ESCRITORES DO BRASIL - Revista das Edições A ILHA

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GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO, CATARINENSE NA ABL ANNIE ERNAUX: PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA 2022 CASA DA LITERATURA CATARINENSE CRUZ E SOUSA CRUZ E SOUSA PARA TODOS A EDUCAÇÃO PÓS-PANDEMIA O TEMPO E O NATAL Florianópolis, SC – Novembro/2022 – Número 13 – Edições A ILHA – Ano V LITERATURA BRASILEIRA PARA O MUNDO

SUMÁRIO

PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA 2022 ........................ 4 POESIA UNIVERSAL 6 CRUZ E SOUSA PARA TODOS .......... 7 AMAVISSE............................................ 8 SEM PRÊMIO NOBEL 9 FADO TINTO ...................................... 10 DIA MUNDIAL DO ESCRITOR ........ 11 INFÂNCIA........................................... 14 EVOLUÇÃO ESTÉTICA .................... 15 DIAS FELIZES NA CHEGADA DA PRIMAVERA....................................... 17 DORME, RUAZINHA ........................ 19 A FESTA DA LITERATURA NO LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA “ESCRITORES DO BRASIL” ............ 20 NA NOITE DE VERÃO… SONHO ... 24 COM PALAVRAS 26 UM RIO ............................................... 26 CASA DA LITERATURA CATARINENSE POETA CRUZ E SOUSA EM FLORIANÓPOLIS ...... 27

DE ALMA EM ALMA......................... 29 GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO, CATARINENSE NA ABL 30 BECOS DE GOIÁS ............................. 36 A EDUCAÇÃO PÓS-PANDEMIA ..... 37 MORADIA PROVISÓRIA .................. 39 AO ENCANTAR, SE FEZ DIFERENTE ... ...................... 40 O SOM DA POESIA............................ 42 FESTA MAIOR.................................... 43 ERA UMA VEZ ... ............................... 44 DE PASSARINHOS ............................ 46 O TEMPO E O NATAL ....................... 47 SONHAR ............................................. 50 ADEUS, RAINHA ELISABETH II 51 CHORO DA MÃE NATUREZA ......... 52 ESPÍRITO ANDARILHO.................... 52 LAMENTO DO POETA 53 O INICIADO ....................................... 53 REVERÊNCIA .................................... 54 TUA AUSÊNCIA 54

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EXPEDIENTE

Literatura brasileira para o mundo Edição número 13 – Novembro/2022 - Ano V Publicação das Edições A ILHA

Grupo Literário A ILHA Florianópolis, SC Editor: Luiz Carlos Amorim Contato: lcaescritor@gmail.com revisaolca@gmail.com

Grupo Literário A ILHA na Internet: http://www.prosapoesiaecia.xpg.com.br

Todos os textos são de inteira responsabilidade dos autores que os assinam. Contate com a redação pelos endereços: lcaescritor@gmail.com revisaolca@gmail.com

Veja a página do GRUPO LITERÁRIO A ILHA – ESCRITORES DO BRASIL no Facebook, com textos literários, informações literárias e culturais e poemas e a edição on line, em e-book, desta revista.

EDITORIAL

ESCRITORES DO BRASIL EM LIVRO

Pulamos uma ou duas edições da revista, pois es távamos organizando a antologia ESCRITORES DO BRASIL, reunindo trinta e dois escritores do Grupo Literário A ILHA. Voltamos agora, com nova edição, já que a coletânea está lançada. Publicamos, nesta edição, a reportagem sobre o lançamento na Bienal do Livro de São José. Foi uma festa belíssima, em setembro deste 2022, reunindo vários dos escritores que são co-autores na antologia ESCRITORES DO BRASIL, como Celestino Sachet e Enéas Athanázio. Tudo para comemorar o quadragésimo segundo aniversário de atividades do Grupo Literário A ILHA e de circulação da revista Suplemento Literário A ILHA.

A antologia ESCRITORES DO BRASIL está dis ponível impressa e em e-book para quem quiser adquirí-la, no Clube de Autores, na Amazon e em outras plataformas. E só acessar uma das pla taformas e pedir pelo título do livro. O subtítulo é Antologia de aniversário do Grupo Literário A ILHA.

De maneira que voltamos com tudo: uma edição recheada de muita prosa, muita poesia e muita informação literária e cultural. Matérias sobre o nosso escritor catarinense na Academia Cata rinense de Letras, sobre a ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura 2022, sobre a Casa de Litera tura Catarinense Cruz e Sousa, sobre a Educação na Pandemia, cobertura completa sobre o lançamento da antologia de aniversário do Grupo A ILHA e muito mais.

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O Editor

NOBEL DE LITERATURA

ANNIE ERNAUX

PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA 2022

Annie Ernaux, escritora francesa, ganhou o Prê mio Nobel de Literatura 2022. O anúncio foi fei to no dia 6 de outubro de 2022, pela Academia Sueca, em Estocolmo. Segundo a Academia, o prêmio foi concedido "pela coragem e acui dade clínica com que desvenda as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos cole tivos da memória pes soal."

Uma das mais importan tes autoras da França, Annie escreve romances sobre a vida cotidiana em seu país. Segundo o jornal "The Guardian", ela era uma das favori tas para ganhar o prêmio. Durante o anúncio, a Academia informou que ainda não tinha conseguido o contato com ela pelo telefone. Professora universitária de Literatura, Annie Ernaux escreveu quase 20 livros, nos quais aborda o peso da dominação

das classes sociais e a paixão do amor, dois temas que marcaram sua trajetória. Sua obra, essencialmente autobiográfica, constitui uma radiografia da intimi dade de uma mulher que evolui na esteira das grandes mudanças na sociedade francesa do pós-guerra. Entre seus livros está "O Acontecimento", de 2000, em que relata um aborto clandestino que fez nos anos 1960. A Academia afirmou que sua "narrativa clinica

mente contida" sobre o aborto ilegal de uma narradora de 23 anos no livro continua sendo uma obra-prima entre seus trabalhos. "É um texto implacavel mente honesto, onde en tre parênteses ela acres centa reflexões em uma voz vitalmente lúcida, dirigindo-se a si mesma e ao leitor em um único e mesmo fluxo", disse a Academia.

A estreia da autora foi em 1974, com o romance "Les Armoires Vides", que não foi lançado no

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Brasil. Ela só obteve reconhecimento interna cional após a publicação de "Os Anos", em 2008, com o qual ganhou o prêmio Renaudot. Sobre este livro, a Academia disse que "é seu projeto mais ambicioso, que lhe deu uma reputação in ternacional e uma série de seguidores e discí pulos."

grande responsabili dade testemunhar, não necessariamente em termos de escrita, mas testemunhar com preci são e justiça em relação ao mundo", disse a es critora em entrevista à emissora sueca SVT. Ainda segundo a agên cia de notícias, a autora já tinha dito anterior mente que escrever é um ato político, abrindo os olhos para a desigualdade social. "E para isso ela usa a linguagem como 'uma faca', como ela chama, para rasgar

os véus da imaginação", disse a Academia. A escritora é uma das convidadas da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano. Ela participará da mesa Diamanto Rubro, ao lado de Veronica Stigger, no dia 26 de no vembro. A Flip começa em 23 de novembro. Entre a centena de ho mens, o Prêmio Nobel de Literatura foi concedido a dezessete mulhe res desde 1901. A pri meira delas foi Selma Lagerlöf, em 1909.

A RECEBER PRÊMIO

Annie é a primeira mu lher francesa a ganhar o Prêmio Nobel de Litera tura. Segundo a agência de notícias Reuters, a escritora disse que vencer era "uma responsa bilidade". "Fiquei surpresa. É uma

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PRIMEIRA FRANCESA

POESIA UNIVERSAL

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POESIA FERNANDO PESSOA

CRUZ E SOUSA PARA TODOS

Projeto de Joinville traduz poesias de Cruz e Souza para língua de sinais Iniciativa procura dar acessibilidade à deficientes auditivos e visuais

estudar um pouco mais de libras - comentou Robson em entrevista à NSC TV Joinville.

A obra retratada traz a relação da escrita poética com a morte, que era vi venciada por Cruz e Sou za, e observada por ele no comportamento das pessoas em relação à morte. Núbia Amorim pontua que a ideia do projeto é estabelecer a igualdade na compreensão das obras do poeta catarinense.

Visando a acessibilidade para as pessoas com defi ciência visual ou auditiva, o projeto “Cruz e Sousa para Todos”, de Joinvil le, chama a atenção pela inovação. A iniciativa permite que os interessa dos se aprofundem na obra “Últimos Sonetos”, livro formado por 96 poemas do escritor catarinense Cruz e Sousa. Entre os integrantes do projeto estão: o ator e

idealizador do projeto, Robson Benta, e os in térpretes Darley Goulart e Núbia Amorim. Eles fazem o trabalho de narrar e comunicar os poemas por libras. O material está disponível no canal do Youtube — O desafio é muito grande, porque as pessoas surdas não podem falar português, mas nós podemos falar libras. Então, nós ouvintes deveríamos

— Foi um projeto que abriu a mente de muita gente por aí, por que é puro soneto e poesia, além de trazer reflexões profun das — explica.

A primeira edição lançada no ano passado contou com um conjunto de 48 poemas de Cruz e Sousa. Na segunda edição, são apresentados os outros 48 textos que formam o livro Ultimos Sonetos do artista.

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GRANDES POETISAS BRASILEIRAS

HILDA HILST

AMAVISSE

Como se te perdesse, assim te quero. Como se não te visse (favas douradas Sob um amarelo) assim te apreendo brusco Inamovível, e te respiro inteiro Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses, A mim me fotografo nuns portões de ferro Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima No dissoluto de toda despedida. Como se te perdesse nos trens, nas estações Ou contornando um círculo de águas Removente ave, assim te somo a mim: De redes e de anseios inundada.

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PREMIAÇÃO LITERARIA JORGE AMADO SEM PRÊMIO NOBEL

Meio século depois a Aca demia de Estocolmo, na Suécia, responsável pelas concessões do Prêmio Nobel em várias categorias – Medicina, da Paz e Literatura, entre outros – abriu os arquivos relacionados aos indicados ao Nobel de Literatura de 1971. De acordo com a repórter Kaj Scheveler, do jornal sueco ‘Suenska Dagbbladet’, o escritor brasileiro Jorge Amado (1912-2001) enca beça a lista dos autores que poderiam ser agraciados naquele ano. Na verdade, Amado é o segundo nome que apareceu na plenária que deliberou o prêmio para o poeta do Chile, Pablo Neruda (1904-1973).

A vida e obra de Neruda pode ser vista no filme ‘O carteiro e o poeta’ ou no longa ‘Neruda’, disponível no serviço de streaming Netflix.

