DO OLIMPO , A HISTORIOGRAFIA DO CINEMA ABREVIOU DURANTE UM SÉCULO UMA DEUSA
Provatipográfica
José Machado
Questionei-me como se promove um homem antes e depois da obra exibida: «um filme de Virgínia de Castro e Almeida e Roger Lion». Ela escreve, faz a direcção artística, produz, decide as equipas e o corte final. Ele encena, antes do tempo de lhe chamar realizador. Histórias do cinema, por todo o lado, omitiram-na ou remeteram-na à função auxiliar. — É ele o único cineasta? A coautoria foi negada à pioneira entre as cineastas portuguesas e Virgínia de Castro e Almeida (1874–1945) escrevera em Paris (10 de setembro, 1923) o que seria um 4.º filme: Noblesse, creio que ainda em diálogo com Alberto Figueira Jardim (estudara em Inglaterra, no Beaumont College) que nos conta o método de trabalho de Virgínia e, para lhe tomar o pulso — das superações familiares, de mulher é preciso interpretá-la na caligrafia, conhecê-la na correspondência que dirigiu a Teófilo Braga, antes do cinema. O comerciantezinho da palavra Croze, preeminente e atávico, cortou as pernas à cineasta a quem prometera vender os filmes para todo o mundo. Sirène de pierre ou Le Fantôme d’amour (A Sereia de Pedra, 1922) e Une course de taureaux au Portugal (1923) permanecem desaparecidos. Les yeux de l’âme (Os Olhos da Alma, 1923), em duas versões, «35mm, de montagem e duração diferentes, no centro de conservação da Cinemateca Portuguesa (ANIM). A 1.ª versão foi restaurada pela Cinemateca Portuguesa no laboratório L’immagine Ritrovata (Bolonha) em 1995 e reproduz as tintagens originais. A 2.ª versão, em preto e branco, é proveniente do Centre national du cinéma et de l’image animée (França)», comparou-as Elena Cordero Hoyo na sua comunicação em 2019 nos Encontros no Arquivo Nacional das Imagens em Movimento, organizados por Tiago Baptista. Da mesma investigadora, Empreza de Films d’Arte Portugueza, una distribuidora a la conquista de Brasil (Vivomat, 2020) e a tese Women’s Access to Silent Cinema in Portugal and Spain: the Case Studies of Virgínia de Castro e Almeida and Helena Cortesina (2022). Outra tese que merece leitura: Mulheres guionistas, uma definição dinâmica da linguagem no feminino no cinema português (2020) de Ana Sofia Torres Pereira e a comunicação que apresentou no VIII Encontro da AIM (2019). Virgínia foi a primeira cineasta e este número da revista gray-film é dedicado ao seu princípio, em memória das muitas mulheres esquecidas por quem escreveu as histórias das cinematografias, repletas de imprecisões e de citações másculas, replicadas umas atrás das outras. Virgínia hoje seria independente. Cláudia Varejão, a quem contei a sua história, é uma inspiração e a conversa que Rebecca De Pas teve com ela no seu atelier no Visions du Réel, de que não há outro registo, justifica a transcrição de 30 páginas, para novos programadores ousarem. Esticámos a data de saída da revista para também incluir o registo da sua passagem ontem pelo Batalha. E nestes dias, Henry Fonda for President (Alexander Horwath, 2024), esteve no Porto, na Casa do Cinema de Coimbra dia 15 e regressa dia 17 de setembro a Lisboa, no Cinema Ideal. No Rio de Janeiro, no Museu de Arte Moderna, Gabriel Linhares Falcão programou-o em junho e agrupou um dossiê sobre o filme. Ninguém o deverá perder e reitero a recomendação para quem quer programar cinema. ��
Participamnestenúmero: Alberto Figueira Jardim (in memoriam), Kenza Wadimoff (fotografia), Luís Sebastião Peres (in memoriam), Rebecca De Pas, Renato Cruz Santos (fotografia) e Virgínia de Castro e Almeida (in memoriam).
Capa: Fotografia de Virgínia de Castro e Almeida por Philippe Abel Siguier (1838–1924) reproduzida no anuário «Le Tout-Cinéma».
Distribuição digital e gratuita com periodicidade quadrimestral. Estatuto Editorial disponível em https://estatuto.gray-film.eu/
Sede, do editor e da redação, em Lisboa: Av. de Casal Ribeiro, n.º 17 - 3.º Esq. Fte.
Porto, 11 de setembro, 2025.
Com edição de Guilherme Blanc e design de Joana Machado, Cláudia Varejão: Arte da Fuga (Batalha Centro de Cinema, 2025) inclui fotografias inéditas e textos de Catarina Vasconcelos, Gaia Furrer, Genevieve Yue, Maria Filomena Molder e Rachael Rakes.
Cláudia Varejão à conversa com a jornalista Anabela Mota Ribeiro. Nova composição de Joana Gama a partir da música de Kora (2024) para o ensaio fílmico que a cineasta concebeu para o filme-performance desta noite.
Fotografias de Renato Cruz Santos/Batalha Centro de Cinema.
Rebecca De Pas: With her precision and empathy, Cláudia’s bodies of work keeps our curiosity towards the world around profoundly alive. And thank you for this. Maybe we can start by some images.
[screening: O ofício da ilusão / The art of delusion (2020) excerpt]
R: So, Cláudia, this is not your virtuous work, but I think that there is a lot of the thoughts that preoccupies you in your cinema and a lot of the themes that are coming back… Specially this idea of not listening too much to the advice given, of giving in a right dimension. — How was for you the education to arrive to be a filmmaker? — How we were how long how much you were listening the advices that were given to you?
Cláudia Varejão: First, I must say, thank you so much to Visions du Réel, specially to Emilie Bujès, the invitation; it’s very, very, kind from you… Also to the entire crew, but I would say, it’s a kind of family. I like festivals that look like small families; so it’s a pleasure to be here because I feel comfortable, so mercy, and thank you, to all of you, to be here to you know to talk with me, to share with me this moment.
�� CláudiaVarejãowithRebeccaDePas.
PhotobyKenzaWadimoff.
This particular film [O ofício da ilusão] it was made a couple years ago. It was an invitation by the mayor of Porto [Oporto] in Portugal. They made a small project that worked with footage from families. And I’m from Porto, but I live in Lisbon. For who doesn’t know both cities, Porto is on the north of Portugal, Lisbon is more on the south. They are very, very, different. And Porto is a very conservative place (and this will be connected to your question) because I was born there, my education was there, it was a Catholic education and, this invitation, it was to make a little film with the footage from families of some neighbourhoods. And I remember (I don’t know, it was an intuition), I wanted to connect the image, that remember my family (where the women and man lived with a line-separated), very clear [uh-huh]… I wanted to make a film about that and I remember the-very-first Portuguese film, that I saw, and touched me… I didn’t understand anything. It’s a film from Manoel de Oliveira, the name is Vale Abraão [Abraham’s Valley / Val Abraham (1993)] and I was 11 or 12 years old… I went there with a friend and the parents of my friend. And I remember, it was the first Portuguese film I saw… And I remember the feeling of not understanding, but being superconnected. It was very, very, strong. So, of course, I visited the film, years later, and this was the opportunity to connect, both, realities: my reality and the reality of Manoel de Oliveira, which is very different of mine, but there are some points where they are connected because, again, women are separated of men. I started making films by, par hasard… It happened. In the beginning, I studied sports education [AUDIENCE LAUGHTER]. I was a swimmer. I left Porto to go to Lisbon, to the university, to start studying sports and, because I was athlete of swimming, I thought it was a good choice, Okay but in the very first year of the university I understood it was a mistake. And, of course, I have to play football to study anatomy and, this kind of stuff, it was not for me. So, I quit the university, the classes, and I started living by night. Good choice… [AUDIENCE LAUGHTER] And I had a boyfriend, at that time, he was from cinema! Very important: I was completely away from an art world… My father is an architect (but a very classic one) and my mother was a science teacher so, you know, films were part of my life (like entertainment)… So, this boyfriend, when he saw me very frustrated… Well, happy, because I was living this nightlife of Lisbon but very frustrated about my future; and, I was all the time with the videocamera. Since I’m very young I make small films with my family (I was making and I don’t know why, but it was a reality). I was all the time with the camera but for me that was the kind of, a normal thing (like nowadays we have mobile phones and we make photos) and, [at] that time, I was in love with that idea of making films… So, he stimulated me to start studying cinema. For me, in that moment, was very strange the idea of making films because, you know, I connected to men, male directors… In my education, I remember my father introducing me to European film directors, like Truffaut, Godard, but always men. The reality of the films, I must say, it was very disconnected of my reality, of my inner world. So when this boyfriend suggested me to study cinema, I resisted a little bit and then I went to the school and I remember I was the only girl in the class: just guys, because the first year was just to study photography for cinema, just guys, just guys, but I felt at home, not because of being between men, but because I was so connected to the cameras I knew
that so, so well… And then I started my own way of trying to make films but maybe started, some years ago, when I was very little with these home videos. I remember that I wanted to make films because my grandmother was starting to be very old and I understood that with the films people could be eternal. This was how I convinced my mother to give me a videocamera: I said to her, come on, we can keep mama with us the rest of our lives. Now I’m joking about this, but… I would say that maybe in my films there is always this idea of keep a moment that, I know, will end. And I know, myself, it will end one day and films will stay here, some of them… Maybe that’s why I work between reality and fiction. I really appreciate to be connected to reality. Maybe because of this… I’m more… I’m more alive in a certain way.
