SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA 148 - Março/2019

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Florianópolis–SC • Março / 2019 • N.148 • Edições A ILHA • Ano 38

Tinha sido membro do Partido Comunista e, ao mesmo tempo, funcionário do Banco do Brasil. Capitalistamente, aposentara-se pelo Banco do Brasil, pois não era tão socialista a ponto de aposentar-se pelo PC do B. O da Cadeira 40 sempre que terminava seu parecer sobre o assunto apresentado e discutido, metia o indicador no nariz, tirava o que lá estivesse e ficava fazendo uma bolinha do resíduo. Colegas, eventualmente seus próximos, hipnotizados, paravam o consumo do que quer que estivesse a sua frente e, mesmerizados, acompanhavam o ritual duplo: o da 40 enfiava a bolinha na boca, sempre no canto esquerdo dos lábios entreabertos e limpava o dedo na superfície inferior do tampo da mesa. O ocupante da Cadeira 29, vindo do Legislativo, adorava ouvir-se. Numa Sessão da Saudade, ocasião solene em que eram louvados os méritos

reais, ou acrescentados um pouquinho, de um colega recém-falecido, o da Cadeira 29 tinha se inscrito como orador tão logo soube da ida do colega desta para melhor. Chegadas a data e a hora, o da 29 dirigiu-se solenemente à tribuna. Tossiu. Limpou a garganta. Tomou um gole d’água. Pôs os óculos. Tornou a limpar a garganta. – Senhor Presidente, senhoras autoridades, dignos parentes e amigos, meus companheiros – entoou. – Devo ter sido o último a conversar com nosso ilustre falecido, pois horas antes de seu abandono de nosso convívio ameno e culto, mostrei-lhe os originais de meu último trabalho que trata da ossatura do olho esquerdo da muriçoca! Este trabalho, que modestamente submeterei à Academia Nacional de Biologia e Vida Animal, é revolucionário. E nos cinquenta minutos seguintes discorreu pomposamente sobre muriçocas, olhos de elefantes, galinhas, 25

lobisomens e tutti quanti. Sobre o morto nada mais foi mencionado. Terminada a cerimônia, um dos acadêmicos menos pacientes advertiu o Presidente: – Presidente, se o 29 for escalado para discursar em outra Sessão de Saudade, não comparecerei a mais nenhuma. Nem à minha! O da Cadeira 17, ex-médico – havia boatos sobre sua aposentadoria inusitadamente antecipada – era, ao mesmo tempo, o exigente grosseiro e o futriqueiro meloso. À boca pequena sabiam todos que o da Cadeira 17 fazia planos para ocupar a presidência da Academia. Com esse fito, aliciava os menos informados e os vacas de presépio, que imaginavam vir a compor a Diretoria quando o 17 ocupasse a presidência. Nos dias de reunião, chegava ao prédio da Academia sempre pouco depois das treze horas. Ficava na secretaria abrindo


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