Um olho Jeosafá Fernandez Gonçalves
De pura afobação, a galinha pôs um ovo. “Uma galinha”, Clarice Lispector
O neto o empurrou com sofreguidão pelo quintal. O menino era pequeno; o avô, desajeitado, e a cadeira de rodas, trôpega, insistindo em encalhar nos buracos e nos pedriscos dispersos. A poalha vermelha levantada por uma motocicleta barulhenta que passara havia pouco na rua de terra se depositara no corpo paralisado sobre o assento incômodo até de olhar. O menino largou por um instante o entrevado em sua cadeira-túmulo, foi até a porta da cozinha, ao fundo da casa, chutou-a com força, correu de volta, deu partida no esquife do avô e conseguiu atravessar o batente antes que a porta se fechasse. Movendo o único olho em parte salvo, observou o menino sumir pela outra porta rumo à parte da frente da casa. Pronto, sumiu. Imóvel ao lado do fogão apagado, ele próprio uma espécie morta de fornalha, esperou o que imaginou serem horas, moveu com dificuldade o braço parcialmente preservado, despojo de um AVC precoce, e, como uma ave a quem tivessem cortado as asas e uma das pernas, abriu a 45