A lista completa está cir culando entre site s especializados em literatura e o que chama atenção é a presença de uma única es

critora na indicação. Tra ta-se da poeta e tradutora estoniana Marie Under (1883-1980), que chegou a ser indicada oito vezes ao Nobel de Literatura. Under ajudou a fundar a União Estoniana de Escritores. Outro indicado injustiçado pela academia sueca e que também aparece na lista de 1971 foi o argentino Jorge Luís Borges (1899-1986). Ainda entre os indicados, está outro escritor sul-a mericano, o peruano José Maria Arguedas (19111969), autor de ‘Os rios profundos’ (1958). Também de Porto Rico, aparece o poeta Evaris to Ribeira Chevremont

(1890-1976), de Cuba, Ale jo Carpentier (1904-1980) e o romancista inglês de grande êxito editorial, Graham Greene (19041991), autor de ‘O expresso do Oriente’, ‘O poder e a glória’ e ‘Nosso homem em Havana’, entre outros. Escritores dos Estados Unidos foram indicados naquele ano, entre eles James Baldwin (1924-1987), de ‘O quarto de Giovanni’, o dramaturgo Arthur Mil ler (1915-2005), o também dramaturgo Tennesse Wil liams (1914-1983) de ‘Um bonde chamado desejo’ e o ‘veterano’ na época Ezra Pound, que morreria no ano seguinte, 1972.

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POESIA

PIERRE ADERNE

FADO TINTO

O Tejo transformou-se em vinho

Subiu as sete colinas

Inundou as esquinas

Os faróis, as azenhas, os moinhos

As rias, as travessas, os rossios

O mosto, as grainhas, os engaços

Alfama, bairro alto, os abraços

As andorinhas elétricas nos fios

A casa da severa, a Mouraria

Os olhos pretos, a saliva

Numa praça barco negro à deriva

A tristeza inebriar-se de alegria

O vinho a sair pelas torneiras

A brotar pelos bueiros

A cair dos chuveiros

A correr pelas ruas e ladeiras

Lisboa embebedou-se dos amantes

Presos em suas garrafas

Água tinta a sair pelos hidrantes

Para tantos corações, de muitas safras.

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DIANA CARVALHO

DIA MUNDIAL DO ESCRITOR

do leitor”, refere.

Já Paulo Rebelo Gonçalves, responsável pelo Gabinete de Comunicação e Imagem da Porto Editora revela que as “editoras são fundamentais para a promoção do livro, da leitura e do conhe cimento” e que não sente a mesma distinção.

O PAPEL DAS EDITORAS

O Dia Mundial do Escritor celebra-se no dia 13 de outubro. Apesar do papel fundamental do escritor na autoria dos livros, muitos leitores ainda o veem como o único responsável pela criação literária. Conversa mos com duas editoras portuguesas sobre os autores de um livro, dos ilustradores aos revisores e aos desig ners. É interessante para o escritor brasileiro ver como funcionam mecanismos para publicação em outro país de língua portuguesa, já que temos mais ou menos os mesmos problemas e so

luções. E o que for diferente e puder ajudar, é bem-vindo. A Paleta de Letras é uma editora vocacionada para o universo infantojuvenil. Pedro Seromenho, o autor do projeto, fala sobre a valo rização do papel das edito ras, ilustradores, designers e outros intervenientes, em relação à do escritor. “Su cintamente, é esta frase: o escritor vende mais e melhor do que o ilustrador. Se eu for [apresentar o livro] como ilustrador, eu não consigo vender o livro como o es critor vende. Isso ainda está enraizado na mentalidade

Para Pedro Seromenho, o papel das editoras é esta rem atentas “às novidades, aos valores emergentes, aos autores, escritores, ilustradores, contadores de histórias”, entre outros pon tos essenciais. O processo da editora passa tanto pela criação de raíz como pela procura de novidades nos mercados internacionais para trazer para Portugal. “Aqueles livros que real mente nos tocam, nos fazem vibrar, apaixonar, tentamos comprar os direitos de autor, para produzir e para editar e distribuir em Portugal. Te mos esse pequeno orgulho

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de trazer títulos fantásticos que estão hoje no mercado e que descobrimos noutros países e noutras editoras”, sublinhou.

Além disso, fazem ainda o ato inverso: quando criam um trabalho de raíz, ten tam exportá-lo para outros países sempre que possível.

A pandemia veio também trazer algumas alterações a este processo na Paleta de Letras. “Tivemos de nos adaptar às plataformas digitais, mas o processo e a intenção continuam a ser os mesmos, que é pegar numa ideia, numa ideia que pode ter sucesso, e trabalhá-la com o texto, com a ilustra ção, com o design, com a parte gráfica… Tudo isso contribui para que o produto final seja um objeto mágico que é o livro“, finaliza Pedro

Seromenho.

Segundo Paulo Rebelo Gon çalves, “as editoras cuidam dos autores e dos seus originais”. Com profissionais es pecializados em diferentes áreas, “são importantes para dar corpo ao trabalho criati vo do autor”. “Uma editora profissional inclui inúmeras valências que existem para apoiar os autores, para os promover e às suas obras”, acrescenta.

sumo que tinha o nome na capa e o que potencialmente vendia o livro, era o seu nome e a sua autoria. Aliás, o ilustrador nem aparecia na capa, o ilustrador era um mero decorador a quem era dado o texto para decorar”, explica.

No entanto, o escritor e ilus trador refere que o conceito de ilustração mudou e esta arte “ganhou vida própria”. “O ilustrador já não só decora, mas recria a história à sua maneira, é por isso que por vezes temos livros que contam as histórias só pela imagem, porque o ilustrador reconta através da ilustra ção”.

Em relação a outros mo mentos da produção dos livros, como a edição ou o design, Pedro Seromenho também refere que já são mais valorizados do que eram antigamente, apesar de a maioria dos leitores ainda não conseguir perceber bem o seu papel. “Não digo que é subestimado, mas o fato

RESULTADO FINAL

No panorama geral, Pedro Seromenho pensa que a distinção entre os vários autores de um livro já não é tão grande atualmente. “A sensação que eu tenho do mercado é que há umas décadas sim, o autor da obra era o escritor, era o supras

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de as pessoas não conseguirem concretizar esse nível abstrato quando pegam num livro, não as faz perceber o trabalho que aquilo dá, não conseguem assimilar o papel do revisor, do editor, assim de imediato”, refletiu. O autor afirmou então que é nesse ponto que, especial mente em Portugal, “em certos casos, o escritor ain da é o autor, ainda é a pessoa que alavanca o projeto“. Isto deve-se muito à imagem comercial, diz o escritor e ilustrador. Para Seromenho, a melhor forma de conscien cializar o leitor desse trabalho é através da formação,

com workshops e mediação. “Acho que esse trabalho só pode ser feito através da me diação da leitura. É muito importante o mediador da leitura”, sublinha.

Por sua vez, a Porto Editora não sente qualquer desva lorização em relação aos escritores. “Pelo contrário: o que registro da parte dos muitos milhares de leitores que temos dos nossos livros é uma estima enorme, uma ligação afetiva fortíssima, uma confiança sólida”, refe re Paulo Rebelo Gonçalves.

A IMPORTÂNCIA

DAS EDITORAS NA AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS OBRAS

Pedro Seromenho acredita que, sem as editoras, “haveria um decréscimo abrupto de qualidade dos livros em livraria, porque a editora assegura um nível maior de qualidade”. O autor revela que poderiam existir as chamadas “edições de autor”, mas que, sem o filtro e a ava liação da editora, os livros podem perder “a qualidade que o leitor merece”.

Já Paulo Rebelo Gonçal ves destaca ainda que “as editoras são fundamentais para a promoção do livro, da leitura e do conhecimento. Do seu trabalho e do seu investimento resulta, em grande medida, a emergência de todos os grandes nomes da literatura, bem como de autores ligados a inúmeras áreas do saber. As editoras dão dimensão ao trabalho criativo e científico dos autores.

Nota do editor: no Brasil existem, atualmente, profissionais que fazem edição de livros sem terem ligação com editoras. Eles fazem todo o trabalho de edição e entregam ao autor os arquivos de arte final prontos para imprimir. O autor só precisa escolher a sua gráfica preferida para imprimir a sua obra. E o resultado é muito bom, equivalente ao trabalho que as editoras estabelecidas vêm fazendo.

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POESIA

LORENA ZAGO

INFÂNCIA

Tempo de pureza e magia, De alegrias e sonhos encantados, Folguedos e sorrisos enlaçados, Esperança de um porvir iluminado.

Tempo do amor e da confiança, Do sorriso lindo de criança, Da simplicidade e transparência, Do olhar em forma de poesia Clamando por compreensão e segurança.

Tempo de fitas no cabelo, Lábios borrados de batom, Bonecas e carrinhos perfilados, Amigos fidedignos acarinhados, Lembranças para sempre Gravadas no intelecto e corações!

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NEUSA BERNARDO COELHO EVOLUÇÃO ESTÉTICA

Um diálogo entre o pas sado e o presente retrata os contrastes e nuances culturais em 500 anos de história da sociedade brasileira. Da missão francesa no Brasil co lônia, à manifestação artístico-cultural da Se mana da Arte Moderna, passando pelo marco da Independência do Brasil, chega-se ao deslumbre da Arte Contemporâ

nea. As transformações sociais iniciam muito antes, com o advento da Revolução Industrial, repercutindo profundas mudanças na economia, nas relações de trabalho e no estilo de vida. As guerras, os avanços tec nológicos, descobertas científicas, dentre outros, alteram as relações entre o homem, a arte e a natureza.

O mundo artístico ques tiona novos padrões com os movimentos de vanguarda: Expressio nista, Fauvista, Cubista, Futurista, Dadaísta, Surrealista. Nesse con texto, o conjunto da arte é influenciado nos diversos gêneros artísti cos-culturais. No Brasil, essa nova estética é evidenciada na “Semana de 22” por um grupo de in telectuais ao refletir so bre a renovação cultural apresentada no Teatro Municipal de São Paulo, marco do Modernismo brasileiro. Pautada sobre a realida de do país, apresentam dança, música, recital de poesias, exposições e palestras. A proposta de ruptura nas estrutu ras até então existentes, enaltece a identidade brasileira, resgata as raízes culturais sobre o índio, o negro, o caboclo, os trabalhadores, a fim de despertar refle xão no cotidiano da vida

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Atomium em Bruxelas

social do país. Analisar desenhos e pinturas de “Debret”, marcante pin tor no Brasil colonial, e obras de outros artistas, estimulam a leitura crí tica sobre cada época em que foram feitas, reflo

resce a emoção estética. Vista por diversas face tas, a vida imita a arte e a “Arte Rege a Vida” acentuada na ambiguida de contemporânea, onde o conceito de belezas visuais com inclusão so

cial, são atitudes consi deradas nobres. Segundo Platão, “a beleza de um ser está na intensidade de comunicação com uma beleza suprema e o belo se identifica com o bom”. Neste sentido, a natureza é um bem esté tico universal, e o sujeito bom aquele comprometi do com a ética, mani festada numa relação de respeito com o próximo, além da preservação das paisagens cênicas naturais, conservação da biodiversidade, de hábitats e ecossistema s, que alimentam a arte para as presentes e futuras gerações.

O livro O VALE DAS ÁGUAS, seleção de crônicas sobre Corupá, a Cidade das Cachoeiras, com muitas fotos e cores ilustrando os textos, está à disposição, na Amazon. Veja no link https://amz.run/4LtO .

Se você conhece Corupá, vai gostar de relembrar e rever as belezas da cidade. Se não conhece, vai gostar de conhecer as belezas do Vale das Águas.

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Pintura de Debret

URDA ALICE KLUEGER

DIAS FELIZES NA CHEGADA DA PRIMAVERA

aconteceu ontem, na noite que passou Tereza e Zor rilho dormiram um sono só e, com certeza, foi o que aconteceu com Apolo também!