R: — Do you still have the footage that you were shooting at that age? — You still have the footage?
C: I have everything closed [AUDIENCE LAUGHTER] in a box. I’m super afraid to take a look of that… But maybe one day I’ll do something with that. Now I’m too close… But I’m very curious because I started very, very young, like… I think I had my first video camera with six years old. And I was with the camera all the time: the camera [GESTICULATES] with all the cable and the limit to make a film was the cable… Yes, I have everything with me, I keep it, with love.
R: Then you start, of course, you follow a classical path of starting from the shorts format but your first short shape a trilogy which is quite uncommon for a filmmaker that starts. So, how this aspect of creating relation to different films was present when you started to make cinema?
C: So, yes, I studied in a classic way, which means, more close to fiction films (to write a script, to find, to do a casting — have a very… —, a window of time to make the film) and the first one that I made, I wanted to make a film close to the other films that I was making with my family, so it’s a film about the family… And after this one I was… It was not enough like, you know, having a lunch that you enjoyed and you want to go there again at the same restaurant, so I wanted to make another film about family, and it was not enough, and I wanted to make the third one and I thought: I’m very… Obsessive and (with a little of talk) I like to do things in groups and so that’s why I wanted to make three short films about families; but at the end of the third one, Morning Light [Luz da Manhã (2011)], I was frustrated because… It was very different from that more intuitive process that I explored as a kid, when I was a kid. And there was a thing that hit me, like I don’t want this for me: it was to work with actors. I love actors (I’m so sorry, maybe some actors are here). I love actors, but… There was a moment on, during this third short, where the main actress, Beatriz Batarda, asked me about the past of the character. And I didn’t knew (of course), I wrote a script in a window of time, I didn’t know the past of the character [AUDIENCE LAUGHTER] and she insisted: but you should know; and she pushed me a lot and… I didn’t like that, I didn’t like that. It was a very difficult process for me (and I didn’t understand). So, after this third film, in Portugal, we had the financial crisis… And the
government of that time, right wing…
R: You’re talking, beginning of years…
C: 2010. They closed the Minister of Culture, which means there was no money for our films. Finished. And sometimes we think we are not connected to this kind of politics. We are, all of us, in each area, superconnected to the politics. And this was, I would say, the first time that I understood, okay, making films is not just to lead , with my crew and my friends. I’m connected to a wild and wide thing. So, I moved… (I didn’t said to myself I don’t want to make films anymore) but I moved from Lisbon to the countryside. I found a small house (close to animals and trees; and a different life). And just because the money was not enough to stay in Lisbon, because there was no money to make films so… I went to the countryside and, in that moment (I read a lot, I read a lot and I saw a lot of films), I had time to myself; it was a very, very, important time; important time to have time… So I read a lot and (during this process of being with myself and with the world and with the nature) I read a small poem from a Portuguese writer that talked about a group of Japanese women that dive to collect seafood in Japan. And I said… — What is this? It’s like a film (and it was an haiku). And then I went to start looking for it on the [World Wide] Web. And when I saw some photos of these women, I understood that there was a film waiting for me and not the opposite process that I was used to, which is, to create a film and invite people to do it with me. I thought… There is a film to discover where I’m going… (I don’t want to jump your questions).
R: No, absolutely, but then it’s a perfect link to send in the next extracts.
��
[screening: Ama-San (2016) excerpt and the audience gives an ovation]
R: The film is amazing and well, it had an incredible success. I think there are some scenes which are really, you will never forget and in preparation to go under the water. For me this is a particularly interesting scene because it’s, well, besides this kind of sort of other dimension (almost science fiction) with this mask… It’s the idea of community. And this, I think, something that really comes back a lot for you. The idea of living together and sharing something. And it’s also related to how we make movies. And I wanted to ask you what is the importance of this aspect in your cinema from what we saw but also behind.
C: It’s very interesting because what I really love in cinema is the mix between being solitary and working in group. It’s really amazing. I know, I’m absolutely sure, that a lot of things that I want to make or to do, I cannot do it by myself. And when I work with a group of people, there is a dimension… Sometimes we’re filming together: I’ve this like a tattoo inside of myself. We’re focus on the same way, with the same gaze, in silence… It’s like praying together and something happened and we look to each other and there is something very, very, strong that we are sharing… That’s magic, that’s cinema, that’s beautiful. I don’t know if there is any art that can, you know, promote this aspect of sharing in so deep way. And about the subject of my films, of making films in communities: I’m very curious about how people organize themselves in groups… For me is amazing and it’s a key to solve a lot of problems. And because we have this idea in education, in the center of
the societies, that is the only way of doing things, the right way of doing things. And when you’re, you know, close to different communities, you see, many different ways of doing things. And this is beautiful… For example, this film about this group of women in Japan: I went there, I didn’t speak the language. I felt… (It was just me, a translator and a sound guy, both of them were half Portuguese and Japanese; so the crew was just three people). And I didn’t speak the language, but… I felt like a child. It’s the same feeling when you’re a kind and you’re surrounded by adults. You don’t understand exactly what is happening but you follow… You can follow it. There’s something, you have a map inside of you that allows you to follow the situation. And it happened this with Ama-San. I was there during one month, living with them. They were very, very, kind with me (I must say), I think because I’m a woman and in Japan, there, again, they separate male and females in the daily life, so they introduced me immediately to their lives and also, I think, I opened a kind of trust between ourselves because I was there on the year before, just to do the research in different villages. And when I found this group of women, I told them: I’m completely in love with you, I’ll be back. Next year, I’ll be back. And they said: aha-aha-aha, of course [AUDIENCE LAUGHTER] you… Not. And one year after, I was there. And I think this was… an open door to trust on whatever I want to do with them. So, this, regarding on the language; and they trusted. And I just followed the gestures, the bodies; the bodies is something also important in my filmography. I just followed them. And, I must say, when I came back to the editing room, and the assistants put the subtitles, I understood everything: it was exactly my idea of what happened there. There was no (okay, one or two words), but [AUDIENCE LAUGHTER] in general, it was no surprise. It was very easy to follow them. Because we think that language, verbal language, it’s the only way we have to communicate and it’s not, and it’s not, and when we are in these countries where you don’t speak the language, you understand that we have so many different layers of communication; like here and I’m speaking at this moment and I feel non-verbal communication with you, Rebecca. I know, so… And, in cinema, you can explore that… That’s it!
