Saida 8

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SAIDA Revista SaĂ­da numero 8, volume 1, Junho de 2016

Democracias emergentes ?


Seja a saída que você espera do mundo: Lê, Escreve, Faz arte? Colabore: gocanarim@gmail.com


Redação EDITOR GERAL Guilherme Orestes Canarim COMITÊ EDITORIA Gisele da Silva Rezende; Alex Sander da Silva; Gabriel da Silveira Ângelo.

Editorial A

emergência

de

democracias

contemporaneamente pode, por um lado, nos mostrar o quão terrível é a idéia de que ainda hoje, se é que se pode salvaguardar algum bom

convencionalismo, uma

monarquia

consideremos decadente

se

COLABORAÇÃO

estrutura na forma de uma democracia,

Luzia Batista de Oliveira; Danilo Barruda;

quando o comportamento racional ,no

Jean Pedro Barbizan Bettiatto.

sentido de Hume, deveria ser o de nos assustarmos em relação a permanência de figuras como reis em um tempo no qual o sociometabolismo do capital investe contra todas as possibilidades do que Adorno teria considerado em sua ingênua “mínima moralia” como entssauberung. Por outro lado, a exploração escrachada dos países centro-africanos não nos mostra perspectiva nenhuma de emancipação, e novamente

segundo

adorno

“a

emancipação só pode ser pensada em uma sociedade emancipada”.


Sumário Panorama .......................................... 5 A HEGEMONIA É BURRA E ANTIDEMOCRÁTICA .................. 5 Por : Alex Sander da Silva ........... 5 WALTER BENJAMIN E EDUCAÇÃO – É POSSÍVEL UMA EDUCAÇÃO A CONTRAPELO NO BRASIL? ...................................... 5 Por: Luzia Batista de Oliveira Silva ..................................................... 5 Notas de literatura ............................ 13 GUINSBURG, CARLO, O QUEIJO E OS VERMES, O COTIDIANO E AS IDEIAS DE UM MOLEIRO PERSEGUIDO PELA INQUISIÇÃO.COMPANHIA DE BOLSO. 2008. ........................... 13 Por: Guilherme Orestes Canarim13 Critica roedora ................................. 40 MANIFESTO DEMOCRACY IN EUROPE MOVEMENT .............. 40 Por: DiEM .................................. 40 ETHOS E PHRONESIS ............. 44 Por:Gisele da Silva Rezende e Guilherme Orestes Canarim. ..... 44 Ensayos .......................................... 46 DE AMOR E TREVAS (A TALE OF LOVE AND DARKNESS) ........... 46 Por: Danilo Barruda ................... 46 A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL NA PESQUISA CIENTÍFICA NA FASE PRÉ-CLÍNICA E O ESPIRITISMO KARDECISTA .... 46 Por: Jean Pedro Barbizan Betiatto ................................................... 46 NOTAS SOBRE UMA LEITURA DE DANIEL QUINN E WALTER BENJAMIN................................. 48 Por: Guilherme Orestes Canarim48


Panorama

Podemos dizer que, no capitalismo, o

O

caráter

operária.

A HEGEMONIA É BURRA E ANTIDEMOCRÁTICA

produção

Por : Alex Sander da Silva

social

das

contraponto

a

resistência

relações

de

mercadoria

é

hegemônica que se constrói nas

obscurecido. A hegemonia é burra e

lutas. A metamorfose hegemônica

antidemocrática. É como se um véu

requer uma metamorfose política.

de

Uma

é

resistência

contra

nublasse a percepção da vida social Foi

o

filósofo

italiano

Antonio

Gramsci (1891-1937) que formulou o conceito de Hegemonia. Para ele Hegemonia significa preponderânci a de alguma coisa sobre outra. É a supremacia de um povo sobre outros povos, ou seja, a superioridade que um país tem sobre os demais, tornando-se

assim

um

Estado

soberano. Para Gramsci, hegemonia é o domínio de uma classe social sobre

as

outras,

ideológicos, burguesia

em

em com

termos

especial as

classes

Ao

admitirmos

que

o

capitalismo mantenha sua totalização dominadora e a maioria explorada sob

seu

domínio

ideológico,

hegemonia fetichista, falsificadora da

Walter Benjamin, um judeu-alemão,

realidade. Esta se reproduz sob o

não foi um pensador comum, um

próprio domínio da massificação dos

autor comum, tampouco teve uma

indivíduos.

vida comum.Ao contrário. Foi e

o trabalho humano, e consiste numa

economia brasileira. Vivemos num país semi-colonial, muito embora, intencionalmente, esse termo esteja em desuso. Por que? Porque não se quer considerar que ainda estamos domínio

econômico

do

e

Por: Luzia Batista de Oliveira Silva1

seres humanos reféns da própria

que na produção capitalista desfigura

dos desajustes da política e da

WALTER BENJAMIN E EDUCAÇÃO – É POSSÍVEL UMA EDUCAÇÃO A CONTRAPELO NO BRASIL?

podemos dizer que ele mantém os

de

necessário considerá-lo no contexto

ideológico

valor.

A partir disso, não restam dúvidas de

Esse conceito é mais do que atual e

o

dos produtos do trabalho e de seu

da

trabalhadores.

sob

materializada na forma dos objetos,

conveniente

armadilha

para

a

continua sendoum pensador difícil, complexo,

sua produção social de mercadorias e com sua “roupagem ideológica”, mostra-se

cada

vez

mais

sua

perversidade e totalitarismo sobre a vida concreta dos indivíduos e sobre

provocativo,

admirável, um autor que desconcerta e desconstrói nossas certezas. Sua vida foi repleta de muita

manutenção da produção alienada e de exploração. No capitalismo, com

instigante,

produção, fruto de sua genialidade e de sua capacidade para sobreviver em meio aos conflitos e aos ditames severos da Academia alemã, que lhe impediu a entrada. Por isso, restoulhe trilhar um caminho incerto e doloroso, não usufruindo de um

suas formas de pensamento.

enriquecimento

pessoal

e

capitalismo

A produção do fetiche da mercadoria

profissional na Universidade, mas,

estadunidense. Um capitalismo que

torna-se subproduto da vida social,

mesmo

aos

aparatos

explora de forma brutal a mais-valia

que insiste na “produção do mesmo”,

burocráticos,posicionou-se

de

nas costas dos países que se

na sua forma de reproduzir o capital.

maneira

ao

submetem a sua mão de obra aos

E ao admitirmos a subprodução da

conhecimento

exploradores do capital.

vida social no capitalismo (vide:

revoluciona. O conhecimento para o

Questões do modo de vida de Leon

autor é experiência daquilo que é

Trotski), tem-se conservado todas as

possível alcançar quando um limiar

suas

(soleira)

Mas há um pseudoconsenso entre os burgueses

em

considerar

que

estamos em desenvolvimento e que apenas ajustando-se a supremacia capitalista

seremos

um

país

econômica e politicamente forte. Isso se coloca como ideologia burguesa. A hegemonia burguesa pretende esse consenso ideológico. Desse modo, a hegemonia é cruel, pois copta o próprio explorado aos seus ditames de forma violenta e não

formas

ideológicas

de

crítica que

pode

ser

graças liberta

e

atravessado.

manutenção do sistema. De modo

Nesse contexto, o conhecimento,

que o que chamamos de democracia

como experiência alargada, remete

como participação representativa no

para a origem de uma coisa, atesta

Brasil, é justamente o seu oposto.

algo de alegórico, triste, trágico e do

Pois

é

lutuoso; remete, ainda, para o futuro

quem

como possibilidade de superação de

a

hegemonia

antidemocrática.

Pois

burguesa só

detém o poder econômico é que

erros

decide

vindouros pela reparação da história.

os

rumos

políticos

da

do

passado

e

acertos

sociedade. 1

violenta.

subjugado

Docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação da Universidade São Francisco – PPGSSE/USF – Campus Itatiba - SP


(BENJAMIN,

sem dúvida, sua trajetória tão rica e

formação para o autor tem a ver com

educadores

expressiva quanto dolorosa.

um processo crítico e reflexivo dos

especialmente

sujeitos

graduação – precisamos firmar uma

Longe

dos

processos

burocráticos das academias,da vida cotidiana

de

Benjamin para

ganhar

na

2002,

p.97).

construção

da

A

facilitado essa conquista, mas, nós –

Esta noção de conhecimento guiou

sua

autonomia e emancipação.

universitários,

A sua ideia de “Escovar a

lutou,incansavelmente,

história a contrapelo” nos leva, de

queremos,de

certa

funcionamento

a

vida

com

sua

forma,a

cursos

de

base, colaborativa e formativa, com o

universidade,

uma

dos

pensar

numa

apoio

das

instituições,

se

fato,colocar a

em

educação

a

como

“educação a contrapelo”.Mas como

contrapelo,

bolsista do Instituto de Pesquisa

e por que podemos pensar numa

formas inovadoras de atender ao

Social, na Alemanha, sob a direção

educação

a

público despreparado, mas que já

de M. Horkheimer, seja como um

Brasil?Para

Konder

autor que buscou, nos meios de

significa

comunicação, divulgar e publicar

postura de Benjamin diante de sua

São,

textos, ensaios e livros, passando,

época, seu estilo de pensamento,

despreparados, mas já desconfiados

nessa tarefa, por um processo árduo

bem como sua ação intelectual e

do sistema de opressão que nós

e doloroso.

política”, cujahistórianão é linear,

educadores

Estamos falando de um autor

mecânica, mas uma história aberta,

vislumbrando

que,mesmo sem esperança de uma

uma grande narrativa em que se

trabalho

carreira acadêmica aos 33 anos de

articulam passado, presente e futuro.

cujo resultado possibilite que se

produção

intelectual,

seja

idade, nos brindou com questões extremamente

relevantes

para

contrapelo

aquilo

A

possível,sim,

(1989,

que

mim,

no

“resume

parece

uma

p.7), a

criando,

desconfia

para

das

isso,

ideologias

disseminadas no contexto social. então,

esses

precisamos

sujeitos

enxergar,

possibilidades

marcante,

de

emancipador,

que

é

diminua a diferença extremaentre os

educação

a

sujeitos

uma

contrapelo

que nos desafia a questionar: Que

benjamineanos,dado o contingente

paradigmas regiam e ainda regem a

de sujeitos excluídos e vencidos da

nossa vida nos grandes e pequenos

história

engodos

nósna “Academia” precisam sentir

espaços acadêmicos, especialmente

midiáticos, dos problemas cruciais na

que são capazes de alcançar uma

no Brasil? O que Walter Benjamin

educação

e

educação libertária, cuja revolução

pode nos ensinar em termos de

relegados ao descaso dos embates

começa com saírem da zona de

educação? Será que sua trajetória de

entre as classes sociais, da não

conforto

vida e sua história de produção

democratização

inovadoras de educação; deixar para

intelectual podem nos fazer pensar

potencial formativo para emancipar e

trás

numa educação que não elimine e

contribuir para

incorporado no nosso cotidiano, na

nem

autonomia dos sujeitos.

os

conflitos

humanos, culturais e sociais?

oficial,

moldes

receberam

pensarmos a vida na academia, o

negligencie

nos

que

dos

brasileira,

da

a

ignorados

escola

como

construção

da

educação de qualidadee os que receberam uma educação coxeante. Os sujeitos que chegam até

e

abraçar

um

sistema

práticas

opressor

esfera social e cultural, na educação

E não se trata de educação da

que nos formou e na educação que

instituída,

massa, ainda impensável, a meu ver,

estamos ofertando a eles, nossos

muitas vezes, solapa ouelimina a

para qualquer país com índices e

educandos.

poiésis da vida acadêmica, não

defasagensaltos

não

esquecer a forçados elementos de

considerando a arte, a estética, a

escolarização, de exclusão escolar,

opressão que incapacitam o sujeito

afetividade e a sensibilidade dos

como é o caso do Brasil.Entretanto,

para

sujeitos envolvidos nos processos

podemos pensar sim, em educar as

então, aprender com a vida de

formativos,

classes

estudos,

A

praxeologia

especialmente,

não

de

populares,

sendo

aprender

não

fundamental

aconstruir

organizadas

décadas

autonomia intelectual, aprender a dar

também não vigora para eliminação

passadas, porque as políticas de

‘a volta por cima’, para que possa

de erros e práticas autoritárias no

acesso

sair preparadopara o mundo da vida

processo de formação de sujeitos.

facilitado

Para o autor, “a suprema

a

o

seu si-mesmo transcendental, ser ao

universidade.

comportar-se

reflexivamente”

ensino entrada

superior de

têm

muitos

sujeitos que nunca puderam usufruir

tarefa da formação é apoderar-se de

mesmo tempo o Eu de seu Eu, isto é

que

mais

reagir,

fundamental

considerando que o discurso do erro

ao

do

hoje,

É

direito

de

As governamentais,no

frequentar

uma

e do trabalho. Meu contato com a obra de Walter Benjamin se deu nos anos 80, na PUC-SP, numa época difícil em

políticas

muitos sentidos,na volta tímida da

Brasil,têm

filosofia ao ensino médio, banida por


16 anos, uma estagnaçãosuficiente

de

sua

Benjamin ressurge nos anos 50 e 60

para nos tornarmos preconceituosos

mobilidade de espaço e tempo;

e nosanos 70 e 80 com mais força e

no que tange à educação e à

assinalou a professora que a auraé

vigor, mas num círculo ainda muito

profissão

Nesse

uma categoria central da obra do

restrito das grandes instituições do

contexto, Theodor W. Adorno (1995),

autor, uma herança kantiana, aquilo

país. Benjamin ainda é– a meu ver–

no

do

que se pode designar como sendo o

um autor segregado em muitos

e

“algo distante” (Ferne); é, portanto,

círculos restritos de investigação nas

preconceitos dos pais, alunos e

no sentido kantiano, “uma categoria

universidades brasileiras renomadas.

familiares sobre o ser professor;

da

(JANZ,

Rodrigo Duarte (2015) numa

também

2012).Por mais que eu não tivesse

palestra proferida em Madrid em

impregnados numa profissão que

entendido

da

2010 e publicada pela Sociedade de

tem

de

educador.

ensaio:Tabus

magistério,

acerca

aponta

ranços

aponta

os

entraves

arte,

compreendida

percepção

em

sensorial”

toda

a

proposta

origem

carrascos,

professora,

vontade

Estudos da Teoria Crítica – SETC

serviçais,

guerreiros,

imensa de saber mais sobre Walter

em 2015, pontua que na: “...década

carcereiros, soldados, monges, a

Benjamin, mas a falta de material

de 1970, (a Teoria crítica) estava

maioria relaciona com a força física

traduzido, no meu caso, foi relevante

centrada

ou com os castigos corporais.

na hora de buscar um autor e um

pensamento de Walter Benjamin,

vivemoso

tema para pesquisar na época em

provavelmente porque,no entender

renascer do professor de filosofia no

que eu fui prestar a seleção para o

dos

ensino

relativamente maisfácil ocultar os

como

mestres

Nos

anos

médio,

80,

uma

protagonistas,

do

seria

mestrado

significados,

de

continuar com o Benjamin, mas

elementos

embates políticos motivados pelas

pesquisei outro grande autor, o

pensamento,os

Diretas-já,

filósofo francês, Gaston Bachelard.

realidade, muitos e bastante fortes”.

de

conflitos

informações,

políticos,

de

sociais,

Retomei,

anos

pude

seus

apropriação

de

de

(1995-1997).Não

na

plena

descobertas,

época

ficou

depois,

as

E,

marxistas

de

quais

aos

são,

poucos,

na

Benjamin

econômicos. Demorei muito para

leituras sobre Walter Benjamin– final

chega

compreender o alcance das aulas da

dos anos 90 –participando de grupos

educação.Hoje,grupos de pesquisa

professora

de pesquisa na USP e na Unicamp.

sobre sua obra surgem do sul ao

Gagnebin.Que nos presenteou com a

E

numa

norte do país (PUCCI e SILVA,

discussão sobre a obra de M.

faculdade,em São Paulo,no curso de

2015);um exemplo disso é o grupo

Horkheimer e T. Adorno, Dialética do

Pedagogia, com a disciplina Filosofia

“Teoria Crítica e Educação”, sob a

Esclarecimento, e a partir dessa obra

da Educação, pude trabalhar Walter

liderança do professor Bruno Pucci –

discutiu

Benjamin e muitos outros autores da

UNIMEP.

também eram categorias caras e

Filosofia,

pesquisadores de instituições como:

relevantes

na

Walter

quatro semestres da Disciplina de

UNIMEP,

Benjamin.

Embora

tivesse

Filosofia da Educação. Meu contato

UNICAMP, UFRJ, USF, UNESC,

dificuldade em se expressar em

com Benjamin se intensificouquando

UFLA, UEM, UFES e outras.Todas

língua portuguesa nas aulas, sua

entrei no PPGE da Universidade

elas,em suas sedes,contam com

conduta

esclarecedora

Metodista de Piracicaba – UNIMEP,

docentes e alunos pesquisadores e

e,permeada pela sua ‘paixão’ pela

onde tive a oportunidade de reforçar

pesquisas sobre Adorno, Benjamin,

obra

era

minhas leituras desse autor e de

Marcuse e Horkheimer.

convidativa. Nos anos 80,encontrar

outros autores da Teoria Crítica.

Mas, por que Benjamin– que

textos

a

Passei 2010 e 2011 me preparando

atestou a dor e o sofrimento das

possibilidade de um aluno da classe

para dar um curso sobre Walter

vítimas sociais, como os soldados

popular ler numa língua como o

Benjamin e Educação, queaconteceu

que retornavam mudos das guerras,

alemão era muito difícil, improvável.

em 2012.

nos faz refletir sobre os perseguidos

Jeanne

algumas

categorias

obra

Walter

de ela

ética,

de

Marie

Benjamin,

traduzidos

e

ter

que

quando

fui

nessa

trabalhar

fase,

tínhamos

ao

seu

âmbito

da

Aglutinam-se

UNESP,

UFSCar,

E mesmo partindo para o francês e o

Voltando ao autor. Será que

espanhol instrumental, a falta do

podemos falar em atualidade de

ciganos,

alemão foi imensa. Lembro-me de

Walter Benjamin? O que significa um

abandonados nas ruas de Berlim–

uma aula em que ela explicava, de

autor ser atual? Como pensar a

não

maneira saborosa, o conceito de

articulação filosofia, cultura, história e

Academia? Por que Benjamin não

aura,

pode

educação na obra de Benjamin? Na

pode

representar a essência de uma obra

Universidade, mais acentuadamente,

pensarmos as muitas

como

aquilo

que

eos excluídos, como os judeus, os os

negros,

mereceu

ser

uma

a

os

pobres

atenção

referência

da

para

exclusões,


ocultações de documentos e fatos

assinado e selado na esfera da

um

históricos e as constantes violências

educação.

referência

e discriminações no Brasil? Será que

É fundamental considerar que

e

inspiração,

uma

incentivo

para

um

pensarmos a cultura, a diversidade

muitos

Sul? Certamente, que não.Trata-se

pedagogos e

de um estrato da nata de intelectuais,

leem e trabalham com as obras de

De acordo com Duarte (2015,

a

Benjamin, levando seu pensamento,

p.196): “é inegável a intenção de

aprisiona o seu pensamento para

especialmente

compreender

poucos, regido e orquestrado por

conceitos centrais, para o cerne das

realidade brasileira por parte de seus

esquemas lógicos interpretativos. Por

preocupações com a educação e a

leitores,

que alguns decidem que não somos

compreensão

benjaminiana

capazes

e

vencidos e esquecidos, as memórias

inusitados,

coerente de suas obras? Por que

de grupos sociais, a historiografia, a

literária

ainda vivemos num país que insiste

crítica à literatura francesa e alemã e

Guimarães Rosa”. Lembro aqui a

em não educar seus cidadãos com

à

leitura de WilliBolle sobre Guimarães,

escolas

verdadeiramente,

categorias centrais de sua obra não

considerando-o

formem pessoas para o mundo da

devem ser estudadas e trabalhadas,

formação,

vida e do trabalho?

isoladamente,

um

representante do povo brasileiro.

ético,

Também a obra de Dalcídio Jurandir,

complexidade da obra de Benjamin,

estético, do sistema cultural e da

um autor pouco conhecido entre os

especialmente seus ensaios, não

produção

brasileiros,

pode

universo da Academia.

nata

de

acadêmica

uma

que,

leitura

que

fiel

Fundamentalmente,

servir

desestimular gerações

de a

a

mote

leitura

consideradas

para

dela

obra

por

da

arte.

de

Mas,

seus

dos

Entretanto,

fora

de

político,

conhecimento

as

no

que

inspiração

possibilitou

acessos

porexemplo, de

à

obra

escritores

um

autor

um

mas

como

de

autêntico

uma

referência

os

brasileiros,

para

estudada por Bolle, que nos coloca

simplesmente como um autor que

nossa brasilidade e de nossa cultura,

desinformados e até malformados.É

“está na moda”, pontua MateuCabot

a Belém do Pará.

fundamental

abrir

(2010)como uma novidade, porque

passagem/caminho para as classes

seus textos atestam uma resistência

considerar que o tempo, a cultura, os

populares que, hoje, atravessam a

ao

problemas do Brasil e os de um país

soleira das portas e portais das

tampouco ele pode ser visto como

como

Universidades

uma solução, rápida e contundente,

Portanto, não se trata, aqui, de

para os problemas da educação.

valores,

nessa

fonteque tem sido manancial para

é

modismo

ser

a

a

porque, um dia, já fomos imaturos,

que

pode

criticamente

fundamental

fundamentalmente, não

política e a educação no Brasil.

em contato com um autor que fala de

beber

Benjamin

de

história

nem

social,

hoje,

cultural, a cidadania, a história, a

lido

para

imaturas,

historiadores,

alguns

de

contexto

sociólogos,

de

é porque estamos na América do

mesma

filósofos,

autor

acadêmico,

É

fundamental,

a

Alemanha,

esquemas

também,

são

outros.

comparativos,

poucos, a fim de instruírem-se e

Sua obra salta aos olhos do

análises, nem de analogia entre um

transformarem seu mundo e o âmbito

mundo, um mundo, hoje,permeado

país e outro. O que não pode ser

social,

o

de conflito e dor;um autor capaz de

feito de acordo com Duarte (2015),

contexto– o espaço Universidade –

nos surpreender a cada escrita, a

nem na América do Sul, dada a

em

cada olhar sobre o mundo e sobre a

complexidade de cada país e das

herdeiros afortunados, são colocados

vida,

línguas

ao lado do filho do trabalhador.

olhamos as classes sociais e as

ignoramos

Nesse

e

diferenças sociais e econômicas num

pautadas,

conflitos surgem e não devem ser

país como o Brasil, considerando

traduções do alemão, e não numa

ignorados.

que, nas palavras de Gagnebin

leitura direta do pensador, na língua

Benjamin não é uma curapara

(2015), “...não tenho certeza que

alemã; o que não deve impedir que

as chagas abertas por políticas que

devemos hoje, no Brasil, ter ‘o

leitores

ignoram a educação das classes

mesmo

procurem,

populares. Ele pode ser um alento,

temas artísticos ou históricos que

comentadores,

um avanço.No entanto, dificultar o

Benjamin”. Pergunto: Benjamin tem

compreensão

encontro das classes populares (que,

recebido aqui o mesmo tratamento

educação com a obra de Walter

hoje, felizmente, lotam as salas de

que recebeu na Alemanha e outros

Benjamin.

aulas do Brasil) com a sua obra,

países da Europa? Com certeza,

pode

não.Entretanto, Benjamin pode ser

alterando,

que

filhos

contexto,

significar

com

da

isso,

burguesia,

resistências

um

retrocesso

especialmente,

tratamento’em

quando

relação

a

envolvidas.Por a

língua,

isso, as

não

leituras

especialmente,

atentos

responsáveis

nas traduções e

Duarte considera,

e

em

por

nos

formas e

de

aprendizado

(2015,

p.

exemplo,

da

199) que

a


recepção da obra de Adorno e os

A

constelação

é

relevante

obra

descambam

para

outros autores da Teoria crítica no

categoria

Brasil: “se deu no meio acadêmico,

Benjamin,écomo

inicialmente os artigos, livros, teses e

estelar 2 ,que permite que se façam

relacionada

dissertações

inúmeras combinações sem que se

‘bens culturais’.

assunto

produzidos estavam

sobre

o

alimentadas e retroalimentadas pelas

visão

pessoas.Fantasmagoria, aqui, está como

combinação.É mais que um mosaico,

BENJAMIN, 2009, p. 23) “a noção de

aprendizagem de sua filosofia densa

constitui-se como uma espécie de

fantasmagoria

e obscura...”.

ensaio em que ideias e conceitos se

utilizada por Benjamin parece ser

convertem como no seu trabalho das

apenas uma outra palavra para

Gagnebin (2015) “O que podemos,

passagens

designar o que Marx chamava de

sim, reter de sua reflexão é a

compilação

atenção

e

historiográfica inacabada, uma obra

ademais,

expressõesdos ‘oprimidos’, para usar

de narração em que o autor coloca

encontra no próprio Marx”.

uma palavra dele, isto é, expressões

em cena os autores compilados; as

de resistência, de busca deoutros

citações são mais que demonstração

fantasmagoria em Benjamin reforça

caminhos, de esperança de outros

de

um

mundos, também de desesperança”.