O vizinho seu Carlinhos está fazendo uma obra na casa dele e seu filho veio ajudar e trouxe junto o cachorro Apolo. Não faz muito tempo (dois anos? três anos?) que o Apolo era só um filhotinho, mas hoje está um cachorrão de respeito, e quando aparece para uma visita, põe este mundo em que eu vivo em polvorosa.

A bem da verdade, está -se a viver um mundo em polvorosa por conta das eleições de daqui a poucos dias e até teve um atentado numa escola nesta manhã aqui no meu município,

mas a presença do Apolo permite desafogar um pou co e dar um ar de normali dade à vida. Vou tentar contar por par tes: quando chega aqui, os primeiros cachorros que o Apolo vê são os meus, isto é, Tereza Batista e Zorrilho do outro lado da cerca, e então ele e os meus latem furiosamente e correm cerca afora por um dia inteiro, até não so brar nenhuma mudinha de nada no canteiro comprido contíguo à cerca, tudo esmagado pelas patonas de Tereza, e estarem to dos exaustos. Como isso

Esse movimento desusado, no entanto, chama os ca chorros do seu Moisés para a folia (eles são OITO) e eles se postam à cerca a latir também, desde a meiga e pequena Dora até a grandona e poderosa Loba. Daí, todo o resto da rua se anima também e se podem ouvir até os cachor ros invisíveis, como o do seu Totinha, que mora no final da rua, e outros dois que a gente nunca vê, pois vivem atrás de muro alto, do lado do seu Totinha, e o do vizinho do seu Moisés, que também vive invisivelmente no seu jardim – daí, se se atravessa a rua, há o Toddy do seu Wilson e da Ana, o único daquela ninhada de 8 filhotes que nasceu por aqui em setembro passado, e vizinho a ele vive a Esmeralda, a ca chorrinha da Preta. A Pre

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ta vive em Florianópolis, e a Esmeralda é alimentada pela Ana, pelo seu Totinha e por mim. Em seguida vêm as 3 cachorras do Tia go, e há uma comunicação através de frestas de cercas de toda essa gente com o Apolo. Não se pode esque cer do Paçoca, também do Tiago, mas a liderança da praia, que anda por todos os lados e manda quase em todo o mundo. Por último, vem a Sofia, que é da Preta Gaúcha, que não é a mesma Preta que é tutora da Esmeralda, e em bora não a tenha ouvido, imagino que ela não conse guiu ficar sem latir, ontem, com toda essa turma em polvorosa.

Então ontem foi um dia grandioso, saudando a chegada da Primavera, e foi possível não pensar nas eleições nem em todas as barbaridades que estão a

acontecer pelo país, vi vendo através do alegre mundo dos cachorros!

De quebra, meu gatinho Huguinho tentava caçar qualquer um deles, pois está naquela idade em que os gatinhos aprendem a caçar e tudo é lucro na sua vidinha!

Hoje o Apolo continua aqui, mas ninguém se im porta mais com ele. Foi aceito pela comunidade. É assim no mundo dos cachorros. Pena que os humanos não tenham essa galhardia e cometam tra gédias enquanto se negam à democracia. Vou ter que voltar a pensar nas eleições!

(Sertão da Enseada de Brito, 22 de setembro de 2022.)

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GRANDES POETAS BRASILEIROS

MARIO QUINTANA DORME, RUAZINHA

Dorme, ruazinha... É tudo escuro...

E os meus passos, quem é que pode ouvi-los?

Dorme o teu sono sossegado e puro, Com teus lampiões, com teus jardins tranquilos... Dorme... Não há ladrões, eu te asseguro... Nem guardas para acaso persegui-los...

Na noite alta, como sobre um muro, As estrelinhas cantam como grilos...

O vento está dormindo na calçada, O vento enovelou-se como um cão... Dorme, ruazinha... Não há nada...

Só os meus passos... Mas tão leves são Que até parecem, pela madrugada, Os da minha futura assombração...

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A FESTA DA LITERATURA NO LANÇAMENTO DA ANTOLOGIA “ESCRITORES DO BRASIL”

O Grupo Literário A ILHA e a sua revista SUPLEMENTO LITERÁRIO A ILHA fizeram mais um aniversário: completa ram e comemoraram, com seus escritores, 42 (quarenta e dois) anos de atividades literárias e culturais, 42 anos de existência e resistência, sem nenhuma ajuda de órgãos oficiais que, diga-se de passagem, deveriam apoiar ini ciativas em prol da divulgação das letras de nosso Estado e do país e a incentivação do hábito da leitura. Então, foram convi

dados os escritores do Grupo mais assíduos em nossas publicações – a revista Suplemento Literário A ILHA e a nova revista Escritores do Brasil - e idealizamos uma nova antologia para comemorar a longevidade e a perenidade do nosso grupo literá rio e da revista mais antiga. E 32 escritores se habilitaram, talvez uma terça parte de Grupo, e não pode ríamos incluir todos, mesmo, pois daria um volume de mais de

quinhentas páginas. Pensamos que não é justo para o leitor ler apenas uma página de cada autor em uma antologia, pois é muito pouco para ter uma ideia da obra de cada um; seria necessário pelo menos umas seis páginas. E talvez ainda seja pou co. E foi esse número de páginas que adotamos e ficaria uma obra muito massuda se estivessem todos juntos de uma só vez. Outras coletâneas virão e todos poderão

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Da esquerda para a direita, no alto: Eloah Westphalen Naschenweng., Renata Dal-Bó, Neusa Bernardo Coelho. Sentados: Sonia Pilon, Luiz Carlos Amorim, Maura Soares e Dr. Enéas Athanázio.

ser contemplados. E é importante que assim seja. Queremos registrar um trecho da obra de todos os nossos escritores em volumes mais alentados, mas não exageradamente grandes: o ideal é uma amostra que dê para saber como cada escritor escreve, como é o seu estilo, sua maneira de ver o mundo, sua capacida de de criação. De maneira que a an tologia ficou pronta e, muito a propósito, a cidade de São José, na Grande Florianópolis, anunciou a realiza ção da sua primeira Bienal do Livro. Sem nem mesmo ter o li

vro impresso, ainda, entramos em contato com a organização da Bienal e agendamos o lançamento da cole tânea ESCRITORES DO BRASIL. Então, no dia 9 de setembro, o Grupo

Literário A ILHA estava na Bienal, num espaço amplo, onde recebemos nossos escritores e leitores. Foi um sucesso, uma reunião fantástica, uma festa literária que nos possibilitou a todos rever nossos pares, mais que isso, nossos amigos e conhecer escritores com quem conversávamos pela internet, mas não conhecíamos pessoalmente, por causa do hiato que a pandemia causou, por mais de dois anos. Um encon

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Escritores Eliane Debus, Luiz Carlos Amorim, Prof. Celestino Sachet, Dr. Enéas Athanázio. Escritores Maria de Fátima Barreto Michels, Eliane Debus, Sonia Pilon, Luiz Carlos Amorim, Maura Soares e Eloah Westphalen Naschenweng.

tro meritório, com a presença de autores ícones da literatura catarinense e brasilei ra, como o professor Celestino Sachet e Dr. Enéas Athaná -

zio. O primeiro, o grande pesquisador e divulgador da lite ratura que se produz em Santa Catarina e o segundo, o grande contista e ensaísta da nossa terra catarina, o prosador das coi sas de nosso Estado. Urda Alice Kueger, a grande romancista de Santa Catarina e do Brasil, não pode com parecer, infelizmente. Foi uma alegria reunir tantos escritores numa mesma obra e reunir tantos deles na Bienal do Livro

de São José, para um congraçamento belíssimo. E grandes alegrias se sucede ram, pois dois filhos da querida e saudosa Aracely Braz, a escritora com mais de noventa anos que participava de tudo e escrevia sempre, mais do que muito jovenzinho que não tinha um terço da sua idade, compareceram ao evento do Grupo Literário A ILHA. Foi muito gratificante ter um pouco da queridís sima Aracely no lan çamento da antologia que era, também, uma homenagem “in me -

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Alguns escritores das fotos anteriores, e a esposa do Dr. Athanázio, à esquerda e Cláudia, filha da poetisa Aracely, à direita. Professor Celestino Sachet, autografando suas páginas na antologia ESCRITORES DO BRASIL. Luiz Carlos Amorim autografando seu “O VALE DAS ÁGUAS” para a escritora Maura Soares.

morian” a mãe deles, uma das principais escritoras do Grupo, que participou desde o seu início, há 42 anos. Obrigado, Cláu dia e Claudionor, pela presença de vocês, que nos deixou ainda mais felizes. É como se Aracely estivesse lá, também, com a sua poesia imortal e a presença valiosíssima de seus filhos. Não poderíamos deixar de

contar com a poesia de Aracely nessa antologia de aniversário do Grupo do qual ela participou tão ativa mente. Então foi uma noite de festa para a lite ratura na Bienal do

Algumas das escritoras do Grupo Literário A ILHA com o Dr. Enéas Athanázio, um dos grandes prosadores de SC.

Livro de São José. Agradecemos a todos os organizadores da grande realização literária, por poder mos, nós do Grupo Literário A ILHA, fazer parte dessa ini ciativa tão meritória, tão importante para escritores e leitores de Santa Catarina. Obrigado por nos ajudar a comemorar os 42 (quarenta e dois) anos de perenidade do Grupo Literário A ILHA e de sua revista Suplemento Literário A ILHA.

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Claudionor e Cláudia, filhos da saudosa escritora Aracely Braz e Luiz C. Amorim

POESIA

ELOAH WESTPHALEN NASCHENWENG

NA NOITE DE VERÃO… SONHO

O luar enche o mar...

Na noite amena de verão, eu sonho. Vejo, maravilhada, a beleza passar pela imensidão do universo, impelida pelo luar encan tado, mergulhado no mar sedento, desafiando as ondas na sua fosforescência. Sopra morno e lento o vento e, na bruma, a lua deusa da noite espia lívida e pálida no céu noturno marchetado de estrelas.

Andarilhas vagantes em lugar incerto, as estrelas moribundas se refugiam impulsionadas pela luz no martelar das vagas, recriando matizes e brilhos.

O meu olhar amarra-se ao infinito e à cálida noite de verão, como se o tempo fosse indivi sível e eterno.

A beleza esmaga-me e vence-me entre as asas da luz e ondula pelo meu rosto em graça fluente e benfazeja.

Pés descalços na água rasa, solto os pensamentos que correm prenhes de melancolia, sustentados pela viva emoção, entre o desejo e a espera.

Exilada do mundo aquieto-me diante da magia que atravessa a mística natureza para

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depositar na alma o impulso vicejante do sonho, que clama e livre assoma.

A vida entregue à beleza, passeia absoluta na noite, guardando na sua essência os seus segredos.

Sei que é de sonhos que o coração se alimenta e abre os recessos da alma, para torná-lo mágico e delicado como uma canção de amor.

Por um instante, tal qual Titânia, a rainha das fadas, na peça de Shakespeare “Sonhos de uma Noite de Verão”, em pleno devaneio, crio uma nova identidade penetrando num sonho povoado por elfos, fadas e outros seres encantados para beber a poção da flor mágica do amor e fazer do sentimento obscuro - esplendor.