R: I have the impression that you explore that a lot with gesture, also. There is a lot of hands, doing things, in your films; here in particular and I think this is, well, it’s standing visually, as in the scene which, for me, they are repairing the thing; or when they are moving this hot pot (I don’t know what it is)… But it’s also, for me, it’s conveying this idea of work, which is, again, very political… — How are you attracted by the movements and the gestures?
C: It’s a gesture, but a gesture that makes something. I like to see people doing things. Again, like a kid. When I was a child, I was completely in love to see my grandmother doing things, my mother; I think we learn a lot by observing. And with films, come on, if we just pay attention to the words, at least for me, it’s very tiring. But for that I go to the theatre and see a play. I like to see things happening with movements: what we make. And I think that’s, of course, it’s political because it reveals a role. In my case, I’m very connected… I have a commitment to a female word; because I’m a woman and because I raised a group of women that were very silenced. They didn’t
use so much the words, like the male roles in my family, but they, they did a lot of things on the daily life. I think female are more connected to the creation, the things that make things happen, than to verbal construction. We can discuss this, of course. [AUDIENCE LAUGHTER] We want to change this, of course. With gestures, I believe; in films; we can read different things…
R: The film [Ama-San] has been, really, everywhere. — How did it change your way of working? Because I guess that it must have been at a certain point for you easier to access funding, and… — How did this change your relationship to cinema? Because before you were, it was looked like more something that you were discovering…
C: Yes, it was a change, this film it was really a change in my path. It was here, at Vision du Réel, I remember very well. I was very nervous because it was my first long film… I was very nervous. I didn’t know how to expect the reaction of the public, because you know, when we make films we feel a little bit crazy that we are autists, just close inside ourselves. We have some friends saying, no, no [AUDIENCE LAUGHTER] okay, the film is good. And then we go to a festival and we are conscious about… Okay, this can be a mistake. And, yes… It changes the attachment of people to the film; and, yes, the film was everywhere: it opens a lot of opportunities to, you know, this… I don’t like the system of cinema in general and, I know, I share this feeling with a lot of colleagues, because it’s very competitive, hierarchical and is a kind of pyramid that you have to climb to access to fundings… [SIGH] It’s not very gentle and makes you nervous, makes you… Wanting to quit sometimes… Well, but if you want to play the game, if you accept, you play it. And this film, yes, opens more fundings, more, you know… It was a mark, it’s a kind of tattoo, to a new process; and also a new process of making films which was: start, doing a mélange entre fiction et réalité [a mix between fiction and reality] and this was also more important, that part of change of my work, with this film, that it was the work with a middle term of crews (so, not so many people), small crews, to move away from my house to, a different place, a community; take time to do the research… For me (there are two moments)… I love make films, I have a lot of pleasure. I love what I do, I don’t feel that I’m at work, I’m a lucky person. But there are two different moments of making a film that I really appreciate: one, the first one: is during the research, because you have your ideal film inside of you, you cannot communicate. It’s super-hard to use your words and you are kind of getting in a forest, where you don’t have the map. You don’t have the map. You are completely lost… You’re inside: you can go to the right, to the left. You are afraid. You want to come back. And then someone else says: no, no, you have to go because we put money, go, go, go! [AUDIENCE LAUGHTER] So, it’s a moment, very stimulating, with a lot of adrenaline and I really like to discover the film, that’s why… There is a book of Jacques Rancière, he talks about, the master of ignorance, le maître ignorant, exactly this idea, of a forest. He says: we cannot teach art, in general; we cannot teach anything because each one of us, we have our inner world, our references, our maps. What we can do, as a master is to be someone that is by your side, support you and stimulates you to get in the
forest, go ahead… I don’t like to teach, but i like to follow projects of filmmakers and new filmmakers because I like to get in the forest with them, to know new forests… But sometimes students say: oh, but if i get in the forest and I go to the right, then I lose the left side… And, yeah… [AUDIENCE LAUGHTER] But you can go to the right and, after, you can go to the left, you can change your movement. And so, this moment of the research, I learned with Ama-San that, for me, for my process, I took a lot of time to discover the film. Then the shooting time is a very small time (like two, three, four months). And then, the other moment that I learned to enjoy, is this one: the film is made, it’s finished, and we are discovering the film together. It’s a completely different film from my first idea of the film. I learned a lot with the other gaze. I enjoy this moment after the premiere, the stress of the première and everything… After (I don’t know, one year or two years after, this moment), because the films are alive, are still alive. Some films die in the process. They don’t resist. This one, I must say, I think the film resists to the time. But I have the conscience that some of my films didn’t resist to the time, but this one, I don’t know why, keep resisting. It’s very interesting, very interesting…
R: I think it was about the same year in which you realized In the darkness of the theather…
C: Yes, it was…
R: I would like to see an extract of this.
[screening: In the darkness of the theather I take my shoes (No escuro do cinema descaço os sapatos, 2016) excerpt and the audience applauds]
R: There is something very playful, in this movie, from the beginning to the end… And I think this [extract], which is, towards the end… I really, really, enjoy it and I enjoy the way in which it is playing with the expectation. I think the editing is really putting me in a position of being there, but at the same time asking: Okay… — Where is the ballet? — Where is the scene? — Why do I just see little pieces of it and I don’t see the grandeur? Which is supposed to be it… And the theatricality of the faces is always something which I found, in a way, moving… Because it sounds, when it’s so big and so close, it’s kind of funny and, at the same time, it’s hard-work behind it. — So, how do you work on the edit and how do you work to create this suspended atmosphere between the scene, that we don’t see, and the actor that are actually doing it?
C: Okay and just to introduce a little about this film, this was an invitation from the National Company of Dance of Portugal. I was super afraid to accept because I don’t know anything about dance, I didn’t know anything, so I didn’t know how to make a film about it, and also to not correspond the expectation of the invitation. But when they said (oh, it’s carte blanche, you can do whatever you want, take your time) I accepted; so I took one year just going to the the company just observing; again, observing, observing; sometimes I took my camera with me; it was super hard because, like, I’m an
ignorant, I don’t know if they are moving to the right side, my camera was to the left side [AUDIENCE LAUGHTER] and I was always completely lost. I had to learn how to film. I took a lot of time to learn how to film and I thought I cannot make a film about technique of dance, I don’t know anything, I need to follow them and let me see if I get what I want to reach. And there was a moment where a girl, a very young girl, the scene is there, it’s the first time she’s doing an important role to the Giselle play, and during rehearsal she failed. For me she was wonderful, but at the end she struck; she started crying and I understood (and then the crew everyone was around her saying oh, it’s okay, it’s part of it, it’s beautiful, you’re beautiful, you’re perfect) and I felt very connected to that because during the shootings, when we are making a film, sometimes the director is completely frustrated, also. We don’t cry because we control ourselves and we know if we cry, everyone will grrrr… But, sometimes I want to cry like that girl. And everyone is saying: oh, the scene is wonderful, the scene is super good, super good. Everyone is okay. So I think the film is connected to cinema in that way, at least for me… My case was centered in this connection between… Trying to transcend ourselves; I feel this in cinema, constantly; making films is a constant process of illusion and, frustrating, I felt the same with the dancers. So, during the editing, I tried to follow this subtle line: it’s not so obvious that it’s there, and also an ignorant gaze that is just following the moments of rehearsal and of the plays in front of the public with an immense admiration and connection to this, to making art, which is living in a different world. I was listening a podcast last week: a Minister of Portuguese education (it’s not an actual minister, from the last government) and he was saying that he loves art and for him art is to be in an airplane mode [mobile phone’s analogy], disconnected to: being connected; and I think this film allows you, exactly, that; being in a flight mode, an airplane mode, and just follow what you understand at all… Thanks, and yes, also there was something that I felt during the research: it was the faces, the expressions, because when we see dance, we see in distance. We are not close to the faces and, for me, it was like the cinema from 50s, you know, silent films because they were super expressive, a super exaggerated face, but super touchful at the same time and so I tried to be very close to them during the editing, it shows the big shots and being close to them.