intelectualismo, mas a possibilidade

conceito

Também a autora chama a atenção

de formar combinações em que a

exemplo,rompe com o conceito de

para “...a desconfiançaem relação ao

arte, a estética, a filosofia, a moral, a

experiência em Kant, por este estar

modelo atual, impositivo, de sucesso

história,

carregado

e de felicidade a qualquer preço,

articular de maneira sempre aberta e

Benjamin, a intenção cognitiva está

numsistema de consumismo cego e

em direção ao futuro, possibilitando

relacionada com a experiência da

de exploração cada vez maior”.

aos leitores, novas e inusitadas

faculdade

leituras (SILVA, 2014).

um “saber sensível”. A experiência

Quanto

a

Benjamin,

pelas

Enfim, advertem

tipo

ações

são para

para

palavras

que

“tentar

não

uma

possibilidades

àsmercadorias

de

um

as

de

E de acordo com Tiedeman (In

por

esgotem

uma

fantasmagorias,

de

principalmente

marcados

na

uma

-um de

trabalho

dados,uma

erudição

as

de

do

políticas

obra

autor, de

podem

se

Cabot (2010) lembra que o

fetiche uma

Se

ponto

da

palavra

o

de de

mercadoria; que

se

conceito

vista

de

marxista,

Experiência,

de

barreiras.

mimética,

o por

Para

possibilitando

pode produzir e também perceber

transformar Benjamin em mais um

pensamento

tem

semelhanças nãosensíveis (como a

fetiche

vicejado nas últimas décadas. Pucci

linguagem e a escrita), mediante um

aspecto questionador, inquieto, sim,

e

comportamento sensível e qualitativo

subversivo do seu pensamento. Todo

crescimentodos grupos de pesquisa

seu pensamento lutou contra essa

sobre Teoria Crítica e Educação, em

fetichização da cultura e da escrita”

que

(GAGNEBIN, 2015). Esse ponto de

contemplado,

com

vista

imenso

território

cultural,

atesta

mas

nossa

cuidar

proposta

do

de

benjaminiano

caráter

reiteradamente

Silva

(2015)

Benjamin

em

apontam

é

um um

o

autor

(BENJAMIN, 2009, p.18-19). Para Michael Rosen (InRUSH, 2008,

p.72),

o

conceito

de

alcance

experiência é uma chave da ligação

nacional,

entre Benjamin e Karl Marx. Nesse

trabalho com a obra de Benjamin no

igualmente, articulado com a área da

contexto,

Brasil.

educação, do Sulaté o Norte e o

experiência em Benjamin não está

Nordeste do Brasil.

desvinculada de uma sensibilidade

É fundamental, então, que a

compreende-se

que

a

categoriarazão em Benjamin,possa

Para Cabot(2010), o aparato

ser pensada, nesse contexto, como

conceitual da cultura, hoje, em que a

aquilo que não engessa ou congela,

produção,

a

para Duarte (2015, p. 197) a obra de

uma razão exacerbada. Por isso,

circulação de imagens nas mídias e

Adorno ganha maior repercussão no

contra essa fetichização de que fala

também no espaço acadêmico se

Brasil, a partir dos anos 80: “Faz

a autora, seja da cultura ou da

reciclam e formam novas imagens

parte do mencionado refinamento da

escrita, Benjamin se posicionou a

sucessivas, elas podem impedir ou

filosofia social de Adorno o fato de

favor de uma razão aberta para o

suscitar excitações sensoriais do

que ele foi capaz de mostrar a

novo, para a autocrítica, uma razão

campo da experiência, de maneira

infiltração dos elementos estéticos na

questionadora e autoquestionadora,

ambígua,

política

aquela

que

convocando a experiência estética, o

contemporâneas

aconteçam possiblidades infindáveis

que pede atenção, cuidados, porque

poucos...”. Para Duarte,“...se tornou

de

que

novas

pensamento.

trabalha

para

constelações

do

2

a

reprodução

saturando

e

e

também

Como as estrelas que iluminam umas as outras e também obscurecem uma as outras

estética, ética, política etc. Assim como em Benjamin,

e

na como

sociedade muito

evidente que a dominação passa hoje por uma sedução de amplas


camadas da população por meio de

bases o futuro vingará, o jovem se

com que isso se repercutisse nas

motivos sensoriais”. A obra de C.

verá

nossas

Türcke (2010), Sociedade Excitada:

ideológico que só serve para gerar

universidade. Essas ações éticas

filosofia da sensação coloca em

aversão.Constata o filósofo, que a

não podem ser interpretadas como

xeque os campos da percepção no

ciência,sozinha, não pode preparar

ações religiosas;o campo é mais

que tange a experiência estética.

ojovem

aberto, elas devem fazer parte de

O ensaio de Walter Benjamin (2002)

“Experiência”,

de

1913,

submisso

a

um

para

princípio

a

vida

ações

no

nossa

um

sociedade e de se envolver com os

porque

são

de

da

profissional.Ela,sozinha, não forma profissional,

capacidade

âmbito

viver

em

denuncia uma prática de educação

fundamentais tanto ela quanto a

em que os mais velhos creditam

pesquisa, assim como, os aparatos

suas experiências como forma de

profissionais e humanos para uma

de

educar a juventude. Para o jovem

formação

que

trabalhar as habilidades dos jovens

Benjamin, os adultos usam suas

prepare os sujeitos para os inúmeros

para a vida e para o Estado. O

experiências como uma máscara

embates e conflitos cotidianos.

estudante,sob pressão da opinião

geral

consistente,

menos favorecidos. Para o jovem autor, oobjetivo uma

universidade

deve

ser

para reforçar a crença nos paise lhes

Para Benjamin (2002, p.33-

pública,não pode ficar a reboque

dar razão, caso os filhos fracassem

34), existe um abismo entre os

dela. Da mesma forma,a criatividade

em suas próprias experiências. Será

elementos da ciência, da vida e da

não

que asociedade burguesa, que se

profissão

guia

formaçãogeral

por

um

produzindo

ensino

e

utilitarista,

manipulando

no e

pode

ser

ignorada

nem

processo

de

imediatapara não comprometer o

profissional,

ao

comportamento

e

a

autonomia

as

mesmo tempo em que existe um laço

daquele que está sendo formado,

massas, está ultrapassada?3. Para o

– que é fundamental identificar –

nem ser uma reação mecânica sobre

jovem

a

entre a universidade, o Estado e as

a estética.

desconfiança e a desesperança do

pessoas, porque “...na instituição

homem

podem

acadêmica... alunos e professores, à

cauteloso

desestimular o jovem de buscar suas

semelhança de um gigantesco jogo

ousado para que possa acompanhar

próprias experiências.

de esconde-esconde, passam uns

os novos métodos e o conhecimento

pelos outros e nunca se enxergam”.

que o ajudarão na sua formação e

filósofo,

o

cansaço,

maduro

não

Gostaria de chamar atenção,

O

estudante e,

ao

deve

mesmo

ser tempo,

aqui, para modelos de educação e

Essa conexão das coisas na

formação centrados na escola, na

formação das pessoas remete ao

um

academiaque,muitas

seu discurso quando ele tomou

intelectual. Criatividade seria parte

servem mais para a geração que

posse

dessa transformação, convertendo o

estamos educando, porque estão, de

“Estudantado Livre de Berlim”. Sua

conhecimento

certa forma, desconectados da vida,

constatação

científicas,

do

uma

sensibilidade dos jovens burgueses

posicionamento filosófico a fim de

por

para com os mais pobres e as

fugir de uma vida banal, a vida da

comunidades

imitação, que se distancia de uma

mundo,

em –

realidade

vezes,

suma,

de

dominada

avançadíssimos tecnológicos

não

recursos

foi

afalta

sociais,

do

de

dizendo

para

uma

revolução

emquestões apoiando-se

vida

inseridos as crianças, adolescentes e

pessoas.Analisa o autor que todo

ideologiaspara

adultos. A mim parece que novos

aspirantea algo espera destacar-se,

juventude,

modelos

a

espera um resultado, o que pode

qualquer preço, por medo do futuro

ser

acontecer de modo fragmentado;

ou de não ter futuro, o medo de

resultadocujo

e

fracassar. Uma universidade não

dos

genérico precisa ser substituído pelo

pode ser vista como um mercado de

Benjamin

gesto e atitude de amor– “platônico”.

coisas ou mercadorias. Por isso, é

(2002) considera que o sistema de

Por isso, é fundamental servir aos

fundamental que os jovens tenham

educação,através

crítica,num

pobres como uma tarefa de uma

condições de se posicionar como

discurso suave para discutir em que

humanidade que nunca vicejou em

“Todo aquele que questionar a sua

3

comunidades de estudantes. Seria,

vida com a exigência mais elevada

quem

encontrará

educação

atual

para

precisam

pensados, refletidos e gestados. No

ensaio

estudantes,

de

A 1915,

da

vida

No Brasil, podemos citar, como exemplo,a elite, acostumada a ser bem servida, tenta, mediante pelas técnicas e recursos midiáticos, obter o consentimento das massas e também da parte esclarecida da população para manter seu status quo.

utilitarismo

sabe,

uma

vazio

tentativa

de

intelectual,

num

praticar o bem, solapam os ideaisdas

geração

qual

presidência

campo

estão

de

na

na

envolver-se na instituição, fazendo-a

de

refutar

evitar uma

os

felicidade

a

próprios

aprendermos a servir, de maneira

mandamentos.

grandiosamente

vindouro de sua forma desfigurada,

humana,

fazendo

Sem

gozar,na

libertar

o


no

reconhecendo-o

presente”

exigência

no

ensino

e

no

aprendizado”.

DUARTE, R. A atualidade da Teoria

(BENJAMIN,

2002,

p.47).Fundamental,

então,

Por isso, a infância para

que

Benjaminestá no centro de suas

<http://www.setcrit.net/la-actualidad-

preocupações etem a ver com a ideia

de-la-teoria-criticaen-iberoamerica-

de educação para a construção de

en-el-ejemplo-de-brasil/>. Acesso em

classe operária não significa ignorar

uma

Oseu

12/03/2015.

a sua própria classe (burguesa, em

conceito de infância é permeado de

GAGNEBIN,

alguns casos) bem como, a sua

muitas

narração em Walter Benjamin. São

formação intelectual, para fazer sua

entrecruzam, tais como: a social, a

Paulo: Perspectiva, 2011.

reflexão crítica. O autor apoiava os

filosófica, a cultural, a política, a

______.

movimentos de esquerda, mas dizia

ética, a antropológica, entre outras, o

professora

Jeanne

não se identificar, totalmente, com as

que

Gagnebin.

Disponível

versões

anoção de despertarque tem a ver

<https://filosofiapucsp.wordpress.co

com uma exigência política e ética,

m/2015/02/12/entrevista-com-a-

(1989),

diz Gagnebin (2011, p.80).

professora-jeanne-marie-gagnebin/>.

“caráter

Finalizando,

reconhecer,

no

presente,o

vicejará, no futuro. Para

teorias

Benjamin,

simplistas de

apoiar

de

esquerda.

Nietzsche,

diz

Benjamin

aprecia

a

algumas Como

Konder o

em

Crítica no Brasil: O exemplo da

memória

histórica.

dimensões

está

em

que

se

consonância

com

Benjamin

não

Indústria Cultural. Disponível em:

J.-M.

História

Entrevista

e

com

a

Marie em:

Acesso em 20/02/2015.

destrutivo”, porém, como um rebelde,

pede ao sujeito para parar de sonhar,

JANZ,

um revolucionário, idealiza o uso das

nem para se conduzir apenas pelo

presente: sobre o paradoxo da aura

energiasnas

manifestações

devaneio, tampouco, para ser um

e do vestígio. In: SEDLMAYER, S.;

revolucionárias, almejando com isso,

rebelde sem causa, mas que junte

GINZBURG,

a transformação da realidade, sendo

toda a sua energia e a coletiva e, de

Rastro,

fundamental – para que isso ocorra–

forma vigilante, aja sobre o real, o

Horizonte: UFMG, 2012.

destruir a velha sociedade para que

que, para o filósofo, tem a ver com

KONDER, L. Walter Benjamin: O

a nova possa emergir. Alinha teórica

uma

Marxismo

conservadora adotada por Benjamin

redenção do passado para deixar

Campus, 1989.

não era de todo estéril, poderia, sim,

viver a vida suprema do eu e das

KOTHE, F. R. Para ler Benjamin.

produzir ideias que chamassem a

coisas.

Rio de Janeiro: F. Alves, 1976.

ação

revolucionária,

numa

atenção e cooperassem com uma formação pessoal e a transformação

Rolf-Peter.

Ausente

J. Walter

aura

e

da

e

Benjamin:

história.

Belo

Melancolia.

RJ:

MACHADO, F. de A. P. A crítica do REFERÊNCIAS

conhecimento.

social.

Belo

Horizonte:

UFMG, 2004. Gegnebin (2015) chama nossa

ADORNO, T. W. Tabus acerca do

OTTE,

atenção no que tange ao ensino e a

magistério.

Sabrina;

educação, especialmente, para o

Emancipação. Rio de Janeiro: Paz e

Elcio.Liminares e passagens em

momento sala de aula, por isso,

Terra, 1995.

Walter Benjamin. Belo Horizonte:

pontua

que:“...temos

cada

vez

BENJAMIN, W. Magia e Técnica,

UFMG, 2010.

menos

professores

felizes

em

Arte

PUCCI, B.; SILVA, L.B.O. Relação

e

IN:

Política.

Educação

São

e

Paulo:

Georg;

SEDLMAYER, CORNELSEN,

ensinar, que saibam entusiasmar

Brasiliense, 1994.

atual entre Educação e Teoria

seus alunos e, ao mesmo tempo,

______. Reflexões sobre a criança,

crítica da Sociedade no Brasil. In:

exigir

deles

um

esforço

de

o brinquedo e a educação. São

LASTÓRIA, L.A.C.N. et al. Teoria

questionamento

e

de

Paulo: Editora 34, 2002.

Crítica: Estudos sobre Educação:

aprofundamento...”.

Certamente,

______.Passagens. Belo Horizonte:

Contribuições

temos atestado essa situação direta

UFMG, 2009.

Alemanha.

ou indiretamente em nossas práticas

______. BENJAMIN, W. Mito

de sala de aula. Pontua ainda a

Linguagem. São Paulo: Brasiliense,

Aparecida: Ideias e Letras, 2008.

autora, que:“Ora, me parece que [é]

2011.

SEDLMAYER e Jaime GINZBURG.

disso que o ensino brasileiro mais

CABOT, M. Sobre laactualidad de

Walter Benjamin: Rastro, aura e

precisa desde o ensino fundamental

Wlater Benjamin. Disponível em:

história.

até a pós‑graduação: a alegria e a

<https://dialnet.unirioja.es/descarga/..

2012.

./3743877.pdf>.

SILVA,

05/06/2015.

Acesso

e

em

do

Brasil

e

da

RUSH, Fred (org.) Teoria Crítica.

Belo

Horizonte:

L.B.O.

UFMG,

Epistemologia,

estética e formação: contribuição de


Walter Benjamin para a educação. Revista Herramienta, Buenos Aires, 2014. TIEDEMANN, T. IN BENJAMIN, W. Passagens. Belo Horizonte: UFMG, 2009. TÜRCKE, C. Sociedade Excitada: filosofia da sensação. Campinas: Unicamp. 2010.


Notas de literatura

leituras e discussões, pensamentos e

do Santo Ofício, depois de uma vida

sentimentos: temores, esperanças,

transcorrida em total anonimato."

ironias, raivas, desesperos. De vez em quando as fontes, tão diretas, o trazem muito perto de nós: é um

"A existência de desníveis culturais

GUINSBURG, CARLO, O QUEIJO E OS VERMES, O COTIDIANO E AS IDEIAS DE UM MOLEIRO PERSEGUIDO PELA INQUISIÇÃO.COMPANHIA DE BOLSO. 2008.

homem como nós, é um de nós."

no interior das assim chamadas

Por: Guilherme Orestes Canarim

EXCERTOS:

"O

Arquivo

da

Cúria

Episcopal

daquela cidade preserva um acervo de

documentos

sociedades

Pesquisei

o

"Foi possível rastrear o complicado

poucos

relacionamento de Menocchio com a

folclore, antropologia social, história

cultura escrita, os livros (ou, mais

das tradições populares, etnologia

precisamente, alguns dos livros) que

européia. Todavia, o emprego do

leu e o modo como os leu. Emergiu

termo cultura para definir o conjunto

assim

que

de atitudes, crenças, códigos de

Menocchio interpôs conscientemente

comportamento próprios das classes

entre ele e os textos, obscuros ou

subalternas

ilustres, que lhe caíram nas mãos."

histórico é relativamente tardio e foi

um

filtro,

um

crivo

se

autodefinindo

num

emprestado

inquisitoriais

inexplorado.

é

pressuposto da disciplina que foi aos

certo

da

como

período

antropologia

cultural[...]"

extremamente rico e, àquela época, ainda

civilizadas

os

julgamentos de uma estranha seita "Os historiadores só se aproximaram

de Friuli, cujos membros os juizes identificaram

como

bruxas

e

curandeiros[...]"

"Uma das acusações feitas a um réu era a de que ele sustentava que o mundo

tinha

sua

origem

na

putrefação. Essa frase atraiu minha curiosidade no mesmo instante, mas eu estava à procura de outras coisas: bruxas,

curandeiros,

benandanti.

Anotei o número do processo. Nos anos

que

se

seguiram,

essa

anotação ressaltava periodicamente de meus papéis e se fazia presente em minha memória. Em 1970 resolvi tentar

entender

o

que

"O queijo e os vermes pretende ser

muito recentemente — e com certa

uma história, bem como um escrito

desconfiança — desses tipos de

histórico. Dirige-se, portanto, ao leitor

problema. Isso se deve em parte,

comum

especialista.

sem dúvida nenhuma, à persistência

Provavelmente apenas o último lerá

de uma concepção aristocrática de

as notas, que pus de propósito no fim

cultura. Com muita freqüência idéias

do livro, sem referências numéricas,

ou

para não atravancar a narrativa.

consideradas, por definição, produto

Espero,

das classes superiores, e sua difusão

e

ao

porém,

reconheçam

que

são

entre as classes subalternas um fato

todavia

mecânico de escasso ou mesmo de

extraordinário, da realidade, em parte

nenhum interesse; como se não

obliterado,

bastasse,

despercebido,

e

implicitamente indagações

episódio

originais

um

fragmento

nesse

ambos

crenças

que uma

para

coloca de

presunçosamente a “deterioração”, a

própria

“deformação”, que tais idéias ou

série

nossa

enfàtiza-se

cultura e para nós."

crenças sofreram durante o processo de transmissão."

aquela

declaração poderia ter significado para a pessoa que a formulara. Durante esse tempo todo a única coisa que sabia a seu respeito era o nome:

Domenico

Scandella,

dito

Menocchio."

"Este livro narra sua história. Graças a uma farta documentação, temos condições de saber quais eram suas

"A escassez de testemunhos sobre o comportamento e as atitudes das

"Isso significa que os pensamentos,

classes subalternas do passado é

crenças,

com certeza o primeiro — mas não o

camponeses e artesãos do passado

único — obstáculo contra o qual as

chegam até nós através de filtros e

pesquisas históricas do gênero se

intermediários que os deformam, E o

chocam. Porém, é uma regra que

que

admite exceções. Este livro conta a

antecipadamente, as tentativas de

história de um moleiro friulano —

pesquisa nessa direção."

Domenico Scandella, conhecido por Menocchio — queimado por ordem

basta

esperanças

para

dos

desencorajar,


"Mandrou, diante de uma lista dos

profundamente com outra, vivíssima,

metodológica e da pobreza dos

principais temas recorrentes, acabou

delineada por Mi- khail Bakhtin num

resultados

por formular uma conclusão um tanto

livro fundamental sobre as relações

estudos dedicados explicitamente à

quanto apressada. Essa literatura,

entre Ra- belais e a cultura popular

definição do que era a cultura

por ele definida como de “evasão”,

do seu tempo. Ao que tudo indica,

popular da Europa pré-industrial,

teria alimentado por séculos uma

Gar- gântua e Pantagruel, que talvez

sobressai um certo tipo de pesquisa,

visão

de

mundo

da

maior

parte

dos

banhada

de

não tenham sido lidos por nenhum

como a de Natalie Zemon Davis e de

determinismo,

de

camponês, nos fazem compreender

Edward

maravilhoso e misterioso, impedindo

mais

cultura

charivari, por exemplo, que ilumina

que

camponesa

o

aspectos particulares dessa cultura.

devia

Mesmo uma documentação exígua,

social e política — e, portanto,

circular amplamente pelos campos

dispersa e renitente pode, portanto,

desempenhando,

da França."

ser aproveitada.

fatalismo

e

seus

leitores

consciência

da

tomassem

própria

condição

talvez

conscientemente,

uma

coisas

sobre

a

do

que

Almanacbdesbergers,

que

função

P.

Contudo,

reacionária."

o

famigerado

Thompson

medo

sobre

de

cair

positivismo

os

no

ingênuo,

unido à exasperada consciência da

"Em

uma

passagem

imotivada,

brusca

de- finiu-os,

e

enquanto

"Segundo Bakhtin, essa visão de

violência ideológica que pode estar

mundo, elaborada no correr dos

oculta por trás da mais normal e, à

séculos pela cultura popular, se

primeira vista, inocente operação

contrapõe,

cognitiva,

sobretudo

na

Idade

induz

hoje

muitos

instrumentos de uma aculturação

Média, ao dogmatismo e à seriedade

historiadores a jogar a criança fora

vitoriosa, como “reflexo [...] da visão

da cultura das classes dominantes.

junto com a água da bacia — ou,

de mundo” das classes populares do

Apenas levando-se em consideração

deixando de lado as metáforas, a

Ancien

atribuindo

essa diferença é que a obra de

cultura

tacitamente a essas classes uma

Rabelais se toma compreensível. A

documentação que dela nos dá uma

completa passividade cultural e à

sua comicidade se liga diretamente

imagem mais ou menos deformada. "

literatura de cordel uma influência

aos temas carnavalescos da cultura

desproporcionada."

popular. Portanto, temos, por um

Régime,

popular

junto

com

a

lado, dicotomia cultural, mas, por

"Em Histoire de la folie já estava

outro, circularidade, influxo recíproco

implícita, ao menos em parte, a

"Dessa maneira, é claro, troca-se

entre cultura subalterna e cultura

trajetória que levaria Foucault a

“literatura popular” por uma “literatura

hegemônica, particularmente intenso

escrever Lesmots et lescboses e

destinada ao povo”, continuando,

na primeira metade do século xvi."

Uarcbéologiedusavoir. Tal trajetória

sem se dar conta, nos domínios da

foi muito possivelmente acelerada

cultura

pelas

produzida

dominantes.

classes

verdade

perspectivas de pesquisa indicadas

contra a Histoire de la folie. Não se

hipótese de umadefa- sagem entre

por Bakhtin que nos faz desejar, ao

pode

os opúsculos e o modo como seriam

contrário, uma sondagem direta, sem

linguagem

lidos pelas classes populares. Mas

intermediários, do mundo popular.

participante da razão ocidental e,

essa indicação preciosa permanece

Porém, pelos motivos já levantados,

portanto, do processo que levou à

estéril,

no

substituir uma estratégia de pesquisa

repressão da própria loucura."

postulado da “criatividade popular”,

indireta por outra direta, neste tipo de

indeterminada

trabalho, é por demais difícil."

e

aparentemente

justamente

a

riqueza

niilistas

incidentalmente, Bollème levanta a

desemboca

"[...]

objeções

lançadas por Jacques Der- rida

que

que,

simples

das

E

pelas

da

loucura

numa

historicamente

inatingível, própria de uma tradição

"É

oral que não deixou vestígios.

portanto, que vai desembocar essa

A imagem estereotipada e adocicada de cultura popular que constitui o ponto

de

realizada

chegada por

da

pesquisa

Bollème

contrasta

no

falar

irracionalismo

estetizante,

"A análise do “carnaval de Romans”

linha de pesquisa. A relação, obscura

realizada por Emmanuel Le Roy

e contraditória, de Pierre Rivière com

Ladurie é exemplar nesse sentido.

a

No conjunto, diante da incerteza

mencionada;

cultura

dominante suas

é

apenas leituras


(almanaques, livros de piedade, mas

ainda não examinado de crenças

justamente por isso representativo —

também Le bonsensducuréMeslier)

populares, de obscuras mitologias

, pode ser pesquisado como se fosse

são mesmo ignoradas. Prefere-se

camponesas. Mas o que toma muito

um microcosmo de um estrato social

descrevê- lo vagando pelos bosques

mais

inteiro

depois do delito como “um homem

Menocchio

é

sem cultura [...] um animal sem

obscuros

elementos

instinto [...] um ser mítico, um ser

estarem enxertados num conjunto de

monstruoso,

ser

idéias muito claras e conseqüentes,

definido porque estranho a qualquer

que vão do radicalismo religioso ao

ordem nomeável”.

naturalismo

impossível

de

complicado o

o

caso

fato

de

de

esses

populares

tendencialmente

científico, às aspirações utópicas de renovação social, A impressionante "O que foi dito até aqui demonstra

convergência entre as posições de

com

do

um desconhecido moleiro friulano e

conceito de “cultura popular”. As

as de grupos de intelectuais dos

classes subalternas das sociedades

mais refinados e conhecedores de

pré-industriais é atribuída ora uma

seu tempo repropõe com toda força o

passiva adequação aos subprodutos

problema da circularidade da cultura

culturais

formulado por Bakhtin."

clareza

a

ambigüidade

distribuídos

generosidade

com

pelas

confissões de Menocchio nos ajudam " Mas precisar os modos e os tempos

a precisar o problema, devemos nos

dessa influência (Jacques Le Goff

perguntar que relevância podem ter,

começou

obtendo

num plano geral, as idéias e crenças

ótimos resultados) significa enfrentar

de um indivíduo único em relação

o

aos do seu nível social. No momento

problema

posto

pela

documentação, que no caso da

em

cultura popular é, como já dissemos,

estudiosos se lançam a empresas

quase sempre indireta. Até que ponto

imensas de história quantitativa das

os eventuais elementos da cultura

idéias ou de história"

que

equipes

inteiras

de

são

aculturação

frutos mais

de ou

histórico — a nobreza austríaca ou o baixo clero inglês do século XVI."

