lutas entre os tribunais e os corpos legislativos e as negociações dos diplomatas. Esta velha história, tão cheia de certezas, na verdade não era tão antiga assim -ti-

de muitas teses desenvolvidas em outras áreas do conhecimento e de tempos históricos diferentes, que postos em perspectiva podem proporcionar analises sobre o(s) impacto(s) da ação humana no mundo, suas implicações e limites ou ainda material para embasarmos pesquisa relativas ao colapso ou crise sistêmica do capitalismo contemporâneo e o esgotamento dos recursos. Por meio dessas hibridações com outros campos como a biologia a geografia ou antropologia ela busca por meio de métodos próprios, abranger questões vitais para todas as ciências como se há ou não limite para a descontrolada taxa de crescimento populacional(?), ou qual o custo beneficio da invasão dos grandes latifúndio sobre a florestas amazônica e atlântica(?) dentre outras.

nha apenas cem anos de idade, no máximo duzentos. Ela emergiu juntamente com o alcançou um máximo de aceitação no século XIX e inicio do século XX. Frequente-

Referência Estudos Históricos, Rio de Janeiro, \101. 4, n. 8. 1991, p. 198·215.

mente seus praticantes eram homens com fortes sentimentos nacionalistas, levados por motivações patrióticas a reconstituir a ascensão dos seus respectivos países, a formação de lideranças políticas dentro deles, e as rivalidades com outros estados, na busca de riqueza e poder. Eles sabiam o que era importante, ou pensavam saber. (WORSTER, Donald p.198)

No embornal da juntura do homem com o seu tempo verte um rio que é fonte, alimenta o mundo e da sentido a vida e acultura humanas, dai que, este rio, sempre encharca-se no terreno da civilizações, e abre desvão onde lhe bem entenda. A historia ambiental é um afluente do rio da historia que se infiltra no charco da contemporaneidade com a finalidade de abordar temas muito caros a vida e a sobrevivência da humanidade em geral e mesmo do colapso global causado pela exploração. Historicamente recente, a temática da historia ambiental em realidade é carregada

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FICHAMENTO DE LEITURA: KULTURINDUSTRIE, AUFKLÄRUNG ALS MASSENBETRUG por Guilherme Canarim

“Kulturindustrie, Aufklärung als Massen-

trug” é um texto que compõe o livro “Dialektik der Aufklärung, Philosophische Fragmente”, uma colição de textos resultantes de conversas entre os autores, durante o período em que estiveram exilados nos EUA, que foi gravada por Gretel Adorno e orgazinada por ela e pelos dois, Max Horkheimer e The-

odor Ludwig Wiesegrund-Adorno. Publicada em versão mimeografada em 1944, com frontispício de dedicatória a Friedrich Pollock, por meio do New York Institute of Social Research, e em versão final pela primeira vez pela Querido Verlag em 1947 em Amsterdã e posteriormente pela S. Fischer Verlag cuja divisão de Berlim ( para nossa sorte) veio a tornar-se a Suhrkamp Verlag. Este texto, “Industria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas” parte da “Dialética do esclarecimento” na edição em língua portuguesa da Zahar copyrigth de 1985, foi um dos textos Adornianos muito lidos em edições piratas nos EUA, na Europa em geral, e com avidez pelos jovens que freqüentavam a praia de Ipanema nos meses que antecederam o golpe de 1964, foi vertido em português por alguns tradutores como Guido Almeida, Juba Elisabeth Levy, que traduziu os textos organizados por Jorge Almeida no seu Industria Cultural e Sociedade, Bruno Pucci e outros. Nestes trabalho ADORNO “o grande professor do pensamento crítico, cuja análise representam a espinha dorsal do cenário intelectual do então oeste da Alemanha” e seu importante colega Max Horkheimer buscaram tratar da cultura de massas de um ponto de vista diverso, inclusive cunhando o conceito de “industria cultural” com o intuito de diferenciar a sua interpretação em relação a produção e consumo da cultura, não considerando o que esta geralmente implícito nas noções de cultura popular o de massa, que apontam para a emergência espontânea desta, como acertado e observando que a industria cultural opera por meio da administração dos recursos miméticos recalcados. Por meio de uma analise que tem como pontos fundamentais, tanto a critica teórica da cultura, seus processos de produção, inter-relação e uso, alem de suas implicações, quanto as pesquisas empíricas desenvolvidas pelo instituto para a pesquisa social de Frankfurt e pelo instituto para pesquisa social de nova York.

considerados importantes/ acompanhado no final da citação o número da página. (a) “Die stereotype Übersetzung von allem, selbst dem noch gar nicht Gedachten ins Schema der mechanischen Reproduzierbarkeit übertrifft die Strenge und Geltung jedes wirklichen Stils, mit dessen Begriff die Bildungsfreunde die vorkapitalistische Vergangenheit als organische verklären.”(p.135) (a) “A tradução estereotipada de tudo, até mesmo do que ainda não foi pensado, no esquema da reprodutibilidade mecânica supera em rigor e valor todo verdadeiro estilo, cujo conceito serve aos amigos da cultura para transfigurar em algo de orgânico o passado pré-capitalista.”(p.105) (b) “Das Vergnügen erstarrt zur Langeweile, weil es, um Vergnügen zu bleiben, nicht wieder Anstrengung kosten soll und daher streng in den ausgefahrenen Assoziationsgeleisen sich bewegt.”(p. 145) (b) “O prazer acaba por se congelar no aborrecimento, porquanto, para continuar a ser um prazer, não deve mais exigir esforço e, por isso, tem de se mover rigorosamentenos trilhos gastos das associações habituais” (p.113) (c) “Der Fortschritt der Verdummung darf hinter dem gleichzeitigen Fortschritt der Intelligenz nicht zurückbleiben. Im Zeitalter der Statistik sind die Massen zu gewitzigt, um sich mit dem Millionär auf der Leinwand zu identifizieren, und zu stumpfsinnig, um vom Gesetz der großen Zahl auch nur abzuschweifen.” (p.153) (c) “ O progresso da estultificação não pode ficar atrás do simultâneo progresso da inteligência. Na era da estatística, as massas estão muito escaldadas para se identificar com o milionário na tela, mas muito embrutecidas para se desviar um milímetro da lei do grande numero” (p.120)

Destaques por tópicos/ anotação de trechos

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(d) “Das Existieren im Spätkapitalismus ist ein dauernder Initiationsritus. Jeder muß zeigen, daß er sich ohne Rest mit der Macht identifiziert, von der er geschlagen wird.”(p.162) (d) “A vida no capitalismo tardio é um continuo rito de iniciação. Todos têm de mostrar que se identificam integralmente com o poder de quem não cessam de receber pancadas.”( 127) Este, como muitos outros trabalhos destes autores, e em especial de ADORNO, tratam do problema da modernidade e suas implicações na arte, cultura, e sociedade, bem como os problemas relativos a cultura de massa e a industria envolvida na produção dos bens de consumo. Em razão de sua particaridade, por conta do seu caráter critico estes autores tem contribuído muito para o vanço da critica teórica de muitos aspectos civilizatórios do ocidente. Nesta releitura eu pude observar alguns aspectos radiculares da fundamentação da moral e da educação política insinuada por ADORNO.

Referência ADORNO, Theodor W.;HORKHEIMER, Max. “Industria cultural: o esclarescimento como mistificação das massas” in Dialetica do esclarescimento, fragmentos filosóficos.;tradução Guido Antonio de Almeida.-Rio de Janeiro: Zahar, 2006. ______________ Kulturindustrie, Aufgklärung als Massenbetrug in Dialektik der aufgklärung, Philosophische fragmente. Frankfurt am Main. 16. Auflage: November 2006.