R: Your work on the sound also is amazing. Yeah, I think so, really. Because you can really feel the stage, all the things, and all this sound dimension which actually you don’t hear when you are watching a theater performance. And at the same time it’s a it’s talking about the creative process, the work behind it, and it gives to everything a much more material, working day dimension.
C: Yes, it’s true, when you dive, to a special world, where, again, they don’t use words, usually, you start listening, again, in different languages, the sounds, little sounds, details, and bring that to films. I would say, yes, that’s why sometimes my producer, João [Matos, from Terratreme], that you know, he’s a funny guy and he’s always asking me: so Cláudia, now enough of the documentary, let’s go to the big pool and feature films… — Enough? And I say: no, no, no because I love to, you know, the opportunity to get into different
worlds that otherwise I couldn’t; of course, in fiction films you go to different communities and different worlds but you control so much things; control so much, it’s like a sculpture that you are all the time, you know, moulding and moulding and in documentaries (and you [THE AUDIENCE] are here because of that, I believe it in Visions du Réel, there’s something that you connect with reality that fiction will lose it… The best is to mix both, languages, I would say.
R: I wanted to make a little jump forward. It is because you were insisting on the idea of non-verbal communication and I think that there is one of your short works, which is called Kora, that mixes very well both of them. The verbal, the idea of the transmission of the experience, and at the same time the non-verbal. And I would like to watch a little excerpt which is really for me extremely moving.
[screening: Kora (2024) excerpt and the audience applauds]
R: The film is very hard watch. It’s very beautiful, of course, but it’s very hard from the tales that we listen [to]; here I was touched, not only by the situation but also by the feelings that she would convey towards the tone of the voice, a sort of this resignation, but also resilience and strength; and also the contrast between what she was, we can imagine by the war and the dramatic of the situation and, then, the choice of the photography, the photography that are there. And I wanted to ask you, well, to give a little bit of context on the film, but also then to talk about your relationship with photography, with fixed images. — How they can, what you can, extrapolate with, take out of them?
C: So during the research process of every film, I make photography of the places, of people… I have a huge amount of photos (one day I will do something with that) but they are the studies, my intimate study to find the film, and I had this will, this desire of making a film: it was back to the oldies, to make a film on the small projects that we have on our wallet. I don’t know, here: — How many people have a small photo of someone on the wallet or on the back of the mobile phone? Okay, not so much [AUDIENCE LAUGHTER] but it’s a practice that I discovered. I always had my mother, had my grandmother, I would say special women, again, I don’t know, but probably men also had the kids or the mom, a mother, a mama! [AUDIENCE LAUGHTER] A mother is always good… [CLÁUDIA LAUGHS] But, well, I wanted to make… When I studied photography, also still photography, and I had this project of making a photo book on these small photos, the photomaton. But time passes and I didn’t work on the project and when the war, the invasion of Ukraine, started… I thought: I need to do something with this. Then I had the conscience: no, it’s not only about Ukrainian people that are coming to Portugal. We have a lot of refugee people. Let’s work with all of them. So I had this idea of joining, and crossing, the idea of making a project about the photos and to give voice to refugee women that were living in Portugal, in Lisbon, a couple of years ago. And because, I know, I’ve been talking with different refugee women, that one of the most important things, not only important, but
possible things to keep is photos. When you have to move very fast from your house, your city: you have just a bag, a little bag, and you put very basic things to move away. And I would say, most of time, there is a photo of the mother, the parents, of the kids, someone that you cannot keep with you. So this was the basis to the film. And the name of the film also is Kora. Kora is about a myth, a Greek myth, that tells the story of an artisan, Βουτάδης [Butades of Sicyon]. This man lived with her daughter and, one day, he received a visit of a young man, who asked him to be at the atelier and to observe the process of his working and to learn with the master. And he said, okay, you are very welcome, just stay with me, I live with my daughter, if you are okay, you stay with me, I live with my daughter, if you are okay, you stay with me. And this boy felt in love with the daughter. During one year, while he was learning with the father, Βουτάδης, he felt in love with the daughter. The name of the daughter is Kora. And there was a day, this boy, was called to go to the war. And Kora, of course, was very sad, it was during the night, he was leaving the day after, and there was a candle, just trembling, and Kora asked to the lover: stay there, because she saw on the wall the shadow of his profile. So she went to the wall and she draw the love of her life. And well, in art history, we say that this was the beginning of adventure, the beginning of keep the ones you love. And that’s why the film has this title (there’s a character at the film that also got that) and so during the process I told them the story and they were connected to this story, of course, and during the shooting, the shooting started with… I wrote a letter to them talking about myself, which was translated to each language, one, Ukrainian and others were from Afghanistan, Russia, and Sudan. I’m missing one.
R: — Syria?
C: Syria, yes, Len is from Syria. So I wrote a letter talking about myself, about my life, about my photos, the photo of my mother that is always with me. And they wrote me back, a letter, in their mother tongue, which I used in the film. We went to the studio, I had the translation from Portuguese but they were reading in their mother tongue and I couldn’t control, you know, the direction and correct any word I couldn’t; I cannot follow. So the only thing that I could control it was the tone. That’s why I think the entire film has a kind of the same tone in each language. We are in a very small room, recording the voices, it’s very intimate, and I think it’s there, in the film. They are also talking about very difficult memories, very sad moments, so there are some silence, some very hard moments to keep going and I think it’s there, in the film. You feel it, you feel it. And you see the gestures. Again, just small things that they do. I didn’t choose that formal way of filming to protect them. Some people ask me: ah, very, very nice, very gentle, you protect them, you don’t show their face… It was not about that. It was because I wanted to make a film where the narrative, a visual narrative, was just very close-up. It’s impossible to shoot an entire face with this lens. So we just see hands, little movements, small details of life, which is, in fact, how they feel. They feel completely broken. They feel pieces, little pieces. So the film [is these] little pieces. And that’s it. It was a very hard thing to do, especially because it was… Meanwhile, started the invasion of the genocide in Palestine. So I wanted to
put someone from Palestine in the film, but there was no refugee women in Portugal because people were trapped inside of Gaza. So it was a very… I think all of us in a different way, we are very touched in this historical moment that we are living. At least, I was raised and educated that we talked in school, in Portugal, that world war and this kind of wars were very far away… Very far away. Now we are in very elevated position, you know, so this is a change, a completely change of moment of our lives and, I would say, of our gaze, our behaviour and well, we are really all connected, all connected here in a very privileged position. But I think cinema cannot change at all the life of anyone, but at least can help us to make it more bearable. Yes, I would say.
R: To come back to another quite happy moment of our life, with a little bit of sarcasm, which has been the COVID pandemic. Here you presented your third feature film, Amor Fati, which, in a way, opens up to different topics and also different way of filming. It’s a romantic film, it’s a love film, and it’s also something that Stato talks about, it’s moving in a way from community to identity and how the two things are intertwined. I would like to show one extract.
[screening: Amor Fati (2020) excerpt and the audience applauds]
R: There are many things, well, the film is a big fresco. In this scene, in particular, it’s really many things happening. There is a moment of passage, there is a profound affection, which there is a ceremony, there is the enjoyment, there is the playing in the dark, so many, many things are happening. The film is about our attachment, our need of someone else, next to us, in whatever situation we go bad. — How did you start to work on this concept and how did you cast your protagonists?