"Com

rara

clareza

e

lucidez,

Menocchio articulou a lingua- gem que estava historicamente à sua disposição.

Por

isso,

nas

suas

confissões é possível encontrar de maneira

bastante

nítida,

quase

exasperada, uma série de elementos convergentes;

esses

mesmos

elementos,

numa

outra —

análoga

—, aparecem dispersos, ou então só é possível vislumbrá-los. Algumas investigações confirmam a existência de traços que reconduzem a uma cultura

camponesa

comum.

Em

poucas palavras, mesmo um casolimi- te (e Menocchio com certeza o é) pode se revelar representativo, seja negativamente — porque ajuda a precisar o que se deva entender, numa

situação

dada,

por

“estatisticamente mais freqüente” —,

hegemônica, encontráveis na cultura popular,

período

contemporânea ou pouco posterior "Antes de analisar em que medida as

trabalho

determinado

documentação

classes

dominantes[...]"

esse

num

seja positivamente — porque permite

uma menos

"Porém, se a documentação nos

deliberada ou de uma convergência

oferece a oportunidade de reconstruir

mais ou menos espontânea e não,

não só as massas indistintas como

ao contrário, de uma inconsciente

também personalidades individuais,

deformação da fonte, obviamente

seria

tendendo a conduzir o desconhecido

últimas. Não é um objetivo de pouca

ao conhecido, ao familiar?"

importância estender às classes mais baixas

absurdo

o

descartar

conceito

estas

histórico

circunscrever

as

possibilidades

latentes de algo (a cultura popular) que nos chega apenas através de documentos deformados,

fragmentários provènientes

e quase

todos de “arquivos da repressão”."

de

“indivíduo”. E claro que existe o risco "As confissões de Menocchio, o

de cair no anedotário, na famigerada

"O chiste de E. P. Thompson sobre o

moleiro friulano protagonista deste

bistoireévénementielle (que não só é

“grosseiro

livro, constituem, em certa medida,

nem

impressionismo do computador que

um

política). Contudo, trata-se de um

repete

risco

elemento, passando por cima de

caso

semelhante

benandanti. irredutibilidade

Aqui, de

ao

também, parte

dos a dos

necessariamente

evitável.

biográficos

é

Alguns

mostraram

história

estudos que

um

discursos de Menocchio a esquemas

indivíduo medíocre, destituído de

conhecidos aponta para um estrato

interesse

por

si

mesmo

e

ad

e

insistente

navseam

um

único

todos os dados documentais para os quais

não

foi

programado”,

é

literalmente verdadeiro, já que o


computador, como é óbvio, não

“mentalidade” do que uma “cultura”.

pensa, mas executa ordens. "

Apesar das aparências, não se trata de uma distinção futil. O que tem caracterizado os estudos de história

"Furio Diaz, fez algumas objeções a

das menta- lidades é a insistência

essa abordagem: por um lado, corre-

nos elementos inertes, obscuros,

se

sempre

inconscientes de uma determinada

descobrindo o óbvio; por outro, de se

visão de mundo. As sobrevivências,

ater ao que, em termos históricos, é

os

enganoso.

irracionalidade delimitam o campo

o

risco

de

E

estar

deu

um

exemplo

arcaísmos,

a

afetividade,

a

irônico: os camponeses franceses do

específico

fim do século com certeza não

mentalidades,

assaltavam os castelos da nobreza

muita clareza de disciplinas paralelas

porque

lido

e hoje consolidadas, como a história

UAngeConducteur, mas porque as

das idéias ou a história da cultura

“novas

(que,

tinham idéias

mais

ou

menos

da

no

estudiosos

de

anteriores)."

iam

ao

encontro

de

das

distinguindo-a

entanto,

implícitas nas notícias que chegavam Paris”

história

com

para

alguns

as

duas

engloba

que

medida

predominantemente

a oral

cultura daqueles

leitores interferia na fruição do texto, modificando-o, chegando

remodelando-o,

mesmo a

alterar

sua

natureza? As referências de Menocchio a suas leituras nos dão um exemplo claro desse tipo de relação com o texto, a qual diverge por inteiro da dos leitores cultos de hoje. "

maioria da população daquela época, são vislumbrados no livro de Febvre só

para

serem

apressadamente

liquidados como “massa [...] semiselvagem, vítima das superstições”, enquanto a afirmação de que era impossível, naquele tempo, formular uma posição irreligiosa conseqüente em termos críticos traduz-se em outra — bastante previsível — de que o século XVII não era o século XVI

e

Descartes

não

era

contemporâneo de Rabelais. Apesar desses limites, o modo como Febvre

“interesses e [...] velhos rancores”." "[...]

"Os camponeses, isto é, a grande

consegue

separar

os

múltiplos fios que ligam um indivíduo a um ambiente, a uma sociedade, " Inscrever o caso de Menocchio no

historicamente

âmbito exclusivo da história das

permanece

mentalidades significaria, portanto,

instrumentos que usou para analisar

colocar

o

a religião de Rabelais podem servir

fortíssimo componente racional (não

também para analisar a religião, tão

necessariamente

diversa, de Menocchio."

em

segundo

plano

identificável

à

determinados, exemplar.

Os

nossa nacionalidade) da sua visão de mundo. Todavia, o argumento decisivo

é

outro:

terminantemente

a

conotação

interclassista

da

"Com isso não se está de maneira alguma afirmando a existência de uma cultura homogênea, comum

história das mentalidades."

tanto aos camponeses como aos "A defasagem entre os textos lidos por Menocchio e o modo como ele os assimilou

e

inquisidores posições

os

referiu

aos

indica

que

suas

não

são

redutíveis

ou

remissíveis a um ou outro livro. Por um

lado,

elas

reentram

numa

tradição oral antiqüís- sima; por outro, evocam uma série de motivos elaborados por grupos heréticos de formação

humanista:

tolerância,

tendência em reduzir a religião à moralidade etc."

artesãos da cidade (para não falar " Nesse sentido, na maior parte das

dos grupos marginais, corrio os

vezes,

vagabundos),

o

acrescentado pleonástico. negar

adjetivo a

“mentalidade”

Ora,

a

coletiva

não

Menocchio

não

é

mais

uma

pré-

industrial. Apenas se está querendo

queremos

delimitar um âmbito de pesquisa no

de

interior do qual é preciso conduzir

investigações desse tipo, porém o

análises particularizadas como a que

risco de chegar a extrapolações

fazemos aqui. Só desse modo será

indevidas

Até

possível eventualmente generalizar

mesmo um dos maiores historiadores

as conclusões a que se chegou

deste século, LucienFebvre, caiu

neste estudo."

é

legitimidade

muito

grande.

numa armadilha desse gênero. Num livro inexato mas fascinante, tentou, indivíduo — ainda que excepcional,

se o que emerge dos discursos de

Europa

é

através da investigação sobre um

"A esta altura poder-se-ia perguntar

na

como Rabelais —, identificar as coordenadas mentais de toda uma era[...]"

"Dois grandes eventos históricos tomaram possível um caso como o de

Menocchio:

a

invenção

da

imprensa e a Reforma. A imprensa lhe permitiu confrontar os livros com a tradição oral em que havia crescido e lhe forneceu as palavras para


organizar o amontoado de idéias e fantasias que nele conviviam. A Reforma

lhe

deu

audácia

para

comunicar o que pensava ao padre do

vilarejo,

conterrâneos,

inquisidores — mesmo não tendo conseguido dizer tudo diante do papa, dos cardeais e dos príncipes, como queria[...]"

“Não tenho nada além de dois moinhos de aluguel e dois campos arrendados, e com isso sustentei e sustento minha pobre família”. Mas, sem

dúvida,

Menocchio

exagerando. Mesmo se boa parte da colheita

servisse

para

que

pagar

o

aluguel (provavelmente em espécie)

era

impossível

efetuar recortes claros na cultura de Menocchio. Só com o bom senso se

taxas sobre a terra, devia sobrar o bastante para sobreviver e ainda para os momentos difíceis."

época,

convergiam

com

tendências de uma parte da alta cultura do século XVI e que se tornaram

patrimônio

da

cultura

“progressista” dos séculos seguintes: aspiração a uma reforma radical da sociedade,

corrosão

interna

da

religião, tolerância. Graças a tudo isso, Menocchio está inserido numa tênue, sinuosa, porém muito nítida linha de desenvolvimento que chega até

nós:

podemos

dizer

que

é

também

um

fragmento

perdido, que nos alcançou por acaso, de um mundo obscuro, opaco, o qual só através de um gesto arbitrário podemos

incorporar

à

nossa

história[...]"

"No

conjunto,

a

posição

de

Menocchio no microcosmo social de Montereale aparenta não ter sido das mais desprezíveis. Em 1581 havia sido podestá (magistrado) da aldeia e dos vilarejos ao redor (Gaio,

e

ainda

cameraro,

isto

é,

administrador

da

paróquia

de

Montereale,

em

data

não

precisada[...]"

a qualquer análise não significa ceder ao fascínio idiota do exótico e do incompreensível. Significa apenas levar

em

consideração

sentido, nós mesmos somos vítimas. “Nada do que aconteceu deve ser perdido para a história”, lembrava Wal-

ter

Benjamin.

humanidade pertence

Mas

redimida

inteiramente”.

isto é, liberada."

o

“só

à

passado Redimida,

Esse

pregar

fato

e

agravava

muito sua situação."

“Discute sempre com alguém sobre a fé, e até mesmo com o pároco” — foi

o

que

comentou

Francesco

com

o

vigário-geral.

Segundo

outra

Domenico

Melchiori:

com

Fasseta

testemunha,

todo

“Costuma

mundo,

mas,

disse:

‘Eu

sou

sapateiro;

você,

moleiro, e você não é culto. Sobre o que é que nós vamos discutir?’”. As coisas da fé são grandes e difíceis, fora do alcance de moleiros e sapateiros."

"Menocchio dizia não acreditar que o Espírito Santo governasse a Igreja, acrescentando:

“Os

padres

nos

de tudo para nos manter quietos, "Nesse caso, o fato de saber “ler, escrever

e

somar”

favorecido

deve

ter

Menocchio.

administradores, escolhidos

em

quase

Os

geral,

eram

sempre

entre

vezes aprendendo até um pouco de latim. Escolas desse tipo existiam também

em

Pordenone:

Aviano

Menocchio

ou

em

deve

ter

passado por uma delas."

mas eles ficam sempre bem”; e ele “conhecia Deus melhor do que eles”. E, quando o pároco da vila o levara a Concórdia para se encontrar com o vigário- geral, a fim de que suas idéias

clareassem,

dizendo-lhe

“esses seus caprichos são heresias”, tinha prometido não se meter mais em tais assuntos — todavia, logo depois recomeçou."

“Cale a boca, Domenego, não diga essas coisas, porque um dia você se

uma

mutilação histórica da qual, em certo

dogmatizar).

de

querem debaixo de seus pés e fazem

escola pública de nível elementar, às

frabilidade que há nela e que resiste

envergonhava

Grizzo, San Leonardo, San Martino)

pessoas que tinham freqüentado

. "Respeitar o resíduo de indeci-

se

quando quis discutir comigo, eu lhe

Menocchio é nosso antepassado, mas

dogmatizare non erubes- cit”; ele não

discutir

podem isolar certos temas que, já naquela

et

estava

dos dois moinhos, além das pesadas "Dissemos

(“praedicare

discutindo-as

"Em

28

de

setembro

de

1583

Menocchio foi denunciado ao Santo Ofício,

sob

a

acusação

de

ter

pronunciado palavras “heréticas e totalmente ímpias” sobre Cristo. Não se

tratara

ocasional: tentar

de

uma

Menocchio

difundir

suas

blasfêmia chegara

a

opiniões,

arrepende”.

Outra

testemunha,

Giovanni Povoledo, dirigindo- se ao vigário-geral, arriscou uma definição, embora genérica: “Tem má fama e tem opiniões erradas, como aquelas da seita de Lutero”. Entretanto, esse coro

de

vozes

enganar. interrogados

Quase

não

deve todos

declararam

nos os

conhecer


Menocchio havia muito tempo: uns, havia trinta, quarenta anos; outros, 25; outros, ainda, vinte. Um deles, Daniele Fasseta, disse conhecê- lo

Polcenigo, " Como já vimos, Menocchio não reconhecia, na hierarquia ecle

Giovanni

Melchiori,

seu

Daniele

amigo

desde

a

infância. Este o incentivou a se apresentar

espontaneamente

ao

“desde moleque, com o nariz sujo, já

siástica,

que éramos da mesma paróquia”.

especial nas questões de fé. “Que

obedecer

papa, prelado, padres, qual o quê! E

eventual

dizia essas palavras com desprezo,

Menocchio: “Diga o que eles estão

" As pessoas repetiam as palavras

dizia que não acreditava neles” —

querendo saber, não fale demais e

dele,

curiosidade,

comentou Domenico Melchiori. De

muito menos se meta a contar

outras balançando a cabeça. Nos

tanto discutir e argumentar pelas

coisas;

testemunhos recolhidos pelo vigário-

ruas

perguntado”[...]"

geral não se percebe o que se

Menocchio deve ter acabado por se

chamaria de verdadeira hostilidade

contrapor à autoridade do pároco."

algumas

com

nenhuma

e

tavernas

autoridade

da

cidade,

Santo

Ofício,

ou

de

ao

menos

imediato

convocação.

responda só

a

a

uma

Avisou

a

o que for

em relação a Menocchio; no máximo,

" E assim Menocchio foi a Maniago,

desaprovação. E verdade que entre

atendendo à convocação do tribunal

aqueles existiam parentes, como

eclesiástico. Mas no dia seguinte, 4

Francesco Fasseta ou Bartolomeodi Andrea, primo de sua mulher, que o definiram como “homem de bem”. O próprio Giuliano Stefanut, que havia enfrentado Menocchio, dizendo-se pronto

“a

morrer

pela

fé”,

acrescentou: “Eu gosto dele”. [Esse moleiro, que já tinha sido magistrado da

aldeia

e

administrador

paróquia,

decerto

margem

da

Montereale. quando

vivia

comunidade

Muitos

do

não

anos

segundo

da à

processo,

que é amigo de todo mundo”. E, a

certa

altura

dispararam uma denúncia contra ele que abriu caminho para o inquérito. Os

filhos

de

Menocchio,

como

veremos, identificaram de imediato o pároco de Montereale, dom Odorico Vorai, como o anônimo delator. Não estavam enganados. Entre os dois existia uma velha diferença: já fazia quatro anos que Menocchio ia se confessar

em

outra

“desmesuradamente”,

como sustentava que blasfemar não é pecado (segundo uma testemunha, teria dito que blasfemar contra os santos não é pecado, mas contra Deus

é),

acrescentando

com

sarcasmo: “Cada um faz o seu dever; tem quem ara, quem cava e eu faço

inquérito, o inquisidor em pessoa — o

frade

franciscano —

Montefalco

Felice

ordenou

que

da o

prendessem e “levassem algemado” para os cárceres do Santo Ofício de Concórdia. Em 7 de fevereiro de 1584 Menocchio foi submetido a um primeiro interrogatório."

o meu, blasfemar”." "

depois,

conversando com muita gente e acho

disso,

blasfemava

de fevereiro, dado o andamento do

de

umatestemunha declarou: “Eu o vejo

apesar

"Só para termos uma idéia, não só

cidade.

O

testemunho de Vorai, que fechou a

"Por exemplo: “O ar é Deus [...] a terra, nossa mãe”; “Quem é que vocês-pensam que seja Deus?Deus não é nada além de um pequeno sopro e tudo mais que o homem imagina”; “Tudo o que se vê é Deus e nós somos deuses”; “O céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o inferno, tudo é Deus”; “O que é que vocês pensam, que Jesus Cristo nasceu da Virgem Maria? Não é possível que ela tenha dado à luz e tenha continuado virgem. Pode muito bem ser que ele tenha sido um

Assim,

mesmo

alimentado

admitindo

ter

quanto

à

dúvidas

virgindade de Maria dois ou três anos antes, e ter falado sobre isso com várias pessoas, entre as quais o padre

de

Barcis,

observou:

“E

verdade que eu falei disso com várias pessoas, mas não forçava ninguém a acreditar; pelo contrário, convenci

muitos dizendo:

‘Vocês

querem que eu ensine a estrada verdadeira? Tente fazer o bem, trilhar

o

caminho

dos

meus

antecessores e seguir o que a Santa Madre Igreja ordena’."

homem qualquer de bem, ou filho de algum homem de bem”[...]"

fase informativa do processo, foi

”Com

particularmente evasivo: “Não posso

confirmava a suspeita de que ele

me lembrar bem do que ele disse. Tenho memória fraca e estava com outras coisas na cabeça”[...]"

"Menocchio pressentia que alguma coisa estava sendo preparada contra ele. Foi então falar com o vigário de

tais

palavras

Menocchio

tivesse desempenhado, na aldeia, o papel de professor de doutrina e de comportamento (“Vocês querem que eu ensine a estrada verdadeira?").


Quanto

ao

conteúdo

heterodoxo

Contra-Reforma, as modalidades de

" No final do primeiro interrogatório (7

desse tipo de prédica, não é possível

exclusão eram outras — prevaleciam

de fevereiro) exclamou com evidente

ter dúvidas — principalmente no

a identificação e a repressão da

relutância, dirigindo-se ao vigário-

momento em queMenocchio expôs

heresia."

geral: “Senhor, o que eu disse por

sua singularís- sima cosmogonia, da

inspiração de Deus ou do demônio

qual

não confirmo nem desminto, mas lhe

o

Santo

Ofício

ouvira

comentários confusos: “Eu disse que

"Logo após seu encarceramento, um

peço misericórdia e farei o que me

segundo meu pensamento e crença

de seus filhos, Ziannuto, tentara

for ensinado”. Pedia perdão, todavia

tudo era um caos, isto é, terra, ar,

socorrê-lo

maneiras:

não renegava nada. Durante quatro

água e fogo juntos, e de todo

procurou um advogado, um tal de

longos interrogatórios (7, 16, 22 de

aque[...]"

Trappola, de Portogruaro; esteve em

fevereiro e 8 de março) ele se

Serravalle

o

manteve firme diante das objeções

inquisidor; obteve da prefeitura de

do vigário, negou, fez comentários,

"Esse Deus, depois, fez Adão e Eva

Montereale uma declaração a favor

rebateu.

e o povo em enorme quantidade para

do prisioneiro que foi enviada ao

disse-lhe o vigário Maro, “que teria

encher

anjos

advogado, com a perspectiva, em

dito não acreditar no papa, nem nas

expulsos. O povo não cumpria os

caso de necessidade, de conseguir

regras da Igreja, e que não sabia de

mandamentos de Deus e ele mandou

outros atestados de boa conduta: “Se

onde saía tamanha autoridade de

seu filho, que foi preso e crucificado

for necessária a comprovação da

alguém como o papa.” Menocchio

pelos judeus”. E acrescentou: “Eu

prefeitura de Montereale de que o

retrucou: “Eu peço a Deus onipotente

nunca disse que ele se deixara

prisioneiro

que me faça morrer agora se eu

abater feito um animal” (foi uma das

comungava todo ano, o padre a dará;

disse

acusações feitas contra ele; em

se for necessária a comprovação de

afirmou”.

seguida admitiu que talvez pudesse

ter sido magistrado e administrador

dissera que as missas para os

ter dito qualquer coisa do gênero).

de cinco vilas, será dada; ter sido

mortos

“Eu disse bem claro que se deixou

administrador

Giuliano

crucificar e esse que foi crucificado

Montereale e ter feito sua obrigação

pronunciadas por Menocchio num dia

era um dos filhos de Deus, porque

com louvor, será dada; ter sido

em que voltavam da missa foram:

todos somos filhos de Deus, da

coletor de dízimos da igreja da

“Por que é que vocês dão essas

mesma natureza daquele que foi

paróquia de Montereale, será dada...

esmolas

em

crucificado. Era homem como nós,

"."

poucas

cinzas?”.)

os

lugares

dos

de

várias

para

se

falar

com

confessava

da

paróquia

e

de

“Consta

isso

que

Mas

no

Vossa era

eram

processo",

verdade

inúteis?

Stefanut,

Senhoria que

(Segundo

as

memória “Eu

palavras

daquelas disse”,

mas com uma dignidade maior, como

explicou Menocchio, “que é preciso

o papa hoje, que é homem como

tentar fazer todo o bem até quando

nós, mas com maior dignidade do

"[...]sugeria-lhe que prometesse “total

se está neste mundo, porque depois

que nós porque pode fazer. Aquele

obediência à Santa Igreja; dizendo

é o senhor Deus quem governa as

que foi crucificado nasceu de são

que

almas.

José e da Virgem Maria.”

acreditara em nada que não fossem

missas para os mortos são feitas, eu

os mandamentos de Deus e da Igreja

acho, por amor a Deus, o qual faz o

e que pretendia viver e morrer na fé

que bem entender. "

não

acreditava

e

nunca

As

orações,

esmolas

e

"Pensou-se em liquidar as opiniões

cristã, dentro do que a Santa Igreja

de Menocchio, em especial sua

romana, católica e apostólica ordena;

cosmogonia, fazendo-as passar por

ou

necessário),

"De repente, por volta do fim de abril,

um amontoado de extravagâncias

pretendia perder a vida e outras mil

verificou-se um fato novo. Os priores

ímpias porém inócuas (o queijo, o

se houvesse pelo amor de Deus e da

venezianos convidaram o inquisidor

leite, os vermes-anjos, o Deus-anjo

santa fé cristã, sabendo que devia a

de Aqui- léia e Concórdia, frei Felice

criado do caos), mas tal idéia foi

vida e todas as outras coisas boas à

da Montefalco, a agir de acordo com

abandonada. Cem, 150 anos depois,

Santa Madre Igreja... ”.

os hábitos vigentes nos territórios da

melhor

(sendo

Menocchio provavelmente teria sido

República,

trancado

o

causas do Santo Ofício, a presença

diagnóstico teria sido “tomado por

de um magistrado secular ao lado

delírio religioso”. Todavia, em plena

dos juizeseclesiásticos. O conflito

num

hospício,

e

que

impunham,

nas


entre os dois poderes era tradicional.

advogado logo que o Santo Ofício o

homens e mulheres faziam troca de

Não sabemos se nessa ocasião

colocara na prisão."

promessas e isso era suficiente;

houve também a intervenção do

depois apareceram essas invenções

advogado Trappola a favor do seu

dos homens”. Sobre a ordenação:

cliente. O fato é queMenocchio foi

“Gostaria que se acreditasse na

“Acho que o Espírito Santo está em

levado ao palácio do magistrado, em

majestade de Deus, que fôssemos

todo mundo, [...] e acho que qualquer

Portogruaro, com a finalidade de

homens de bem e que se fizesse

um que tenha estudado pode ser

confirmar

como

recomendou,

sacerdote, sem ter que ser sagrado,

interrogatórios concluídos até aquele

respondendo àqueles judeus que lhe

porque tudo isso é mercadoria”.

momento. Depois disso, o processo

perguntaram

deveria

Sobre a extrema-unção: “Acho que

recomeçou."

seguir. Ele respondeu: ‘Amar a Deus

não é nada, não vale nada, porque

e ao próximo'.” Uma tal religião

se unge o corpo, mas o espírito não

simplificada

para

pode ser ungido”. Geralmente se

limitações

referia à confissão dizendo: “Ir se

na

Acrescentou

sua

presença

Daniele

os

Fasseta:

“Domenego disse que, se ele não

Jesus

Cristo

que

lei

não

se

admitia,

Menocchio, confessionais[...]"

confessar com padres ou frades é a

temesse pela própria vida, falaria

mesma coisa que falar com uma

tanto que surpreenderia a todos. Eu

árvore”. Quando o inquisidor lhe

acho que queria falar sobre a fé”. Na

“A majestade de Deus distribuiu o

repetiu essas palavras, explicou, com

presença

de

Espírito Santo para todos: cristãos,

uma pontinha de auto-suficiência:

Portogruaro e do inquisidor de Aqui-

heréticos, turcos, judeus, tem a

“Se

léia

Menocchio

mesma consideração por todos, e de

penitência, daria no mesmo; alguns

confirmou o testemunho: “E verdade,

algum modo todos se salvarão” —,

homens procuram os padres porque

eu disse que, se não tivesse medo

acabou

não sabem que penitências devem

da justiça, falaria tanto que iria

contra os juizes e sua soberba

ser

surpreender; e disse que, se me

doutrinal: “E vocês, padres e frades,

esperando

fosse permitida a graça de falar

querem saber mais do que Deus; são

ensinem, mas, se eles soubessem,

diante do papa, de um rei ou príncipe

como o demônio, querem passar por

não teriam necessidade de procurá-

que me ouvisse, diria muitas coisas

deuses na terra, saber tanto quanto

los”. Estes últimos deveriam se

e, se depois me matassem, não me

Deus da mesma maneira que o

confessar “à majestade de Deus em

incomodaria”. Então incentivaram-no

demônio. Quem pensa que sabe

seus corações e pedir- lhe perdão

a

muito é quem nada sabe”. "

pelos seus pecados”."

e

do

magistrado

Concórdia,

falar:

Menocchio

abandonou

numa

explosão

violenta

esta

feitas

árvore

para

conhecesse

seus

que

os

a

pecados,

padres

as

qualquer reticência. Era dia 28 de abril." “Acho que a lei e os mandamentos da Igreja são só mercadorias e que se deve viver acima disso”. Sobre o “E me parece que na nossa lei o papa, os cardeais, os padres são tão grandes e ricos, que tudo pertence à Igreja e aos padres. Eles arruinam os pobres.