CRÍTICA ROEDORA (PRETENSÃO DE) ENSAIO SOBRE A MALDADE por Lêda Garcia

É possível que a maldade tenha a idade do ser humano. Nas demais espécies do reino animal constata-se a existência do comportamento violento com objetivo, via de regra, ligado à própria preservação ou, até mesmo, a da espécie. É fato que não se pode descartar que algum bicho possa agir maldosamente como no mito bíblico da serpente que, através de Eva, articulou a queda de Adão. A maldade difere da violência por não ter sua explicitude. Antes, age de modo discreto, sutil e, embora utilize métodos que podem variar conforme o modelo social vigente, preserva sua característica. Em tempos de “politicamente correto” observa-se na sociedade a tentativa de um discurso hegemônico de condenação a ela, mas o que se constata é uma atitude ambivalente em relação à maldade (e aos maldosos): talvez porque existe um certo charme na maldade pois seu exercício exige arquitetura, método, frieza e paciência. Enfim, exige inteligência, enquanto a bondade é óbvia - não instiga nem surpreende. Pensadores do Iluminismo acreditavam que quando todos os seres humanos tivessem acesso aos bens de consumo haveria felicidade no mundo. Quanta maldade já se praticou pela posse de mais e mais bens! Mais tarde, o acesso ao conhecimento seria o grande trunfo para humanos se tornarem seres com espírito mais elevado. Hoje sabemos que o conhecimento é muito importante mas não parece ser a condição essencial para um ser humano livre de maldade. Fica agora a esperança que a Ética seja o instrumento capaz de engrandecer o espírito da humanidade, tornando-o mais elevado e fazendo com que supere a tendência natural à maldade.

É A MITOLOGIA GREGA MACHISTA? por Marina T. Livramento

Será que nas lendas mitológicas gregas está presente o tão abominado pelas feministas nos dias atuais, machismo? Este ensaio tem por objetivo analisar as possíveis afirmações machistas dentro da mitologia e explicar quais consequências que assunto pode trazer atualmente à nossa sociedade, que é tão diferente da grega há milhares de anos atrás. Apesar de os anos terem passado, a mulher ainda vive situações de submissão e opressão, são violentadas de inúmeras formas. O fenômeno é um problema enfrentado no mundo todo, e a igualdade entre homens e mulheres nos parece distante. Existem duas “correntes” que podem responder a esse questionamento. O primeiro afirma que sim, a mitologia grega é machista por vários motivos e elementos presentes nas lendas que apresentarei em seguida. A segunda afirma que não, uma vez que são somente mitos, e que foram escritos como foram por serem uma conseqüência da sociedade grega da antiguidade, que se organizava daquela maneira, ou seja, por uma questão cultural, sem intenção específica de ser machista. O machismo está presente em diversos contos da mitologia, e de diferente maneiras. A nossa história, desde tempos remotos, é marcada por lutas, por domínio e poder, a mitologia greco-romana retrata isso de forma bem clara, apresentando diversos tipos de lutas, nas quais os deuses sempre têm mais relevância do que deusas. A maioria das mulheres que apareciam eram retratadas como musas inspiradoras, sem grande importância. O valor da mulher era tão esquecido que acredita-se que muitas histórias em que a mulher era a heroína podem ter sido perdidas com o passar o tempo. Como

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o machismo e a cultura patriarcalista ainda existem no século XXI, é necessário que o assunto seja mais discutido entre todas as pessoas de diferentes faixas etárias. Alguns exemplos podem ser dados quando o assunto tratado é o machismo nas lendas mitológicas: A Caixa de Pandora é um mito que narra a chegada da primeira mulher à Terra. Pandora, que foi a primeira mulher criada por Zeus e que tinha como defeito a curiosidade, trazia consigo uma caixa, que quando aberta, libertou todos males do mundo, a metáfora é simples, a chegada da mulher marcou o fim de um período glorioso para o homem na Terra. Culpa da mulher. Medusa era uma mulher muito bonita, invejada pelas mulheres e amada pelos homens, mas não poderia se casar por ser sacerdotisa de Atena, a deusa da guerra e virgem. Até que Poseidon, enlouquecido pelo forte desejo, violentou a sacerdotisa virgem dentro do templo de Atena. A inocência de Medusa foi roubada e sua vida mudou para sempre. Inacreditavelmente, Atena descontou sua ira sobre Medusa por deixar ter sua inocência roubada, e não sobre Poseidon. Como ele era um deus masculino, o que ele fez não pareceu surpresa aos olhos da deusa. Atena rogou uma sentença arrasadora sobre Medusa, que se tornou um monstro que petrificaria quem a olhasse. Afrodite que significava a beleza e o amor, tinha personalidade egoísta, mesquinha e irritante, pois era conveniente pros homens da época taxar uma mulher bonita e desejada pela maioria dos homens de histérica e insensível, quando a verdade não era essa. Atena é uma deusa assexuada e sua figura era de defender outras mulheres, mas usava sua inteligência e imponência a favor dos homens. O que ela faz não é defender as mulheres, na lógica machista de quem a criou, o mundo pertence aos homens e logicamente continuará sendo. Quando fundou a atual capital da Grécia, Teseu decidiu que a melhor forma de repovoar a cidade era estuprar todas as mulheres. Isso tudo sem contar a quantidade de estupros e violências praticadas contra as mulheres nos mitos, são

muitos! As pessoas costumam dizer que nós crescemos no padrão patriarcal e todas as nossas histórias foram construídas baseadas neste padrão, para justificá-lo. Então o patriarcado é visto como algo natural, nos passando a ideia de que não temos como fugir disso. Porém, deveríamos pensar que o padrão não é natural, ele também foi criado, e as histórias são derivadas de um padrão criado. As mulheres foram dominadas por serem mais frágeis fisicamente, mas isso não é uma justificativa plausível para o patriarcalismo nem para a inferioridade que nos cerca. A nossa evolução de certa forma foi ignorada, não foi aceita, ninguém quis ver até onde poderíamos chegar. Se o machismo não for esclarecido como algo que deve ficar na história, não permanecendo no presente, para nossas atuais crianças, as mulheres continuarão sendo vítimas de violência e de condições desiguais. Gênero é só um conceito que pode ser usado para explicar a realidade ou não. Quando utilizamos a palavra gênero, parece que o social está sendo separado do psicológico, como se o corpo fosse separado da alma. O machismo e patriarcalismo presentes na mitologia grega ainda existem nos dias atuais, talvez não com a mesma intensidade, mas as lutas das mulheres deve continuar para que a educação e a sociedade passem a pensar de forma mais igual entre os sexos e menos cruel sobre o sexo feminino.