C: It’s a very, very, crazy film. I think it’s an E.T. and something really, really different from my other films because I wanted to make a film of people that live together and start looking like very similar, couples, romantic couples; people with the dog or the cat. Sometimes we see someone: like a couple. You are very, very, very similar. The way you move, your expressions. And this is an obsession since I’m very, very young. I remember to see my parent’s friends and felt that they were all the same, very, very, similar. The female Portuguese… There is a certain age of Portuguese people, they start looking very similar, it’s very strange… And I wanted to make a film about this but I forgot one thing, it’s very subjective. What I feel is similar for you, Rebeca, can be not at all. So I invited an assistant to, during two years, be around Portugal picking couples, picking people that he felt they were lookalike. And he sent pictures and emails and, you know, the contacts. Some were yes, actually very close to what I was looking for and others don’t. So it was a very long process, casting in the street, the subway, the restaurants. I was completely crazy, you know. Imagine I was having a lunch with some friends and I was: [AUDIENCE LAUGHTER] don’t you see that guys, they are very similar, don’t you think so? Oh, I’m sorry. I go there. I’m so sorry, I’m a filmmaker, I’m making a film about this, and I explain to them, and if you don’t mind… — Can I have a photo of you and a contact? We don’t need to have a compromise
immediately. So it was a very obsessive process. I was really mad, really mad. The film ended, and I was keeping… [AUDIENCE LAUGHTER] I was completely obsessive about this. So we made the casting. We did this casting in the streets, in the restaurants. We also made an open call on the [World Wide] Web. Some people sent us some emails saying: yes, we are very similar. — Don’t you think we can talk with you? — It’s to do what? — A film about what? So they came, we did some interviews, and then we selected a group. I wanted to make a film in different parts of Portugal. We have a very small country, but so different. On the north, on the south, on the interior, on the coast, so different… And I wanted to make a film (it was after Ama-San, the film in Japan) inside of my country. I had also a burnout before (between Ama-San and this film) so I had to move slowly and I wanted to make a film at home… So, after choosing the couples, I went to live some weeks with them and it was that; it’s very interesting, the pieces that you chose, because this was very touching; for one hand, what we are seeing is a marriage party but the girl, she’s 14 years old; and the daughter of the couple that I chose, is this mother and the daughter. They are very, very, similar in very different layers, not only physically, but because they are repeating the same role, the same way of being female inside of a Gypsy community. The mother is teaching the girl what she cannot do. It’s very hard to see this scene. And then, outside, there is this party with this little girl with 14 years old. Again, the guys drinking and dancing and the female are around the little girl. And there is a moment that the mother told me: now, Cláudia, will be the best moment of the night, you need to be with me, we are going to a little room, come with me… And I understood, there’s something very intimate that is going to happen, I understood what, and I said: no but I’m going on without camera and she said: no, no, no, no, bring the camera because this is our tradition. We are going to check if the girl is a virgin. So please come with me and there is only girls, women and it was, of course, not part of the film; of course I didn’t shot. I was there with my camera. The girl, the little girl, when she saw me inside the room, she was lying on the bed, she was absolutely scared. She looked at me, like: — This is a nightmare and you are going to film? And I looked at her and I said, don’t worry, I’m not going to film. You know, sometimes in films, again, when it’s not fiction, it is not previously controlled, you are just in face of reality. You need to have some ethics inside of yourself because we can be a vampire. I am a vampire. I am, all filmmakers are a kind of vampire because we are so obsessive of making films that, it’s so physical, it’s a kind of a state of drugs; sometimes you are out of this world that you [ONOMATOPOEIACALLY SWALLOWS] want everything and sometimes reality says something to you: put this shit together, don’t be a vampire… So I left the room and I think this it’s not there but you feel, a violence, a happy violence all the time…
So it’s a film, that it’s a very strange film, I must say. There is a lot of people that hate the film because during the first half of hour, I would say, you don’t understand exactly what I’m trying to say. It’s very subjective. It’s like to read a book of philosophy. [AUDIENCE LAUGHTER] You get in and you don’t understand and then you get in again and come back. It’s not a very easy film. I remember, during the editing, because it’s… — What word did you use? Fresco, it’s a fresco. It is, little pieces and during the editing, I always
work with the same editor, João [Braz] and normally, at the end of the process of the editing, I invite some friends to share the screening and, I remember that at the end of the screening, it was terrible because the lights get on and they were super concerned about [CLÁUDIA SMILES] —How are we going to say to her that this is not good? [AUDIENCE LAUGHTER] we didn’t understand… And they said, they said: Cláudia, I’m sorry, I don’t understand the film, I don’t understand the film! — It’s about what? And this obsession to understand everything, it’s about what, you’re talking about what, and then I was very, I don’t know, if I was sad, I don’t know the right emotion, but I remember to call to João, the editor, and explain what happened during the screening and he’s a old guy, he works with very different film directors, since Manoel de Oliveira, to Cláudia [AUDIENCE LAUGHTER] very different generations, a different approach. And he said to me: you know, I’m feeling that, back to the oldies, when I worked with Oliveira, João César Monteiro, we made films just, you know, following our desire, our story, our desire to make the film. And nowadays there are so many films, so many films, that we are worried of not being part, of the middle, of the boom of the festivals, a kind of the same language… — You know what I mean? And this desire of understand everything, to get out of the room and, at the end, agree with you, and with you, with you; we have the same opinion to be in… And we need to be in this, accord… Like the first film of Manoel de Oliveira that I saw [Abraham's Valley], I didn’t understood and, I must say, probably it was one of the most wonderful experiences that I had, of not understanding, but feeling, feeling it. And Amor Fati, it’s a tricky film in that way. If you want to understand, you will not. If you want to get lost inside the forest, so you go ahead. [AUDIENCE LAUGHTER]
R: Thank you.
C: Thank you.
R: Let’s watch an extract.
[screening: Ø island (Ø ilha, 2020) excerpt and the audience applauds]
R: You were discussing before about ethics and the importance, and how this decade, and yeah, extremely, with a lot of responsibility to approach bodies and yet I think it’s amazing to be able to film bodies like this; and there is a also in your previous film, that could be Ama-San or In the darkness of the theather… There is attention towards intimacy, which is always very respectful, but there is a tendency to look for a private space and… — How do you relate to the intimacy and to the private [space] of your protagonists?
C: I believe that, in our private lives, is the place where we are most connected to ourselves. We are more relaxed, we are not shy, well, we are, but at least not so much that when I’m here in public with you, for example. So I always wanted to make films in a safe place, where we can be more close to intimacy, in this way of being more close to the inner world of each one of us. This film was made during the COVID, during the pandemic period, and
it was an invitation of the Theatre of Porto, Teatro Rivoli. They invited me to do something related to that period. This was after Amor Fati, that Amor Fati premiered here [at Visions du Réel] during the pandemic and so, then, I made this film. And I don’t know how did you live this period, but I’m a very touchy… I like to touch people and people kisses. I was really missing of touching, really missing of being close to people. So when they invited me, I said: I want to break the rules and don’t be with mask and I want to invite someone to bein my bed (they are in my bed at one place) and to film them and film their bodies so we are in front of very different bodies (all the bodies are different) and it’s just women, again, and they are naked and they are talking about their bodies… I was working with a choreographer. This is a codirection. And the choreographer, there was a moment, that told me: Cláudia, if they are naked, we should be naked also, filming [AUDIENCE LAUGHTER] so we can be in the same level… Come on! And she was in a very activist disposition and I felt guilty I was not comfortable to be, you know, naked with the camera and I said: come on, Joana [Castro] I’m sorry, I’m not, I’m not okay with that. But, you see, this says something about cinema. You are always in the position of power, you know, filming something… And I said: ah, fu… [AUDIENCE LAUGHTER] So… I start getting out my clothes, step by step, and I made this film in an horizontal way. [AUDIENCE LAUGHTER] There is no pictures, okay, of the process, but, yes I was working with people from different fields that made me think that, yes, at least, in this project I should play the game. So the film is also about that: the power through bodies (each one of them talks about the relation they have with their bodies, being female, women, it’s very particular, the relation with the bodies; so I have a very beautiful memory of making this film. I forgot your question. I don’t remember what you asked. [AUDIENCE LAUGHTER]
R: You were already responding.
C: What it was?