Se

têm

dois

campos

arrendados, esses são da Igreja, de tal bispo ou de tal cardeal”. E bom lembrar que Menocchio possuía dois campos arrendados, cujo proprietário ignoramos; quanto ao seu latim, aparentemente Credo

e

ao

se

restringia

ao

Pater

noster,

que

aprendera ajudando na missa, e que Ziannuto, seu filho, fora atrás de um

batismo

comentou:

“Acho

quando

nascemos,

batizados,

porque

que,

estamos

Deus,

que

"As

frases

referidas

pelos

testemunhos soavam, na verdade, como

blasfêmias

ou

negações

abençoa todas as coisas, já nos

depreciativas. Quando procurou o

batizou. O batismo é uma invenção

vigário de Polcenigo, num dia de

dos padres, que começam a nos

distribuição de hóstias, Me- nocchio

comer a alma antes do nascimento e

exclamou: “Pela Virgem Maria, são

vão continuar comendo-a até depois

muito grandes essas bestas!”. Numa

da morte”. Sobre a crisma: “Acho que

outra vez, discutindo com o padre

é uma mercadoria, invenção dos

Andrea Bionima, disse: “Não vejo ali

homens; todos os homens têm o

nada mais que um pedaço de massa.

Espírito Santo e buscam saber tudo

Como é que pode ser Deus? E o que

e

o

é esse tal Deus a não ser terra, água

casamento: “Não foi feito por Deus,

e ar?”. Mas ao vigário-geral explicou:

mas

“Eu disse que aquela hóstia é um

não

sabem

sim

pelos

nada”.

Sobre

homens;

antes,


pedaço de massa, mas que o

"No entanto, o processo estava

faziam reuniões secretas, algumas

Espírito Santo vem do céu e está

longe de ter terminado. Alguns dias

agrupando até 2 mil pessoas, nas

nela. Eu realmente acredito nisso”. O

depois

quais, entre outras coisas, se diziam

vigário perguntou incrédulo: “O que

interrogatórios foram retomados: o

“algumas

você

o Espírito

interventor precisara se afastar de

palavras de ordem, como cortar em

respondeu:

Porto- gruaro, mas os juizes estavam

pedacinhos padres, homens de bem,

“Acho que é Deus”. Mas sabia

impacientes para ouvir Menocchio

castelãos e cidadãos, ameaçando

quantas

da

novamente. “Na sessão anterior”,

fazer uma véspera si- ciliana,* e

Trindade? “Sim, senhor: Pai, Filho e

falou o inquisidor, “lhe dissemos que

muitas outras palavras sujíssimas”.

Espírito Santo.” “Em qual dessas três

seu espírito aparecia no processo

Mas não eram só palavras. Na

pessoas você acha que a hóstia se

cheio de certos humores e de má

quinta-feira gorda de 1511, pouco

converte?” “Acho que no Espírito

doutrina,

Tribunal

depois da crise que sucedeu à

Santo.”

ignorância

deseja que o senhor termine de

derrota de Veneza em Agnadello e

parecia inacreditável para o vigário:

revelar seu pensamento.” Menocchio

coincidentemente com a difusão da

“Quando o pároco fez os sermões

respondeu: “Meu espírito era elevado

peste,

sobre

sacramento,

e desejava que existisse um mundo

Savorgnan se insurgiram, primeiro

quem ele disse que estava naquela

novo e um novo modo de viver, pois

em Udine e a seguir em outras

hóstia?”. Porém, não se tratava de

a Igreja não vai bem e não deveria

localidades,

ignorância: “Disse que era o corpo de

ter tanta pompa”."

dos dois partidos e incendiando

acha que seja

Santo?”.

Menocchio

eram

as

pessoas

Semelhante'

o

santíssimo

(Ia

de

mas

maio),

o

Santo

os

Cristo, embora eu achasse que era o

nefandas

os

e

diabólicas

camponeses

fiéis

massacrando

a

nobres

castelos."

Espírito Santo, e isso porque acho que o Espírito Santo é maior que

"O Friuli da segunda metade do

Cristo, que era homem, enquanto o

século XVI era uma sociedade com

"Esse órgão tinha funções não só

Espírito Santo veio pelas mãos de

características

profundamente

fiscais,

como

Deus...”"

arcaicas. As grandes famílias da

através

das

nobreza feudal ainda preponderavam

recolhia uma série de impostos e,

na

através

“A

respeito

das

coisas

dos

região.

chamada

Instituições servidão

Evangelhos, acho que parte delas é

tinham

sido

verdadeira

anterior,

e,

como

de

mesnada

conservadas

até

de

cemide,

fogos”,**

organizava

milícias camponesas. Esse último

o

item, em especial, era um verdadeiro

parte,

os

século

mais

desacato para a nobreza friulana, se

puseram

coisas

da

tempo, portanto, que nas regiões

consideramos que os estatutos da

cabeça deles, como se pode ver nas

vizinhas.

O

Patria,

passagens onde um conta de um

medieval

mantivera

modo e outro de outro”. Assim

funções legislativas, mesmo estando

ameaçavam com penalidades os

podemos

o

nas mãos dos

camponeses que ousassem destruir

lugares-tenentes venezianos já há

o nobre exercício da caça, armando

conterrâneos (e confirmara durante o

algum

a

laços para as lebres ou caçando

processo) “que a Sagrada Escritura

dominação de Veneza, iniciada em

perdizes à noite), continham uma

fora inventada para enganar os

1420, tinha deixado, na medida do

cláusula

homens”. Então temos: negação da

possível, as coisas como eram antes.

prohibitionearmorumrusticis."

doutrina,

livros

A única preocupação dos venezianos

sagrados, insistência exclusiva no

havia sido criar um equilíbrio de

aspecto prático da religião: “Ele

forças

[Menocchio] me disse também só

tendências subversivas de parte da

simplificada, porém muito clara: no

acreditar

nobreza feudal friulana."

mundo existem muitos graus de

Menocchio

entender

por

que

dissera

aos

seus

negação

nas

boas

dos

obras”

antigo

poder efetivo

tempo.

tal

muito

das

“listas

militares:

noutra

evangelistas

por

a

também

Parlamento as

Na

que

próprias

verdade,

neutralizasse

as

feudal

"Uma

impregnados (entre

de

espírito

outras

coisas

intitulada

imagem

rudimentar

De

e

declarara Francesco Fasseta. Numa

“dignidade”: há o papa, os cardeais,

outra vez, sempre se dirigindo ao

os padres, o pároco de Montereale;

mesmo Francesco, dissera: “Eu só

" Era 1508, o nobre Francesco

há o imperador, os reis, os príncipes.

quero fazer obras boas”

diStrassoldo,

Contudo,

num

discurso

no

ultrapassando

as

Parlamento, advertia que em várias

graduações hierárquicas, existe uma

localidades do Friuli os camponeses

contraposição fundamental entre os


“superiores” e os “homens pobres” —

claras as palavras de Menocchio —

interrogatórios de Portogruaro, tem

Menocchio é um dos pobres. Uma

ainda que ele próprio não tivesse se

uma fisionomia bem precisa. No

imagem claramente dicotômica da

chocado contra a renovada dureza

complexo quadro religioso da Europa

estrutura

da

(que

do século XVI ela nos remete,

sociedades camponesas. Em todo

sempre foi explicitamente excluída

principalmente e em mais de um

caso parece-nos que Menocchio, em

nas

de

ponto, às posições dos anabatistas.

seus discursos, dá indícios de ter

arrendamento

pelas

A insistência na simplicidade da

uma atitude diferenciada em relação

autoridades

Bastava

palavra de Deus, a negação das

aos “superiores”. A violência do

abrir os olhos, olhar ao redor."

ataque

de

classes,

contra

as

típica

das

propriedade

eclesiástica

reduções

das

taxas

introduzidas venezianas).

imagens sacras, das cerimônias e

autoridades

dos sacramentos, a negação da

máximas da Igreja — “E me parece

divindade de Cristo, a adesão a uma

que na nossa lei o papa, os cardeais,

"A consciência dos próprios direitos

religião prática baseada nas obras, a

os padres são tão grandes e ricos,

para Menocchio nascia de um plano

polêmica pregando a pobreza contra

que tudo pertence à Igreja e aos

especificamente

Um

as “pompas” da Igreja, a exaltação

padres.Eles arruinam os pobres...” —

moleiro pode pretender expor as

da tolerância, são todos elementos

contrasta com a crítica muito mais

verdades da fé ao papa, a um rei ou

que nos conduzem ao radicalismo

amena, que vem em seguida, às

príncipe porque carrega dentro de si

religioso dos anabatistas. E verdade

autoridades políticas: “Me parece

o espírito que Deus deu a todos.

que Menocchio não é um defensor

também que os senhores venezianos

Pela mesma razão, pode ousar “falar

do batismo para os adultos. Mas

abrigam ladrões naquela cidade; se

muito contra os superiores, por suas

sabe-se que muito cedo os grupos

alguém vai comprar alguma coisa e

más obras”. O que levava Menocchio

anabatistas italianos chegaram a

pergunta ‘quanto custa?’, respondem

a negar, de maneira impetuosa, em

recusar também o batismo, bem

‘um ducado’, embora não valha mais

seus

hierarquias

como todos os outros sacramentos,

do que três marcellv, eu gostaria que

existentes não era só a percepção da

admitindo além disso um batismo

cumprissem seus deveres...”[...]"

opressão, mas também a ideologia

espiritual, baseado na regeneração

religiosa que afirmava a presença,

interior do indivíduo. Menocchio, por

em cada homem, de um “espírito”,

sua conta, considerava o batismo

"O próprio Menocchio parece nos dar

ora chamado de “Espírito Santo”, ora

absolutamente

uma

de “espírito de Deus”."

quando

primeira

indicação:

“Tudo

religioso.

discursos

as

inútil:

nascemos,

“Acho já

que,

estamos

pertence à Igreja e aos padres. Eles

batizados,

arruinam os pobres. Se têm dois

abençoa todas as coisas, já nos

porque

Deus,

que

campos arrendados, esses são da

“Eu acredito que seja luterano quem

Igreja, de tal bispo ou de tal cardeal”.

siga ensinando o mal e coma carne

Como já dissemos, não sabemos se

às sextas e sábados” — explicou

esse era o caso dele. Um censo feito

Menocchio

em 1596 — portanto, quinze anos

interrogavam, Mas decerto era uma

apontadas,

após essas afirmações — informa

definição simplificada e deformada

definir

que

propositadamente.

anos

anabatista. O valor positivo que ele

segundo

formulou a propósito da missa, da

um

dos

presumivelmente

campos

arrendado

a

depois,

aos

no

juizes

Muitos

período

do

soube-se

o

que

"Todavia,

apesar

das

não

parece

Menocchio

analogias possível

como

um

Menocchio confinava com um terreno

processo

que um dos membros da família dos

Menocchio havia dito a um judeu

certos limites, da confissão, era

senhores

lugar,

convertido, de nome Simon, que,

inconcebível para um anabatista.

OraziodiMontereale, arrendara a um

quando da sua própria morte, “os

Sobretudo um anabatista que via no

tal de GiacomoMargnano."

luteranos vão ser informados e virão

papa a encarnação do Anti- cristo,

buscar as cinzas”[...]"

nunca teria dito uma frase como

do

(1599),

que

batizou...”."

eucaristia

e

também,

dentro

de

aquela de Menocchio a respeito das indulgências: “[...] acredito que sejam

"E onde as propriedades haviam "Aquela que poderemos chamar de

boas, porque, se Deus pôs um

quantitativo, tinham se consolidado e

eclesiologia

de

homem em seu lugar, que é o papa,

reforçado em termos qualitativos.

reconstruível

com

nas

e mandou perdoar, isso é bom,

Tudo

afirmações feitas por ele durante os

porque é como se recebêssemos de

diminuído

isso

do

ponto

torna

de

vista

suficientemente

Menocchio, base


Deus, já que são dadas por seu

atribuídas a Menocchio por seus

representante”."

conterrâneos: “Tudo o que se vê é Deus e nós somos deuses”; “O céu, a terra, o mar, o ar, o abismo e o

"Entre o inquisidor e Menocchio, a

inferno, tudo é Deus”? E melhor

uma certa altura, houve um diálogo

imputá-las, por enquanto, a um

significativo. O primeiro perguntou:

substrato de crenças camponesas,

“O

velho de muitos séculos, mas nunca

que

o

senhor

justificação?”.

entende

Menocchio,

por

sempre

totalmente

pronto a expor suas opiniões, desta

rompendo

vez não entendeu. O frade precisou

religiosa, tinha feito vir à tona, de

explicar-lhe

forma

(jiúdsitiustificatio

e

extinto. a

A

crosta

Reforma,

da

unidade

indireta,

tal

substrato;

a

Menocchio negou, como já vimos,

Contra-Reforma,

na

tentativa

de

que Cristo tivesse morrido para

recompor a unidade, trouxera-o à luz,

salvar os homens, já que, “se alguém

para expulsá-lo."

"A exortação de Farfarello para que se diga a verdade até no inferno, citada por Menocchio, decerto toca num dos temas fundamentais do Sogno:

a

polêmica

contra

a

hipocrisia, em especial a dos frades. Saído da tipografia em maio de 1541, enquanto

em

Ratisbona

se

desenrolavam as conversações que pareciam trazer a paz religiosa entre católicos e protestantes, o Sogno é de

fato

uma

típica

voz

do

evangelismo italiano. Os usgniejfi, berlefjfi, ceffi e visistorti” dos bufões

tem pecados, é preciso que faça

Zampolo e Taiacalze que, mesmo

penitência”. "

diante

do

tribunal

de

Belzebu,

começam a dançar “mostrando a bunda” são acompanhados — e a

"O eco dos debates acerca da importância da fé e das obras para a

"Que um moleiro como Menocchio

salvação transparece mesmo em

tivesse chegado a formular idéias tão

contextos inesperados, como nas

diversas

súplicas de uma prostituta dirigidas

nenhuma

às autoridades milanesas. Trata-se

improvável

de exemplos escolhidos ao acaso,

Perguntou-se às testemunhas se

que

se

Menocchio “folara sério ou brincando

um

ou se imitara alguém”; pediu-se a

elemento em comum: dizem respeito

Menocchio que revelasse os nomes

todos, ou quase todos, à cidade. É

dos

um indício, entre muitos outros, da

ambos os casos a resposta foi

profunda separação que já havia

negativa. Menocchio, em particular,

muito tempo se verificara na Itália

declarou

entre cidade e campo. A conquista

nunca encontrei alguém que tivesse

religiosa do campo italiano, que os

essas opiniões.As minhas opiniões

anabatistas teriam talvez tentado se

saíram da minha própria cabeça”."

poderiam

multiplicar.

Mas

facilmente eles

têm

das

correntes,

influência, aos

“companheiros”.

sem

inquisidores.

Porém,

resolutamente:

em

“Senhor,

"Nicola “contava que ele próprio tinha

decênios depois, de forma bem

quebrado umas estatuetas usadas

diversa, pelas ordens religiosas da

para a decoração de uma igrejinha,

Contra-Reforma,

não

os

jesuítas,

em

primeiro lugar."

muito

a

relação

entre

uma

distante

de

Porcia,

pôr

Associamos

imagens

na

igreja”.

imediatamente

tal

qual

imagens sacras feita por Menocchio.

nascem vermes que são os anjos —

Mas não fora só isso que ele

e a Reforma? Como remeter à

aprendera com Nicola da Porcia."

Reforma

afirmações

do

como

as

as apregoadas pelos frades e que se tornaram moda também entre os incultos: Muito ignaro, que passa por doutor com só falar das santas Escrituras em barbeiros, ferreiros, alfaiates, teologizando sem qualquer medida, levando o vulgo a uma porção de enganos; a predestinação lhes dá pavor assim como o juízo e o livre-arbítrio; que a poeira do salitre queime

a

todos.

A

estes

dizer o Padre Nosso e não da fé fazer mil desatinos, buscando coisas que jamais com tinta foram escritas nem com pena afiada.

via plana e certa de ir-se ao céu.

primordial

Nada de sutilezas teológicas, como

eram [...] mercadorias [...] que não é

declaração à áspera condenação das

queijo

discurso

Pois os Evangelistas já mostraram a

cosmogonia como a de Menocchio o

insistente

dizendo que eram malfeitas, que preciso

"Qual

e

obreirinhos bastaria crer no Credo e

alguns

efetuada

amplo

religioso."

os

de imediato, pela repressão política e foi

um

pareceu

não houvessem sido alijados, quase

religiosa,

mistura é bem carnavalesca — por

Não é mister, Zampolo, por sutil, buscar pêlos em ovo de galinha [...]"

"E, entretanto, ele lera o Sogno mais de

quarenta

anos

após

a

sua


publicação,

numa

situação

"Junto com o raciocínio estavam os

exíguos, passando os livros de mão

completamente diversa. O concílio

livros. O caso do SognodilCaravia

em mão"

que deveria ter esclarecido o conflito

não é isolado. “Tendo por várias

entre “papistas” e Lutero — conflito

vezes me confessado com um padre

que Caravia comparava ao existente

de

entre as duas facções friulanas dos

primeiro

Strumieri e dos Zamberlani — havia

perguntei: ‘É possível que Cristo

previsível),

acontecido, mas como um concílio

tenha sido concebido pelo Espírito

mulheres. Sabe-se que em Udine,

de condenação e não de concórdia."

Santo e nascido da Virgem Maria?’,

desde o início do século XVI, havia

contando-lhe que eu acreditava que

sido aberta uma escola, sob a

fosse assim, mas que às vezes o

orientação

demônio me tentava.” A atribuição

“para ler e ensinar, sem exceção,

das próprias dúvidas à tentação

filhos de cidadãos assim como de

demoníaca

atitude

artesãos e populares, grandes ou

Barcis”,

declarou

durante

interrogatório,

refletia

“eu

a

o

"Uma larga rede de circulação que

lhe

envolve não só padres (como seria mas

de

até

mesmo

GerolamoAmaseo,

"Teria sido então Nicola da Porcia

relativamente

de

pequenos, sem nenhum tipo de

quem falara sobre essas coisas com

Menocchio no início do processo. E

pagamento”. Existiam, além dessas,

Menocchio?

à

de fato, logo depois, expôs a dupla

escolas

de

tolerância, parece que sim — se a

fundamentação do seu pensamento:

centros

não

identificação de Nicola de Melchiori

“A base deste meu pensamento

Montereale, como Aviano e Por-

com Nicola da Porcia for correta.

estava no fato de tantos homens

denone. Surpreende, entretanto, que

Todavia, todos os testemunhos dos

terem vindo ao mundo e nenhum ter

numa aldeia tão pequena de colina

habitantes de Montereale indicam

nascido de mulher virgem; e, como

se lesse tanto."

que as idéias de Menocchio, em sua

eu tinha lido que a gloriosa Virgem

grande

sido

se casara com são José, achava que

formadas num período muito anterior

Jesus Cristo fosse seu filho; além

"O fato de que mais da metade dos

à data do primeiro processo. E

disso, li histórias em que são José

livros

verdade que não sabemos qual a

chamava Nosso Senhor Jesus Cristo

tivessem sido emprestados também

data do início das relações entre ele

de filhinho. Li isso num livro que se

deve ser levado em conta na análise

e Nicola, mas a obstinação de Me-

chamava II Fioretto delia Bib- bia”[...]"

dessa lista. Na verdade, só para o

No

que

maioria,

toca

haviam

cautelosa

nível

elementar

em

distantes

de

muito

citados

por

nocchio demonstra que não estamos

Fioretto

diante de alguém que recebesse

postular, com certeza, a existência

passivamente idéias alheias."

delia

Menocchio

Bibbia

podemos

"Vejamos antes de mais nada de que

de uma autêntica escolha, que o

modo esses livros chegaram às

levou a comprar esse livro entre os

mãos de Menocchio. O único que

tantos

"Manter tal posição divergente por

sabemos

sido

depósito ou na banca de um ignoto

um período tão longo (talvez por

comprado é o Fioretto delia Bibbia, “o

livreiro veneziano. E significativo que

quase trinta anos), primeiro numa

qual", disse Menocchio, “comprei em

o Fioretto tenha sido para ele uma

pequena aldeia, Montereale, depois

Veneza por dois soldos”. Dos outros

espécie de livre de chevet (livro de

diante do tribunal do Santo Ofício,

três — Historia dei Giudicio, Lunario

cabeceira). Ao contrário, havia sido o

requer

e

e o suposto Alcorão — não se tem

acaso que fizera o padre Andrea

intelectual que não é exagero definir

indicação alguma. O Supplementum,

Bionima topar com o volume de

como extraordinária. A desconfiança

de Foresti, foi um presente de

Mandavilla entre os “documentos

dos

as

Tomaso Mero da Malmins para

notariais”

reprovações do pároco, as ameaças

Menocchio. Os outros todos — e

indiscriminada fome de leituras, mais

dos inquisidores, nada conseguira

eram seis entre onze, mais da

do que um interesse específico, foi o

abalar a segurança de Menocchio.

metade

emprestados.

que levou o livro para as mãos de

Mas o que é que o tomava tão

Numa aldeia tão pequena como

Menocchio. Isso provavelmente vale

seguro? Em nome do que falava?"

Montereale,

para

uma

parentes

energia

e

moral

amigos,

com

certeza

foram

tais

ter

dados

são

outros

todos

amontoados

de

Maniago.

os A

livros lista

a

no

A

ele

significativos e apontam para uma

emprestados.

que

rede de leitores que superam o

reconstruímos reflete, acima de tudo,

obstáculo dos recursos financeiros

os livros que Menocchio teve à sua


disposição

não,

decerto,

um

quadro de predileções e escolhas conscientes."

reconstruímos

com

base

nos

documentos processuais."

levam Maria, que está morta, e cantam ao seu redor essa melodia

"No final do interrogatório de 28 de

que vocês estão ouvindo’."

abril, depois de ter expresso sem "O Foresti e o Mandeville, por exemplo, faziam parte da biblioteca de um outro “homem desconhecedor das

letras”,

quer

dizer,

desconhecedor do latim, ainda que muito diferente: Leonardo da Vinci. E a Historia dei Giudido figura entre os livros de um famoso naturalista, UlisseAldovandi (que por sua vez tivera problemas com a Inquisição em virtude de suas relações, quando jovem, com grupos heréticos). E evidente que o Alcorão se sobressai nessa lista (caso Menocchio de fato o tivesse lido), porém essa é uma exceção que será considerada ã parte. Os outros são títulos bastante óbvios, aparentemente incapazes de nos dar indicações sobre o modo como Menocchio chegou a formular o que um conhecido seu definiu como “opiniões fantásticas”."

nenhuma restrição suas acusações contra

a

Igreja,

sacramentos

os

e

padres,

as

os

cerimônias

eclesiásticas, respondendo a uma pergunta do inquisidor, Menocchio declarou:

“Eu

acredito

que

a

imperatriz neste mundo seja mais importante que Nossa Senhora, mas lá Nossa Senhora é maior, porque de lá nós somos invisíveis”. A pergunta do inquisidor nascera de um episódio narrado

por

confirmado,

uma sem

testemunha hesitação,

e por

Menocchio: “Sim, senhor, é verdade que eu disse, enquanto a imperatriz passava, que ela era mais importante que Nossa Senhora, mas eu estava me

referindo

a

este

mundo;

e

naquele livro da Nossa Senhora lhe

honras; quando a levavam para ser sepultada, alguém quis desonrá-la,

apóstolos, e esse teve as mãos

de estar num beco sem saída. Antes,

grudadas nela. Tudo isso está no livro da vida de Nossa Senhora”."

um momento, como já o fizera o vigário- geral, se não se tratava do discurso de um louco. Descartada essa hipótese, o exame de sua eclesiologia

sugeriu

uma

outra:

talvez Menocchio fosse anabatista. Abandonada

também

essa

possibilidade, defrontamos com a informação de que Menocchio se julgava um mártir “luterano”: daí o problema de suas relações com a Reforma. Entretanto, a proposta de inserir

as

idéias

e

crenças

de

Menocchio num veio profundo de radicalismo camponês trazido à luz pela Reforma (mas independente dela) parece ter sido ostensivamente contradita pela lista de leituras que

resolve, para o autor do Legendário, com a descrição de uma

cura

milagrosa e, por fim, com a exaltação da Virgem Maria, mãe de Cristo. Mas a

Menocchio,

evidentemente,

a

narração do milagre não interessa, e menos

ainda

a

reafirmação

da

virgindade de Maria, a qual negou repetidas vezes. O que ele retém é apenas

o

gesto

do

chefe

dos

sacerdotes, a “desonra” feita a Maria durante seu enterro, testemunho da sua condição miserável. O filtro da memória de Menocchio transforma a narração

de

Varagine

em

seu

Menocchio

era,

contrário."