POLITICA A GENTE PRATICA TODO DIA por Michelle Z. Borges

Quando alguém nos conta uma experiência boa que viveu imaginamos como seria ter vivido aquilo também, como foi a neve cair sobre seu nariz, como foi sentir o vento

sobre os cabelos quando pulou de um avião com a certeza que estava seguro, mas não do lugar que iria pousar. Quando nos contam experiências ruins a gente deseja não viver tais coisas, mas a verdade é que as dificuldades no percurso de qualquer fase da nossa vida nos tornam o que somos hoje. Somos humanos e por isso mudamos. E devemos. Não é um texto informativo, mas são vendidos milhares de jornais todos os dias e boa parte que o compra sabe o que acontece na região, mas não interpreta o que lê. Sabe criticar a atitude de quem conhece porque acha que a outra pessoa deveria ter agido de um jeito e não o fez. Se muita gente vai falar mal de terceiros para você talvez seja a hora de repensar suas próprias atitudes, talvez você faça muito disto também com outros. A pessoa que é baleada nos bairros pobres ganha menos notoriedade nos jornais de quem morre nos bairros nobres. Ganha campanha por segurança organizada pela família e pelo bairro, quem é nobre ganha comoção a nível estadual ou até nacional. Ninguém vale mais do que ninguém. Somos dependentes do outro, queremos a nossa rua asfaltada, queremos unidades básicas de saúde que realmente funcionem, a gente defende que a criança deve ser criança, mas compra um celular que foi fabricado por uma do outro lado do mundo sob condições inaceitáveis. A vida dela não vale tanto quanto a que está próxima de você. É um outro tipo de criança. Você deve ser um outro tipo de ser humano.

FRIEDRICH NIETZSCHE por Paula Cristina Souza

Esse texto se propõe a motivar os leitores a uma reflexão sobre o que é verdade, tendo como direção o viés de Friedrich Nietzsche

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sobre esse tema. Vale ressaltar que, a intenção é abordar o tema de forma breve e simples, possibilitando a fácil compreensão e o surgimento de questionamentos sobre pequenos eventos do cotidiano. Nietzsche foi um filosofo alemão do século XIX que viveu em um período marcado por grandes mudanças políticas, sociais e culturais. A forma como abordou determinadas questões, a democracia é um exemplo, o faz ser reconhecido por alguns críticos, como elitista ou defensor de uma nova ideologia para a burguesia aristocrática europeia, daquele momento. Filho de pastores protestantes teve uma forte influência religiosa em sua criação, que anos mais tarde foi duramente questionada. A crítica mais evidente nas obras de Nietzsche é à estrutura do pensamento ocidental. Para ele, tal forma de pensar, se difunde a partir de Platão. Platão foi um filosofo e matemático do período clássico da Grécia antiga, discípulo de Sócrates que defendeu o dualismo por meio da existência do mundo físico e do mundo das ideias. É citado como o pai do conhecimento científico e pioneiro da metafísica. Para Platão, o mundo físico é percebido através dos nossos sentidos: visão, olfato, paladar, audição e tato. Esses sentidos são imperfeitos, pois alteram de individuo para individuo e dependem dos fatores a que são expostos. Além do mais, tudo que há no mundo físico, “flui”, está em constante mudança. Por sua vez, tudo que há no mundo físico proveem de uma espécie de “fôrma ideal”, atemporal e imutável que está no mundo das ideias. Essa percepção pode ser alcançada através da razão que é a faculdade de conhecer e atingir a perfeição. Para melhor compreensão, citamos um exemplo: um coelho no mundo físico flui. Ao longo do tempo envelhece ou é exposto a diferentes variáveis ou circunstâncias que modificam sua figura, como a falta de uma orelha. Porém, ao pensarmos em um coelho,


CRÍTICA ROEDORA reconhecemos um denominador comum e imutável. Esse denominador comum está presente na imagem perfeita que nasceu nessa espécie de fôrma ideal a qual alcançamos através da razão. Assim, temos uma imagem perfeita de um coelho existente no mundo das ideias, uma palavra para defini-la ou conceituá-la, transposta a uma coisa existente no mundo físico, o coelho em si, o animal vivo. Por meio de um conhecimento racional conhecemos a perfeição da coisa no mundo ideal, formada por um conjunto de características fixas e assumido como único, ou seja, como verdade absoluta. Logo, temos um padrão imutável para reconhecermos a coisa como um coelho. Dessa maneira, inicia-se um processo de catalogação das coisas e classificação por proximidade da perfeição resultando em eventos de rejeição ou exclusão dos signos que se distanciam da figura idealizada, do padrão conhecido. Porém, seguindo esse raciocínio, a representação da imagem do coelho ideal no mundo físico nunca será igual, pois no momento em que fazemos a transposição da imagem que temos no mundo das ideias para o mundo físico, utilizamos os nossos cinco sentidos (imperfeitos) para tal processo. Aqui, surge a primeira reflexão. Esse processo de rejeição ou exclusão dos signos que se distanciam do padrão é resultado da representação da imagem conhecida no mundo ideal transposta à realidade através da percepção analítica dos sentidos. Sentidos esses, que vimos anteriormente, são imperfeitos, pois variam de indivíduo para indivíduo e dependem de fatores a que são expostos, como: clima, iluminação, tempo, sociais, econômicos, políticos, entre outros. Desse modo, questiona-se: Mesmo que conhecido o símbolo idealizado de determinada coisa por meio da razão, o que o sustenta como verdade absoluta se no processo de transposição para o mundo real sempre sofrerá a interferência de fenômenos provenientes da imperfeição de nossos sentidos?

Em paralelo à filosofia platônica, surge o cristianismo como religião solidificando esse formato do pensamento ocidental em que o mundo e o ser humano são duais. Assim como em Platão, o cristianismo crê na metafísica, na existência do mundo físico e do mundo espiritual. O mundo físico é passageiro, ou seja, flui e, é passivo de transformações, enquanto que o mundo espiritual é eterno, fixo e imutável, atingindo a perfeição de acordo com as leis divinas. Para Nietzsche, a religião cultua a cultura dos fracos. Fez do “injustiçado” uma vítima que assume o papel do bem frente ao mal encarnado nos fortes. Contudo, se ser fraco é bom, cria-se uma inversão de valores, onde, por exemplo, a obediência é valorada frente à coragem por um escravo e, a sua crença na vida eterna perfeita em um mundo espiritual, alimenta sua conformação constante com determinada situação. Assim, essa forma de pensar proporciona conformismo aos mais fracos, uma válvula de escape diante os medos, às frustações e dificuldade na aceitação do real que é amenizado pela ilusão de um mundo ideal. Faço uma pequena observação, Nietzsche defende uma conciliação com o real, a aceitação do mundo físico tal como ele é. Não adentramos demasiadamente nesse tópico visto a sua complexidade mediante diversas possibilidades de qual realidade estaríamos abordando, tanto como social, psicológica e econômica. Ainda nessa perspectiva, não concentremos nossa atenção à existência ou não de um Deus, mas na dualidade proposta em ambas vertentes, platônica e cristã, e como tal crença afeta nossas ações práticas. .Feita essa rápida pausa, continuemos. A metafísica platônica e cristã trata de uma constante negação da vida no mundo físico em benefício do mundo ideal, o que Nietzsche chama de niilismo e questiona: A quem o niilismo interessa? Aqui, surge a segunda reflexão. Como vimos lá em Platão, a forma de conhecer o mundo através da idealização da coisa e transpassar para o mundo real é afetada pe-