R: Towards the intimacy, your interest in the private space and how to, ethically, deal with it, it’s very delicate…
C: That’s important. That is a secret. I always film and show what I’m filming to the people… Always. Which is, first, to be sure that I’m allowed to do what I’m doing; and also to give responsibility to the people to do. For example, when we are more close to fiction film I think it’s very important to see: to see the brushes, to see what we are doing, because sometimes actor are not understanding exactly what I see and what they are… There is a gap between doing and sink, it’s not the same thing. I remember one of the first short films, there was a character, it was a mother and so the film is called Cold Day [Um dia frio (2010)] and it’s a story of a day inside of a family. The film starts with the mother and she’s touching her breast, in the beginning of the film, looking for something… So we understand that she’s worried about, maybe a cancer or, something and we go with her, during the day, she’s going to work and at a certain point she’s going to the hospital to do the exam but between this first very moment of the beginning of the film and the hospital, Maria
[d’Aires] (it’s the name of the actress), she, you know, she the scenes were very, very, daily life, to do something, working in a library. So she need to put some books on shelves. Just this and she did this movement. We start shooting. She imagined we have some books here and she had to put over there, just this, and she had this on her mind: I’m sick, I’m sick, maybe I’m sick. So we start reading, she brought the books, put beside of the arm and she did this: she touched the breast like, I’m a problem. And I saw this… — Why is she doing this? It was in a subtle way, but at the end of the shooting, Maria, you did something strange, you touched yourself in that moment… — But why? And she said to me: because she was concern, she was worried about the breast cancer, we need to show it, Cláudia. And I said: but you need to trust; come here, come here and let’s see it together; so we saw the image together and she: ah, she said: okay, maybe it’s a little too much. [AUDIENCE LAUGHTER] I understand, I understand. It’s very hard to trust on the gaze of someone that is just asking you to trust. Trust in me, trust in me. — But why should I trust in you? — Why? There is some moments that maybe people don’t agree with your decisions so I thing that it is v-e-r-y important to share what are you doing, not all the time, because otherwise, actors…
R: Come back to what you’re saying… [AUDIENCE LAUGHTER]
C: They are very self-conscious of the image (and they suffer a lot) so we need to find the middle term of showing and protecting, also. That’s it.
R: Nevertheless, then, with the Lobo e Cão you are working also with extras.
C: Yes. Non-professional ones, but yes.
R: And this is a film that I was reading that it starts with an epiphany, like a vision of an encounter… If you can tell us a little bit of this moment in which you were inspired to make the film.
C: Yes, there is an island, a Portuguese island, which calls São Miguel, which is part of an archipelago, Arquipélago dos Açores, Azores archipelago, and I was invited to do a residence (artistic residence there) during a couple of months And the residence, it was in a very small village, a fishing village, the name is Rabo de Peixe (a fishtail) and is the poorest place in Portugal and one of the poorest places in Europe: it’s very, very, poor. And the residence was on the upper side of the village (but the bourgeoisie area) and in the town area, the neighbourhood with the fishermen and their families. So, in the first days, I went close to the sea (the neighbourhood of the fisher people) and I was just observing a group of men, they came from the sea, they were cleaning the nets and preparing the tools to the other day. And, well, fishermen, you know, tattoos, very masculine, I would say; and they didn’t pay attention to me at all and I was just observing; and there was a moment that I start listening a group of female voices very young, and when I saw them, it was a group of trans girls, very young (around 16, 17 years old), super well dressed, high heels, wonderful maquillage [makeup], powerful. There, on the
corner, the corner of the corner of the island, the poorest area of Portugal: fishermen, you know, without shirts, tattoos and these little girls, like angels, princesses, coming, and they cross in front of me, they said: Bom dia, senhora (bonjour, madame), très gentilles. And they went in the direction of the guys, and I understood they were family. They were the daughters, you know, friends, they were part of their neighbourhood and everything, apparently, was very well organized, very kind, I didn’t see any kind of aggression or, you know, some gaze and it was very beautiful to see that moment and I, immediately, understood that I want to make a film here because I was super curious how it was possible of this, apparent, normality of such different gender expression. And then I started talking with the girls. Of course I understood that it was not so easy, the life of them, but I understood that there was a kind of tradition of trans women in that community. It was absolutely amazing for me. And then I started visiting different villages, around the island. It’s a very catholic island, where is an upper class and very poor people: there is no middle class and it’s a very feudal society… I understood, while I was visiting the different villages, that there was a lot of queer people (because queer people are people) [CLÁUDIA
SMILES]
and exist, it’s so simple like that and when I say queer, it’s people who do not correspond to a certain kind of norms at the center of the society. And this kind of society, very religious, it’s very hard. Or it’s very obvious, when you are not in the center, the ways you dress, you move, because the male figure is very well defined and the female, also. So the kids, when they are (everything inside the body), you immediately understand. So when I started talking with them, I understood that there was a lot of suffering. There was, very present, this idea of isolation of… First, isolation, of being different. Then, isolation of being inside of an island. And when you are poor, if you are in Portugal in the continent, you can get in a train or a bus and move to a different city. There you have the ocean, you have to have money (you need to have money) to get out of an island and a lot of kids are really, really, poor so it was not easy, there, was no any kind of association to LGBT people so it was very hard; and so, during the process of making the casting, I started suffering. I started suffering because I was in front of very young people. I’m not a mother, but I’m a person. So I just wanted to keep them with me and take them to my house because they cried.
I remember one day (I was just with my assistant) during the castings, there was a trans woman (around 35, 36 years old) and she was telling her story: she grew up as a boy, but she knew that she didn’t identify as a boy and she was from a very, very, poor village and the father started violating her and the uncle, everyone inside of the house. Then she was put out of the house and to the streets. She started consuming drugs, prostituting herself. And one day she, there was someone (there’s a lot of drugs in this island) because there is a story of a boat that, you know, on the beginning of the 2000s get there and there was a lot of cocaine. A lot of people started consuming cocaine. It’s a crazy story. So there is also, you know, poor people with drugs. And it’s a very, very, very hard island. And this woman were invited to (I don’t know what to say) get some drugs to a different country, to Sweden. She was completely lost, alone in the street. She said: — Me? — Why not? I take it. And she was arrested in Sweden. And she was telling this story, she started
crying, but in a very straight position. And I remember to say to her: I’m so sorry about that. I’m so sorry. And she said: don’t be sorry, madam, because in prison, I have for the first time a room, I was living in the streets; there was a doctor who asked me if I was in the right prison, or if I wanted to go to the female prison and I said, yes, I would prefer to go to the female prison. She moved to the female prison. And they asked me if I wanted to start the hormonal therapy, so lady, don’t be sad [AUDIENCE LAUGHTER] it was like in a hotel. It was a funny story, but of course there was a lot of pain. And it was on this day after the casting, I remember to get to the house with my assistant in the car, and we are just in silence, inside the car, and I said: Fŭ’k′ĭng me, what I’m doing with this film is… I’m going to shoot with these people and then I disappear… To tell the stories about these people and disappear, like this. I cannot do this… And he said: yes, I think I will use my savings, all my money, to buy a house here, to put all these girls and try to find some psychiatric and a group of people. And I said: ah, yes, we should try to organize an association, an LGBT association. And we created a project with professionals that now, they have finance from the government of the islands and they work with the nine [Azorean] islands. Everything changed a little bit, at least. They can start the process, the medical process, at the island, now; they have therapy there, they have groups of talking, they have friends… During this process of casting, what we understood was that kids felt they were…
R: Alone.
C: They were… Just the only ones in the island that preferred to dress a dress and not, you know, a jeans. They felt very, very, lonely; also the families, so this is a very happy film, in this way, that we were inside the island, everyone of the island knew that there was a film there, there was a crew making a film and we made a film with a lot of help of the community. It was super touchfull, it was super beautiful. I have the best memories of making this film. It was during the pandemic, also, so it was a kind of oasis to make the film.
R: We can watch an extract.