"A

leitura

de

evidentemente, parcial e arbitrária — quase

uma

mera

procura

de

confirmação para idéias e convicções já estabelecidas de maneira sólida. Nesse caso, a certeza de que “Cristo

diante da extravagante cosmogonia de Menocchio, nos perguntamos por

sacerdotes ao cadáver de Maria se

foram prestadas e feitas muitas

tentando tirá-la dos ombros dos

"Mais uma vez, temos a impressão

"A afronta feita pelo chefe dos

era um homem nascido como todos " A passagem se acha, todavia, num outro livro lido por Menocchio, o Legendário dellevite de tutti li santi, de Jacopo da Varagine, no capítulo intitulado “De Fassumptione de la beata

Vergine

Maria”,

nós”. Irracional era acreditar que Cristo

tivesse

nascido

de

uma

virgem, que houvesse morrido na cruz: “Se era Deus eterno, não podia se deixar prender e ser crucificado”."

uma

reelaboração de “um certo livrinho [...] apócrifo, consagrado ao beato João

Evangelista”.

Segue

a

"Evangelhos apócrifos e evangelhos

descrição das exéquias de Maria

canônicos

eram

feita por Varagine: “Anjos e apóstolos

mesmo nível e considerados textos

seguiram cantando e enchendo a

meramente humanos. Por outro lado,

terra toda com as maravilhas da vida

ao contrário do que se poderia

de Maria. Todos os que foram

esperar

acordados por tão doce melodia

habitantes

saíram das cidades perguntando,

sempre discutindo com um e com

curiosos, o que era aquilo, quando

outro, possui a Bíblia em vulgar, e

alguém lhes explicou: ‘Os discípulos

imagina

pelos de

que

colocados

testemunhos Montereale

a

base

de

no

dos (“Está

seus


argumentos esteja ali”), durante os

isso basta para chegarmos lá”) não

interrogatórios

fez

podia ser aceita pelo inquisidor:

à

“Quais são os mandamentos de

pouquíssimas

Menocchio alusões

diretas

Deus?”.

Escritura."

“Acho”,

respondeu

Menocchio, “que são aqueles que eu acabei de citar.” “Evocar o nome de "[...]“Acho que amar o próximo é um

Deus, santificar as festas não são

preceito mais importante do que

preceitos de Deus?” “Isso eu não

amar

afirmação

sei.”Na verdade, era justamente a

também se apoiava num texto. De

insistência exclusiva na mensagem

fato,

evangélica

a

Deus”.

logo

Essa

depois

Menocchio

em

sua

forma

mais

acrescentou: “[...] porque eu li na

simples e nua que permitia deduções

Historia dei Giudicio que, quando

extremas como as formuladas por

chegar o dia do Juízo, [Deus] dirá a

Menocchio. Esse risco tinha sido

um anjo: ‘Você é mau, nunca fez o

pressentido com excepcional clareza,

bem para mim’; e o anjo responde:

quase cinqüenta anos antes, por um

‘Senhor, nunca o vi para fazer-lhe o

dos textos mais significativos do

bem’. ‘Eu tinha fome, e não me deu o

evan-

que comer, eu tinha sede e não me

opúsculo

deu o que beber, estava nu e não me

Veneza

vestiu, quando estava na prisão, não

Alcuneragionideiperdonare."

gelismo

um

publicado

em

italiano

anônimo sob

o

título

vinha me visitar.’ E por isso eu “O perdoar é um remédio tão grande e poderoso que Deus, ao fazer essa lei, pôs em perigo toda a fé que a ele "Todavia, a atitude de Menocchio em

se deve e até mesmo parece uma lei

relação a esse tipo de prédica — se

feita pelos homens, em nome de

é que, como é provável, tenha

todos os homens, através da qual se

chegado aos seus ouvidos — não

diz

era apenas receptiva.

considera

Uma

tendência,

claramente

detectável, em reduzir a religião à moralidade aflora com freqüência em seus

discursos.

argumentação repleta

de

Com

incrível, imagens

em

uma geral

concretas,

Menocchio explicou ao inquisidor que blasfemar não é pecado “porque faz mal só a si próprio e não ao próximo, da mesma forma que, se eu tenho uma manta e decido desmanchá-la, faço mal só a mim mesmo e não aos outros, e acredito que quem não faz mal

ao

próximo,

não

comete

pecado[...]"

abertamente as

que injúrias

Deus

não

que

lhe

fazemos, ainda que sejam tantas, desde que entre nós nos amemos e perdoemos. E de fato, se essa lei não desse a quem perdoa a graça de sair dos pecados e de ser homem de bem, poderia julgar-se que essa lei não fosse lei de Deus para governar os homens, e sim, unicamente, lei

não se preocupam com delitos ou pecados que são cometidos em segredo, de acordo ou de modo que não disturbem a paz e o viver no mundo. Mas, vendo que quem pela honra de Deus perdoa obtém o que

favorito, tomando-se apto só para as

(“Fazendo isso, se vai para o céu e

Menocchio

Ragioni

dei

conhecesse

perdmare.

o

Contudo,

existia na Itália do século XVI, nos ambientes mais heterogêneos, uma tendência (captada com perspicácia por Crispoldi) em reduzir a religião a uma realidade puramente mundana — a um vínculo moral ou político. Essa tendência era expressa por diferentes linguagens, partindo de pressupostos diversos. E, apesar disso,

nesse

caso

talvez

seja

possível perceber uma convergência parcial

entre

os

círculos

mais

avançados da alta cultura e os grupos

populares

de

tendência

radical."

partes,

com

conteúdos

muito

diversos. A primeira é um itinerário para a Terra Santa, uma espécie de guia turístico para peregrinos. A segunda é a descrição de uma viagem para o Oriente que atinge ilhas cada vez mais longínquas, até a índia e Catai, isto é, a China. O livro termina com a descrição do paraíso terrestre e das ilhas que costeiam o reino do mítico Preste João. Ambas as partes são apresentadas como testemunhos diretos, mas, enquanto a primeira é rica em observações precisas e documentadas, a segunda é repleta de fantasia."

dos homens que, para viver em paz,

deseja de Deus e que é de Deus o

"A religião simplificada de Menocchio

que

"As viagens estão divididas em duas

achava que Deus fosse o próximo, porque disse ‘Eu era aquele pobre”’."

"Naturalmente nada nos leva a supor

obras boas, fugindo das ruins, as pessoas confirmam e reconhecem a bondade de Deus conosco”.

"Sua recusa do valor sacramental da confissão terá sido confirmada, ou talvez estimulada, pela descrição feita por Mandeville da doutrina dos jacobitas, assim chamados porque foram convertidos por são Tiago (Jacopo):

“Dizem

que

se

deve

confessar só a Deus e só a ele prometer se corrigir; quando querem se confessar, porém, acendem o


fogo e ali jogam incenso e outras

muitos que se diziam seguidores de

vulgar. Ele me emprestou há uns

espécies odoríferas e entre a fumaça

Cristo estavam debaixo dos seus

cinco ou seis anos, mas eu já o

se confessam a Deus, pedem sua

olhos a cada dia. Nas palavras do

devolvi há dois anos. Esse livro

misericórdia”."

sultão, Menocchio pôde encontrar

tratava da viagem para Jerusalém e

mais

de

"Ora,

Menocchio

colocasse

no

ainda

mesmo

que plano

confessar-se ao padre ou a uma

uma

confirmação

e

uma

algumas

divergências

entre

legitimação da sua crítica aguda à

gregos e o papa; tratava também do

Igreja e não, com certeza, um motivo

grande Khan, da cidade da Babilônia,

de

do Preste João, de Jerusalém e de

perturbação.

Esse

deve

ser

procurado em outro lugar."

muitas ilhas, cada uma vivendo à sua

árvore — admitiu, como vimos, que o

maneira."

padre poderia dar a quem não sabia o “conhecimento da penitência”: “Se

"No desprezo dos pigmeus pela

esta árvore conhecesse a penitência,

“gente grande como nós” concentra-

daria no mesmo; alguns homens

se a estranha sensação provocada

procuram os padres porque não

em Menocchio por esse livro. A

sabem que penitências devem ser

diversidade

feitas para seus pecados, esperando

costumes registrados por Mandeville

que os padres as ensinem, mas, se

levou-o a se interrogar sobre o

eles

fundamento

soubessem,

não

teriam

necessidade de procurá-los”."

das

crenças

de

e

suas

dos

próprias

crenças, de seu comportamento. Aquelas ilhas, em grande parte imaginárias, lhe deram um ponto de apoio a partir do qual passou a olhar

"Segundo

o

Alcorão,

relatava

Mandeville, “entre todos os profetas, Jesus foi o mais excelente e o mais próximo de Deus”.Menocchio, quase repetindo

suas

“Alinha

palavras:

dúvida é [...] que não tivesse sido Deus, mas um profeta qualquer, um homem de bem, que Deus mandou pregar neste mundo”. Ainda em Mandeville, encontrar

Menocchio uma

clara

pudera

recusa

da

crucificação de Cristo, tida como impossível porque contraditória com

o mundo em que nascera e crescera. “Tantas raças, e [...] tão diversas leis”, “muitas ilhas, cada uma vivendo à sua maneira”, “muitos e diversos tipos de nações, uns acreditando de um

modo,

durante insistiu

o

outros de

outro”

processo,

Menocchio

nesse

ponto,

retornando

sempre a ele. Na mesma época, um nobre

de

Montaigne,

Périgord, sofria

Michel um

de

choque

melhor, Deus o fez ascender a ele, sem

morte,

sem

mácula,

e

transformou-o em outro, chamado Judas

Iscariotes;

crucificado

pelos

esse

sim

judeus,

foi que

pensaram que fosse Jesus, o qual subira aos céus para julgar o mundo e dizem [...]"

sobre os indígenas do Novo Mundo."

"O

vigário-geral

perguntou

pela

enésima vez: “Diga-me quais eram seus

companheiros

Menocchio

de

respondeu:

idéias”. “Senhor,

nunca encontrei ninguém com estas opiniões; as minhas opiniões saíram da minha própria cabeça. E verdade que li um livro que foi emprestado

da Maren, que hoje vive em Monte

privilégios,

as

prevaricações

dos

fundira,

transpusera,

modelara palavras e frases. O morto de carne muito magra transformarase, sem mais, em ruim (de ser comido); o de carne gorda, bom (de ser

comido).

A

ambigüidadegastronômi-

co-moral

desses termos {bom, ruim) atraíra a referência aos pecados, deslocandoa do matador para o morto. Portanto, quem era bom (de ser comido) não tinha pecados; quem era ruim (de ser comido) estava cheio de pecados. Nesse

ponto

precipitara-se

a

dedução de Menocchio: não existe o além,

não

existem

penas

ou

recompensas futuras, o paraíso e o inferno são desta terra, a alma é mortal."

"Com

um

tom

de

sóbrio

distanciamento, quase etnográfico,

pelo nosso capelão, messer Andrea

"A avidez dos padres e frades, os

Menocchio

relativista análogo lendo os relatórios

a justiça de Deus: “Mas não foi jamais crucificado como dizem, ou

"Mais uma vez a ardente memória de

Real, intitulado II cavaüierZuanne de Mandavilla;

acredito

que

fosse

francês, impresso em língua italiana

Mandeville registra realidades ou crenças exóticas, mostrando como por trás de suas monstruosidades ou absurdos se ocultava um núcleo racional. habitantes

É

verdade da

ilha

que de

os

Chana

adoravam uma divindade que era metade boi, metade homem. Porém, eles consideravam o boi “o mais santo entre os animais que existem sobre a terra e, entre todos os outros, o mais útil”, enquanto o homem “é a mais nobre das criaturas


e senhor de todos os animais”. Mas os cristãos também não atribuíam supersticiosamente benéficas

qualidades

ou

malévolas

a

determinados animais? “Então não há por que se maravilhar se os pagãos,

os quais, dada

a

sua

simplicidade, não têm outra doutrina a não ser a natural, acreditam mais profundamente naqueles.”

mais remotas, mais disformes e "A forma pela qual Menocchio se utilizara da semelhança entre os três anéis tornava a situação ainda mais paradoxal. Ele declarou tê-la lido

interrogatório seguinte o inquisidor percebeu de que livro se tratava: “Está num livro proibido”. Quase um título: “Li no livro Cento novel- le, de

Mandeville, essa inocente narração intrincada de elementos fabulosos, traduzida e reimpressa inúmeras vezes, um eco da tolerância religiosa medieval chegava até a idade das guerras

religiosas,

excomunhões,

da

dos

heréticos. Era provavelmente apenas um

dos

múltiplos

canais

que

alimentavam a corrente popular — até hoje muito pouco conhecida — favorável à tolerância, cujas pistas, raras,

se

podem

Boccaccio”, que lhe fora emprestado por

“Nicolò

de

Mel-

chiori”

possivelmente o tal pintor Nicola da Porcia, com quem, segundo uma testemunha, vimos, Menocchio tinha “aprendido as heresias”."

distinguir

no

decorrer do século xvi. Outro canal consistia no persistente sucesso da lenda medieval dos três anéis."

vários filhos que ama, isto é, os cristãos, os turcos e os judeus, e a todos deu a vontade de viver dentro

"

Assim,

o

GerolamoAsteo,

choque

nascido

cristão,

quero

continuar

cristão e, se tivesse nascido turco, ia querer viver como turco”. “O senhor acredita então”, insistiu o inquisidor, “que não se saiba qual seja a melhor lei?” Menocchio respondeu: “Senhor, eu penso que cada um acha que a sua fé seja a melhor, mas não se sabe qual é a melhor; mas, porque meu avô, meu pai e os meus são cristãos, eu quero continuar cristão e acreditar que essa seja a melhor fé”."

"Menocchio triturava e reelaborava suas leituras, indo muito além de qualquer

modelo

Suas

preestabelecido.

afirmações

mais

desconcertantes nasciam do contato com

textos

inócuos,

como

As

viagens, de Mandevil- le, ou a Historia dei Giudicio. Não o livro em si, mas o encontro da página escrita com a cultura oral é que formava, na

entre

inquisidor

e

canônico, e o moleiro Dome- nico Scandella, conhecido por Menocchio, a respeito do conto dos três anéis e sua exaltação à tolerância foi, de alguma forma, simbólico. A Igreja católica nesse período combatia em duas frentes: contra a cultura erudita velha

e

nova,

irredutível

contra-reformísticos,

aos e

contra a cultura popular. Entre esses dois inimigos tão diversos às vezes existiam, como vimos, convergências subterrâneas."

"O capítulo rv do Fioretto, “Como Deus criou o homem a partir dos quatro

elementos”,

começa

da

seguinte maneira: “Como está dito, Deus no princípio fez uma grande matéria, a qual não tinha forma, nem feição, e fez tanta que podia dali tirar ou fazer o que quisesse; dividiu-a e distribuiu-a e dela retirou o homem formado pelos quatro elementos [...]”. Aqui, como se vê, é postulada a indistinção primordial dos elementos, o que de fato exclui a criação exnibilo, todavia o caos não é

da própria lei e não se sabe qual seja a melhor. Mas eu disse que, tendo

do mundo."

explosiva."

esquemas "Do mesmo modo, Deus possui

rejeitado a idéia de um Deus criador

cabeça de Menocchio, uma mistura

das

queima

veremos, Menocchio tenha de fato

“não sei em que livro”. Só no

mês depois, Menocchio confessou o

"Portanto, através das Viagens de

monstruosas — mesmo que, como

mencionado. " "[...]“A majestade de Deus distribuiu o Espírito Santo para todos: cristãos, heréticos, turcos, judeus, tem a mesma consideração por todos, e de algum modo todos se salvarão”. Mais do que tolerância em sentido estrito, tratava-se

do

reconhecimento

explícito da equivalência de todas as fés, em nome de uma religião simplificada,

sem

caracterizações

dogmáticas ou confessionais. Algo parecido com a fé no “Deus da natureza” que Mandeville encontrara em todas as populações, até nas

"Fores- ti escreveu: “[...] e está dito, no princípio Deus fez o céu e a terra: não que este existisse realmente, mas porque existia em potencial, para que depois se escrevesse que o céu

fora

feito;

é

como

se,

considerando as sementes de uma árvore, já falássemos em raiz, tronco, ramos, frutos e folhas: não que já existam, mas porque vão existir. E assim se diz que no princípio Deus fez o céu e a terra, quando a matéria do céu e da terra ainda estava


fundida, mas, como estava certo de

caos?” “Eu acredito que sempre

"Assim, na sua linguagem densa,

que seria o céu e a terra, tal matéria

tenham

nunca

recheada de metáforas ligadas ao

já foi chamada de céu e terra. Essa

separados, isto é, nem o caos sem

cotidiano, Menocchio explicava sua

forma enorme, sem figuras definidas,

Deus, nem Deus sem o caos.” Diante

cosmogonia

foi chamada por Ovídio, no início de

dessa

inquisidor

segurança,

seu livro mais volumoso, e também

tentou (era 12 de maio) obter um

estupefatos

por alguns filósofos, de Caos, o qual

pouco de clareza antes de concluir

contrário, por que teriam conduzido

Ovídio menciona nesse mesmo livro,

definitivamente o processo."

um interrogatório tão detalhado?).

estado

juntos,

miscelânea,

o

tranqüilamente, aos e

com

inquisidores

curiosos

(caso

dizendo: ‘Antes da terra, do mar, do

Apesar da grande variedade de

céu que tudo cobre, a natureza era

termos

teológicos,

um

ponto

filósofos

"Acredito que tenha acontecido com

permanecia constante: a recusa em

chamavam Caos, uma grande e

Deus o mesmo que acontece às

atribuir à divindade a criação do

indigesta matéria: e não era mais do

coisas deste mundo, que vão da

mundo — e, ao mesmo tempo, a

que uma massa incerta e inerte

imperfeição à perfeição, como uma

obstinada reafirmação do elemento

reunindo num mesmo círculo, e as

criança, por exemplo, que, enquanto

aparentemente

sementes discordantes de coisas

está

queijo, os vermes-anjos nascidos do

não bem combinadas”’."

compreende, nem vive, mas logo que

uma

massa

que

os

no

ventre

da

mãe,

não

muito

bizarro:

o

queijo."

sai começa a viver e, à medida que cresce, começa a entender; assim "Porém,

na

versão

dada

por

Deus, que era imperfeito enquanto

"Na verdade, Menocchio não havia

Menocchio, a referência à espuma

estava no caos, não compreendia

retirado sua cosmogonia dos livros.

batida da água do mar não estava

nem

se

“Foram produzidos pela natureza [os

presente. Impossível que Povoledo a

expandindo nesse caos, começou a

anjos], a partir da mais perfeita

tivesse inventado. A seqüência do

viver e a compreender."

substância do mundo, assim como

vivia,

mas

depois,

processo mostrou claramente que

os vermes nascem do queijo, e

Menocchio estava pronto a variar

quando "INQUISIDOR:

tivesse

vontade, intelecto e memória de

cosmogonia, desde que mantivesse

existido a substância da qual foram

Deus, que os abençoou”: parece

intacto seu caráter essencial. Assim,

produzidos todos os anjos, se não

claro pela resposta de Menocchio

à indagação do vigário-geral — “O

tivesse existido o caos, Deus teria

que a insistente remissão ao queijo e

que era essa santíssima majestade?”

podido fazer toda a máquina do

aos

— respondeu: “Eu entendo a san-

mundo sozinho?

puramente analógico-explicativa."

Deus, que sempre existiu”. Num interrogatório

subseqüente

ainda

precisou: no dia do Juízo, os homens serão

julgados

“por

aquela

não

receberam

este ou aquele elemento da sua

tíssima majestade como o espírito de

Se

apareceram

vermes

tinha

uma

função

MENOCCHIO: Eu acredito que não se possa fazer nada sem matéria e Deus também não poderia ter feito coisa alguma sem matéria.

"Porém,

não

experiências

é

através

cotidianas

das de

Menocchio que obteremos todas as

santíssima majestade que eu citei

INQUISIDOR: Aquele que o senhor

explicações; talvez, melhor dizendo,

antes, que existia antes que existisse

chama de Deus foi feito, produzido

elas não expliquem nada. A analogia

o caos”. "

por alguém?

entre a coagulação do queijo e a

MENOCCHIO: Não foi produzido por outros, mas recebe seu movimento "Esse Deus estava no caos como alguém que está na água e quer se

das mudanças do caos e vai da imperfeição à perfeição.

expandir, como alguém que está

condensação da nebulosa destinada a formar o globo terrestre pode parecer óbvia para nós, mas com certeza não era para Menocchio. E não apenas isso. Sugerindo essa

num bosque e quer se expandir: seu

INQUISIDOR: E o caos, quem o

analogia, ele estava reproduzindo,

intelecto,

move?

sem

tendo

recebido

conhecimento, quis se expandir para criar este mundo”. “Mas então”, perguntou o inquisidor, “Deus foi sempre eterno e esteve sempre no

MENOCCHIO: Ele se move sozinho."

saber,

remotos."

mitos

antiqüíssimos,


"Decerto, Menocchio falava de um

corpo; a outra é “coisa da mente”. A

diversida-

queijo bem real, nada mítico, o queijo

vitória da cultura escrita sobre a oral

unidade, e as combina em cada

que vira ser feito (ou que talvez ele

foi, acima de tudo, a vitória da

corpo,

próprio tivesse feito) inúmeras vezes.

abstração sobre o empirismo. Na

combina

Os pastores do Altai, entretanto,

possibilidade de emancipar-se das

sementes.

haviam

mesma

situações particulares está a raiz do

homem e da mulher, engendra as

experiência num mito cosmogônico.

eixo que sempre ligou de modo

criaturas segundo o curso natural.

Apesar da diversidade, que não deve

inextricável escritura e poder. Casos

Júpiter

ser

como o Egito e a China, onde castas

através de Júpiter, outras criaturas

permanece. Não se pode excluir o

respectivamente

e

são geradas de acordo com a ordem

fato de que ela constitua uma das

burocráticas monopolizaram durante

da natureza. Entretanto, pode-se ver

provas, fragmentária e em parte

milênios a escritura hieroglífica e

que

extinta,

uma

ideográfica, deixam isso claro. A

Deus...”."

que,

invenção do alfabeto — que cerca de

traduzido

subestimada,

da

a

a

coincidência

existência

tradição

de

cosmológica

ultrapassando

as

diferenças

de

quinze

séculos

sacerdotais

antes

de

des

em

são

cada

substância:

também Pela

gera

a

reduzidas

em

combinação

outras

natureza

plantas

criaturas

está

sujeita

à

e e do

e,

a

Cristo

linguagem, combina mito e ciência. E

quebrou pela primeira vez esse

"Alguns conceitos cruciais e alguns

curioso que a metáfora do queijo que

monopólio — não foi suficiente,

dos

gira reapareça um século depois do

contudo,

tradição cultural da Antiguidade e da

processo de Menocchio num livro

disposição de todos. Somente a

Idade

(destinado

imprensa tomou mais concreta essa

Menocchio através de um pobre e

possibilidade."

desordenado compêndio, o Fioretto

a

criar

grandes

polêmicas) em que o teólogo inglês

para

pôr a

palavra

à

temas

mais

Média

discutidos

chegaram

na

até

Thomas Burnet procurava aproximar

delia Bibbia. É difícil supervalorizar

a Escritura da ciência do seu tempo."

sua importância. Antes de mais "O horizonte de sua polêmica era

nada, deu a Menocchio instrumentos

mais amplo. “O que é que você

lingüísticos e conceituais para que

Menocchio,

pensa, os inquisidores não querem

ele elaborasse e exprimisse sua

portanto, vemos emergir, como que

que nós saibamos o que eles sabem”

visão de mundo. Além disso, com um

por uma fenda no terreno, um estrato

— exclamou muitos anos depois da

método ex- positivo à maneira dos

cultural profundo, tão pouco comum

ocorrência dos fatos que estamos

escolásticos

que se toma quase incompreensível.

contando,

um

subseqüente refutação de opiniões

Esse

dos

conterrâneo, Daniel Jacomel. Entre

errôneas —, contribuiu certamente

outros examinados até aqui, envolve

“nós” e “eles” a contraposição era

para

não só uma reação filtrada pela

clara, “Eles” eram os “superiores”, os

curiosidade intelectual."

página escrita, mas também um

poderosos — não só os situados no

resíduo irredutível de cultura oral.

vértice da hierarquia eclesiástica.