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los sentidos imperfeitos e seus fatores externos. E, com base nesse formato de conhecimento, são desenvolvidas as teorias. Assim, inclusive as teorias, sejam elas do campo da ciência ou da fé, que assumimos ser definitivas, são transitórias, pois passam pelos mesmos fenômenos analíticos e de transposição. Por exemplo, houve um tempo em que o conhecimento da ciência fez uso da cocaína como medicamento e hoje a conhecemos como uma droga estritamente proibida. Ou, o conhecimento da religião cristã que justificou o uso de homens negros como escravos por não possuírem alma, porém hoje, os conhecemos como homens negros com alma. Nessa perspectiva, repensemos as teorias e conceitos que temos como verdade. Para tais, reflita: Quem era o individuo que se utilizou de seus sentidos para a fase analítica e posteriormente, sob quais variáveis tais teorias e conceitos foram expostos? Pois já se torna evidente que determinado conhecimento é transitório e está propenso ao individuo que o analisa e aos fatores que se choca em sua transposição. De acordo com Popper (1972), “as teorias são redes lançadas para capturar aquilo que denominamos o mundo: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo”. É demasiado insano, simplesmente aceitarmos sem nos questionarmos, especialmente quando nossas ações práticas são afetadas. Essa definição de Popper segue uma sequência em que culmina em dominar. Através do conhecimento são disseminadas teorias assumidas como verdades absolutas por um grupo de pessoas. Aquelas que se enquadram fora do que é considerado verdadeiro se tornam dominadas ou vão para uma zona de exclusão. Essa certeza absoluta assumida por um grupo de pessoas cria uma força incomparável, capaz de sustentar movimentos como o nazismo e atos terroristas, por exemplo. Porém, isso não faz daqueles alemães do período nazistas ou dos homens bombas monstros, aberrações de outro mundo, eles foram seres humanos como eu e você convencidos que

de possuíam a verdade absoluta, cegos pela certeza. Eles foram como nós quando queremos proibir a união de pessoas do mesmo sexo, quando não nos importamos com os indígenas, quando pedimos para a polícia matar nas periferias do país, quando matamos por petróleo, quando criamos campos para refugiados, quando exploramos trabalhadores de países subdesenvolvidos, quando não legalizamos o aborto e mulheres morrem, quando reproduzimos conteúdos e atitudes que impõe a nossa verdade absoluta sob outros a fim de domina-los. Tudo o que foi citado acima se refere a determinados grupos defendendo suas verdades absolutas: o único modelo verdadeiro de relacionamento entre casais é o hétero, o único modelo verdadeiro de estilo de vida é o ocidental, pode matar na periferia porque “bandido bom é bandido morto”... Um jogo de poder através da imposição para dominar ou excluir aqueles que são tidos como diferentes: os judeus para os nazistas e os pecadores para os terroristas. Se a história continua, fazemos parte desse roteiro, somos a história. A culpa é nossa, nós somos esses atos e, é nossa responsabilidade suas consequências. Portanto, é fundamental atingirmos a compreensão de que não há uma verdade absoluta, tudo é transitório e imperfeito. Com isso, se torna possível um novo olhar sob as diferenças existentes no mundo. E a partir disso conseguiremos avançar em questões sociais de uma forma mais efetiva. Será um ato mais honesto e libertador.

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EXERCÍCIOS ENSAÍSTICOS AS MONTANHAS SE SEPARAM por Yuri Cidade

Num mundo em plena efervescência, envolto numa crise estrutural, globalização e neoliberalismo uma nova China surge como expoente na Ásia. Em meio ao “caos” desses acontecimentos, histórias vivenciadas por três amigos são cooptadas pelo mercado, suas idiossincrasias e o esfacelamento de um mundo outrora tradicional, hoje pujante, emergente, instável e moderno. O filme “As Montanhas se Separam”, sob direção de Jia Zhangke, retrata mais do que a ascensão social entre os chineses. Ele aborda a crise de identidade, o engodo de que o capitalismo supriria todas as necessidades e traria plena felicidade para os novos ricos chineses. A desintegração dos seres humanos abordados no filme, do mundo até então construído e apreendido abre espaço para uma nova visão de um mundo em expansão. Essa parcial e positiva faceta do capitalismo considera-o como um processo de acumulação de capital, de descobertas tecnológicas, de globalização das relações de produção capitalistas, de aumento da produtividade, de modernização incessante. O capitalismo é muito além do que isso, ele é dual, pode ser includente e excludente ao mesmo tempo, abrir fronteiras para os escolhidos e fechá-las para os não selecionados. O fantástico desenvolvimento capitalista produziu as crises complexas. O capitalismo desenvolveu espantosamente não só as forças produtivas, mas as forças improdutivas e destrutivas da indústria de armamentos, da especulação financeira e descontrole das bolsas, a exclusão e marginalização daqueles que não têm poder de compra (CAMPOS, 2001, p.281). É nesse vislumbre da mais sofisticada engenharia humana que a película se desencadeia. O filme é bem trabalhado na temática

das relações humanas, sobretudo a interferência da “objetificação”, homogeinização cultural e massificação de padrões de comportamento, fruto dessa convergência dos países capitalistas. Conforme os investidores internacionais e grandes corporações apostam na vasta mão-de-obra chinesa, matéria-prima abundante, flexibilidade pra exportação e enorme potencial consumidor outros valores inerentes ao modelo capitalista vão se incorporando às relações sociais, coisificando-as. O cotidiano nas pequenas, médias e grandes cidades já não é mais o mesmo e o capital se instala, vai tomando corpo numa proporção inimaginável. Nessa toada, a modernidade nos coloca diante de uma crise ímpar na história da humanidade: uma crise ecossocial. Quanto mais essa crise progride, mais complexo e multidimensional tornam-se seus problemas e autodestrutivo seu potencial perante a espécie humana. Torna-se necessário dialogar com as diversas dimensões do real e reconhecer os limites da lógica dos diferentes tipos de conhecimento. A modernidade nos incita a dialogar com a dimensão do real que resiste à racionalização (BRADENBURG, 1996, p.52). Nesse diapasão, tanto o liberalismo quanto o marxismo, em suas diferentes formas, davam a entender que o apego ao local e ao particular dariam gradualmente vez a valores e identidades mais universalistas e cosmopolitas ou internacionais; que o nacionalismo e a etnia eram formas arcaicas de apego- a espécie de coisa que seria “dissolvida” pela força revolucionadora da modernidade. Ledo engano, a máquina humana é multipolar, polissêmica, não pode ser categorizada e nivelada de maneira que iguale a todos, massificando-os, padronizando-os e os tornando formatados para se enquadrar em determinada eixo cultural. Além do que, a primazia da base familiar, da primeira infância, os costumes e todas as tradições da comunidade não podem ser vencidas ou solapadas na totalidade por uma força alienígena. Afinal, é a robustez dessas

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relações que garantem a sensação de segurança, o real sentido de pertencimetno, de fixação do eu enquanto sujeito sociológico. A globalização, entretanto, não parece estar produzindo nem o triunfo do global nem a persistência, em sua velha forma nacionalista, do “local” mas sim criando sujeitos mais adaptáveis a diversos cenários, fluidos, flexíveis e que comportem ser híbridos quando convier (HALL, 2002, p. 97). Paralelamente, a imagética de uma maior qualidade de vida e bem estar social se esvai a partir do momento em que a égide do consumismo, pragmatismo, utilitarismo e economicismo ocupa espaço nos indivíduos e impõe a ditadura do “ter para ser” ou ter em detrimento do ser. O que antes era uma promessa, torna-se uma quimera. A fragmentação do sujeito, sua percepção de mundo, sua configuração espacial e social é rompida com o advento do imperialismo mundial. Dessa maneira, o desconhecido, o atroz momento da decisão da protagonista em escolher qual o melhor namorado e futuro marido coloca em xeque a amizade dos outros dois personagens centrais. Nesse impasse, ela e os dois pretendentes vão acompanhando a vertiginosa (r)evolução pela qual passa a sociedade chinesa. A estabilidade de antigamente é vilipendiada pelos processos de mudança que, tomados em conjunto, representam um processo de transformação tão fundamental e abrangente que somos compelidos a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo transformada. O que leva a indagar: é o sujeito que está interferindo e tem o poder de agir na modernidade ou ela que age no âmago do ser? (HALL, 2002, p. 9-10) Assim sendo, a noção de sujeito sociológico refletia a crescente complexidade do mundo moderno e a consciência de que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e auto-suficiente, mas era formado na relação com pessoas importantes para o sujeito, que mediavam para ele os valores, sentidos e símbolos - a cultura - dos mundos que ele habitava e que está desmoronando tal como ele co-