[screening: Lobo e Cão (Wolf & Dog, 2022) excerpt and the audience applauds]
R: There is a big contrast between the two parts of the two scenes but I think that, in both parts, there is, really, a grasp of what does it mean to be an adolescent on a teenage hood in this very, like, passage moment of our life and I think it’s very well grasped; there is a lot of franticism and you understand a little bit what’s going on, about the expectation for the future, and also the desire, very strong, plenty of desire. — How did you were (not bad mounting) but you were not enthusiastic about actors during the masterclass [REBECCA LAUGHS], so I wanted to know how you work with them and how it was for you to direct a film which was, it’s really, in between the two?
C: Yes, so the script was written… It’s a fresco, also, it was written over the first idea that I had and then it’s a collection of stories of people during the castings. And also some stories of the protagonists. None of them are representing themselves. But they are very, very, connected to each story. So I choose them because they were connected to the character that I had on the script. Working with non-actors, the good part (of course, there is always a good and a bad part to which method, which way of working with actors and non-actors). The good part of the work with non-actors is that it’s like we are playing together, on the same level. We are going to a scene knowing exactly, almost exactly, the same. Because we are improvising. I’m with my camera, the protagonist or the character is doing the things for the first time. We don’t do a lot of rehearsals, at least, some scenes… When, for example, for this scene, there is a touch of a guy, you will touch him. We did some rehearsals, but generally we just go, we have an idea to the scene and we just go and do it. We improvise in front of a camera as a documentary. And the bad part is (I think, to explain it, I will tell a story about this kid). His name in real life is Ruben [Pimenta], the character is Luís. Ruben, I picked him because when I saw him I said: It is him, it’s him, there’s no way! And he was from a very, very, poor neighbourhood, he was orphan, he lived with a grandmother, he was very tough and very boyish, you know, the way he dressed, the way he moved it was: don’t get too close to me; and I liked that because I saw, inside of him, other thing, a butterfly, and when I invited him he was very happy to make the film and, after one week of shooting, on a Sunday, he sent me a message saying: Lady, I’m not going to do it anymore. And I asked him: — But why, Ruben? — What is happening? — There was someone that didn’t treat you well? / No, no, lady, I’m not enjoying. — But what? — Don’t you like? Lets’s talk, let’s meet let’s, have a coffee, let’s talk… I was fŭ’k′ĭng afraid, you know, one week (it’s a lot of money, already). This is a part; and the other part, I was in love with him. I want him, it’s him and it’s very hard to to choose another person, so I seated with him and he said to me, it was not immediately, but he said to me: you know, lady, I don’t know anymore who I am, if I am Ruben or if I am Luís. And this is crazy for me. I use wonderful clothes during the film I love it my nails I love it you know know everything. I would love to be like Luís, but I can’t. So I started feeling lost. / And I said, thank you. Thank you because I’m not protecting you. I felt it’s my fault. And, you see, if I’m working with a professional actor, he knows how to get in and get out of the character. And I didn’t protect Ruben at that moment and he learned, he taught me how to do it, so we picked up a sheet, a paper, and we draw two different columns: — Who is Ruben? We define it. — Who is Luís? Luís is like
this, this. Okay, to start discovering the character and to define who is Ruben and this was very helpful to keep working. It was helpful to me to keep working with the other actors. So I learned a lot with this film. I was a kind of a dreamer. When you mix, in fact, a script, some ideas that you really want to shoot, but they want to, also, that they can be what they are, it’s tricky, it’s very tricky. At the end of the day, it was an incredible process. It was very, very, touching to premiere the film at Venice Film Festival, Giornate degli Autori. We could take some of the kids. It was the first time that they get out from the island. They didn’t know what they were going to live; we already know a little bit more; it was was the first time they were seeing the film and, at the end of the screening, fŭ’k, it was incredible because everyone in the room just stand up and start applauding to them. I felt it’s not to the film, it’s to them, because they understood the context, and they grabbed each other, like, they looked like an island, and crying, crying and I felt that that was for them in a way that it was a process to them; who won at this moment it’s more close to Luís than to Ruben. He just came out, completely, it’s a butterfly. They get out of the island, really, they moved away. Ruben is in Canada now and Ana [Cabral] is in continental Portugal. They move away, a lot of them move away, so it was very important.
We have in Portugal, like probably you have here, the ceremony to give awards to cinema like les César, we have in Portugal the Sophia awards and I was there with this film. At the end of the ceremony, there was a colleague, completely drunk, a filmmaker, completely drunk, that came to me, and he said: you know, you are very talented, I like your films, but there is a problem, cinema is not a social project, so pay attention to that. [AUDIENCE LAUGHTER] Wolf & Dog, it was a very particular film. When I went to the island, I didn’t thought that I wanted to make a film there. When we created this association, it was not… It was because we needed help. We needed help to work with the kids. For example, during the preparation of the film, we invited two psychologists to do a kind of method of work, which is psychodrama. They worked with a group of actors, the families and the kids. They meet two times per week 2 to 3 months before the shooting and they improvised, each one of them, improvise some moments of their lives; the other ones represented other elements, imagine, one of them wanted to represent moment he told the mother is gay; okay, this lady, the mother of the other one: you will do the mother of the kid… So they improvise a lot of very painful situations and they change the rules: for example the mother that was representing this mother change with the kid and represented: I’m gay, I want to talk, my story… They play all the different roles so when they started making a film they were very connected, they are very connected at this moment, they are friends, they are super friends they discovered a family, a place to belong. It was very beautiful. For me, it was one more film, of course, touched me a lot, I learned a lot, but for them, the film, it was not the most important part at all: it was the process, making friends, breathe and talk with the family. It was very beautiful to observe that.
R: Thank you. I think we are running out of time. I have one, very small, last question, and then we can open the floor if you have questions. — How did you work on the editing? I think in all your films the editing is very different.
It’s very rare that we find a pattern that comes from one thing to the other. And in this [Wolf & Dog] in particular there is a clear narrative structure, but also a moment in which the film takes other paths. — So how do you work on this part?
C: Each film says what it wants… Sometimes you want to put a scene because it’s beautiful. I remember with Ama-San, the footage was amazing. It’s beautiful. And under the water, imagine, beautiful fishes, beautiful colors. I remember to say to João [Braz]: put this, this one, this is so beautiful. And João (the editor), there was a moment he said to me: Cláudia: — Why this shot? / Because it’s beautiful. [AUDIENCE LAUGHTER] And he said: but doesn’t say anything. / Okay, but it’s beautiful. And he wrote on a stick, he put a little paper on the monitor saying: be careful with the graphic demon. You know, this drug, addiction to the beautiful image… And I weren’t with AmaSan and so… With Kora, I worked just by myself, I just filmed by myself but with the other films I work, almost all the time, with João [Braz], that’s a friend… Each film says what it wants. There is no way to explain better than this. When I try to put something that the film doesn’t want (this looks very esoteric to say but, it is, like this): sometimes I want to put a scene because I’m super attached: because it was hard (or very expensive [AUDIENCE LAUGHTER] to dive) and I need to put there, you know, to explain, to justify and the film, then, says: nah-nah-nah and it doesn’t work! And you get out, it’s everywhere, and flows… So it’s a school of… Opening your arms; João used to say (it’s horrible this image, but) when your cat dies and you don’t accept it and you keep, you know, doing this [with gestures simulates stroking/petting]: no, my only cat. Sometimes we cut an image and I say: no, no, it’s a bit… / Take care of your little cat while I’m working. Because it is, the filmmakers are very attached to some image, specially when you make the photography. And I do it a lot of time; in many of my films, I operate the camera, I’m super attached of emotions that I felt during the moment and it’s hard to give away… But that’s it! Each film is a different process of editing, of the design of production, of time. It’s like, I imagine, you’re are a mother (it’s like children), to have a kid. — Each one of them is different, isn’t it? And you say: I would love that you study, you know, you could be a professor or a doctor. And they say: no, I want to be an actor. [AUDIENCE LAUGHTER] And you cannot insist. It’s the same with films. They have their character, their identity. There’s no way to push them. That’s it!