Para

“Nós”, os camponeses. "

"Nos

discursos

caso,

que

de

diferentemente

essa

cultura

diversa

dirigindo-se

a

pudesse vir à luz, foram necessárias "[...]“Deus não pode querer o mal nem

recebê-lo,

porque

ordenou

esses elementos de forma que um não interferisse no outro e assim estarão enquanto o mundo durar. "Desse modo, viveu pessoalmente o

Alguns dizem que o mundo durará

salto histórico de peso incalculável

eternamente, dando como razão que,

que separa a linguagem gesticulada,

quando um corpo morre, a carne e

murmurada, gritada, da cultura oral,

os ossos voltam àquela matéria da

da linguagem da cultura escrita,

qual foram criados [...]. Podemos ver

desprovida

facilmente a função da natureza,

entonação

e

enunciação

desencadear

sua

e

voraz

" Tudo isso são erros e quem os

a Reforma e a difusão da imprensa."

de

cristalizada nas páginas dos livros.

como

Uma é como um prolongamento do

discordantes de modo que todas as

ela

concilia

as

coisas

disse

são

pagãos,

heréticos,

cismáticos, ifiimigos da verdade e da fé,

desconhecedores

das

coisas

divinas. Respondendo aos primeiros que dizem...”. Mas Menocchio não se deixava intimidar pelos ataques do Fioretto. E sobre essa questão não hesitou em se manifestar. O exemplo dos “muitos filósofos”, em vez de fazê-lo submeter-se à interpretação da autoridade, levava-o a “procurar coisas maiores”, a seguir a linha do seu próprio pensamento."


teimosamente "Porém, a principal característica dos senhores é não trabalhar, porque têm quem trabalhe por eles. E esse o caso

de

Deus:

“Quanto

às

indulgências, acredito que sejam

materialista

não

admitia a presença de um Deus

e mandou perdoar, isto é bom, porque é como se recebêssemos de Deus, já que são dadas por seu representante”. Contudo, o papa não é o único agente de Deus: o Espírito Santo também “é como se fosse um feitor de Deus; esse Espírito Santo elegeu depois quatro capitães, quer dizer,

agentes

entre

os

anjos

criados...”. Os homens foram feitos “pelo

Espírito

vontade

de

Santo Deus

segundo e

de

a

seus

ministros; e, como um feitor que participa da obra dos ministros, o Espírito Santo também pôs sua mão”."

um Deus distante, como um patrão que deixa suas terras nas mãos dos

"O pressuposto do seu panteísmo

“feitores” e dos “trabalhadores”."

era a tese da presença operante do Espírito no homem e em toda a realidade.

que

declarara

aos

inquisidores que suas profissões,

Montereale negando a existência de

ligado aos erros dos filósofos, “suf-

Deus — o outro, o Menocchio do

ficiebat mihi si tertiamillamrem in

processo, um disfarce. Porém, essa

quodam angulo esse intelli- gerem.

suposição

uma

Sed nunc seio quod ipse dixit: ‘Deus

Se

de propinquo ego sum, et non Deus

se

choca

dificuldade

com

substancial.

Menocchio

quisesse

realmente

não se possa fazer nada sem matéria e Deus também não poderia ter feito coisa alguma sem matéria” —, um trabalho manual."

“Vejam, porém, que a natureza é submissa a Deus, assim como o martelo e a bigorna ao ferreiro que fabrica o que quer, uma espada, uma faca ou outras coisas, e, embora use martelo e bigorna, não é o martelo que

faz,

mas

o

ferreiro”.

Isso,

todavia, não podia aceitar. Sua visão

de

longínquo’.

Nunc

mais radicais de seu pensamento,

rbemterrarum, continetomnia, et in

por que insistia tanto na afirmação da

singu-

mortalidade

propheta exclamare libet ‘Quo ibo

da

alma?

Por

que

spiritus

quod

amplissimus

lis

Dei

seio

esconder dos juizes os aspectos

repleto

operaturvirtutes;

Domine

divindade de Cristo? Na verdade,

sursum necdeorsum est locusspiritu

afora alguma reticência ocasional no

Dei vacuus” (Ao falar do Espírito de

primeiro

Deus

interrogatório, de

o

a

era

spiritutuo?’

cum

continuava irredutível, negando a

suficiente

quianec

para

eu

Menocchio

compreender que a terceira pessoa

durante o processo parece guiado

era um tipo de ângulo. Mas agora sei

por qualquer coisa, exceto pela

que ele próprio disse: “Sou um Deus

prudência ou simulação."

próximo, não um Deus distante”; agora sei que o espírito universal de Deus enche a terra, abarca todas as coisas e produz virtude em cada homem. Com o profeta proclamaria:

um pedreiro. Mas, da efervescência

ação material — “Eu acredito que

Dei

da época na qual ainda ele estava

comparou Deus a um carpinteiro, a

é mais uma vez, literalmente, uma

spiritu

aquele que rodava pelas ruas de

“carpinteiro, marceneiro, pedreiro”,

mais profundo. A “criação do mundo”

de

eratsermo”, escreveu, lembrando-se

além da de moleiro, eram as de

das metáforas, emerge um conteúdo

“Dum

"O “verdadeiro” Menocchio seria

comportamento

"Menocchio,

filho”."

criador. De um Deus, sim — mas era

boas, porque, se Deus pôs um homem em seu lugar, que é o papa,

Espírito Santo escolhê-lo como seu

“O

senhor,

onde

encontro

teu

"No centro da primeira obra de

espírito?” não há lugar acima ou

Servet está a reivindicação da plena

abaixo sem o espírito de Deus). "

humanidade

de

Cristo

humanidade deificada através do Espírito Santo. Ora, no primeiro

"Por trás dos livros que Menocchio

interrogatório,

afirmou:

ruminava, identificamos um código

“Minha dúvida é que [Cristo] [...] não

de leitura e, por trás dele, um estrato

tivesse sido Deus, mas um profeta

sólido de cultura oral que, ao menos

qualquer, um homem de bem que

no

Deus

aflorar

Menocchio

mandou

pregar

neste

caso

da

cosmogonia,

diretamente.

vimos

Quando

foi

mundo...”. Em seguida, precisou: “Eu

lançada a suposição de que uma

acredito que seja homem como nós,

parte dos discursos de Menocchio

nascido de um homem e de uma

era um longínquo reflexo de um texto

mulher como nós, e que não tinha

de nível elevadíssimo como o De

nada além do que recebera do

Trinitatiserroribus,

homem e da mulher, mas é bem

refazer, em sentido contrário, o

verdade

caminho já percorrido. Os eventuais

que

Deus

mandara

o

não

se

quis

reflexos seriam de qualquer forma


considerados como uma tradução,

encontrava nas páginas do Fioretto

exemplo, as hóstias consagradas).

em termos de materialismo popular

delia Bibbia: “E é verdade que a alma

Contudo, o ponto que nos interessa é

(posteriormente simplificado para os

tem vários nomes no corpo, de

outro:

conterrâneos), de uma concepção

acordo com as diversas funções que

Menocchio, quando falava com os

culta cujo componente materialista

nele desempenha: se a alma dá vida

concidadãos na praça da aldeia, que

era muito forte. Deus, o Espírito

ao corpo, é chamada de substância;

“vai- se para o paraíso só no dia do

Santo, a alma não existem como

se é a vontade, é chamada de

Juízo”. "

substâncias

existe

coração; quando o corpo expira, é o

somente a matéria impregnada de

espírito; enquanto ela entende e

divindade, a mistura dos quatro

sente, pode-se dizer que é o juízo;

"Mesmo não tendo o volume à mão,

elementos. Mais uma vez estamos

enquanto ela imagina e pensa, é a

Menocchio se lembrava muito bem

diante da cultura oral de Menocchio."

imaginação ou memória; mas a

— até mesmo literalmente — do seu

inteligência está colocada na parte

conteúdo. De fato, era assim que

mais alta da alma, onde recebemos

aparecia

"Deus e o homem, o homem e o

razão e conhecimento, já que nos

“Prédicas para uma vida cristã”,

mundo pareciam-lhe ligados por uma

assemelhamos a Deus...3’. Essa

manual

rede

enumeração

em

pregadores, redigido pelo frade (não

[os

parte à de Menocchio, porém as

padre) ermitão Sebastião Ammiani

homens] sejam feitos de terra, porém

analogias não deixam dúvidas. O

da Fano. Mas naquele jogo calculado

do melhor metal que se possa

ponto de divergência mais grave é

de

encontrar, e isso porque se vê que o

dado pela presença, entre os nomes

retóricas, Menocchio havia isolado

homem deseja os metais, sobretudo

da alma, do espírito — além do mais

justamente a frase que permitia uma

o ouro.São compostos pelos quatro

com referência etimológica ao ato

interpretação herética: “A morte dos

elementos,

corpóreo de respirar."

ruins se chama morte, a morte dos

separadas:

de

reveladoras:

correspondências “Acredito

que

participam

dos

sete

corresponde

a

afirmação

no

muito

inocentes

feita

capítulo

difundido

por

XXXIV,

entre

contraposições

planetas; entretanto, um participa

bons se chama sono”. Sem dúvida,

mais de um planeta que o outro e um

tinha consciência das implicações

é

mais

mercurial

jovem,

"E preciso voltar às discussões sobre

dessas palavras, já que chegara a

dependendo de ter nascido nesse ou

o problema da imortalidade da alma

afirmar que “vai-se para o paraíso só

naquele planeta”. Nessa imagem

surgidas

durante

no dia do Juízo”."

perpassada pelo divino justificam-se

décadas

do

até

ambientes

mesmo

as

bênçãos

século

primeiras XVI

averroístas,

nos

sobretudo

entre os professores de Pádua,

costuma entrar nas coisas e ali

influenciados pelo pensamento de

deixar o veneno” e “a água benta

Pomponazzi. Filósofos e médicos

pelo sacerdote põe o diabo para fora”

concordavam abertamente que, com

— embora acrescentasse: “Acredito

a morte do corpo, a alma individual

que

todas

as

“o

dos

as

demônio

sacerdotes,

porque

e

águas

sejam

abençoadas por Deus”, e, “se um

distinta

do

intelecto

ativo

postulado por Averróis — perece."

"Fora interrogado sobre Cristo: “O filho, o que ele era: homem, anjo ou o Deus verdadeiro?”. “Um homem”, respondera Menocchio, “mas nele estava o espírito.” E em seguida: “A alma de Cristo ou era um daqueles

leigo soubesse as palavras, valeriam

anjos antigos ou então foi feita de

tanto quanto as do sacerdote, porque Deus distribuiu a virtude igualmente

" Em 1579-1580, ou seja, poucos

para todos e não mais a um que a

anos

outro”. Tratava-se, resumindo, de

Menocchio, ele havia sido submetido

uma religião camponesa que tinha

a

muito pouco em comum com a que o

Inquisição

pároco pregava do púlpito. "

reconhecido

antes

do

julgamento

processo

pelo

de

contra

tribunal

da

Concórdia

e

como

ligeiramente

suspeito de heresia. As acusações dos paroquianos contra ele eram "Assim como a relação entre o corpo

muitas e variadas: desde “ser de

e os quatro elementos, também a

putaria e rufião” até tratar sem

enumeração das várias “almas” já se

respeito

as

coisas

sacras

(por

novo pelo Espírito Santo com os quatro elementos, ou da natureza mesmo. Não se podem fazer bem as coisas se não são em três, e assim como Deus havia dado o saber, o querer e o poder ao Espírito Santo, deu também a Cristo, para que pudessem se consolar juntos [...]. Quando dois não concordam numa opinião, existe um terceiro; quando dois dos três concordam, o terceiro


os segue: e então o Pai deu querer,

corresponde

acentuada

que era de sangue muito nobre e

saber e poder a Cristo para que ele

imobilidade da imagem do passado.

tinha grande reputação com todos,

também julgasse...”."

As coisas sempre foram assim; o

começou

mundo é o que é. Apenas nos

contra as indulgências, dizendo que

períodos de aguda transformação

eram falsas e injustas. Em pouco

"Menocchio repetia o que já havia

social emerge a imagem, em geral

tempo

dito,

omitia,

mítica, de um passado diverso e

avesso."

contradizia-se. Cristo era “homem

melhor — um modelo de perfeição,

como nós, nascido de um homem e

diante do qual o presente aparece

de uma mulher como nós [...], mas é

como

bem verdade que Deus mandara o

“Quando Adão cavava e Eva tecia,

escrever, discutir, Menocchio parecia

Espírito Santo escolhê-lo como seu

quem

para

a Melchiorre ter à sua volta um halo

filho [...]. Como Deus o elegeu

transformar a ordem social torna-se

quase mágico. Com uma Bíblia que

profeta e lhe deu a grande sabedoria

então uma tentativa consciente de

lhe

e a inspiração do Espírito Santo,

retorno àquele mítico passado."

Melchiorre

acrescentava,

uma

declínio, era

degeneração.

nobre?” A

luta

"

a

pregar

tinha

Pela

sua

publicamente

revirado

tudo

capacidade

havia

sido

pelo

de

ler,

emprestada,

andara

pela

cidade

acredito que tenha feito milagres [...].

dizendo com ar de mistério que

Acredito que tenha o espírito como o

Menocchio tinha um livro com o qual

nosso, porque alma e espírito são a

podia “fazer coisas maravilhosas”.

mesma coisa”."

"O Fioretto delia Bibbia, em parte, mas

"Deus, como um carpinteiro que, querendo fazer suas obras, usa o machado e a serra, a lenha e outros instrumentos,

assim

Deus

deu

algumas coisas ao homem, para este fazer sua tarefã”, são inúteis: “Lá em cima

não

são

necessárias”.

No

paraíso a matéria se torna dócil, transparente: “Os olhos corporais não podem ver todas as coisas, mas com os olhos da mente todas as coisas

serão

montes,

transpas-

muralhas,

sadas,

todas

as

coisas...”."

o

Supplementumsupplementidellecrmic he, de Foresti, traziam uma narração analítica das vicissitudes humanas desde a criação do mundo até o presente, misturando história sacra e história profana, mitologia e teologia,

listas

de

hereges

príncipes e

artistas.

e

filósofos,

Não

temos

testemunhos explícitos das reações de Menoc- chio a essas leituras. Com

certeza

“confuso”

como

não as

o

deixaram

viagens

de

Mandeville. A crise do etnocentrismo passava, no século xvi (e assim seria

"Além de fantasiar sobre o paraíso, desejava

um

“mundo

novo”: “Meu espírito era elevado”, dissera ao inquisidor, “e desejava que existisse um mundo novo e um

muito

tempo

ainda),

pela

geografia, mesmo sendo fantástica, e não pela história. Apesar disso, uma pista quase imperceptível talvez nos permita detectar o ânimo com o qual

pompa”. O que Menocchio queria dizer com essas palavras? Nas sociedades baseadas na tradição oral, a memória da comunidade tende involuntariamente a mascarar e a reabsorver as mudanças. A relativa plasticidade da vida material

eles. “Este aqui [...] é suspeito de heresia, mas não igual ao tal de Menocchio” — alguém comentara, falando de Melchiorre. Um outro observara: “Disse tais coisas mais por ser louco e porque bebe”. "

"Essa

explosão

desespero

diz

de

tudo

impotente sobre

seu

isolamento. A única reação que lhe viera diante da injustiça que o atingira fora a violência individual, imediatamente reprimida. Vingar-se dos

seus

algozes,

destruir

os

símbolos da opressão e se tornar bandido. Uma geração antes, os camponeses incendiaram os castelos dos nobres friulanos. Mas os tempos eram outros."

Menocchio lia a crônica de Foresti."

novo modo de viver, pois a Igreja não vai bem e não deveria ter tanta

bem que existiam diferenças entre

descrições de batalhas e de países,

por

Menocchio

sobretudo

Porém, as pessoas sabiam muito

"O deslocamento da metáfora do " Entre eles estava Martinho Lutero, o qual era de fato um homem culto e instruído...”. A origem do cisma para o tal anônimo estava nas “loucuras” da ordem rival que, diante da justa reação de Lutero, o excomungou. “Depois disso, o tal Martinho Lutero,

“mundo novo” do contexto geográfico para o social foi explicitado, contudo, pela literatura utopista em vários níveis. Tomemos o Capitolo, qual narra

tuttoPessere

d'un

mondo

nuovo, trovatonel mar Oceano, cosa bella, et dilet- tevole, que surgiu


anônimo em Modena, por volta de

momentos à

profundas

verdade e assim eu confesso ter

meados do século XVI. "

raízes populares da utopia, tanto

pensado, acreditado, dito o falso e

cultas

plebéias,

não a verdade, e assim dei a minha

freqüentemente consideradas meros

opinião, mas não disse que ela é a

" A alusão àquelas terras estava

exercícios

verdade. "

implícita, somente: o mundo descrito

imagem

por Doni era apenas “um mundo

contivesse algo de muito velho,

novo diverso deste”. Graças a essa

ligado a uma memória mítica de uma

"Deus quis que eu fosse conduzido

ambígua expressão, pela primeira

remota era de bem-estar. Quer dizer,

a este Santo Ofício por quatro

vez na literatura utópica o modelo da

não rompia a imagem cíclica da

razões:

sociedade

ser

história humana, o que era de

confessasse meus erros; segundo,

projetado no tempo, no futuro, e não

esperar de uma época que via

para que eu fizesse penitência por

no espaço, numa terra inacessível,

firmarem-se os mitos da ^nascença,

meus pecados; terceiro, para me

Mas as características mais notáveis

da üeforma, da Nova Jerusalém. Não

livrar do falso espírito; quarto, para

desse “mundo novo” foram extraídas

podemos

disso.

dar exemplo a meus filhos e a todos

dos relatórios dos viajantes (assim

Todavia, permanece o feto de que a

os meus irmãos espirituais para que

como da Utopia, de Thomas More,

imagem de uma sociedade mais

não

que o próprio Doni publicara, com

justa

Entretanto, se eu pensei, acreditei,

uma introdução): a comunhão das

consciente

não

falei e fui contra os mandamentos de

mulheres e dos bens. Como vimos,

escatológico. Não o Filho do Homem

Deus e da Santa Igreja, estou doente

essa fazia parte também da imagem

no alto, sobre as nuvens, mas

e aflito, arrependido e infeliz e digo

do país da Cocanha."

homens como Menocchio — os

meacolpameamasimacolpa, e peço

camponeses de Montereale que ele

perdão e misericórdia, pela remissão

tentara inutilmente convencer, por

dos meus pecados, à Santíssima

" E verdade que Menocchio, acusado

exemplo —, através de sua luta,

Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo,

de ter violado o preceito quaresmal,

deveriam ser os mensageiros do

e também à gloriosa Virgem Maria, a

justificou

“mundo novo”."

todos os santos e santas do paraíso

perfeita

seu

jejum

podia

em

termos

tona

as

como

literários. de

um

Talvez “mundo

excluir

era

novo”

nada

projetada num

de

essa

maneira

futuro

primeiro,

para

incorressem

que

nesses

eu

erros.

dietéticos e não religiosos: “O jejum

e à sua santíssima, reverendíssima e

foi feito para o intelecto, para que os

ilustríssima justiça que me perdoe e

humores não caiam; eu, por mim,

"Eu,

gostaria que se comesse três ou

cognominado Menocchio de Mon-

quatro vezes ao dia e não se

tereale, sou cristão batizado, sempre

bebesse vinho para que os humores

vivi como cristão, fiz sempre obras

não caíssem mais”. Mas uma tal

de cristão, sempre fui obediente aos

apologia

era

meus superiores e aos meus pais

instantaneamente transformada num

espirituais tanto quanto eu podia, e

ataque polêmico, dirigido talvez (a

sempre, manhã e noite, me colocava

transcrição

está

sob o sinal-da-cruz, dizendo ‘em

incompleta) contra os frades que

nome do Pai, do Filho e do Espírito

estavam à sua frente: “[...] e não

Santo’; eu dizia o pai-nosso e a ave-

fãzer como estes [...] que comem

maria e acredito que sejam, uma,

numa refeição o que não comeriam

oração do Senhor, e, outra, da Nossa

em três”. Num mundo cheio de

Senhora, embora seja verdade que

injustiças sociais, mortificado pela

pensei,

ameaça constrangedora da fome, a

aparece

imagem de uma vida sóbria soava

coisas contra os mandamentos de

como um protesto."

Deus e da Santa Igreja. Eu disse isso

da

sobriedade

neste

ponto

DomenegoScandela,

acreditei nas

e

disse,

minhas

como

confissões,

por vontade do falso espírito, o qual me cegara o intelecto, a memória e a "De qualquer modo, as palavras de

vontade,

Menocchio

acreditar e falar no falso e não na

trazem

por

alguns

fazendo-

me

pensar,

tenha misericórdia. " "O próprio aspecto das páginas escritas por Menocchio, com as letras coladas umas às outras, mal ligadas entre si (segundo um tratado contemporâneo de caligrafia, assim fariam

“os

mulheres

e

transmontanos, os

velhos”),

as

mostra

claramente que o autor não tinha muita familiaridade com a escrita. Impressão bem diferente causa o traçado fluente e nervoso de dom CurzioCelli-

na,

escrivão

em

Montereale e um dos acusadores de Menocchio no período do segundo processo."

"Nela

podemos

distinguir

as

seguintes passagens: 1. Menoc- chio afirma ter sempre vivido como bom


ter

sedetiamheresiar- cam” (não só um

digno

violado os mandamentos de Deus e

herético formal [...] mas também um

permitisse fazer melhor a penitência

da Igreja; 2. declara que a origem de

heresiarca). E assim, no dia 17 de

pelos meus erros, retorno agora,

tal contradição está no “falso espírito”

maio, a sentença foi promulgada."

forçado pela extrema necessidade, a

cristão,

embora

reconheça

de

sua

graça,

implorar-lhes

— apresentado por ele, porém, como

consideração

“opinião” e não como verdade; 3.

transcorreram três anos desde que

quatro causas pelas quais Deus quis que

ele

fosse

compara

os

aprisionado; juizes

a

5.

Cristo

misericordioso; 6. implora o perdão dos juizes; 7. enumera as seis causas dos próprios erros."

"O espanto dos juizes era tanto que transparecia sob a seca linguagem

Naturalmente

et

fere

inexqui-

sita

hereticapravitatedeprehensum” (pudemos constatar que te deixaste envolver numa perversão herética

Menocchio

fazia

retórica sem saber, assim como ignorava que as primeiras quatro “causas” que ele enumerou eram causas finais e as outras seis causas eficientes. Mas a densidade das

processo extraordinário terminava, portanto,

com

uma

sentença

igualmente

extraordinária

(acompanhada

de

sua

correspondente abjuração, também muito longa)."

pela exigência de se expressar numa linguagem

capaz

de

se

fixar

facilmente na memória. Antes de se tomarem

sinais

numa

página,

aquelas palavras devem ter sido ruminadas por muito tempo. Todavia, desde o início haviam sido pensadas como palavras escritas. "

"Algumas asserções de Menocchio pareceram

aos

juizes

não

a

carta,

os

juizes se

reuniram para emitir a sentença. Durante o processo, a atitude deles mudara

imperceptivelmente.

De

início, fizeram Menocchio notar as contradições em que caíra; depois, tentaram reconduzi- lo ao caminho certo; por fim, em vista de sua obstinação, renunciaram a qualquer tentativa

de

convencê-lo

e

se

heréticas como contrárias à própria razão natural, como, por exemplo: “Quando estamos no ventre da mãe, somos como que nada, carne morta”, ou outra, sobre a inexistência de Deus:

“circainfusio-

nem non

sedetiamomnibusfilosofantibus [...] Id quod omnes consentiunt, nec quis negareaudet,

tu

ausus

es

cum

insipiente dicere ‘non est Deus’...” (a respeito

da

infusão

da

alma,

contrarias não só o ensino da Santa Igreja

como

o

de

todos

os

pensadores [...] o que todos admitem e ninguém ousa negar, tu, a exemplo do tolo, ousaste dizer: “Deus não existe”)."

quadro

completo

aberrações.

E

de

suas

unanimemente

declararam Menocchio “non modo formalemhereticum

[...]

fui

condenado a tão cruel prisão."

" Falara com freqüência ao carcereiro “daquelas loucuras de antes, dizendo que sabia muito bem que eram loucuras, mas que não se afastara jamais a ponto de crer firmemente nelas, mas, por tentação do diabo, tão

extravagantes

pensamentos

tinham penetrado sua mente”. Em suma, parecia de feto arrependido, mesmo

que

(observou

com

dos homens; só Deus é que pode”."

"Retomou seu lugar na comunidade. Apesar dos problemas que tivera com o Santo Ofício, apesar da condenação e da prisão, em 1590 foi novamente

nomeado

cameraro

(administrador) da igreja de Santa Maria de Montereale. O novo pároco, Giovan Daniele Melchiori, amigo de infância

de

Menocchio

(veremos

mais para a frente o que havia acontecido com o pároco anterior, Odorico

Vorai,

que

denunciara

Menocchio ao Santo Ofício), deve ter intervindo

para

Aparentemente

tal

nomeação.

ninguém

se

escandalizava com o fato de que um herege,

ou

melhor,

heresiarca,

administrasse os fundos da paróquia, uma vez que o próprio pároco já

limitaram a perguntas exploratórias, como se desejassem chegar a um

e

solumEcclesiaesanctae,

entregou

casa

se

possa conhecer facilmente o coração

animaecontrariaris

"No mesmo dia em que Menocchio

minha

prudência o carcereiro) “não se

aliterações e figuras retóricas de sua carta não era casual, e sim imposta

deixei

que

em

judicial: “invenimus te [...] in multiplici

múltipla e quase inaudita). Esse "

eu

levem

me

que o levou a crer e a falar no falso

compara-se a José; 4. enumera

que

que

tivera problemas com a Inquisição." "[...]“Embora

eu,

DomenegoScandella

pobre prisioneiro,

tenha outras vezes suplicado ao Santo Ofício da Inquisição, se era

"Os arrendatários recebiam o moinho em consignação, equipado com dois asnos “bons e úteis”, uma roda


para

importantíssimas sobre a fé”: que os

assim, mas não sei se é a verdade, e

se

Evangelhos haviam sido escritos

acredito que os espíritos que estão

restituí-lo

pelos padres e frades “porque vivem

no ar combatem entre eles e que os

“melhorado em vez de deteriorado”

no ócio” e que Nossa Senhora, antes

raios sejam sua raiva”."

aos locadores, que eram os tutores

de se casar com José, “tinha tido

dos herdeiros de Pietro de Macris. O

duas outras crianças e por isso são

arrendatário

Floritodi

José não queria aceitá-la como

"Na

insolvente,

esposa”. Tratava-se, na essência,

criador e criatura, e a própria idéia de

aluguéis

dos mesmos temas sobre os quais

um

atrasados nos cinco anos seguintes:

se pusera a conversar com Lunardo

profundamente

Menocchio e Stefano, atendendo a

na praça de Udine: a polêmica contra

muito claro para ele que suas idéias

pedidos dele, declararam-se seus

o parasitismo do clero, a recusa do

eram

fiadores."