nhecia (HALL, 2002, p.11). Essas rápidas mudanças reverberam no íntmo das pessoas retratadas ali, mas também assumem uma corporificação que perpassa gerações ante a tamanha transição nacional. Tais marcas acompanham o futuro de cada um, desse modo, cada qual vai tomando seu rumo numa fragmentação social, histórica, política, econômica e cultural sem precedentes. A arquitetura desse processo carrega em seu interior uma ideologia que se espraia não só pelos produtos, mercadorias e serviços, assume e se personifica nos valores, princípios e corpo sociais. Importante esclarecer o que seria ideologia. Para o esloveno Zizek, é uma comunicação sistematicamente distorcida: um texto em que, sob a influência de interesses sociais inconfessos (de dominação etc), uma lacuna separa seu sentido público “oficial” e sua verdadeira intenção- ou seja, em que lidamos com uma maquiagem ou roupagem para algo que está deliberadamente escondido, pois sua real acepção seria inconveniente para os detentores do seu uso, significado ou conhecimento (ZIZEK, 1996, p.16). A obra cinematográfica é tocante, revisita o espaço do sujeito enquanto eu (indivíduo, self), mas também o coloca como subproduto do meio, resultado de uma somatória de fatores internos e externos. Essa transformação pode ser equivalente não apenas no gigante asiático, mas em qualquer lugar do planeta Terra no panorama do século XXI. É uma obra humana que questiona, reflete e se pergunta como existir, se conhecer e colocar diante de um cenário em constante mutação, não sucumbindo num mundo tão paradoxal, volátil? Por fim, o excerto adiante põe em evidência sempre que, em questões políticas, o são juízo humano fracassa ou renuncia à tentativa de fornecer respostas, nos deparamos com uma crise. Crise esta engendrada pela civilização humana, multifacetada, pois abarca um sortilégio de aspectos da vida, incluindo seu próprio fim. Essa espécie de juízo é, na realidade, aquele senso comum em virtude do

qual nós e nossos cinco sentidos individuais estão adaptados a um único mundo comum a todos nós. O desaparecimento do senso comum nos dias atuais é o sinal mais seguro da crise atual. Em toda crise, é destruída uma parte do mundo, alguma coisa comum a todos nós, isso é claramente demonstrado nos atos que excluem, denigrem, marginalizam, subjugam ou incutem no semelhante que ele é diferente, tipificando-o como uma ameaça, inferior ou passível de extermínio pelo simples fato de não comungar da mesma língua, traços físicos, vestimentas, dentre outros (ARENDT, 1972, p.227).

Referências ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. Ed. Perspectiva, São Paulo, 1972. BRANDENBURG, Alfio. Modernidade, meio ambiente e interdisciplinaridade. Cadernos de desenvolvimento e Meio Ambiente, n.3, p.49-59, 1996, Editora da UFPR. CAMPOS, Lauro. A crise completa: a economia política do não. São Paulo. Boitempo, 2001. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. ZIZEK, Slavoj. Um mapa da ideologia/Theodor W. Adorno. et al; organização Slavoj Zizek; tradução Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Contraponto, 1996.

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INTERPRETAR OU INTERPRETAR? (DEUTEN ODER INTERPRETATION) por Guilherme Canarim

Quando se fala de interpretação em adorno, na maior parte dos casos, não me parece fazer muito sentido pensar no seu correspondente na língua portuguesa interpretação, pois levando-se em conta que a interpretação como a conhecemos, mesmo na filosofia ou nas filosofias da linguagem esta voltada para a compreeção, quer dizer, tem como foco a decodificação de um “ai”,pensando que não há em adorno nenhum indicio que aponte para a pressuposição de “algo” a disposição da interpretação, da sua bem disposta colocação no universo, seja ele textual discursivo ou qualquer outro, só resta entender que quando ele indica que a filosofia deve “deuten verfahren” proceder interpretando, ou ainda processar a interpretação, o autor deve estar apontando para a séria diferença entre o entendimento do processo intelectivo-interpretativo não apenas como manifestação ou demonstração técnica procedural do “algo” contido e decodificado, mas também que ela seja, a interpretação, em parte fundante de um volume expressivo do significado “bedeutig” que portanto não se reduz ontologicamente nem se deixa aplainar em suas bordas onde tocaria nos pólos de sua constituição dialética, a saber significante e signo, que portanto não só são incoincidentes como também tem um caráter disruptivo. Indo por este caminho segue-se que o nosso frankfurtiano assinala que este deve ser o meio de a filosofia seguir sua busca em direção a sua “Anspruch auf Wahrheit” digo “reivindicação de veracidade” ou “requerendo o veraz”, e novamente temos adorno insinuando que é a busca continua pela veraci-


EXERCICIOS ENSAISTICOS dade, que posteriormente será desenvolvida metodologicamente na sua teoria estética e em sua dialética negativa, que pode nos preparar enquanto filósofos para algum alcance em relação ao “teor de verdade” ou conteúdo de verdade coligido e ebuliente na e pela obra de arte, o que poderíamos novamente marcar com diferenciações adornianas como “inhalt” como conteúdo teor, uma escola da ordem de oussia, e “gehalt” conteúdo como substancia. Assim poder-se-ia considerar que há um momento interpretativo importante na filosofia adorniana, mas este não pode deixar-se a mera “Veritas est adaequatio intellectus et rei”, o que a contradita de adorno tem-se muito na contemporaneidade na forma da hermenêutica voraz que tem construído para a filosofia um de seus maiores embustes, o de manter-se na forma de uma concatenação dos embaralhamentos e decodificação do próprio léxico, quando deveria segundo ele ser a “consciência conseqüente da não identidade”, para assim poder se “aufgehoben” ou autosuperar-se dialeticamente e não recair no pensamento analítico. Poderíamos justamente em conformidade com este pensador, que nos idos de 1940 na sua fundamentação para a “vida certa”, tão pouco explorada quanto seu latente potencial político-formativo, que a filosofia ‘quanto mais fervorosamente se protege contra o condicionado em nome do incondicionado, mais inconsciente e por isso fatal se torna se torna a sua recaída no mundo”, vaticinando a borrasca violenta que tem desde então nos empurrado a nossa débâcle filosófica. Apesar da nossa infugivel colonialidade, lingüística,teórica, raciocinativa semiótica etc., há um chamamento, um clamor em adorno pela conservação e reparo da critica a teoria que em seu instante teórico não se deixa prolongar.