Irrequieta, em muda vigília, arrasto-me na distorcida linha do tempo. A geografia dos sentimentos segue os mesmos caminhos e os vestígios da fantasiosa beleza que o amor encarregou-se de transformar, mas não de apagar. Então te vejo nas minhas vontades, no meu clamor, no meu sonho revestido de magia e mesmo que tão diferente - na sua delicadeza e na sua efemeridade-, agarro-me ao sonho e dou luz ao tempo para dourar a fantasia.

Na grandeza do sonho, vou deixando a ilusão alcançar o chão sólido nas cores vívidas sopradas pelo vento em acalanto. Abro-me para a vida – o espírito soergue-se.

Um novo mundo crio.

Transfigurada e muda, toco o infinito.

( Do Livro “ Porque hoje é domingo”)

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HILDA CHIQUETTI BAUMANN

COM PALAVRAS

Quanto se pode fazer com palavras? O que podemos fazer para que elas tenham significado? Quando eu fizer setenta anos não quero ter vergonha do que fiz com as palavras. Espero que o sentido que dei a elas não me acanhe Quero que a minha memória possa se orgulhar Quando eu fizer setenta anos.

UM RIO

Há muito tempo quando o mundo era jovem sonhei em ser rio eu não cheguei lá ainda sou só palavras no papel sou quase árvore que fixa as raízes entre as pedras vivendo ajudada pela água dando significado à palavra esperando um dia ser rio.

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REVISTA MUSEU

CASA DA LITERATURA CATARINENSE POETA CRUZ E SOUSA EM FLORIANÓPOLIS

A Casa da Literatura Cata rinense Poeta Cruz e Sousa funcionará de segunda a sexta-feira, das 13h às 18h.

O endereço é Praça XV de Novembro, esquina com a Rua Victor Meirelles, no centro de Florianópolis.

A Fundação Catarinense de Cultura inaugurou, no mês de setembro, a Casa da Literatura Catarinense Poeta Cruz e Sousa , localizada ao lado da Pra ça XV de novembro, no centro da Capital A abertura contou com a presença do público, escritores e sessão de au tógrafos. O local cumprirá uma tripla função: será um espaço para lançamentos de livros e sessões de autógrafos, terá obras de escritores catarinenses à disposição para leitura no próprio ambiente e

contará, evidentemente, a história de Cruz e Sousa. A intenção da FCC, além de oferecer um espaço aos escritores catarinenses, é honrar o nome e a história do poeta, integrando um espaço vizinho ao Palácio que leva seu nome, ao mural dedicado ao Cisne Negro e ao Busto locali zado na Praça XV de No vembro. Como se trata de uma Casa de Literatura, haverá estantes com livros de autores catarinenses à disposição do público visi tante para leitura e consul ta local.

Na ocasião, a Editora Cruz e Sousa lançou o livro "Nós, vovó e os livros", que marca a entrada da educadora Maria Apareci da Rita Moreira e da ilus tradora Jéssica Policarpo no campo da literatura infantil. Fruto do Prêmio Elisabete Anderle de Es tímulo à Cultura de 2021, o livro narra em primeira pessoa o gosto do pequeno Arthur pelas histórias in fantis mediados pela vovó Cida, autora e personagem do livro, em cenários re

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Foto: divulgação/FCC Foto: divulgação/FCC

pletos de livros e fantasia. Vó Cida na companhia dos pequenos Davi e Arthur compõe os personagens dessa história. Houve, ainda, sessão de autógrafos com a organizadora do livro "Triolé, Triolé, poemas de Cruz e Sousa vamos ler", Eliane Debus, e a ilustradora Anelise Zimmermann. A obra reúne 20 poemas do escritor com a estrutura do triolé, estilo de escrita com rimas e formas fixas, de origem francesa, datado do século XIII.

João da Cruz e Sousa nas ceu em 24 de novembro de 1861, em Nossa Senhora do Desterro, atual Floria nópolis. Era filho de Gui lherme e Carolina Eva da Conceição, negros liber tos. Foi apadrinhado pelos antigos proprietários de seus pais, o Marechal Gui lherme Xavier de Sousa, que faleceu ainda durante a infância do poeta, e sua esposa Clarinda Fagundes de Sousa, uma das responsáveis por sua educação. O poeta casou-se com Ga vita Rosa Gonçalves, com

quem teve quatro filhos.

Os três primeiros faleceram precocemente por tuberculose, o que deixou sua esposa em estado de demência em 1896. Foi o escritor quem cuidou da mulher em casa e esse é um dos temas de muitos de seus poemas. Em 1897, o poeta foi diagnosticado tuberculoso e passou a lutar contra a doença e a pobreza.

Com o avançar da doença, buscou tratamento em Sítio, Minas Gerais. Três dias após chegar, faleceu em 19 de março de 1898. O corpo foi "despachado" para o Rio de Janeiro num

vagão de trem para trans porte de gado – situação um tanto vexatória, se for levada em consideração a sua fama naquele momen to. Foi recebido por seus amigos próximos e enter rado no Cemitério de São Francisco Xavier. O filho mais novo nasceu após a morte do poeta, restando, assim, apenas um descen dente. Sua esposa faleceu em 1901, também de tuberculose.

Entre seus trabalhos mais famosos, estão Missal, Broquéis e Tropos e Fan tasias , além de publica ções em jornais e obras póstumas.

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GRANDES POETAS BRASILEIROS

CRUZ E SOUSA

DE ALMA EM ALMA

Tu andas de alma em alma errando, errando, como de santuário em santuário. És o secreto místico templário as almas, em silêncio, contemplando.

Não sei que de harpas há em ti vibrando, que sons de peregrino estradivário que lembras reverências de sacrário e de vozes celestes murmurando.

Mas sei que de alma em alma andas perdido, atrás de um belo mundo indefinido de Silêncio, de Amor, de Maravilha.

Vai! Sonhador das nobres reverências!

A alma da Fé tem dessas florescências, mesmo da Morte ressuscita e brilha!

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MATÉRIA DE CAPA

SITE DA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO, CATARINENSE NA ABL

A cerimônia de posse do es critor e professor Godofredo de Oliveira Neto foi realizada no dia 2 de setembro, às 20h, no Petit Trianon, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Centro do Rio. O evento foi transmitido ao vivo pelo site da ABL e pelo canal de Youtube da Instituição. Godofredo de Oliveira Neto passa a ocupar a Cadei ra 35 da Academia Brasileira de Letras, sucedendo ao Acadêmico Candido Men des, que faleceu no dia 17 de fevereiro de 2022. Os ocu pantes anteriores da Cadeira 35 foram: Rodrigo Octavio

(fundador) – que escolheu como patrono Tavares Bas tos - Rodrigo Octavio Filho, José Honório Rodrigues e Celso Ferreira da Cunha. Eleito para integrar a ABL no dia 9 de junho de 2022, Godofredo de Oliveira Neto é romancista e contista. Autor de diversos livros e artigos para jornais e periódicos, tendo sido premiado com uma estatueta do Prêmio Jabuti em 2006. Em seu discurso de posse, o Acadêmico citou alguns dos valores fundamentais para a construção de um país isento de preconceitos:

"A condição humana é assim estruturada, não há outro suporte, mas há maneira de suavizá-la. E há escolhas, como bem o sabem, senhoras e senhores acadêmicos. Escolhas necessárias, fun damentais e estruturantes que exigem – se desejarmos uma nação ciente do seu ca minho civilizatório – exigem banir o preconceito étnico, o preconceito religioso, o antissemitismo, a misoginia, a homofobia, o etarismo, a violência e o preconceito de gênero, o racismo – vidas negras e vidas indígenas im portam, vidas e integridade das mulheres importam! Esse encontro do Brasil com a nação brasileira é medular para o despontar da paz e da harmonia", ressaltou o Acadêmico e escritor em seu discursso de posse.

Godofredo ainda destacou a importância do estudo da relação entre realidade e linguagem como fundamento para a aquisição do conhecimento. Para exem plificar esse legado, ele citou

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os atecessores da Cadeira 35: "Candido Mendes abraçava a formação religiosa como um alto valor educativo. A força espiritual capaz de trazer à tona, a homens e mulheres, a virtude e a renúncia a des vios éticos. Capaz de serenar a inquietude e o desconsolo da condição humana. Capaz de alterar o sentimento de abandono para um mundo de paz, de enlevo e de fe licidade. Celso Cunha alia à exímia especialização do cientista do século XX premido pela velocidade do conhecimento científico e técnico, a memória, a razão e a imaginação dos enciclo pedistas do século XVIII", completou.

O ACADÊMICO

Godofredo de Oliveira Neto nasceu no dia 22 de maio de 1951 em Blumenau, Santa Catarina. Graduou-se em Letras pela Universidade de Paris III, França (1976), onde também realizou seu mestrado em Letras (1979). É

Doutor em Letras pela Uni versidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (1989). Pos sui graduação em Relações Internacionais pelo Instituto de Altos Estudos Internacio nais da Universidade de Paris II, na França. É pós-Doutor em pesquisa na Georgetown University, Estados Unidos (2012). Atualmente é profes sor do Departamento de Le tras Vernáculas, da UFRJ, e pesquisador na área de Literatura Brasileira com foco no Modernismo Brasileiro e na Literatura Contemporânea. É autor de 21 livros e escre ve, ainda, artigos para jor nais e periódicos do Brasil. Romancista e contista, chegou a ser premiado com uma estatueta no Prêmio Jabuti, em 2006. Seus romances “Menino oculto” e “Amores Exilados” foram traduzidos para o francês e foram lançados no 35° Salão do livro de Paris-2015. O seu livro

“Ana e a margem do rio” foi publicado na Bulgária e recebeu no Brasil o selo de “Altamente Recomendável”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Foi professor de Literatura e Cultura Brasileiras na Universidade de Paris III - Sorbonne-Nouvelle (19821984) e professor-visitante de Literatura Brasileira na Uni versidade de Veneza - Ca’ Foscari, em 2018. Foi presi

dente do Conselho Científico do Instituto Internacional de Língua Portuguesa da CPLP com sede na cidade da Praia, Cabo Verde (2003-2006). É Pesquisador Associado do Programa Avançado de Cul tura Contemporânea / PACC - UFRJ e integra o comitê de pesquisadores da Col lection Archives/UNESCO. Foi pesquisador do Projeto Internacional IC4 - Línguas Românicas (1993 a 2000), com sede na Universidade de Aarthus, Dinamarca. É pesquisador associado do Centro de Pesquisas sobre países lusófonos (CREPAL), da Université Sorbonne Paris III desde 2017.

Exerceu cargos administra tivos na área da educação, como Pró-Reitor de Gradua ção da UFRJ (1990-1994); Coordenador do setor de literatura brasileira da UFRJ - (1995-1997); Coordenador do Fórum de Ciência e Cul tura da UFRJ (2003); Diretor do Departamento de Política do Ensino Superior do MEC/ SESU, Brasília (2004-2007); Subsecretário de Educação do Estado do Rio de Janei ro-2007). Foi coordenador do Programa de Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Faculdade de Letras/UFRJ (2011-2013). Possui a Medalha Euclides da Cunha concedida pela Academia Brasileira de Letras em 2009.