Evangelho, a negação da divindade

inquisidor, mas num certo ponto as

de Cristo. Além disso, falara naquela

palavras para exprimir tal diversidade

noite de um “livro lindíssimo”, que,

lhe faltavam. Decerto as armadilhas

"Deus pai e patrão; que “faz e

infelizmente, perdera e que Simon

lógicas de frade GerolamoAsteo não

desfaz”;

“achou que fosse o Alcorão”."

conseguiriam convencê-lo de que

(leviera)

e

seis

beneficiamento

máquinas

de

comprometiam

tecido, a

precedente,

Benedetto,

declarado

prometeu

pagar

Cristo

os

e

homem;

os

verdade,

Deus

a

distinção

criador

lhe

eram

estranhas.

muito

entre

diversas

Estava

das

do

Evangelhos obra de padres e frades

estava errado, da mesma maneira

ociosos; a equivalência das religiões.

que os juizes que o processaram

Portanto, apesar do processo, da

"No Supplementum, de Foresti, lera

quinze anos antes não conseguiram.

infâmia da abjuração, do cárcere,

que “vários fizeram os Evangelhos,

Tentou de imediato tomar a dianteira,

das clamorosas manifestações de

como são Pedro, são Tiago e outros,

procurando inverter o mecanismo do

arrependimento,

nocchio

mas foram suprimidos pela justiça”.

interrogatório: “Façam o favor de me

recomeçara a defender suas velhas

Mais uma vez, a força corrosiva da

escutar,

opiniões, que evidentemente seu

analogia pusera-se em ação em sua

lenda dos três anéis, Menocchio

coração jamais renegara."

mente. Se alguns Evangelhos são

reforçou a doutrina da tolerância, que

apócrifos, obra humana e não divina,

por que não seriam todos os outros?

interrogatório.

sentia-se

Dessa maneira, afloravam todas as

argumentação era religiosa: todas as

excluído — talvez também por causa

implicações da afirmação defendida

fés

das dificuldades econômicas que

quinze anos antes, isto é, que a

heresias), já que

enfrentara

O

Escritura era redutível a “quatro

Espírito Santo a todos”. "

símbolo tangível dessa exclusão era

palavras”. Evidentemente, durante

o hábito penitencial. Menocchio vivia

todo esse tempo, continuara a seguir

com

sei”,

o fio de suas velhas idéias. E agora,

"Trata-se de conjecturas. Não temos

comentou Cellina, “que ele usou

mais uma vez, se apresentava a

provas de que o “livro lindíssimo” do

durante muito tempo um hábito com

possibilidade de exprimi-las a quem

qual

a cruz, dada pelo Santo Ofício, e que

(pensava ele) era capaz de entendê-

entusiasmo era de fato o Alcorão; e,

colocava por debaixo da sua roupa”.

las.

toda

mesmo se tivéssemos certeza, não

E Menocchio lhe dissera que “queria

prudência, toda cautela: “Eu acredito

poderíamos reconstruir a leitura feita

ir até o Santo Oficio para obter uma

que Deus tenha feito todas as coisas,

por Menocchio. Um texto totalmente

licença para não usá-lo mais; dizia

terra, água e ar”. “Mas e o fogo, onde

distante de sua experiência e de sua

que, por usar aquele hábito, os

é que o metemos”, interviu com

cultura

homens se recusavam a conversar e

irônica superioridade o vigário do

indecifrável — e, por isso, induzi-lo a

discutir com ele”. Era só impressão,

bispo de Concórdia, “por quem é que

projetar

é claro."

foi feito?” “O fogo está em todos os

pensamentos

lugares, como Deus, mas os outros

dessas

três elementos são as três pessoas:

existiram) não sabemos nada. "

"Mas,

apesar

nos

essa

Me-

disso,

últimos

obsessão.

anos.

“Eu

Cegamente

esqueceu

"Durante uma noite inteira os dois

o Pai é o ar, o Filho a terra e o

falaram

Espírito

de

Menocchio

questões disse

religiosas. “coisas

Santo

a

água.”

E

acrescentou: “Eu acho que seja

senhores...”.

formulara

se

Através

no Ali,

equivalem

Menocchio

primeiro porém,

(incluídas

e

projeções

a

as

“Deus deu o

falara

deveria

sobre

da

com

parecer-lhe

suas

páginas

fantasias. (se

é

Mas que


"No pé da página desse “escrito”, o

quando dizia “ter lido por conta

na condenação moralista da cultura

pároco

própria”, decerto não estava muito

urbana, no desejo vago de uma

longe da verdade."

sociedade igualitária e patriarcal.

de

Montereale,

Giovan

Daniele Melchiori, fizera algumas anotações

a

pedido

do

próprio

Menocchio, datadas de 22 de janeiro de 1597. Declarava-se que, “se o interior

puder

ser

julgado

pelo

exterior”, Menocchio levava uma vida de “cristão e ortodoxo”. Tal cautela, como

sabemos

(e

como

talvez

soubesse o pároco também), era mais que oportuna. Mas a vontade de submissão expressa no “escrito” era com certeza sincera. Evitado pelos filhos, que o consideravam um peso, uma desonra para a aldeia, uma ruína para a família, Menocchio procurava com afã ser reintegrado à Igreja que por uma vez já o afastara, marcando-o

visivelmente

como

réprobo. "

"Percebe-se aqui um eco do paraíso do Alcorão — associado ao sonho camponês da opulência material, que é expresso logo em seguida através de elementos que relembram um mito já encontrado. O Deus que aparece para Scolio é uma divindade andrógina, uma donnhoma, com “as mãos abertas, os dedos erguidos”. De cada dedo, simbolizando um dos dez mandamentos, brota um rio no qual beberão os seres viventes: De mel suave é cheio o rio primeiro, de duro e fluido açúcar o segundo, ambrosia tinha o terceiro, e o quarto néctar, maná o quinto, o sexto pão: tão branco e leve não se viu no mundo,

faz

até

morto

reviver

jocundo.Bem disse, e com verdade, "Em 2 de agosto a congregação do Santo Ofício se reuniu: Menocchio foi declarado,

por

unanimidade,

um

“relapso”,

um

reincidente.

O

processo terminara. Decidiu-se, no entanto, submeter o réu a tortura, para

arrancar-lhe

o

nome

dos

cúmplices. Isso aconteceu em 5 de agosto; no dia anterior, a casa de Menocchio

fora

revistada

e,

na

um homem, pio que na cara do pão Deus se figura. De águas preciosas é composto o sétimo, o oitavo de manteiga branca e fresca, o nono de perdizes

saborosas,

gordas,

do

próprio paraíso vindas; de leite o décimo, com ricas pedras é feito o leito deles a que aspiro, as ribas de ouro, lírios, violetas, rosas, prata, flores e esplendor do sol."

confiscados

“todos

os

livros

e

“mundo

novo”

desejado

por

Menocchio, cremos que podemos imaginá-lo, ao menos em parte, diverso do representado pela utopia desesperadamente

anacrônica

de

Scolio." . "Finalmente,

a

posição

social

particular dos moleiros tendia a isolálos da comunidade em que viviam. Já

mencionamos

a

tradicional

hostilidade dos camponeses. A ela é preciso acrescentar o vínculo de dependência direta que ligava os moleiros

aos

feudatá-

durante

séculos

rios,

que

mantiveram

o

privilégio da moagem. Não sabemos se esse era também o caso de Montereale: o moinho para beneficiar os tecidos, alugado por Menocchio e seu

filho,

era,

propriedade

por

de

exemplo, particulares.

Entretanto, uma tentativa como a de convencer o senhor do lugar, Giovan Francesco, conde de Montereale, de que “não se sabia qual era a fé verdadeira”, usando como argumento a lenda dos três anéis, fora possível

presença de testemunhas, haviam sido abertas todas as caixas e

Mesmo desconhecendo os traços do

justamente pela adpicidade da figura "Menocchio comprara o Fioretto delia pedira

"E foi aos Bolognetti que se referiu

e

as

numa passagem da Apologia, a qual

Viagens de Mandevílle; afirmara que

escreveu em 1540 para se defender

a Escritura poderia ser resumida em

das acusações do Santo Ofício.

quatro palavras, todavia sentira a

Nesta, Fileno partia das crenças

necessidade de se apropriar ainda

ingenuamente antropomórficas dos

"Assim, nem mesmo a dor física fora

do patrimônio de conhecimentos de

camponeses e da massa em geral

capaz de abater Menoc- chio. Não

seus adversários, os inquisidores.

que atribuíam a Nossa Senhora

dera os nomes — ou melhor, dera

Percebe-se, portanto, no caso de

poder igual ou superior ao de Cristo,

um só, o do senhor de Montereale, o

Menocchio,

e

que

agressivo, decidido a acertar contas

escritos”. De que escritos se tratava, infelizmente não sabemos."

parecia

ter

sido

feito

Bibbia,

mas

emprestado

o

também

social de Menocchio."

Decameron

um

espírito

livre

e

intencionalmente para dissuadir os

com

juizes de uma investigação mais

dominantes; no caso de Scolio, a

aprofundada.

posição

Sem

dúvida

tinha

alguma coisa para esconder, mas,

a

cultura

é

mais

das

classes

reservada

esgotando a própria carga polêmica

propunha

uma

religião

cristocêntrica, livre de superstições: “Iterum rustici fere omnes et cunctaplebs, et ego hismeis auribus audi- vi, firmitercredit parem esse divaeMariae cum Iesu Christo potestatem in distribuendis gratiis, alii etiam maiorem. Causa est


quiainquiunt: terrena mater non solum rogare sed etiam cogerefilium ad praestandu Mali quid potest; ita nam queius mater- nitatis ex igit, maior est filio mater. Ita, in quiunt, credimus esse in coelo interbeatam Virginem Mariam et Iesum Christum filium”

apontada pelos inquisidores, tanto no

significativamente

Friuli como em Ferrara: qual o

intensificação das diferenças sociais

sentido do paraíso se se nega a

sob a influência da revolução dos

imortalidade da alma? Vimos como

preços. Mas a crise decisiva ocorrera

essas objeções jogavam Menocchio

algumas décadas antes, com a

(Quase todos os camponeses e todo

num

de

guerra dos camponeses e o reino

o povo simples da cidade, e eu os

contradições.

a

anabatista de Münster. Então se

ouvi com os meus próprios ouvidos,

questão falando

paraíso

impôs às classes dominantes, de

crêem

terrestre, seguido da aniquilação final

maneira dramática, a necessidade de

das almas."

recuperar, mesmo ideologicamente,

firmemente

que

o

poder

divinal de Maria é igual ao de Jesus

turbilhão

inextricável

Pighino

resolveu

de

um

Cristo na distribuição das graças;

as

outros crêem até que é maior. O

ameaçavam

massas

com

a

populares

escapar

a

que

qualquer

motivo é porque, dizem, a mãe

"Muitas vezes vimos aflorar, através

forma de controle vindo de cima —

terrena pode não só pedir como

das profundíssimas diferenças de

porém mantendo e até acentuando

também forçar o filho a prestar algum

linguagem, analogias surpreendentes

as distâncias sociais."

favor; assim postula o direito da

entre as tendências que norteiam a

maternidade, a mãe é maior que o

cultura camponesa que tentamos

filho. Cremos, dizem, que no céu o

reconstruir e as de setores mais

"Apesar da conclusão do processo, o

mesmo se dá com a bem-aventurada

avançados da cultura quinhentista.

caso Menocchio ainda não estava

Virgem Maria e seu filho Jesus

Explicar essas semelhanças como

encerrado; num certo sentido, a parte

Cristo).

mera difusão de cima para baixo

mais

Na

“Bononiae

margem

audita

anotou:

mdxl

Bolognetti”

in

domo

significa

aderir

à

tese

extraordinária

começava

justamente agora. Vendo que os

(ouvido

em

insustentável — segundo a qual as

depoimentos contra Menocchio, pela

casa

do

idéias nascem exclusivamente no

segunda vez, se acumulavam, o

âmbito das classes dominantes. Por

inquisidor de Aquiléia e Concórdia

outro lado, a recusa dessa tese

escrevera para a congregação do

simplista implica uma hipótese muito

Santo Ofício, em Roma, a fim de

"Mas, depois de tudo o que foi dito

mais complexa sobre as relações

informá-la do que acontecia. Em 5 de

até

que permeavam, nesse período, as

junho de 1599, uma das maiores

duas

equitis Bolonha,

1540,

na

cavalheiro Bolognetti)." .

aqui,

será

impossibilidade

inútil de

insistir

atribuir

na

esses

culturas:

fenômenos de radicalismo religioso

dominantes

camponês a influências externas — e

subalternas."

e

a

das

classes

autoridades

a

das

classes

cardeal

de

da

congregação, Santa

o

Severina,

respondeu, insistindo em que se

de cima. Os discursos de Pighino

chegasse o mais rápido possível à

também são testemunhos de uma

prisão “daquele tal da diocese de

aceitação não passiva dos temas

"Figuras como Rabelais e Bruegel

Concórdia que negara a divindade de

que circulavam então nos ambientes

não foram, provavelmente, exceções

Cristo Senhor Nosso”, “por ser seu

heréticos,

mais

notáveis. Todavia, fecharam uma

caso extremamente grave, desde

originais — como a da origem servil

época caracterizada pela presença

que já havia sido condenado por

de

heresia”."

Suas

Maria,

igualdade

dos

de fecundas trocas subterrâneas, em

“pequenos”

no

ambas as direções, entre a alta

paraíso — refletem claramente o

cultura e a cultura popular. O período

igualitarismo

subseqüente,

“grandes”

a

afirmações

da

e

dos

camponês

que

nos

foi

"O chefe supremo dos católicos, o

assinalado tanto por uma distinção

papa em pessoa, Clemente VHI, se

cada vez mais rígida entre cultura

inclinava para Menocchio, que se

das classes dominantes e cultura

tornara um membro infectado do

arte- sanal e camponesa como pela

corpo de Cristo, exigindo sua morte.

"Atribuir a Pighino uma leitura do

doutrinação das massas populares,

Naqueles mesmos meses, em Roma

Fioretto semelhante à de Menocchio

vinda de cima. Podemos localizar o

estava se concluindo o processo

pode

é

corte cronológico entre esses dois

contra o ex-frade Giordano Bruno. E

significativo que ambos caíssem na

períodos na segunda metade do

uma

mesma contradição, imediatamente

século

simbolizar a dupla batalha, para cima

mesmos

anos

aparecia

no

Settennario, de Scolio. "

parecer

arbitrário.

Mas

xvi,

ao

contrário,

que

coincide

coincidência

que

poderia


e

para

baixo,

conduzida

pela

movimentos

de

justaposição,

hierarquia católica naqueles anos,

paralaxe,

paralelismo

para impor as doutrinas aprovadas

superposição.

e

pelo concílio de Trento. Só pode partir daqui a fúria, de outra maneira velho

Concluímos, com denodo que, num

moleiro. Pouco tempo depois (13 de

processo lento e gradual, que ele

novembro),

Santa

explicita por meio de sua analise,

Severina voltou a atacar: “Que Vossa

traçada a partir das leituras de

Reverendíssima

Menochio,

incompreensível,

o

contra

cardeal

procedimentos

não no

o

de

falte

caso

aos

daquele

e

do

que

em

sua

interpretação devesse pertencer a

camponês da diocese de Concórdia,

esta

indiciado por ter negado a virgindade

supracitada,

da

a

julgamento e vida deste, Menochio,

divindade de Cristo, Nosso Senhor, e

pode-se perceber sua afinidade com

a providência de Deus, como já lhe

a leitura de títulos que não sendo de

escrevi por ordem expressa de Sua

simples acesso as massas, ainda

Santidade. A jurisdição do Santo

assim

Oficio

aproveitamento

beatíssima

em

Virgem

casos

de

Maria,

tamanha

ou

aquela

classe

durante

tem

por

cultural, todo

o

ele

um

heterodoxo,

pois

modo

“tritura” as palavras e as justapõe,

algum ser posta em dúvida. Assim,

superpõe, mistura em seu discurso

execute implacavelmente tudo o que

alusivo

for necessário de acordo com os

interrogatório.

termos da lei”."

estudo de um processo inquisitorial

importância

não

pode

de

em

argüição Ora,

ao

sendo

este

do período da aurora da idade

CONSIDERAÇÕES:

moderna, podemos observar que,

Depreendemos pois, que Guinsburg ,

não só o personagem-objeto de

novamente,

em

estudo é perspicaz como ainda se

inextrincável

de

sua tecer

habilidade grandes

mostra

deveras

encharcado

da

investigações em sua área favorita,

cultura plural e variada de seu

diga-se a micro história, alcançou

tempo, além disso pareceu-nos de

boa parte de suas prerrogativas, ora

uma

sendo estas em nosso ver, expor

conceitos

relativos

divindade,

e

conexos,

dos

mais

profunda

compreensão

de

espirito-santo,

santidade,

mercadoria,

variados pontos de vista possíveis,

das

àquelas

imaginário

reprodução das estruturas divinas,

medievo, arraigado amplamente nas

sendo que estes são conceitos de

mentes e culturas da recém nascida

alguma abstração.

questões

do

modernidade, que como bem pôde nos mostrar imiscuiu-se pouco a pouco com a realidade literária, como as alusões a Divina comedia ou ao Decamerão, e filosófica ou mesmo filológica

em

tendências,

ora

suas

conclusões

averroistas

ora

anabatistas. Em cada tempo de seu “romance verdadeiro” pode-se tanto mais que compreender conceitos como cultura erudita, popular, oral, escrita, média, que percebê-los em seus

múltiplos

e

dinâmicos

hierarquias

dos

sociais

como


Critica roedora

their most basic principles when in

and stirring up a dangerous anti-

government

European

MANIFESTO DEMOCRACY IN EUROPE MOVEMENT

Por: DiEM

defeating austerity

Nationalism, extremism and racism

• Media moguls who have turned

are being re-awakened.

Governments

inequality

by

that

fuel

implementing

cruel

backlash. Proud peoples are being

self-

turned

against

each

other.

(The EU will be democratised. Or it will disintegrate! DiEM25 - The European Union will be democratised. Or it will disintegrate!)

A

MANIFESTO

FOR

DEMOCRATISING EUROPE

migration

and

terrorism, only one prospect truly terrifies

the

Powers

Democracy!

of

They

a magnificent

Europe:

speak

in

democracy’s name but only to deny,

Corporations

seek

to

mystify,

co-opt, usurp

evade, and

cahoots

with

democracy

secrecy and a culture of surveillance that bend public opinion to their will. European

Union

was

achievement,

an

bringing

together in peace European peoples speaking

different

submersed

in

languages,

different

cultures,

in order to break its energy and arrest

For

rule

by

a shared framework of human rights Europe’s

peoples,

across a continent that was, not long ago, home to murderous

government by the demos, is the chauvinism, racism and barbarity.

shared nightmare of: • The Brussels bureaucracy (and its more than 10,000 lobbyists)

Troika they formed together with unelected ‘technocrats’ from

other

The European Union could have been the proverbial Beacon on the

showing the world how peace and solidarity may be snatched from the jaws of centuries-long conflict

international

and

standing in law or treaty

and resurgent oligarchies perpetually contemptuous

expression •

Political

appealing

to

liberalism, democracy, freedom and solidarity to betray

democratic control over their money, finance,

working

conditions

and

environment. The price of this deceit is not merely the end of democracy but also poor economic policies: • The Eurozone economies are being marched off the cliff of competitive austerity, resulting in permanent recession in the weaker countries and low investment in the core countries

Eurozone

are

alienated,

seeking

inspiration and partners in suspect quarters

trade deals that undermine their

and

sovereignty.

a

common

beginning

currency

divide

to

unite

• Unprecedented inequality, declining

despite

our

different languages and cultures. A

economically financially

parties

exercising

Alas, today, a common bureaucracy

confederacy of myopic politicians,

of the multitudes and their organised

from

greeted with opaque, coercive free

European peoples that were

• Bailed out bankers, fund managers

Europeans

where they are most likely to be

and bigotry.

European institutions • The powerful Eurogroup that has no

is to prevent

• EU member-states outside the

Hill,

• Its hit-squad inspectorates and the

is

‘procedural’ and ‘neutral’. Its purpose

proving that it was possible to create its possibilities.

process

the same fear to promote

corrupt,

manipulate

decision-making

presented as ‘apolitical’, ‘technical’,

exceptional and suppress it in practice. They

in

political, top-down, opaque

secretive public agencies investing in

The

exorcise

At the heart of our disintegrating EU there lies a guilty deceit: A highly

source of power and profit

For all their concerns with global competitiveness,

fear-mongering into an art form, and

naïve

officials

incompetent

and

and

misanthropy

flourish

throughout Europe Two dreadful options dominate:

and

‘experts’

submit slavishly to the edicts of financial

hope

industrial

conglomerates, alienating Europeans

• Retreat into the cocoon of our nation-states • Or surrender to the Brussels democracy-free zone


There must be another course. And

In the post-war decades during which

simple

there is!

the EU was initially constructed,

confident

It is the one official ‘Europe’ resists

national cultures were revitalised

with every sinew of its authoritarian

in

a

spirit

mind-set:

disappearing

of

shared

prosperity and raised standards that

A surge of democracy!

brought

Our movement, DiEM25, seeks to call forth just such a surge.

Europeans

together.

But,

the

serpent’s egg was at the heart of the

One simple, radical idea is the motivating force behind DiEM25: Democratise Europe! For the EU will

began life as a cartel of heavy

either be democratised or it will

industry (later co-opting farm

Our goal to democratise Europe is

to

realistic. It is no more utopian than

through its Brussels bureaucracy.

the initial construction of the

The

emergent

more

been abandoned: •

Rules

should

exist

to

serve

Europeans, not the other way round • Currencies should be instruments, not ends-in-themselves

oligopoly

cartel,

democracy only if it features common defences of the weaker Europeans, and of the environment,

owners) determined to fix prices and re-distribute

a

• A single market is consistent with

integration process. From an economic viewpoint, the EU

disintegrate!

that

Europe once understood, have now

internationalism,

borders,

principles

profits

that are democratically chosen and built • Democracy cannot be a luxury

and

its

afforded to creditors while refused to debtors

European Union was. Indeed, it is

Brussels-based

less utopian than the attempt to keep

feared the demos and despised the

• Democracy is essential for limiting

alive the current, anti-democratic,

idea of

capitalism’s

fragmenting European Union.

government-by-the-people.

Our goal to democratise Europe is

Patiently and methodically, a process

terribly urgent, for without a swift start

of

it may be impossible to chisel

was put in place, the result being

away

a draining but relentless drive toward

at

resistance

the in

good

institutionalised time,

before

Europe goes past the point of no return.

administrators,

de-politicising

decision-making

taking-the-demos-out-of-democracy

If we fail to democratise Europe

fatalism.

National politicians were rewarded

within, at most, a decade; if Europe’s

handsomely for their acquiescence to

autocratic powers succeed

turning the Commission, the Council,

in stifling democratisation, then the

the Ecofin, the Eurogroup

EU will crumble under its hubris, it

and the ECB, into politics-free zones.

will splinter, and its fall will cause

Anyone opposing this process of de-

untold hardship everywhere – not just

DiEM25 - The European Union will be

democratised.

politicisation was labelled ‘un-European’

in Europe.

Or

it

will

disintegrate! WHY IS EUROPE LOSING ITS INTEGRITY AND ITS SOUL?

and

treated

as

a

jarring dissonance.

yielding

harmony

and

sustainable

development In response to the inevitable failure of Europe’s cartelised social economy

Great

Recession,

the

EU’s

institutions that caused this failure have been resorting to escalating authoritarianism. asphyxiate

The

democracy,

more

they

the

less

legitimate their political authority becomes, the stronger the forces of economic recession, and the greater their need for further authoritarianism. Thus the enemies of democracy gather renewed power while losing legitimacy

Thus the deceit at the EU’s heart was born,

a window onto new vistas of social

to rebound from the post-2008

and cloaking

pseudo-technocratic

self-destructive

drives and opening up

all policy-making in a pervasive

We give it a decade, by 2025.

worst,

an

institutional

commitment to policies that generate depressing

economic

data

and

avoidable

hardship.

Meanwhile,

and confining hope and prosperity to the very few (who may only enjoy it behind the gates and the fences needed to shield them from the rest of society).


DiEM25 - The European Union will be

democratised.

Or

it

will

disintegrate!

Europe’s crisis is turning our peoples inwards, against each other, pre-existing

xenophobia.

The

jingoism,

privatisation

of

anxiety, the fear of the ‘other’, the nationalisation of ambition, and the

re-nationalisation

of

policy

threaten a toxic disintegration of common interests from which Europe can only suffer. Europe’s pitiful reaction to its banking and debt crises, to the refugee crisis, to the need for a coherent foreign, migration and anti-terrorism policy, are all examples of what happens

• The injury to Europe’s integrity caused by the crushing of the Athens

imposition of an economic ‘reform’ program that was designed to fail • The customary assumption that, whenever a state budget must be bolstered or a bank bailed out, society’s weakest must pay for the sins of the wealthiest rentiers • The constant drive to commodify labour and drive democracy out of the workplace scandalous

backyard’

attitude

‘not of

in

our

most

EU

member-states to the refugees landing

on

Europe’s

illustrating how a broken European governance

model

yields

• The ease with which European governments decided after the awful

in re-erecting borders, when most of the attackers were EU citizens – yet another sign of the moral panic

to unite Europeans to forge common

ethical

decline and political paralysis, as well as evidence that xenophobia towards non-Europeans follows the demise

streamed

DiEM25 - The European Union will democratised.