VOMITANDO O CAOS por Yuri Cidade

Dilemas. Problemas. Esquemas. Talvez eu seja só uma engrenagem do sistema, absorvendo o ódio necessário do ecossistema. Corrupção pela fé extrema. Rebeldia plena de um guerreiro sem causa. Atravessando por balsa o rio da inteligência falsa e da descrença no abstrato. Ignorância é mato. Recolho os fatos e monto um retrato da irreal realidade. Vaidade, forma pura de humanidade, sugando a alma de quem vê, iludindo quem crê nos sacerdotes da TV. Quem dera você, ter consciência limpa pra dizer que quem grita é hipócrita. Não passa de mais um bárbaro da horda, em volta da vítima que teu julgamento esfola. Feito urubu, devora cru os pedaços da carniça no sol. Se diz pescador, mas mordeu o anzol. Na pipa, no cerol, em prol do tráfico financiado pelo deputado que está sentado nas suas costas. Debate cotas e diz que pobre e só derrota e vive a desfrutar das putas pagas pelo seu dinheiro. No próximo enterro, chora falsamente pela alma de quem fica, mas prefere ser integrante da parte rica da orgia. Agonia. A maldade financia a revolução de quem sofre. Em cada pacote, a esperança de tirar a grande sorte e crer que sua morte será um marco histórico. Conceitos vazios e retóricos de um cotidiano histórico, no qual seguimos sendo escravos acorrentados nas senzalas prisionais. Pra você tanto faz se quem aqui jaz morreu sem conhecer a paz. Espectro de Barrabaz, que implora perdão ao sistema voraz. Filhos nossos, eis o vosso destino. Há sempre de ser oprimido entupido de comprimidos educacionais da ditadura dos ricos. Governo omisso. Infecto. Inferno é o inverno de quem dorme na rua e não veste terno. É tudo um truque. Pregação no Facebook não salvará seus netos. Oração virtual só te faz uma cobaia laboratorial. Alienado digital. Se intitula gente de bem, mas é refém do mal. Cara

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de pau! Você mesmo, Sr. Falso Moralista da Silva. Se julga o tal, mas diz que o problema do feminismo é falta de pau. É a favor da vida, porém quer a cabeça de quem critica suas posições reacionárias extremistas. Arrota caviar e come marmita. Eis aqui aquele que persegue a morte, rumo ao norte, pois me recuso a voltar ao velho oeste. Nada de marionete. Sou mistura de tupiniquim com cabra da peste. Resistência genética, motiva a rebelião contra aqueles que tentam frear a dialética revolução. Reflexão. Eis-me aqui, um decadente poeta, indo contra falsos profetas que anulam a evolução épica. Incerta, são minhas metas, deixando suas mentes inquietas, ao se autojulgarem um grande merda. Derreto aqui meu desabafo aos detentores da moral. Não se iluda, você é só mais um neandertal.

A culpa de quem vive “Pois quem toma banho de ódio, exala o aroma da morte” (Criolo) Nada mais traste que o contraste entre a vaidade e a humildade, disfarçados no enlace chamado de caráter. Insanidade? Ou falta de senso de igualdade? Sangue pinga. Em nossas mãos o estigma, as feridas abertas dos pregos sociais afundados em nossas retinas. Vítimas suicidas. Acordei em um pesadelo, pois só o que vejo, são reféns do medo por serem o que são. Pausa na evolução. No café da manhã, opressão. Irmãos disputando entre si, uma pseudo-hierarquia na cadeia evolucional humana, pena daquele que se engana, totalmente atrelado a geração da humilhação pelo perdão. Perdão de que? Perdão pra quem? Se todo ato é pecado ou contra a moral, que faz de ti tão menos animal? Falsa moral incrusta no padrão social de um controle machista e patriarcal. O que vejo nas ruas é o puro reflexo de uma guerra de egos, entre tolos e cegos, proferindo mau agouro a quem só quer ser humano. Mundo insano, formado de pederastas disfarçados de santos. Entopem os canos, arquitetam seus planos, cobrindo tudo com um pano,

ou melhor, uma batina. Dos livres, a eterna sina. Dos reacionários, a obra prima. Violenta rotina. Eis aqui o amor mais falso que já pude enxergar, pois te ensinam que para o paraíso alcançar, há de se doutrinar a odiar a quem diferente pensar. Jesus em sua cruz implora para que lhe arranquem seus olhos, implorando para não ver esta banalização do ódio. Quem decepa mais cabeças sobe ao lugar mais alto do pódio. A ira de Deus é a ira do homem. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Me expliquem: Que tem de mal a menina querer ser homem? Na matemática do preconceito, 50 mortos, 53 corpos e incalculáveis dores de quem chora a saudade. Não escolheu sexo, cor ou idade, agiu com ruindade de quem se diz fiel. Fiel a maldade. Versão homofóbica do Bin Laden. Aos 36 estupradores lugar cativo no céu, pois agiram por culpa da vítima infiel. Saia curta, fama de puta, se meteu com os truta e virou piranha. Na teia da aranha, adormeceu: Boa noite Cinderela, mas abre as pernas pro meu batalhão. No Piauí a pelada foi disputada dentro do ginásio. Dopada e apagada no vestiário, praticado esporte favorito do machismo: Estupro. Sem escrúpulos é ainda quem justifica atos em prol do agressor, tornando-se, na realidade, mais um opressor. Horror. Um insuportável fedor de hipocrisia. Em cada boca cheia, uma alma vazia, dizendo que lugar de mulher é na beira de uma pia. Sorria e aceite seu pecado, veado: ser sempre taxado de anomalia. Lacrado. Até quando? Por quantos? São tantos os pais aos prantos, velando seus filhos em todos os cantos. Intolerância e ganância juntas no poder divino, para que o mundo seja padronizado desde pequenino, até que não sobre nada aqui além do extremismo. Preconceito é o câncer sociológico que há cada dia devora mais estados psicológicos disfarçados de pensamento ideológico. Ilógico é ignorar a liberdade alheia em favor da sua. Realidade nua e crua. Lágrimas me caem ao rosto, puro desgosto, de pertencer a um mundo onde felicidade não pode ser nada que já não fora imposto. Sufoco. Inevitável não olhar nossas mãos sem ver o

sangue de quem morre por nascer, por ser, por querer, por viver. Mas ao fim do verso, já estou submerso de julgamentos de falsos moralistas, que insistem em dizer que tudo isso é exclusivamente culpa da vítima.

O SIGNIFICADO DA QUEDA DO MURO DE BERLIN PARA O TROSTSKISMO por Henrique dos Anjos Gabriel da Silveira Angelo

A derrubada do murro de Berlim até os dias atuais tem um forte significado para as organizações de esquerda ou mesmo para os historiadores. O século XX foi considerado como o século das revoluções e neste debate deve se ter como critério historiográfico a Revolução de 1917 na Rússia e sua derrubada em 1989 como um processo marcante na história da humanidade O muro de Berlim não significou apenas o muro mas um marco da história contemporânea, marcou a etapa de um processo e o início de outro que foi o surgimento da Globalização e do neo-liberalismo a partir de 1990.O significado deste marco trouxe para o Trotskismo a confirmação de algumas conclusões que Leon Trotsky já alertava sobre a instalação da burocracia Stalinista entorno das conquistas da revolução. Neste sentido quem vem cumprir o diagnostico é Martin Hernandez que estuda a fundo as experiências da URSS,China,Cuba e partir de degeneração e o mal Stalinismo no Leste Europeu. Palavras-Chave: Muro de Berlin; Esquerda; Marxismo; Rússia ,Burocracia

INTRODUÇÃO

O movimento operário e da classe trabalhadora mundial foi, até certo ponto, condenado

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pela direção stalinista vinda da antiga União Soviética. O stalinismo não pode ser visto como o sentido do marxismo. Muito menos como o fim último do ideário socialista. Essas ideais foram propagandeadas pelo imperialismo mundial durante o século XX e continua agora no século XXI. Tais fatos atingio em cheio a própria esquerda mundial e suas estratégias de ações políticas e seus planos de governo. Com as novas e inevitáveis crises capitalistas o projeto dessa esquerda cai por água abaixo, porem não se construiu outra direção bolchevique. Abrindo espaço para o neo-reformismo que, infelizmente, parece caminhar pela mesma estrada que seu sucessor “inovador”. Diante do fato da incompetência da esquerda mundial de superar seus erros e seu oportunismo por um lado e com a agressividade neoliberal de outro, por vezes colada a um surgimento de focos fascistas, surge a necessidade do estudo profundo do processo revolucionário russo e da restauração capitalista em todos os ex-Estados Operários. Essa restauração, iniciada na China e finalizada na antiga União Soviética, causando o mesmo fato em Cuba, é o ponto de partida para entendermos os caminhos das direções da classe trabalhadora mundial. Também é por esse meio que se pode buscar uma nova ferramenta que combine ações revolucionárias dos homens a fim de esses transformarem a sociedade. Foi nesses complexos eventos políticos que encerram a era dos extremos, caindo um símbolo da guerra fria em 1989: o muro de Berlim. Explosões de massas contra o stalinismo que, ao mesmo tempo, não queriam a volta do capitalismo. O efeito dominó foi inevitável e o imperialismo aproveitou para “viralizar” a era da globalização. Como se o próprio modo de produção capitalista tivesse sido superado e esquecido.