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ENTREVISTA

GODOFREDO DE OLIVEIRA NETO, ANTES DA ABL

Godofredo de Oliveira Neto é o escritor cata rinense que ocupou a Cadeira 35 da Academia Catarinense de Letras. É graduado e mestre em Letras pela Université de Paris III - Sorbonne - Nouvelle, doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Ja neiro e Pós-Doutor com pesquisa na Georgetown University. Diplomado pelo Instituto de Altos Estudos Internacionais da Universidade de Paris II Sorbonne. O professor é também Romancista e Contista premiado pelo Jabuti e integra o Guia Conciso de Autores Brasileiros publicados pela Biblioteca Nacional. Autor de dezenas de li

vros e detentor de diver sas medalhas, o professor Godofredo, com simpli cidade e generosidade proporcionais ao seu im pressionante currículo, nos cedeu, esta bela entrevista. Concedida antes da posse na ABL. Pergunta: Em que senti do a crise permeia a arte, e como este processo se dá?

Godofredo Oliveira Neto – Acho que cabe aqui primeiro relembrar que a literatura é o locus onde se universalizam e perenizam os conflitos históricos de uma época - o conflito pode ser de ideias e de filosofias e de sentimentos. Mas não se deve esquecer a espe cificidade da linguagem da literatura, que é, antes de mais nada, uma arte. Fatos da sociedade são trazidos para a literatura. O instrumental mental e estilístico de um escritor tem a ver com o seu momento. É falsa a ideia de que o escritor é um ser ungido por Deus. Quando

há crise parece, de fato, que as artes são mais vi gorosas, mas penso que apenas o tema seja mais controverso, e então pro dutivo para os leitores. Daí essa impressão.

Pergunta: O senhor reconhece a literatura como uma ferramenta política? O que seria uma “literatura de resistên cia”, por exemplo?

Godofredo Oliveira Neto – A literatura é um diálogo entre vários es critores: os interlocuto res do texto e o contexto atual ou passado. A literatura desafia a autorida de e não tem compromis so com essa autoridade, só tem compromisso com ela própria. Mas ao dar voz a quem não tem, por exemplo, ela é resistência, também quando ela impõe valores éticos e estéticos. Ítalo Calvino tem uma bela reflexão sobre literatura e política nessa linha. A literatura suprime a mediocridade e a finitude da condição humana, a arte é maior

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que o mundo.

Pergunta: De acordo com suas pesquisas e ex periência, como a histó ria tem influenciado a li teratura contemporânea? Existiria um apagamento nas linhas que separam ficção e a realidade? O senhor poderia comen tar este e/ou citar outros exemplos de obras literárias que exerçam um papel histórico relevante para o momento atual?

Godofredo Oliveira

Neto – A História é filha do tempo. Os estudos na linha da história das mentalidades vão por aí. Trata-se de analisar as representações coletivas e o pensamento corrente em um espaço e em um momento dado. A vitória do "eu" no mundo neoli beral pós-queda do muro de Berlim engendrou o

que, na literatura, se cha mou de pós-modernismo, termo que caducou em prol do termo literatura contemporânea. A com petição desenfreada, a valorização do autor mais do que a sua nar ração, a presentificação, a mistura de gêneros, a desimportância do passa do cultural como um todo estão no fazer literário nas duas últimas décadas do século XX e na virada para o século XXI, mas com perda de velocida de. A Clarice, em Água Viva, toca nesse assunto. O apagamento das fronteiras entre ficção e realidade é esteticamente marcante. Trabalha-se o texto recu perando o que chamam de restos do real. Penso que o livro Submissão, do Houllebec, que aborda

ficcionalmente o domínio do islamismo numa metrópole ocidental como Paris vai nessa direção por tratar de um tema fulcral no debate político contemporâneo.

Pergunta: Perante o alto índice de leituras breves na contemporaneidade, como a literatura se sobrepõe em defesa do pensamento crítico? A literatura de hoje precisa ser incômoda?

Godofredo Oliveira Neto – Houve, a partir dos anos 90 no Brasil, uma "perda" da ideia de critérios canônicos, a obra de Clarice ou, por exemplo, de Wally Salomão, apontam isso. E talvez por essa razão a diminuição da obri gatoriedade de modelos catedráticos cativou a nova geração. Houve

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como uma dessacraliza ção da literatura, que a Ana Cristina César tanto defendia. Não por acaso, são as autoras adoradas pelos jovens. As ferra mentas de divulgação e de publicação via web deram sustentação para essa nova ficção.

Pergunta: É possível tra çar um perfil do leitor (de literatura) contemporâ neo? Quais seriam as ca racterísticas deste leitor?

Godofredo Oliveira Neto – Apesar de haver um declínio nesse perfil, ainda vejo um leitor mais focado em literatura tipo roteiro de cinema, uma narrativa crua e direta, onde a competição ma luca é valorizada, leitor que gosta de cenários de uma cidade devoradora, que não precisa de conhe cimento do passado ou da cultura para apreciar a obra. Mas essa vertente me parece estar perden

do força cedendo lugar a valores mais específicos da literatura, um tipo de realismo do tipo Flaubert ou de um Graciliano.

Pergunta: Como a mídia e suas instâncias de po der influenciam na pro dução e no consumo de literatura? Quais os re sultados dessas relações?

Godofredo Oliveira

Neto – As pesquisas apontam que os prêmios literários importam relativamente pouco para a vendagem dos livros. Acho estranho, mas pa rece que é assim. Mas o nome do autor como "grife" vai aos poucos se impondo e se afirmando, sim, via mídia. Talvez seja uma questão de tem po.

Pergunta: O livro “O Bruxo do Contestado” tem em seu teor tempos sombrios, como a Guerra do Contestado – um lon go período de confronto

e disputa de limites entre os estados do Paraná e de Santa Catarina. Traz ainda a Segunda Guerra Mundial e o período final da ditadura no Brasil. Esses relatos, embora ficcionais, costumam aguçar a curiosidade no leitor sobre dados his tóricos? Nesse sentido, qual seria o papel e as ferramentas do texto li terário?

Godofredo Oliveira

Neto – A Guerra do Con testado foi um episódio estruturante na geopolíti ca mundial do século XX. A historiografia brasilei ra nunca estudou direito esse acontecimento. Pela primeira vez no continen te americano, disputando com o México, foram uti lizados aviões com fins militares, armas e munições usadas na primeira Guerra mundial foram testadas no Contestado, emissários do partido dos operários russos, exila do em Zurique, foram enviados à região, representantes dos sindicatos ingleses idem. O maior empreiteiro do mundo na época, Percival Farqwar, foi construir a ferrovia S. Paulo - Rio Grande, passando pela região. A primeira greve organiza da por trabalhadores bra

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sileiros se deu naqueles rincões. O conflito Capi talismo x Socialismo, que se preparava no mundo, estava explícito ali. A internacionalização do conflito, por conta da fronteira com a Argenti na próxima, ganhou mais vulto. Tropas argentinas

foram prudentemente mobilizadas. Rui Barbosa e Epitácio Pessoa foram advogados dos dois esta dos brasileiros em litígio, Santa Catarina e Paraná, o que dá a dimensão tam bém nacional da Guerra. E, no entanto, pouco se fala a respeito. Eu quis, sim, "aguçar", como na pergunta, a curiosidade do leitor. Havia pouquís simas ficções escritas sobre. Um romance do Guido Sassi, excelente, aborda o tema com gran de habilidade literária, mas ficava preso ao estilo do momento do autor. O cenário ficcionalizado começava naquela época da guerra e parava na quela época. No Bruxo do Contestado quis trazer

o tema até os dias atuais. Existe agora um número bem maior de obras ficcionais abordando o tema.

Pergunta: O senhor, como professor de litera tura brasileira na UFRJ, tem contato direto com estudantes. Quais suas impressões sobre os dis centes de literatura nos cursos de graduação e pós-graduação?

Godofredo Oliveira Neto – Vejo uma curio sidade muito grande dos alunos a respeito da lite ratura brasileira. Mas é a pluridimensionalidade do texto que interessa a eles. Avalio que a saída é mesmo por aí, sem perder a especificidade estética da arte literária.

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LEIA o Blog CRÔNICA DO DIA Em http://luizcarlosamorim.blogspot.com.br Literatura, arte, cultura, cotidiano, poesia. Todo dia um novo texto: um conto, uma crônica, um artigo, um poema. Leia e comente. Sua opinião é importante para que possamos melhorar o conteúdo.

CORA CORALINA

BECOS DE GOIÁS

Becos da minha terra...

Amo tua paisagem triste, ausente e suja. Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa. Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio. E a réstia de sol que ao meio-dia desce fugidia, e semeias polmes dourados no teu lixo pobre, calçando de ouro a sandália velha, jogada no monturo. Amo a prantina silenciosa do teu fio de água, Descendo de quintais escusos sem pressa, e se sumindo depressa na brecha de um velho cano. Amo a avenca delicada que renasce Na frincha de teus muros empenados, e a plantinha desvalida de caule mole que se defende, viceja e floresce no agasalho de tua sombra úmida e calada

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BERNARDO KNABBEN

A EDUCAÇÃO PÓS-PANDEMIA

híbrido para sempre.”

A futurologia é uma ciên cia tão fascinante quanto arriscada. Em momentos de transformações profundas como o atual, muita gente se põe a imaginar como será o mundo após a pandemia. Como professor e empreendedor em edu cação, sou um observador atento e gosto de prestar atenção a sinais que, se não determinam irrefutavel mente o que virá, nos for necem pistas seguras para antever o futuro próximo. Pinçarei trechos de duas análises recentes que cir cularam recentemente e que você provavelmente já

viu, mas talvez não tenha se detido aos detalhes. O primeiro é um dos tradi cionais anuários da inglesa The Economist, The world in 2021 (O mundo em 2021), onde a revista lista 20 forças que moldarão o mundo pós-Covid e pós -Trump. Eis o que vem por aí, segundo a publicação: “A educação nunca mais vai voltar a ser igual. Tor na-se cara a cara, mas tec nologicamente adaptável. Cada um é o que precisa. Estudar off-line e on-line será normal. Escolas e universidades são trans formadas em um esquema

A segunda vem da rede social LinkedIn, que divul gou um guia de 20 grandes tendências batizado de Big Ideas 2021. Os editores do LinkedIn News destacam o surgimento de um novo conceito de viver no espa ço urbano: o das cidades de 15 minutos, criado pelo professor australiano Frederik Anseel. “Já pensou em morar a 15 minutos, a pé ou de bicicleta, de tudo que você precisa?”, indaga o LinkedIn. “Com a pandemia, foi possível vislumbrar que diversas categorias podem traba lhar de suas casas, promo vendo uma remodelação da mobilidade urbana. O mundo vai ver cada vez mais ciclovias temporárias, com comunidades se formando em torno de pequenos centros. Grandes cidades como Paris, Lon dres e Sydney poderão se tornar vastas áreas urbanas constituídas de algumas comunidades menores, cada qual com o seu pró

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prio centro.” Não é preciso ser um futurólogo para constatar que essas são mais do que duas tendências. São realidades. Com o que aprendemos na pandemia, a educação de finitivamente derrubou a barreira da presencialida de e morar em uma cidade de 15 minutos se tornou tão desejável quanto essen cial. E tudo isso reforça a contemporaneidade de um ambiente que hoje abriga mais de 7 milhões de es tudantes universitários no país e só cresce: o ensino a distância (EAD). Para de monstrar isso, hoje há mais alunos on-line no ensino superior brasileiro do que no regime presencial. No universo do EAD, exis te um ator indispensável e cada vez mais posicionado a menos de 15 minutos de distância do aluno: o Polo de Apoio Presencial, local onde acontecem etapas obrigatórias como provas, tutoria dos conteúdos e ati

vidades nos laboratórios. É o lugar da aproximação humanizadora, onde o aluno é recebido e se sente de fato parte integrante de uma formação. A dimen são social tão enriquecedo ra para o desenvolvimento do aluno se exerce no polo. Enquanto se desenha a educação do futuro, basta olhar e ver que a tecno logia, a mobilidade e a humanização – três in gredientes indispensáveis

para um ensino de qualida de – já estão presentes no modelo oferecido por mui tas instituições no regime EAD. Nesta realidade, os Polos de Apoio Presencial se tornam o local onde o aluno viverá uma expe riência acadêmica, peda gógica e também de interação social e construção de networking, tão necessária no mundo moderno. Se o futuro é logo ali, então os polos já estão no futuro.