Or

it

after the meetings have taken place

negotiations (e.g. trade-TTIP, ‘bailout’ loans, Britain’s status)

citizens’ future to be uploaded on the web • A compulsory register for lobbyists

responses to common problems.

will

disintegrate!

that includes their clients’ names, their remuneration, and a record of meetings with officials (both elected and unelected)

What must be done? Our horizon

toward reaching milestones within a realistic timeframe.

WITHIN

TWELVE

utilising existing institutions and within existing EU Treaties Europe’s

order to bring about

unfolding

a fully democratic, functional Europe

immediate

Now, today, Europeans are feeling let

• Banking

from Dublin to Crete, from Leipzig to Aberdeen. Europeans sense that a stark choice is approaching fast. between

democracy

and

in

is five

realms: • Public debt

From Helsinki to Lisbon,

crisis

simultaneously

by 2025.

down by EU institutions everywhere.

MONTHS:

Address the on-going economic crisis

breakthroughs at regular intervals in

• Inadequate Investment, and • Migration • Rising Poverty All five realms are currently left in the

authentic

hands

insidious

powerless to act upon them.

disintegration. We must resolve to

ensure

live-

affecting every facet of European

engulfing a European Union unable

choice

be

• All documents pertinent to crucial

Paris attacks that the solution lies

The

to

published a few weeks

unite to

shores,

Meetings

governing council meetings to be

‘foreign’ and ‘policy’

be

Eurogroup

• Minutes of European Central Bank

This is why DiEM25 will aim for four

Spring, and by the subsequent

The

words ‘European’,

Realism demands that we work

when solidarity loses its meaning:

• The comical phrase we end up with when we put together the three

This is the unseen process by which

amplifying

• EU Council, Ecofin, FTT and

of intra-European solidarity

of

national

governments

DiEM25 will present detailed policy proposals to Europeanise all five

that

obvious

Europe

makes

choice:

the

Authentic

democracy! When asked what we want, and when we want it, we reply:

while limiting Brussels’ discretionary powers and returning power to national Parliaments, to regional councils, to city halls and to communities. The proposed

IMMEDIATELY: Full transparency in

policies will be aimed at re-deploying

decision-making.

existing institutions (through


a creative re-interpretation of existing

We, the peoples of Europe, have a

With our hearts, minds and wills

treaties and charters) in order to

duty to regain control over our

dedicated to these commitments, and

stabilise the crises of public

Europe from unaccountable

determined to make

debt,

‘technocrats’, complicit politicians and

a difference, we declare that.

banking,

inadequate

investment, and rising poverty.

shadowy institutions.

WITHIN TWO YEARS: Constitutional

We come from every part of the

be

Assembly

continent and are united by different

disintegrate!

The people of Europe have a right to

DiEM25 - The European Union will

cultures, languages, accents, political party affiliations,

to transform Europe

ideologies,

(by

2025)

democracy

into

a

full-fledged

with

a

sovereign

Parliament respecting national selfdetermination

Parliaments, regional assemblies and municipal councils.

gender

identities, faiths and conceptions

democratised.

Or

it

will

of the good society.

To do this, an Assembly of their

We are forming DiEM25 intent on Governments’, and ‘We the

representatives must be convened. DiEM25 will promote a Constitutional Assembly

consisting

of

as another’s democracy

is

violated • No European people can live in dignity as long as another is denied it

national

prosperity if another is pushed into

when

universities apply

permanent insolvency

to Brussels for research funding, they

and depression

must form alliances across nations. Similarly, election to the Constitutional

Assembly

should

require tickets featuring candidates from

a

majority

of

European

countries. The

Constitutional

on

a

future

democratic

constitution

BY 2025: Enactment of the decisions of the Constitutional Assembly Who will bring change?

To

fight

European

the

together,

against

establishment

a

deeply

power

masquerading as merely technical decisions • To subject the EU’s bureaucracy to the

will

of

sovereign

European

peoples •

To

dismantle

the

habitual

domination of corporate power over

without basic goods for its weakest

currency

citizens, human development, balance

create

to democratise the European Union

our

and

single

market

and

common

We consider the model of national a

determination to become fossil-fuel

its ways – not the planet’s climate We join in a magnificent tradition of

parties which form flimsy alliances at the level of the European Parliament to be obsolete.

While

the

fight

for

democracy-from below (at the

fellow Europeans who have struggled

local, regional or national levels) is

for centuries against

necessary,

that will replace all existing European Treaties within a decade.

• No European people can grow

ecological

to

• To re-politicise the rules that govern

Assembly will be empowered to decide

forthwith

the will of citizens

free in a world that changes

resulting

us

relations into relations of

• No European people can hope for

Today,

join

• To end the reduction of all political

Our four principles:

representatives elected on transtickets.

We call on our fellow Europeans to

contemptuous of democracy,

Technocrats’, to a Europe of ‘We, the

long

will

which we call DiEM25.

• No European people can be free as

disintegrate!

it

European movement

peoples of Europe’.

DiEM25 - The European Union will be

colours,

moving from a Europe of ‘We the

and sharing power with national

Or

Our pledge

consider the union’s future and a duty

skin

democratised.

the ‘wisdom’ that democracy is a

it

is

nevertheless

insufficient if it is conducted

luxury and that the weak must suffer

without an internationalist strategy

what they must.

toward a pan-European coalition for democratising Europe.


European together

democrats first,

come

• A Pluralist Europe of regions,

• An Internationalist Europe that

common

ethnicities, faiths, nations, languages

treats non-Europeans as ends-in-

and cultures

themselves

must

forge

a

agenda, and then find ways of

connecting

it

with

local

An

Egalitarian

Europe

ends

tensions in its East and in the

celebrates

national level.

discrimination based on gender,

Mediterranean, acting as a bulwark

Our overarching aim to democratise

skin colour, social class or sexual

against the sirens of militarism and

the European Union is intertwined

orientation

expansionism

• A Cultured Europe that harnesses

• An Open Europe that is alive to

its people’s cultural diversity and

ideas, people and inspiration from all

promotes not only its

over the world, recognising

invaluable heritage but also the work

fences and borders as signs of

and national levels; to throw open the

of

weakness spreading insecurity in the

corridors of power to the public; to

musicians, writers and poets

name of security

• A Social Europe that recognises

• A Liberated Europe where privilege,

movements; and to emancipate all

that liberty necessitates not only

prejudice, deprivation and the threat

levels

freedom from interference

of violence wither,

but also the basic goods that render

allowing Europeans to be born into

one free from need and exploitation

fewer stereotypical roles, to enjoy

to

promote

self-government

(economic, political and social) at the local, municipal, regional

embrace social and civic

of

government

from

bureaucratic and corporate power. We are inspired by a Europe of Reason,

Liberty,

Tolerance

and

Imagination made possible by

comprehensive

real

Solidarity

and

authentic

Democracy.

dissident

artists,

DiEM25 - The European Union will be

Transparency,

Europe’s

and

• A Peaceful Europe de-escalating

communities and at the regional and

with an ambition

difference

that

democratised.

Or

it

will

disintegrate! • A Productive Europe that directs investment into a shared, green

We aspire to:

prosperity

• A Democratic Europe in which all

• A Sustainable Europe that lives

political

within the planet’s means, minimising

authority

stems

from

Europe’s sovereign peoples

its environmental impact,

• A Transparent Europe where all

and leaving as much fossil fuel in the

decision-making takes place under

earth

the citizens’ scrutiny

• An Ecological Europe engaged in

• A United Europe whose citizens have as much in common across nations as within them • A Realistic Europe that sets itself the task of radical, yet achievable, democratic reforms

central

power

to

maximise

democracy in workplaces, towns, cities, regions and states

their potential, and to be free to choose more of their partners in life, work and society. Carpe DiEM25 www.diem25.org DiEM25 - The European Union will be

democratised.

Or

it

will

disintegrate!

ETHOS E PHRONESIS

• A Creative Europe that releases the

Por:Gisele da Silva Rezende 4 e Guilherme Orestes Canarim.

innovative powers of its citizens’

Discussões sobre ética na sala de

imagination

aula e nas práticas pedagógicas

genuine world-wide green transition

• A Technological Europe pressing new technologies in the service of

• A Decentralised Europe that uses

even chances to develop

solidarity

estão em alta, e o mercado oferece soluções “práticas”, mas a única ética possível na contemporaneidade deve

se

sustentar

pelo

diálogo

• A Historically-minded Europe that

colaborativo,

seeks a bright future without hiding

formação aberta, ampla e integral de

from its past

todas as pessoas, e da pessoa 4

com

vistas

a

uma

Docente pesquisadora do GEFOCS (Grupo de estudo e pesquisa em educação, formação cultura e sociedade).


humana

como um todo. É preciso

determinados

debates,

está

utilização

para

comunicação,

refletir sobre sua atuação profissional

condicionada ao agir com base nos

entender-s-ia que o letramento não

com a base moral, que cabe ao

códigos estatutários que regem uma

difere deste conceito, portanto é

exercício de identificar a pessoa não

ou outra dimensão territorial comum

irrelevante.

como um número, mas em seu lócus

a este profissional.

de manifestação em direção ao

Ideias sobre a generalização de

Um termo que surgiu na Grécia

comportamentos morais de uma ou

antiga,

outras

outra civilização, vão de encontro

O crescimento gradual do indivíduo

civilizações ocidentais acabou por

com sua reflexão ética, o pensar

dar-se- á na medida em que seu

perder raison d'etre. O que antes

sobre. O mercado procura vender

comportamento

serviu para descentralizar o poder,

como via de regra para a harmonia

comprometido com sua ética, que

retirando

de

poderá compreender seus limites

monarquia

independente

social.

helênicas por meio da atividade

Estamos implementando ideias sem

daqueles cidadãos, o que um dia

fazer

questionamento,

serviu ao modelo de sociedade

compreendendo oconceito a partir de

ocidental, a saber Montesquieu, hoje

uma liberdade condicionada pela

dá o poder a estes de forma quase

operação da sua concretização.

natural. Atribuímos nossa reflexão e

exercício da autonomia.

moral

da

qualquer

esteja

classe

tão

É preciso refletir sobre o impacto dos conceitos

que

mundo,

apresentamos

entendendo

o

ao

preparo

necessário para a elaboração das ideias. Vivenciamos relacionamentos inseguros,

com

um

comprometimento moral duvidoso,

democracia,

o

domínio e

em

político

das

da

oligarquias

tomadas de decisões econômicas e políticas a quem não se preocupa com nosso bem estar. Pessoas que deveriam estar subordinadas a toda uma população, deliberando sobre o bem estar da maioria, hoje servemse por plebeus reprimidos.

reflexo de uma ética confusa, que

historicamente vem se condensando

quanto às regras prescritas pela

na forma de normativas extrínsecas

autoridade soberana constituída pela

aos elementos contendais daquilo a

sociedade onde vivemos. Quer seja

que se refrem, de modo que os

por

indivíduos podem, via de regra,

indevida,

simplesmente

norma

adequar leis de acordo com sua

procedimental sem necessariamente

necessidade a fim de justificar os

compreenderem o que nela lhes diz

meios. “Novos” conceitos passam a

respeitou, ou ainda em que implica

ser modelados para reunir partes

para si e para os outros animais do

cada vez mais complexas ao sentido

gênero humano as suas atividades

de origem e muitas vezes com um

nesse sentido.

novo nome para sugerir um novo

seguir uma

Em dada medida, pode ser que tais

um

grande

incertezas o

desentendimento

ou

apropriação

indivíduo

costuma

objeto de estudo.

discussões sobre ética no espaço

Assim é o caso do termo letramento,

escolar,

ausência,

que foi gerado a partir da ineficiência

tanto quanto a da autonomia do

da alfabetização (segundo alguns

educador. Seu comportamento moral

autores), contudo sua função foi

respeitará

que

alcançada e vigora até hoje com os

variam de acordo com cada tipo de

denominados analfabetos funcionais

agrupamento

propósito,

(termo criado nos Estados Unidos na

impossibilitando um pensar sobre,

década de 30 e depois utilizado pela

necessário para o entendimento da

UNESCO), que se apreendido na

ética.

sua característica mais importante,

insinuem

estes

Sua

e

esta

ambientes

seu

participação

em

toda

uma

parcialmente prontas.

nação

ideias


Ensayos

tortura e flagela aonde quer que vá.

final para concretizar no além seu

Esse segundo, independe de classe,

amor, viver em seu paraíso, desfrutar

DE AMOR E TREVAS (A TALE OF LOVE AND DARKNESS)

religião,

tudo

indivíduo (self, consigo mesmo) e

expectativas

Por: Danilo Barruda

como ele interage consigo mesmo e

frustrados, como num momento de

com o mundo exterior.

fuga da realidade e, finalmente,

origem,

panorama, O comentário aqui desenvolvido não

a

pois

recai

no

Nesse

ambivalência

de

que

êxtase

estava

represado,

criadas,

ao

sonhos

experimentar

essa

sentimentos que oscilam entre o

dimensão do eu saciado. Tudo isso

nacionalismo judeu e a constituição

conduz ao fim trágico do afogamento

do

na

da personagem, que sucumbe aos

contradição de perpetuar um conflito

delírios e devaneios para confortar a

para assegurar a permanência de

mente

seus cidadãos.

extirpando sua breve vida.

na construção dessa visão sobre De

É simbólico enxergar que o pior

Amor e Trevas traz uma conotação

inimigo

diferenciada,

mesma!

A EXPERIMENTAÇÃO ANIMAL NA PESQUISA CIENTÍFICA NA FASE PRÉ-CLÍNICA E O ESPIRITISMO KARDECISTA

tem o objetivo de abordar, na íntegra, o filme. Ele se propõe a analisar o inferno mental que a protagonista da película criou, seu labirinto e as conseqüências para si. Assim sendo,

Estado

de

Israel

recai

e

a

alma,

mesmo

que

a interface e intertextualidade usados

perspectiva

outros e

aspectos,

abordagem

do

da

protagonista

Apesar

das

era

ela

condições

adversas, das reiteradas perdas e

humano. No início do filme uma

desilusões,

cabia

Polônia exuberante se mostrava um

manter-se

íntegra,

lugar

a

projetos e planos, viva, humana para

Segunda Guerra Mundial instaurou o

dar vazão ao espectro cíclico da

pânico, a fuga, o medo e a morte.

humanidade (início, meio e fim), altos

Num cenário agora sombrio, Fania

e baixos, pacote completo que inclui

(Natalie Portman) foi obrigada a se

alegrias, tristezas, dor, felicidade,

mudar para Israel. O Estado em

gozo, luto, ou seja, tudo.

de

encantos,

todavia,

ebulição impingiu mais dor e trevas para

a

família

de

Fania,

especialmente ela mesma, que já havia escapado de uma guerra.

A partir de então, todos os sonhos e expectativas

vão

se

esvaindo,

deteriorando com o tempo e as marcas de tanto massacre. Ela se permite

perder

a

dignidade,

a

compostura e vaidade que podem manter o equilíbrio mínimo para se viver. Numa Israel em construção, assolada por conflitos étnicos e religiosos, a promessa de uma Terra Prometida, idílica e segura cede espaço para um inferno. Saliente-se dois infernos, o físico-estrutural, da guerra, do imanente conflito por água,

terra,

reconhecimento

território, político

e

internacional entre árabes e judeus, mas, acima de tudo, o inferno mental que a prende, aflige, atormenta,

a

si

mesma

digna,

com

Por: Jean Pedro Barbizan Betiatto Desde os primórdios da pesquisa científica a experimentação animal foi usada para propor novos métodos terapêuticos e farmacológicos para o posterior uso na espécie humana, após a fase clínica da pesquisa, tendo em vista a sua sobrevida, bem como a qualidade de vida dos seres

Entrementes, no seu âmago, Fania

correlacionados

tenta refazer sua vida arrasada num

permeiam a vida humana, como as

lócus

diametralmente

doenças, que muitas vezes são

oposto à sua Polônia. A insistência

relacionadas aos vícios e hábitos

em manter as aparências, mesmo

mundanos

sem se conhecer e saber quem são

humanos são adeptos. Para isso, a

os outros ao redor, denota muito

aprovação em comitês de ética para

esforço

o

distante

e

para

romper

seus

uso

aos

aos

males

quais

racional

de

que

os

seres

animais

pensamentos depressivos. O quadro

criteriosamente

depressivo da personagem faz ela

ponto chave para o início de uma

(re)viver num mundo à parte, uma

pesquisa científica, que envolva os

espécie de universo paralelo onde

mesmos

ela oscila quanto aos delírios dos

partida para novas descobertas para

sonhos subjacentes e a realidade

a

atroz, ainda que permeada do alívio

onde supostamente, trariam avanços

de uma nova família e seu amado

para a humanidade, criando assim,

filho. Mas, não aceitar o presente e

eixos de extensão na qualidade de

se colocar num outro momento, outro

vida dos seres humanos, bem como,

lugar, a faz querer veementemente

a viabilização de seu bem estar físico

viver

e pessoal. Em contrapartida, temos

atrelada

ao

limbo,

ao

como

comunidade

cobaias,

como

dando

médico-científica,

impossível sonho que a retira da

ideologias,

realidade.

perspectiva,

contrárias no que diz respeito ao uso

quando ela se cansa de lutar contra

de animais, o que é para muitos uma

si própria abraça a morte como um

grande

refúgio ou alívio, como uma solução

determinadas espécies, e acarretaria

Nessa

que

analisado

é

tomam

atrocidade

a

vertentes

vida

de


então, um dano de cunho ideológico

que para que a ciência médico-

animais em benefícios de si próprio e

e posteriormente social com tais

científico chegue até o mundo sob a

do homem, e o ato de não causar

fatores

forma de suas descobertas é preciso

sofrimento e dor animal. O equilíbrio

realização de tais atos, envolvendo a

que

dos valores propostos é conflitante, e

eutanásia de animais.

primordial

determinante

para

a

A experimentação animal faz

se

ultrapasse no

pesquisador

atual,

de

sugere

o

deve

conter

quanto mais danos o experimento causar ao animal, mais difícil será

É de se entender que o

produtos que possuímos no mercado

produtos

que

requisito

seguimento ideológico proposto.

parte da fase pré-clínica de vários

tais

um

compor a sua justificativa.

uma

Os

contrapontos

ficam

como,

cosméticos,

orientação específica quanto ao trato

evidenciados quando chegamos ao

higiene

pessoa,

humanitário

ponto

e

com

os

animais

x

da

questão

que

é

a

evidentemente fármacos. Devemos

empregados em pesquisa e não

relevância de um trabalho científico

ressaltar os fármacos, não somente

somente a orientação técnica. Fica

em relação a condição da espécie e

pela sua importância na qualidade de

evidenciada

a

vida

dos

profilaxia

a

necessidade

de

manutenção

de

ideologias

seres humanos e

na

preenchimento com conhecimentos

contrárias. Mediante à isto, podemos

dos

os

básicos

diversas

afirmar que a pesquisa científica é

que

um

males

que

no

manejo

acometem, mas também, pelo fato

espécies

de que a indústria farmacêutica trata-

lacunas

em

humanos na busca por uma melhor

se de uma das mais poderosas do

fatores que impliquem no estresse

qualidade de vida, questão que

mundo,

animal,

a

muitas

a

ideologia do espiritismo Kardecista,

resultados

seguida por milhares de pessoas. Na

economicamente

falando,

animais,

de

sejam

o

para

preenchidas

que

margem

gerando bilhões de reais e fazendo

questionamentos

com que ideologias caiam por terra

confiabilidade

pela visão lucrativa de mercado

alcançados em sua pesquisa.

enquanto a proposta maior deveria ser o bem estar dos seres, mas esta visão fica distorcida quando há o impulsionamento

por

uma

competitividade mercantil que visa o retorno

através

da

ascensão

financeira e não a qualidade de vida humana. Uma pergunta básica que poderíamos nos fazer, então, seria, o que vale mais: a sua ideologia ou o avanço científico e tecnológico? A vida ou a ciência? Devemos analisar, então, contextos ideológicos que possuem sua fundamentação em considerações históricas, que foram construídas ao longo do tempo, bem como o campo da ciência, onde sua fundamentação

se

pelas

evidencias apresentadas ao homem e que devem ser comprovadas pelo mesmo,

pelo

método

experimentação anteriormente ideologias

da animal,

citado.

doutrinistas

Se

as

como

o

espiritismo, são as preservadoras da vida, seja ela de qualquer espécie, podemos dizer então que não há uma coesão entre esta e a ciência, já

No

as

quanto dos

espiritismo

Kardecista

dos atributos que fazem parte do espírito, mesmo nos animais que demonstrando

inteligência

racional ou não racional, através de seus

instintos,

onde

as

fases

evolutivas apresentam-se de forma diferente em relação aos humanos. Traz-nos então o conceito de que os animais sofrem porque seu livre arbítrio é muito restrito, e não para compensar ou resgatar seus erros, mas

para

que

sua

consciência

alcance maior conhecimento e se expanda. O primeiro filósofo da modernidade através da observação dos

animais

defendeu

que

os

mesmos não eram como máquinas foi o inglês John Locke, que fundou o empirismo,

levando

com

seu

pensamento a afirmação de que causar

dor

e

morte

era

vezes

aliado

é

dos

seres

sobreposta

na

prática, há uma certa hipocrisia

considera-se que a inteligência é um

agem

grande

algo

moralmente errado. As problemáticas éticas que envolvem ideologias como

recorrente entre seguir uma ideologia e aplica-la em sua vida de maneira coerente, o que no mundo atual torna-se difícil pelo bombardeamento de criações que seguem um fluxo continuadamente crescente e rápido, aos

quais

os

humanos

são

submetidos. Quem está imerso no meio científico, muitas vezes entra em conflito pessoal entre a ideologia de vida proposta a si mesmo e a produção de trabalhos relevantes em sua profissão, visando o avanço tecnológico nas áreas da ciência da saúde. Como seria então, cometer a eutanásia em camundongos para a análise

de

seus

receptores

neurológicos para a obtenção de novos adventos farmacológicos que viabilizem humana,

a

qualidade

seguindo

de

uma

vida

doutrina

espírita, onde a vida de toda e qualquer

espécie

deve

ser

preservada? Partindo desse pressuposto,

o espiritismo Kardecista que surgem

poderíamos

dizer

então, no âmbito ao conflito entre as

nenhuma

justificativas usadas para o uso de

aceitável, se a manutenção da vida,

justificativa

então,

que

tornaria-se


seja ela de qualquer espécie, torna-

Esta é a verdade. Este é o empasse.

se o pilar para a construção de uma

Este é o conflito.

ideologia

que

impõe

um

comportamento ético mediante ao mundo. Como prosseguir, então, com

avanços

que

viabilizem

a

manutenção da vida e a descoberta de

novas

tecnologias

sem

o

NOTAS SOBRE UMA LEITURA DE DANIEL QUINN E WALTER BENJAMIN. Por: Guilherme Orestes Canarim

envolvimento do uso de animais em pesquisas pré-clínicas? Busca-se reflexão

a

Este Texto sobre o conceito de

obtenção

sempre

que

da

estamos

trabalhando com seres sensíveis onde a rotina não nos faça perder a sensibilidade. É passível de se levar em

consideração

através

da

legislação que preza pela ética com o objetivo da moral e do bem estar, tendo

em

vista

o

estudo

das

preferências animais, onde há as descobertas

das

comportamentais consideração

anomalias levando

critérios

em

fisiológicos,

zoopatológicos e zootécnicos que são indicadores de conforto e bem estar na organização de dados, análise e categorização na fase exploratória até que se chegue a seleção de um método de eutanásia levando em conta tais critérios que

historia traduzido pelo Sérgio Paulo Rouanet, que esta no livro “Walter Benjamin - Obras escolhidas. Vol. 1. Magia

e

técnica,

artee

política.

Ensaios sobre literatura e história da cultura” com

prefácio de Jeanne

Marie Gagnebin especialista no brasil em estudos benjaminianos da editora Brasiliense,

1987,

p.

222-232.As

“Teses sobre o conceito da história”, ultimo

dos

textos

trabalho

de

Benjamin,que caracterizam-se pelo seu caráter inovador na historiografia geral e da historiografia literária. O primeiro desafio de sua leitura, já que se apresentam como fragmentos do pensamento do autor, não mantendo relações

sintáticas

entre

si,

estabelecidas principalmente pelas conjunções.

mesmo assim não sobrepõem-se a

O

conceito

de

historia

manutenção das vidas das espécies

sustentáculo

das

estruturas

amplamente tida como base para o

sociometabolismo do capital, pois

Espiritismo Kardecista que preza o

que dele emanam as substancias

espírito

dos

sendo

este

a

parte

fundamental de todo e qualquer ser. Ao mesmo tempo em que passamos

por

cima

de

nossas

ideologias, prosseguiremos fazendo ciência. Parece rude, mas o que torna-se mais relevante para sua própria existência humana, o seu bem

estar

espiritual

ou

a

sua

contribuição para o avanço científico da humanidade? Estaríamos nos tornando prisioneiros das próprias correntes

ideológicas

ou

meras

máquinas de produção científicas, ora relevantes, ora descartáveis?

discursos

é

hegemônicos

o do

do

monopólio e a impossibilidade da emancipação da humanidade, por conta disso é precípuo a qualquer compreensão

da

contemporâneas

e

sociedades a

realização

daquele ideário kantiano da saída da menoridade

que

debrucemo-nos

sobre este pilar do tártaro sobre o qual vivemos e no qual funcionamos como que concluídos no maquinário do colapso da exploração que o capital esta vivendo.


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