O SIGNIFICADO DO MURO DE BERLIN COMO CONSEQUENCIA DO STALINISMO Para parte da esquerda mundial a Revolu-


EXERCICIOS ENSAISTICOS ção Russa significou há maior experiência para humanidade sendo ela como ponto de partida para se aplicar os exemplos de que é possível o socialismo. É inegável neste debate que os teóricos da esquerda deixem de lado o que foi a degeneração da URSS e o significado do Stalinismo para a derrubada do marco não só físico, mas ideológico que foi o Muro de Berlin. E neste debate também há muito equivoco por parte dos teóricos em considerarem a derrubada do muro e a queda dos regimes do leste Europeu simplesmente como uma crise da direção Revolucionária. Este não é verdadeiro significado, ao contrario as direções revolucionarias foram exterminadas pela burocracia Stalinista. Neste caso o balanço se cabe a tragédia que foi o Stalinismo na Rússia. De acordo com Arcary (2009, p.2): A restauração capitalista nos anos noventa confirmou que a URSS não estava em transição ao socialismo, como acreditavam os apoiadores dos Partidos comunistas pró-soviéticos.

Neste caso dada a traição do Stalinismo é possível chegar algumas conclusões e a principal é de que a Rússia não estava se quer caminhando para o socialismo. A URSS e Cuba em seu tempo de experiência provaram que não concluíram o estagio final do socialismo devido as suas burocracias e a flexibilização dos ideais. Estes estados não passaram na prova da história e permaneceram como estados Operários. Outra conclusão é de que não havia transição para o socialismo nos anos 80,se isso houvesse os trabalhadores não iriam as ruas pedir o fim do regime Stalinista ao contrario iriam defender esse de fato se houvesse socialismo ou transição ao socialismo.Isso ocorreu apenas nos anos iniciais a prova disso foi a resistência dos Russos contra os ataques dos imperialistas dos mais diversos países até 1921 então neste caso os trabalhadores defenderam este processo pois havia ali a expectativa da classe em caminhar para o socialismo.

Mas vale destacar que a URSS em sua degeneração não tinha ainda se transformado um país pró-imperialista, ainda era depositado por parte da burocracia a mascara da revolução neste caso um caricato pois todos os seus eixos burocráticos ainda caminhavam para a organização de um estado Operário.Pode se concluir que o processo de restauração foi conduzido pelas direções dos partidos comunistas no Leste como afirma Arcary (2009 , p.2):

países adiantados, o governo russo não so-

conclusão que Trotsky havia se equivocado.

breviverá. O regime soviético abandonado a

Trotsky sempre defendeu o contrário do que

sua própria sorte degenerará ou cairá. Mais

diziam esses dirigentes. Para ele, se a burocra-

precisamente, degenerará e depois cairá. Eu

cia se mantivesse no poder (o que ocorreu), a

mesmo escrevi a respeito, a partir de 1905.

restauração do capitalismo não só era possível

Em minha História da revolução russa (veja-

como inevitável.

Na verdade, a restauração foi dirigida pelos lí-

mais clássicos Bolcheviques queriam para a URSS e para as demais revoluções que viriam nos seguintes.Leon Trotsky em 1937 escreveu o documento em torno das raízes da IV internacional diagnosticando a relação do Stalinismo e o Bolchevismo ,neste documento Trotsky afirmava as contradições do Stalinismo frente a elaboração do programa proposto por Lênin mas colocando o Stalinismo como produto do Bolchevismo mas longe de ser o bolchevismo.De acordo com Trotsky (1937,p.1):

deres dos PC’s. Mas a URSS não era, tampou-

É certo que o stalinismo é um produto legí-

tervenção estrangeira ou uma combinação de

co, capitalista, ou capitalista de Estado. Senão

timo do bolchevismo, como sustentam todos

ambas. Lênin sublinhou mais de uma vez que

a restauração não teria sido um processo con-

os reacionários, como jura o próprio Stalin,

a burocratização do estado soviético não era

tra-revolucionário, como de fato foi, com uma

como crêem os mencheviques, anarquistas e

um problema teórico ou organizativo mas o

queda do PIB próxima à devastação de uma

certos doutrinários de esquerda que se con-

começo potencial da degeneração do estado

guerra.

sideram marxistas? “Sempre previmos - afir-

operário.

Sendo assim este processo mostra que não houve crise da direção revolucionária e sim da incapacidade das burocracias manterem a ilusão perante a classe trabalhadora. A derrota histórica e a própria degeneração já havia acontecendo desde o surgimento do Stalinismo que alimenta sua burocracia a partir da derrota da Revolução Alemã de 1919 . O ponto chave deste processo é compreender a ilusão do Stalinismo, e ao convencimento as massas de que o socialismo teria que ser cada vez mais ser em um único país .De modo geral os teóricos da esquerda acabam não entendendo que a degeneração ocorre a partir de Stalin que a teoria do socialismo em único país ganha força a partir da derrocada da classe trabalhadora alemã. Desde então podemos afirmar que as divergências de Trotsky com Stalin eram certas em primeiro momento história já prova dado o extermínio feito pelos Stalinistas aos Trotskistas.O debate entre a esquerda se intensificou como afirma Arcary (2009 ,p.2): A ironia da história, no entanto, é que esta vitória intelectual não poupou os trotskistas das seqüelas da imensa confusão, e até desmoralização que atingiu o conjunto da esquerda marxista mundial.

É preciso ficar claro, que o Stalinismo nem se quer foi à continuidade do que Lênin e os

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mam - ... ao proibir os demais partidos socialistas, reprimir os anarquistas e impor a ditadura bolchevique nos soviets, a Revolução de Outubro somente podia culminar na ditadura da burocracia. Stalin é a continuação e, por sua vez, a bancarrota do leninismo”.