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GRANDES POETAS BRASILEIROS

JÚLIO DE QUEIROZ

MORADIA PROVISÓRIA

Vivo numa casa pequena Em frente ao mar imenso, Para que não me afogue, A cada dia, Na miséria do meu povo. A casa encara uma árvore Com galhos fortes, Para que, em vendo o mar, Eu não me esqueça

Do dia da justiça do meu povo.

É nessa casa que durmo Comigo mesmo e com outros corpos, Para que eu não me esqueça De que a justiça de nada vale Se for solitária.

É uma casa construída com cansaços e esperanças. Mas quando chegar a véspera da aurora, É cantando que a destruirei, sorrindo, Para junto com meu povo redivivo, Levantar a permanente moradia comum.

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MARIA TERESA FREIRE

AO ENCANTAR, SE FEZ DIFERENTE ...

Quarta-feira. Preparativos para mais algumas horas de convivência, de conver sas, de trocas de sorrisos e de relatos. A sala bem iluminada, uma poltrona confortável preparada, olhadas no espelho para arrumar, mais uma vez, o cabelo já penteado, retocar o batom carmim e ajeitar a écharpe colorida. Computador aberto, celular liga do, ambos bem carregados para não perder nenhum minuto da reunião. Ao al cance das mãos, um copo d’água, pois a falação será animada.

As convidadas chegam e a palestrante também. Os cumprimentos de boa noi te se multiplicam, todas desejando o melhor para todas. As apresentações são feitas e cinco minutos depois se tornam amigas, entrosadas com facilidade. E a ação começa. Diz a convidada principal que contará uma história, mas é preciso que todas fechem os olhos e deixem o pen samento correr solto para

anos atrás. Pedi que se imaginem em um quintal com árvores frutíferas, ladeando uma casa branca avarandada, um espaço de terra batida onde se corre à vontade com os cães la tindo alegremente.

Nesta história, ao invés de cachorros serelepes, há um galo muito bravo que corre atrás de todos, assustando e expulsando as

visitas do agradável quin tal de uma avó amorosa e acolhedora. Assim foi por muito anos. O Galo Corre dor a afugentar os visitantes da vovó, machucando suas pernas com suas esporas quando abria as asas e praticamente voava em direção às pessoas. Todavia, o Galo foi per dendo sua força e o fôlego para correr. Um dia, não

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estava mais lá. Fora morar em outro quintal distante, muito distante. Apesar da braveza do Galo, sentiram falta dele, da barulhada que fazia com seus cocori cós em altos brados. E todas de olhos cerrados, pensamentos nas brincadeiras de crianças, imaginaram-se a correr livremente por um quintal, que na memória da infân cia feliz passa a ser mágico. Ao abrir os olhos, cada uma relata a retrospeção que fez. Alguém comenta que precisamos ser leves frente à realidade pesada, visualizando a parte boa da vida por meio da arte. Com os olhos bem aber tos, a sensação sentida não foi de perda de um período de vida, nem de saudade doída, mas de fatos recor dados que marcaram a tra -

jetória de cada uma, pois deram sustentação calcada na felicidade e na alegria para fortalecer o cresci mento infantil e juvenil, tornando o adulto capaz de reconhecer que a felicida de habita na simplicidade, nos detalhes e na vivência genuína da inocência. Esse reconhecimento lhes sustenta os dias vividos,

marcando seus rostos com o sorriso que lhes faz fortes e positivas para enfrentar desafios, dissa bores, prazeres e conten tamento.

O encantamento está na sua imaginação, no seu desfrute de cada momento da vida, na sua sensibili dade de ver o mundo com outro olhar!

REVISÃO DE TEXTOS E EDIÇÃO DE LIVROS

Da

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revisão até a entrega dos arquivos prontos para imprimir. Contato: revisaolca@gmail.com

LUIZ CARLOS AMORIM

O SOM DA POESIA

Já falei, em revistas, em jor nais e na internet, da poesia de Júlio de Queiroz, que eu reputo o mais importante escritor contemporâneo de Santa Catarina e, quiçá, do Brasil. Exagero? É só ler a obra que ele deixou, para en tender. Quando ouvi um CD com o qual ele me presenteou, há alguns anos, com declama ções dos seus poemas por ele mesmo, fiquei impressionado. A poesia dele, tão densa, tão bela, tão cheia de conteúdo, já havia me encantado, mas não sabia que ela ficaria ainda mais bonita, mais forte, mais lírica, declamada pelo próprio poeta. Foi um presente ímpar, espetacular. Gosto de todos os poemas, mas Minha Cida de, Paisagem com aceno, Um amor tão de leve merecem destaque. São belíssimos, são obras primas. Então enviei, na época, men sagem a ele dizendo isso, e ele respondeu: “Meus Deus, amigo, não faça isso comigo.” Ora, meu grande amigo poeta, eu tinha que fazer, porque é a mais pura verdade. Como disse na resposta ao Júlio, a

gente lê poesia boa, excelen te, mas também se lê muita coisa fraquinha, hoje em dia, quando prolifera muita coisa que nem poesia é. De maneira que, quando descobrimos alguém que faz poesia de verdade, plena de essência, há que se dizer a todos que temos um poeta com P maiúsculo.

O CD é muito bom, o poeta está de parabéns por dar ainda mais vida aos seus já perfeitos poemas. Talento de poeta é isso. Talento inteiro, comple to, verdadeiro. Esse CD é um bônus que Júlio de Queiroz nos deixa, além de toda a sua obra em gêneros como conto, poesia, ensaio,

nos quais ele é mestre. Faz parte do grande legado que ele nos deixa, pois ele levou todo o seu talento, intelectua lidade, sabedoria e carisma para o andar de cima, para tristeza de nós, seus amigos e seus leitores e para alegria da plêiade de poetas que já está por lá, como Drummond, Coralina, Quintana, Pessoa e tantos outros. Que bom poder ter a voz do poeta na sua poesia viva, po der continuar a ouví-lo para tê-lo ainda mais perto de nós, agora que ela foi fazer poesia na eternidade, imortal que é e continuará sendo em nossos corações.

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POESIA

LUIZ CARLOS AMORIM

FESTA MAIOR

O tempo corre, célere, e a vida aposta corrida com ele. Feito um relógio, a vida se refaz. Vai-se o inverno, vem a primavera e, arauto do temo, floresce o jacatirão, o pincel da natureza, pintando a tela do mundo, anunciando o verão,

anunciando o Natal. Natal, essa época mágica de desembrulhar esperanças, dar amor de presente, desempacotar paz e fé e engavetar a saudade. Festa de aniversário do Senhor da grande tela da cor do jacatirão, enfeite maior do Natal.

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CRÔNICA

EDLTRAUD ZIMMERMANN FONSECA

ERA UMA VEZ ...

.., Um dia preguiçoso e bonito. Deus debruçado sobre brancas nuvens, observava risonho as traquinices da linda menina correndo pelos campos, beijando flores silvestres e chutando a água cristalina da ca choeira, que corria tão preguiçosa quanto o dia. - Será que essa menina feliz e bonita é corajosa? Vou testá-la. Em uma madrugada fria de inverno rigoroso, quando os campos se cobriam de neve, deu início ao grande teste. A menina levantou-se,

deixando na cama as co bertas macias e quenti nhas e, com a lamparina de querosene acesa nas mãos, dirigiu-se ao ba nheiro, fora de casa. Ao voltar, num gesto

rápido, acidentalmente encosta as labaredas da lamparina em seus longos cabelos louros, devorados numa rapidez incrível pelas chamas. A queimadura foi grande, o sofrimento também. A menina venceu as dores, venceu as dificuldades, o preconceito, venceu a marca das cicatrizes que sugam seu corpo. A alegria jamais lhe fal tou, a vontade de viver era uma constante. Em seus sonhos de menina, na cidade grande para onde foi levada, através dos livros infantis que lia com sofreguidão, vi

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via contos de fadas: Cinderela, Branca de Neve, A Bela Adormecida e Aladim e a Lâmpada Maravilhosa, a favorita. Queria conhecer o mun do, ver gente diferente falando língua diferente, vestindo-se diferente.

A menina se tornou mulher, mas ainda se perguntava: haverá um Aladim com a lâmpada maravilhosa?

E a mulher, já avó, que venceu todos os desa fios impostos por Deus, continua amando a vida e, aos 63 anos de idade, encontrou o seu Aladim

com a lâmpada maravi lhosa.

Ingressou em um grupo da terceira idade e, con vidada por um homem sonhador, romântico e realizador chamado se nhor Rodolfo Sosa, partiu para o México para assistir e fazer parte da abertura “DEL PRI MER ENCUENTRO DE ADULTOS“ realizado em Acapulco – México, 1997.

Viver vinte e um dias

nos grupos de uru guaios, argentinos e brasileiros, liderados pelo senhor Rodolfo Sosa foi, sem dúvida, um sonho que só Aladim (Rodolfo) e sua lâmpada maravi lhosa (desempenho e organização), poderiam concretizar.

Obrigada senhor Rodol fo, que Deus o ilumine e conserve a sua saú de, para poder realizar muitos outros sonhos de Cinderelas.

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GRANDES POETAS BRASILEIROS

MANOEL DE BARROS

DE PASSARINHOS

Para compor um tratado de passarinhos

É preciso por primeiro que haja um rio com árvores e palmeiras nas margens.

E dentro dos quintais das casas que haja pelo menos goiabeiras.

E que haja por perto brejos e iguarias de brejos.

É preciso que haja insetos para os passarinhos.

Insetos de pau sobretudo que são os mais palatáveis.

A presença de libélulas seria uma boa.

O azul é muito importante na vida dos passarinhos Porque os passarinhos precisam antes de belos ser eternos.

Eternos que nem uma fuga de Bach.

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LUIZ CARLOS AMORIM

O TEMPO E O NATAL

Lutara muito para con seguir o pouco que tinha e continuaria lutando sempre. Marta era pobre, sempre fora. Sua maior riqueza era sua família –os dois filhos pequenos, Carlos e Pedro, o mari do – e também sua casa. Era um pequeno barraco de madeira, mas era o seu lar. Humilde, exíguo, porém a família podia chamar de seu. Moravam na parte alta da cidade, onde os terrenos custa vam menos, pois a área estava começando a ser urbanizada. Paulo, o marido, era ser vente e ganhava salário mínimo. Ela tentava aju

dar, trabalhando como doméstica, mas precisava cuidar dos filhos, ainda pequenos, e era difícil conciliar o cuidado dos filhos, da casa, com o trabalho. A vida era dura, mas eles eram felizes, a despeito das dificuldades. Sabiam que, para conse guir alguma coisa, para melhorar a sua condição de vida, teriam que fazer sacrifícios. Não compra vam nada que não fosse absolutamente necessá rio, mas Marta abando nou, por um momento, o rígido controle das finan ças e comprou, este ano, a sua árvore de Natal artifi cial, toda enfeitada, e um

presépio, sonho desde que era menina. Queria que os filhos tivessem pelo me nos isso, uma comemora ção natalina mais fiel. Já corria o mês de novembro e prometera a si mesma que daria aos filhos um Natal melhor do que todos os outros que já haviam tido. As coisas andavam mais difíceis, agora, por cau sa da pandemia, que já estivera pior, mas ainda havia pouco trabalho. O confinamento para evitar maior número de casos e de mortes pela covid 19 foi terrível, mas agora as coisas começavam a funcionar e tudo deveria melhorar.

Andava um pouco preocupada, pois além da pandemia, as chuvas insistiam em cair com uma certa frequência, incomum para a época, nos últimos meses, pois passava um grande rio pelo meio da cidade. O fato de morar no alto, no entanto, dava -lhe uma certa segurança,

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mas se chovesse muito o risco aumentaria e muito.

O problema era não poder sair, desta vez por causa da chuva e a consequente enchente, que interrom peria os caminhos. No final de novembro, as chuvas aumentaram e não queriam parar mais. Cho veu dois, três, cinco dias sem parar. Uma semana.

E a terra, que já estava molhada das chuvas anteriores, ficou encharcada, não só onde a enchente alcançou, mas também nos lugares altos. E terra molhada não fica firme em lugar nenhum.

Os morros e encostas começaram a deslizar, levando de roldão o que houvesse pelo caminho: prédios comerciais, car ros e casas, com tudo o que havia dentro, às vezes até com os moradores. Muitas pessoas estavam morrendo, engolidas pela lama, e inúmeras outras estavam perdendo tudo.

O morro onde Marta morava também começou a deslizar e sua família teve que abandonar tudo às pressas, para não ser tra gada pela terra liquidifi cada, empapada de chuva. Foram levados para um abrigo, uma escola onde já estavam diversas famí lias que, como eles, não

tinham mais nada. Antes de seguir com a equipe de bombeiros que os estava resgatando, porém, Marta ainda con seguiu pegar uma caixa, que embrulhou numa manta e levou consigo.

A chuva diminuiu, o sol até voltou, mas o cenário de destruição, de devas tação na cidade era uma realidade que permanecia e demoraria a mudar. A solidariedade de pessoas que não conheciam fazia com que chegasse até eles, milhares de refu giados da chuva, comida, agasalho e água. De novo precisavam depender de ajuda de terceiros, como na época do isolamento, o tempo mais tenebroso da pandemia. Não era apenas o medo de pegar a doen ça, quando ainda não ha via vacina, mas também o flagelo da fome.

Apesar do sol, que apare cia em intervalos durante

o dia, encostas continua vam se soltando e caindo e corpos continuavam a ser encontrados. Mais mortes, somando-se aos mortes pela covid. A chu va sempre voltava e Mar ta soube que o lugar onde morava não existia mais, como tantos outros que desmoronaram em sua ci dade e em outras também castigadas pelo tempo. Não tinha mais nada, nem mesmo o terreno, o chão para reconstruir o lar.

– Mas estamos vivos –repetia ela para os seus e para si mesma. Resis timos à pandemia e às enchentes, então... Veio dezembro, as chuvas ainda teimavam em cair, agora não tão frequentes, mas ainda mantendo o risco de deslizamento de morros e encostas.

As campanhas para angariar recursos para a reconstrução das casas daqueles que não tinham

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para onde ir e não po diam comprar nem o pão de cada dia, estavam acumulando boas somas. Mas será que daria para construir casas para to dos? Eram tantos... Será que o dinheiro chegaria até eles? Dezembro foi avançando e o Natal se aproximava. Marta e os seus e muitas outras famílias continua vam no abrigo, talvez até lhes coubesse um lugar para morar, mais tarde, mas muita coisa ainda ti nha que ser feita e prome tia demorar. A pandemia já agravara tudo, então era preciso rezar para que alguma coisa boa fosse feita. Seu marido precisaria procurar outro trabalho, pois a empresa onde ele trabalhava fora destruída e levaria algum tempo até recuperar-se dos estragos causados pela enchente. E a época não era nada propícia... O Natal chegou. Na vés pera, Marta ajudou a preparar o jantar comunitário, como já tinha se tornado hábito e antes de servirem, buscou a caixa que resgatara de sua casa, no dia em que tivera que abandoná-la, e que guardava como um grande tesouro. Abriu-a

e começou a montar, no centro da grande mesa de merenda, a árvore artifi cial e o presépio que com prara para aquele final de ano. Apesar de tudo, era Natal. E aquela árvore, mesmo artificial, com aqueles enfeites coloridos e aquelas poucas luzes, representava renovação, fartura, recomeço. E o

presépio representava a fé que movia todos para a frente, para conseguir tudo de novo.

O ano novo e o Menino que nascia em seu cora ção, naquela noite, ha viam de trazer a sua vida de volta, haviam de dar a ela e a sua família forças para edificar, de novo, o seu lar. Era Natal.

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GRANDES POETAS BRASILEIROS

HELENA KOLODY

SONHAR

Sonhar é transportar-se em asas de ouro e aço Aos páramos azuis da luz e da harmonia; É ambicionar o céu; é dominar o espaço, Num vôo poderoso e audaz da fantasia. Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço, Engana, e menospreza, e zomba, e calunia; Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço De um sonho puro e bom, de paz e de alegria. É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo, Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo; É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.

Sonhar é ter um grande ideal na inglória lida:

Tão grande que não cabe inteiro nesta vida, Tão puro que não vive em plagas deste mundo.

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ADEUS, RAINHA ELISABETH II

Uma página da história universal foi escrita hoje, neste dia 19 de setembro de 2022, e nós somos tes temunhas desse momento único.

A morte da rainha Elisa beth II e todo o cerimonial fúnebre da Rainha Mãe, mostra ao mundo o quanto ela foi admirada e amada durante seu longo reinado. O respeito de todos em seu cortejo, o silêncio em sua passagem, emociona e arrepia.

A Rainha pop, elegante, colorida, a jovem de 96 anos se despede da terra e seus súditos choram e agradecem por tudo o que representou. Nossos descendentes es tudarão esse dia em suas aulas de história. Nós estamos sendo teste munhas desse momento... Este fato também emo ciona. Era uma vez, uma Rainha

que reinou durante 70 anos. A rainha viu muitas coisas, mas nada do que viu, lhe arrancou a fé e continuou a sorrir até os seus últimos dias de vida.

Eu vi isso acontecer. Nós vimos.

Descanse em paz, Rainha Elisabeth, e obrigada pelo legado de respeito, admiração e educação.

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ADIR PACHECO CHORO DA MÃE NATUREZA

A mãe natureza está chorando. Em seu rosto, as marcas do sofrimento. Sob maus tratos encontra-se expirando Pela inglória falta de sentimentos.

Lágrimas jorram em sua bela face. Os olhos perderam a luminosidade Que encantaram sublimadas entidades; Vê-se agora, frente ao vil desenlace.

Socorro! seria o grito de ordem, Mas a voz encontra-se enfraquecida, Pela fragilidade e desordem Do corpo e da alma entristecida.

O ar encontra-se contaminado. Nos rios a poluição escancara-se. É o desmatamento indiscriminado, Pela cruel atividade ignara.

Submetida a tantas crueldades, A mãe natureza ainda em esperanças, Clama ao filho com amabilidade Revisão de postura em nova aliança.

Reportando-se ao amado filho Como se este fora ainda criança, Em suas peraltices sem brilho, Que renove-se à benfazeja mudança.

Doente e com o coração desanimado, Espera a mãe o filho pródigo, Aos seus braços ternos, mitológicos, Para o acalanto doce e sublimado.

ESPÍRITO ANDARILHO

Acalma-te filho, escuta, acalma-te! Entendo a lógica de tua tristeza Que sai das profundezas de tu’alma Com o espírito coberto de fraquezas.

Ès na verdade, ouro em polimento Sob o nobre trabalho do ourives Artífice da obra em desenvolvimento Com entalhes galantemente suaves.

Na soberana oficina do artista O ouro é trabalhado com sutileza Sob os cuidados do projetista, Transformando-o em jóia de fina beleza.

Este é o sofrimento do espírito Sendo nobremente trabalhado, Com as ferramentas do perito, Que se apresenta altivo e devotado.

Após sofrida dor do polimento, Eis que o metal desperta o seu brilho Trazendo ao espírito o entendimento Da adestrada jornada do andarilho.

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POESIA

ADIR PACHECO

LAMENTO DO POETA O INICIADO

As sandálias da virtuosa humildade, São calçadas pelos nobres espíritos, Detentores da mais pura acuidade E de valores cultuados entre os aflitos.

São entre os proscritos da sociedade Que o exercício da caridade tutela, Momentos de notória simplicidade, Amparando almas doridas em sequelas.

Com as chagas o corpo dominando Infelizes clamam o ansiado lenitivo. Este é o campo de trabalho evolutivo No aguardo do leigo e nobre educando.

Espíritos e duendes da natureza Clamam por caridade ao mundo Que os coraçôes releguem a dureza E este comportamento infecundo.

E o planeta olha a sociedade insana Que tudo destrói com irresponsabilidade, Sem perceber que a natureza conclama Preservar os valores com equanimidade.

E eu, aprendiz de poeta, fragilizado, Diante de tantas e vil torpezas Oro a Deus por demais desmoralizado Com a alma desditosa envolta em tibieza.

E esta postura do poeta manifestada Ante o senhor divino do universo Com a perda da beleza de seus versos Chora aflito a natureza devastada.

E as sandálias virtuosas se apresentam Nas vitrines da jornada do aprendiz, Com os ritos de iniciação que orientam, Seus afazeres em virtuosa diretriz.

Adentrando o templo consagrado, Torna-se o aprendiz o novo eleito, Sabendo-se ainda coberto de defeitos, É acolhido entre abraços o novel iniciado.

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POESIA

ADIR PACHECO

REVERÊNCIA TUA AUSÊNCIA

Ah meu amor, por séculos eu te amei, E te amei nas noites de meu passado Nos desafios de um coração apaixonado, Com as sutilezas da alma; e chorei.

E chorei a dor de tua ausência Neste exílio, cenário em desencanto. E clamei à saudade por indulgência Sonhando teu corpo, belo, sacrossanto.

Sob os cantos que embelezam os bosques, Busquei colher versos de ternura, Com o sutil e cuidadoso enfoque, Entre as mais raras flores em formosura.