Trotsky manteve a tradição no central que é analise da realidade, em meio as calunias do stalinismo Leon fez as devidas criticas entorno do caminho que a burocracia Soviética estava tomando pois estava indo em desencontro com o legado de Outubro.Sendo assim a analise do Trotskismo é tão atual para dar resposta aos nobres defensores do Stalinismo.Nesta situação este debate hoje reflete no surgimento dos partidos neo-reformistas como sub produto do Stalinismo.Toda burocracia em torno dos sindicatos e partidos reformistas esta associadade diretamente mal burocrático do Stalinismo. Leon já citava que se as revoluções não avançassem no ocidente em pouco tempo o Bolchevismo iria ser destruído,estabelecendo isso Trostsky colocava como necessidade a revolução Internacional como um combate a burocracia concebida em torno do partido Bolchevique.Conforme Trotsky(1937,p.1):

-se o apêndice do último tomo: “O socialismo num só país”) estão as declarações formuladas pelos dirigentes bolcheviques entre 1917 e 1923. Todas levam à mesma conclusão: sem revolução no ocidente o bolchevismo será liquidado pela contra-revolução interna, a in-

AS CONSIDERAÇÕES DE HERNANDEZ SOBRE A BUROCRACIA E A RESTAURAÇÃO

Em pleno processo de restauração Martin Hernandez dirigente da LIT-QI(Liga Internacional dos Trabalhadora-Quarta Internacional),avalia o processo da restauração capitalista no leste seguindo as considerações feitas por Trotsky a uma analise mais profunda do que foi a derrocada do socialismo para a classe trabalhadora Russa e mundial. Isso significou uma profunda crise nas direções dos partidos de esquerda mundo a fora,juntamente a isso a capitulação da teoria do fim da História teória a qual fez muitos dirigentes serem convencidos de que o capitalismo iria crescer progressivamente e as contradições seriam solucionadas a partir da nova etapa do capitalismo.Estabelecendo isso Martin diante das considerações elaboradas por Trotsky poluiu as conclusões sobre a burocracia entorno da URSS e o processo de restauração .Neste caso Hernandez (2009, p.195) afirmou: Por isso, foi inevitável que um importante setor da esquerda ao ver que o capitalismo

Porém, o mesmo alinhamento de forças de-

estava sendo restaurado e, além disso, ao ver

monstra de antemão que, sem uma vitória

que era a burocracia que estava à frente do

mais ou menos rápida do proletariado nos

processo de restauração tivesse chegado à

Para esses dirigentes, a burocracia governante

ção e a tomada ao poder por parte da burguesia no leste europeu. Neste processo a restauração passa ser uma transição para a nova etapa no capitalismo mundial. O marco significativo para o início da restauração foi a eleição de Gorbachev como secretario geral do PCUS em 1985 e o surgimento de dois eixos da restauração que foi a Perestroika e a Glasnost. Contudo o objetivo estava centrado na restauração, ao contrario de tudo que pensava que a revolução iria continuar. Nesta nessa concepção talvez prevalecia o romantismo soviético da revolução mas na verdade as linhas elaboradas por Gorbachev eram as perversas intenções de destruir as conquistas de Outubro. Sobre o texto da Perestroika e Glasnost . Hernandez (2009,p 197) afirma:

da URSS não era uma força social restauracio-

O texto da Perestroika estava repleto de frases

nista. Para eles, a burocracia precisava do Es-

confusas e intencionalmente ambíguas. Mas

tado Operário para defender seus privilégios

o tempo encarregou-se de demonstrar que o

e isso fazia com que ela cumprisse um papel

verdadeiro conteúdo desse projeto não era ou-

progressivo. Daí defenderem a idéia de que a

tro que tentar sair da decadência econômica

burocracia tinha um duplo caráter.

por via da restauração do capitalismo. Quanto

Dada as conclusões por Trotsky de que a burocracia soviética não era um aparato pró-imperialista, ele foi se moldando dada a crise gerada pela mesma. Neste caso a crise surgiu em meio a necessidade de se perpetuar os privilégios dentro do estado operário . O processo de restauracionismo se intensificou na crise da burocracia e não necessariamente na crise da direção como afirma alguns teóricos da esquerda. De acordo Hernandez (2009,p.196):

A restauração do capitalismo era inevitável dada as conseqüências em tono da burocracia soviética. Em meio a isso a tradição Trotskista mesmo sendo clandestina permaneceu durante anos com a analise correta com base nas considerações de Trotsky sobre o restauracionismo já nos anos inicias do estado operário. Hernandez (2009,p.196) destaca a previsão de Trotsky:

à Glasnost, era uma tentativa de fazer algumas reformas políticas no marco da manutenção do regime ditatorial de partido único.

A restauração foi prevista por Trotsky, mas ele

Entorno deste debate, como muitos setores da esquerda afirmam que o processo de restauração foi gerado pelas mobilizações dos trabalhadores mas na verdade a restauração aconteceu devido a crise gerada na própria burocracia.Como Hernandez (2009,p.197) afirmou :

não viveu o suficiente para presenciá-la. Dessa

Em função da incompreensão que apontamos,

forma, a História colocou as novas gerações

criou-se também uma enorme confusão sobre

de marxistas (das quais já não faziam parte os

esses fatos e sua localização no tempo. Muitos

mais experientes dirigentes da Revolução de

entenderam que as mobilizações das massas e

Outubro) diante da necessidade de analisar

a restauração eram parte de um mesmo pro-

esse fato inédito na História da humanidade.

cesso, coisa que não foi assim.

Isso, por si só, foi uma fonte de enormes dificuldades e erros.

CONSIDERAÇÕES DE HERNANDEZ SOBRE A RESTAURAÇÃO INEVITAVEL

Diante das conclusões do processo de degeneração, Hernandez relata sobre a restaura-

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Na verdade esses dois processos foram distintos as massas queriam se libertar das às amarras geradas em torno da URSS e do Leste Europeu de modo geral. O governo Gorbachev cumpriu a destruição das conquistas do estado Operário, a restauração foi inevitável. Sendo assim a burocracia acabou restau-


EXERCICIOS ENSAISTICOS rando o capitalismo com o romantismo de que a revolução iria permanecer. Hernandez (2009, p.197) cita este veredicto: A burocracia restaurou o capitalismo com um discurso anticapitalista, a favor dos trabalhadores e do socialismo. Gorbachev dizia: nosso objetivo é fortalecer o socialismo e não substituí-lo por um sistema diferente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de restauração significou uma nova etapa dado a catastrófica condução do Stalinismo. A restauração no leste significou não só para esquerda, mas para classe trabalhadora uma derrota junto isso deve ficar algumas consideração para as novas gerações. Primeiro é de que a derrubada não foi um fracasso do socialismo e sim da burocracia Stalinista a que se resume a um fundamento e a interpretação de um programa. Segundo, o processo de restauração não foi conduzido pelos trabalhadores, mas pela burocracia e não pode se cometer este equivocado sendo ele utilizado por vários teóricos para justificar a degeneração. Esta derrota foi uma derrota histórica, e que hoje fica mais evidente os erros deste processo no entanto cabe interpretá-los para os dias atuais dentro possibilidade de novos processos como esse. As lições da revolução de Outubro estão presentes no dia-a-dia dos mais românticos e dos mais críticos . Seja no Brasil,no continente Europeu ou em todo mundo permanece um legado para esquerda mundial.Esta derrota faz com que se repense e coloque o marxismo em prática. Sendo a sim concluindo o velho ensinamento do Marxismo de que a prática é o critério da verdade.

Referencias ARCARY, Valério. 1989/1991: Uma onda de revoluções democráticas Parcialmente vitoriosas, que não impediu a derrota diante da contra- revolução econômico-social. Aurora, São Paulo, v. 5, p.1-7, dez. 2009. Disponível em: <http://www2.marilia.unesp.br/re-

vistas/index.php/aurora/article/view/1212>. Acesso em: 19 out. 2016. HERNÁNDEZ, Martin. O Veredicto da História. Rússia, China e Cuba: da revolução socialista à restauração capitalista. Traduzido por Cecília Toledo. São Paulo: Editora Sundermann, 2008. TROTSKY, Leon. Estalinismo e Bolchevismo: Sobre as Raízes Históricas e Teóricas da IV Internacional. 1937. Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/trotsky/1937/08/29.htm>. Acesso em: 20 out. 2016.

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