No sonoro festival da natureza, Recolhi belas pétalas de lágrimas Espalhadas pela emoção com nobreza, Ante tantas belezas raríssimas.

Em mim, deslumbra-se o espírito do poeta, Com o perfume sublimado da aurora, Imanente transcendência que aflora As imagens vislumbradas dos profetas.

Com a minha limitada visão profana, Percebo a sublime linguagem mística, Sob a metafísica do nirvana E encantadora paisagem holística.

E o poeta entre lágrimas emocionado Com a beleza translúcida dos versos, Que embelezam os bosques sublimados, Ajoelha-se em reverência ao universo.

Olhando o céu, esquadrinhando as estrelas, Te procurei na ânsia de ver teu rosto E me vi a contra gosto entre as ruelas Perdido neste infinito, sem gosto.

E viajei aos confins a tua procura Atravessando os séculos de meu passado. E nesta transcendente loucura Fugi desta realidade inconformado.

Só queria ao meu lado ver teu corpo, Ostentando tua beleza, como Helena, No topo de Tróia, nobre, serena, Propiciando a minh’alma ansiado conforto.

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ENÉAS ATHANÁZIO

A LUZ NO CANAL

Contratado para resolver uma questão de terrenos no litoral, Janary Messias des ceu a Serra num domingo de primavera com céu muito azul e temperatura agradável. Gostou da incumbência porque fazia tempo que não via o mar e agora poderia dar bons mergulhos, tomar bastante sol estendido na areia e saborear frutos do mar. Enquanto o carrão, um dos seus orgulhos, vencia com elegância as curvas caprichosas, contemplava a beleza do panorama, com os morros elevados, o mato de um verde muito vivo e as flores brancas, azuis e

amarelas que se exibiam em grande quantidade em am bas as margens da estrada. Seu destino era a cidade de Barra Fria, situada na confluência de um canal com o mar aberto e pontilhado de ilhas, maiores e menores, algumas delas habitadas. Entrando na cidade, notou que o movimento era nor mal porque a temporada não havia começado. Diri giu-se ao Miramar Hotel, seu conhecido, situado quase no triângulo da bar ra, fazendo frente para o canal, de um lado, e para o Atlântico de outro. Foi instalado num apartamento

do segundo andar, de cujas janelas avistava o canal, a igreja e alguns prédios mais altos da cidade situada no outro lado, e o mar com as ilhas próximas. Agradou-lhe muito a posição privilegiada. Recolhido o carro, vestiu bermudas e camisa esportiva, calçou um par de sandálias que ha via comprado em Aracaju e saiu pela cidade. Caminhou pela margem do canal e pela praia, conversou com alguns pescadores e jantou no Boteco do João, onde lhe serviram delicioso peixe grelhado acompanhado de chope gelado. Enquanto comia, observava a curio sidade que sua figura des pertava e o próprio João, homenzarrão forte e espadaúdo, puxou conversa, ansioso por descobrir a razão de sua presença. Mas nada disse porque a experiência lhe ensinara que nas peque nas cidades a causa de um é a causa de todos e qualquer deslize poderia atrapalhar. Após o jantar, com a noite fechada, dirigiu-se em pas

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sos vagarosos para o hotel. Não deixou de notar, com certa surpresa, a quantida de de cachorros que vaga vam pelas ruas. Grandes, médios, pequenos, todos guapecas SRD. Nas redon dezas do hotel perambulava um cãozinho branco com pintas vermelhas, muito ativo e ligeiro. Não dava atenção a ninguém e parecia sempre apressado, lembran do algum executivo cheio de compromissos inadiá veis. Ignorou os chamados do advogado e partiu altivo para um destino ignorado. Um cão preto, com apa rência de velho, chamou a atenção porque tinha uma perna traseira enrolada em pano branco e presa com esparadrapos. Deveria ter se ferido e alguém realizou aquele curativo. Mas ele pouco se importava e caminhava rápido com as três patas sadias. Outro, também preto e

com uma lista branca no peito, parecia ter alma de poeta romântico que vive ladrando à lua. Caminhava um pouco, fazia uma breve parada, levantava a cabeça para o céu e ladrava, ladra va. Ficava a impressão de que não sabia porque e para quem ladrava. Um mistério! Num pequeno beco, aper tado entre duas casas, um cãozinho cinzento, muito magro e ossudo, dormia tranquilo com a cabeça encostada na parede dura. Janary o observou de per to, falou com ele, mas o dorminhoco nem sequer se dignou a abrir os olhos. Enquanto jantava, o advogado notou a presença de um cachorrão branco, sen tado nas patas traseiras, do lado de fora, com os olhos pregados na janela. Espe rava que jogassem alguma comida.

Mais além, vagando pela escuridão, Janary avistou

mais dois ou três cães cor rendo soltos.

Chegando ao hotel, comen tou com a atendente a res peito da cachorrada, ao que ela respondeu: - Pois é, não sei de onde vêm tantos!

Recolhido ao apartamento, repassou o plano para o dia seguinte e se entregou à leitura. Depois tratou de dormir, embalado pelo som das ondas.

Alta madrugada, acordou e foi à janela. A noite era escura, compacta, um breu, quente e abafada. Olhou na direção do canal e teve a impressão de avistar o reluzir de uma pequena lâmpada que tentava furar a escuridão. Semelhava a luz de uma lanterna elétrica que tremia com o movimento da mão que a segurava. Fixou o olhar na tentativa de ver melhor mas ela se apagou e desapareceu. Ficou intriga do porque não havia qual quer movimento no canal e na praia da margem. Mas tratou de varrer esses pensamentos e voltou à cama.

Na manhã seguinte, depois de um saboroso café com boas frutas, Janary rumou para o fórum, agora engra vatado, mesmo no calorão que se anunciava. Solícito, o escrivão não demorou a localizar o processo e Janary se acomodou com

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ele na sala dos advogados. Examinou os autos, fez as anotações necessárias e perambulou pelos cartórios em busca de documentos. Pelo meio-dia já dispunha dos elementos necessários. Fechado no apartamento, redigiu as petições na velha Remington portátil que o acompanhava há muitos anos e voltou ao fórum para protocolá-las. Missão cumprida, ainda lhe sobrou tempo para passar várias horas na praia, tomando sol e mergulhando nas águas verdes do mar. No dia se guinte, com muita calma, poderia retomar o caminho da Serra-Acima.

Ao anoitecer, voltou a jantar no Boteco do João, sabo reando um delicioso risoto de camarão. Pelo jeito, o dono já sabia dos motivos de sua estada na cidade: as informações por lá corriam céleres.

Diante da janela, agora com um companheiro, o cachorrão branco esperava sentado nas patas traseiras e abocanhava ainda no ar os nacos de pão que lançava para ele. O outro, mais len to, ficava no desejo. Depois de alguma leitura na sala de estar, Janary se recolheu para dormir. Arrumou as coisas para facilitar a saída, no dia seguinte, e tratou de dormir. Sentia-se

um pouco cansado. Pela madrugada, acordou e se lembrou da luz no canal. Abriu a janela e se pôs a ob servar. Não demorou a avis tar a misteriosa lâmpada, agora um pouco mais longe, parecendo estar próxima à margem oposta. Devagar, muito devagar, ela se movia no sentido de fazer a traves sia. Curioso, o advogado envergou às pressas uma camisa e bermudas e desceu para o térreo. Enveredou pelo largo espaço arenoso que existia entre o hotel e o canal. Tratou de se ocultar atrás de um barco de pesca ancorado e ficou observan do aquela estranha luz, agora mais próxima. Pelo ruído que faziam, mesmo com todo cuidado, entendeu que um pequeno bote a remo se aproximava e dentro dele um dos ocupantes segurava uma lanterna elétrica. Ao chegar à margem, a luz foi

apagada e a pequena em barcação ancorou com suavidade e quase sem ruído. Do ponto onde estava, Ja nary acompanhava a cena. Havia dois homens a bordo, um deles manejando as vogas e outro cuidando do leme. E na parte dianteira, amarrados com cordas, quatro cachorros. Tão logo o bote tocou na areia os cães foram soltos e empurrados para fora. Não se fizeram de rogados, saltaram e se puseram a correr e farejar, livres, leves e soltos.

Sem demora, a embarcação fez a volta e o remador ma nejou as vogas em direção ao outro lado.

Janary entendeu, então, que a cidade vizinha vinha desovando seus cães de rua nas areias da pacata Barra Fria.

Tratava-se de uma sigilosa operação de limpeza ca nina.

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JACQUELINE AISENMAN

OLHOS EM CENA

Mudo meus olhos de cena e mudo meu olhar Dentro de mim entram outros olhos e outros personagens Mas somente nos olhos. Somente no olhar. Cintilante, borbulhante... Vivos. Pintados, Ornamentados, Coloridos!

E com os olhos, só com o olhar deles Começo a perceber o mundo diferente A atiçar a vida, a aguçar os sentidos Roçar as pessoas, acariciar as situações me embaraçar mundo a fora, aflorar... Ver tudo o que nunca vi. Sentir o que não senti. Até o êxtase, o vômito, o gozo. Aí, simples como o nada, Duas lágrimas escorrem. Meus olhos então, Voltam a ver o mundo como eu sempre vi, fantasma solitário, observador. Sou eu outra vez e mais ninguém me habita. Até quando?

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POEMA

O livro O VALE DAS ÁGUAS, seleção de crônicas sobre Corupá, a Cidade das Cachoeiras, com muitas fotos e cores ilustrando os textos, está à disposição, na Amazon. Veja no link https://amz.run/4LtO . Se você conhece Corupá, vai gostar de relembrar e rever as belezas da cidade. Se não conhece, vai gostar de conhecer as belezas do Vale das Águas.

O livro PORTUGAL, MINHA

SAUDADE , seleção de crônicas sobre diversas viagens do autor à terra de Pessoa, também está disponível para compra no formato e-book na Amazon.

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Viaje por Portugal através das crônicas desta obra.

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Articles inside

ADEUS, RAINHA ELISABETH II

1min
page 51

SONHAR

1min
page 50

DE PASSARINHOS

1min
page 46

O TEMPO E O NATAL

5min
pages 47-49

FESTA MAIOR

1min
page 43

ERA UMA VEZ

1min
pages 44-45

O SOM DA POESIA

1min
page 42

MORADIA PROVISÓRIA

1min
page 39

A EDUCAÇÃO PÓS-PANDEMIA

2min
pages 37-38

“ESCRITORES DO BRASIL”

4min
pages 20-23

BECOS DE GOIÁS

1min
page 36

CATARINENSE POETA CRUZ E SOUSA EM FLORIANÓPOLIS

3min
pages 27-28

DE ALMA EM ALMA

1min
page 29

NA NOITE DE VERÃO… SONHO

2min
pages 24-25

DORME, RUAZINHA

1min
page 19

PRIMAVERA

3min
pages 17-18

DE LITERATURA 2022

2min
pages 4-5

EVOLUÇÃO ESTÉTICA

2min
pages 15-16

FADO TINTO

1min
page 10

AMAVISSE

1min
page 8

INFÂNCIA

1min
page 14

DIA MUNDIAL DO ESCRITOR

5min
pages 11-13

SEM PRÊMIO NOBEL

1min
page 9

CRUZ E SOUSA PARA TODOS

1min
page 7
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