R: Well, that was a great, great way… Thank you, thank you.
C: Thank you very much. It’s a lot of pleasure.
R: And, so, now it’s your time.
Questions from the audience, #1: I’m taking the opportunity today to ask you the two questions that I didn’t have time to ask you yesterday. The first one is about the short movie Ø island. And beside the reference to Virginie Despentes’s King Kong théorie, I wanted to ask you if it makes sense to you.
What I said is the method for equal aspect to the island, which is actually also seen in Ingmar Bergman’s Persona, which is the psyché of the main actress. And then the second question is very technical: it seems to me the morning light, it’s an analog film (maybe I could be wrong) and then the rest is digital, and just wanted to confirm this. Thank you.
C: Thank you for your question. It’s not analog, it was a process. I made the film in a digital way, and I did it a blow up to 35 millimetres, at the end. It was a process, at that moment (that actually I would love to do it again) but yes, what you see is a digital copy of a 35mm master. Regarding the Ø island, Virginie Despentes and the connection to Persona, I didn’t… Again, what I like to share in the process of sharing the films with the audience is to understand the other gazes. I didn’t do that connection, at all. As we talked yesterday, I read a lot, I’m very connected to literature. It gives me some keys, sometime, to discover my own films because when we read, we are connected to a part of us that it’s very difficult to express in a different way; yeah, it’s a silenced dialogue that stimulates me so much to discover my films and that’s why there is this part of the Virginie Despentes in the beginning of that film. Actually, in other films, there are some sentences in the beginning or some voices. They are a kind of keys to get into the forest and don’t suffer to lost yourself because you remember that words. And that’s it, but no, I didn’t connect. I love it. At the beginning of my studying process, Bergman was a kind of master for me. It was very, very, important. Maybe in our subconscious there is some connections, but each one of us see the poem that we have inside of us. That’s your poem.
Questions from the audience, #2: Thank you so much for sharing your journey. It’s a strange question, but I’m kind of curious about how you conceive of the afterlife of your work in the sense that if one day your films go into an archive, maybe the photos that you prepare for your films, the notes, the traces of the process. — How do you conceive of that? And I guess I’m also asking: — Are you organized? — Do you keep everything? I’m curious about…
C: Thank you. Very, very, interesting question because there is a different world, a different layer of life. While we are making a film: is a process, it’s very intimate as I said that a lot of photos a lot of analogical photos. Yes, I’m very well organized, everything is very well organized, but I don’t think in the future and how this will be preserved. I just don’t want to. I have a brother (that we are not very close because he’s from the right wing, the extreme right wing). This is the only thing that I don’t want to, you know, that my films go to that part of the family, that the films stay in Portugal, in the Portuguese archive. But special, because I remember when I present Ama-San in Japan, we organized the screening just to the women, the divers. They came, a lot of divers from a different part of Japan to see the film. And the film followed three characters, and the oldest one, she never understood very well what I was doing during the shooting. And there was a moment she said: I don’t want to make this anymore. / Okay, fair enough. And when she came to see the film, she was retired (so she was around 82 or 83 years old) and she came to me,
she hugged me and she said: I’m so glad this film was made because now I can show to my granddaughters and sons what I do under the water because it’s something that nobody can see. That touched me a lot, of course, and I think films are this: is something that is made under the water and, yes, the dossier, the photos, I like that we can keep it because it’s a kind of another form of interpretation of the films (and can be, I don’t know, I don’t think too much, first because I am still with this imposter feeling, you know; each film that I made I had pleasure but I’m always shy of sharing it because I think it’s not good enough; so imagine to someone like this, thinking about the future. That I don’t want but I remember, also, during some years, I lived in a very, very, old apartment in Lisbon and the apartment by my side, when I moved there I discovered that lady that lived there, in the apartment by my side, it was Noémia Delgado, the first female filmmaker[*] in Portugal. She died two or three days before I arrived and her brother came to take out all the stuff inside of the house. They were not close. And he put it on the street, the scripts, a lot of 35mm bobines, a lot of stuff that broke my heart. I went there, I kept everything that I could. I gave to Cinemateca Portuguesa and that touched me a lot and I think it was the first time that I thought about future. I thought: I don’t want that this happens to me. When I’m making the films, the films are mine, mine in a way that I’m responsible of them. The moment that I finished, they are not mine, at all. They are part, first, of the Portuguese Institute of Cinema, part of the State and of the world, of course. I hope this doesn’t happen to me, I hope to organize in that sense but I don’t know how it is here [Nyon, Switzerland] or in London but in Portugal we have a lot of work to do with the archives. There is a lot of work to do. It’s a problem.
gray-film advocates Virgínia de Castro e Almeida (magazine cover) as the 1st Portuguese female «cinéaste» since the term was written in 1920 by Louis Delluc (1890–1924), filmmaker himself and pioneer of film criticism.
NOÉMIA DELGADO
Máscaras (Masks, 1976) was a pioneer of Portuguese ethnographic documentary. The best published research so far, by Manuela Penafria is the 1st chapter of Women’s Cinema in Contemporary Portugal (edited by Mariana Liz & Hilary Owen). In Portuguese, for students , also by the same author: pedagogical dossier from the National Cinema Plan. In September, 2025, for the first time, her name will be given to an Award for Outstanding Women in Horror at MOTELX, Lisbon International Horror Film Festival.
Questions from the audience, #3: Hello. I would like to listen to you. My question is: — Where do you find your inspiration, mostly?
C: I don’t know. I don’t know how to answer because sometimes I know exactly, I know how to precise: where the moment of eureka happened. I was talking about Wolf & Dog, it was this image of the fisherman and the girls. Some ideas came from different… I cannot precise the moment that happened but I think, I say, I know. It’s strange and it’s very analytic but it’s very connected to the past to, I would say, to childhood, to a moment that I was just observing, a lot of things at least, the seed of the films are there, the little seeds. Of course, then, to develop the ideas, the inspiration, more concrete and more political attached, it comes later (the answer to that question). But people, in general, I think it’s obvious in the films, I’m super connected to people and the way we relate to each one of us, I’m very, very, very touched by that and with groups, groups, and the way we organize to enjoy life.
Questions from the audience, #4: Thank you so much, it’s so nice to hear you talking so just to use this chance to let you talk a bit more. [AUDIENCE LAUGHTER] Is there ever a moment when you reconsider working with the extra camera person and not to film yourself?
C: Yes, I’m trying to learn to do that; there is something that we don’t talk a lot but making films is very physical (at least for me)… I prepare myself to a kind of competition, to be an athlete. I take pills, like vitamins and things, and sleep well. And I prepare myself, physically, to be able to make a film because the cameras are heavy. It’s a very physical process. and sometimes I think I need help, I need to trust someone that has a way of looking close to mine. I didn’t find that person yet, but I will, I’m sure I will. In the beginning when I started making films, I was very dreamer. Like Ingmar Bergman, I want to work all the time with same people. And yes, sometimes I can do it, but it’s good to experiment different relations and people brings different things. And in photography, I’ve been working with a DOP that’s very friend to me and he knows that I want to be with the camera. Because I do a lot of hand-held camera and, I don’t know exactly what I’m going to do, inside the scene. I know that I’m going to follow something, but I don’t know exactly if I’m going to move from this point to that point. I need that the light can be prepared, the space is prepared to the action, that the actors can move but I don’t know exactly what’s going to happen. And I like that. It’s a dance, between me and the character, a huge, huge, pleasure (this process). I need to start dividing this because some things (are not like this) are more technically… White screens or something that don’t I don’t need to be involved. It’s control freak, also. [AUDIENCE LAUGHTER] We must admit…
Questions from the audience, #5: I would like to ask you that about the relationship between you and your editor because you said before that always you work with one or someone is your editor. And then, as you said before, sometimes you really like this picture, this photo, and you have to throw it away. You are so sad, so. and how you do that, manage the process that you
insist even,… — Yes, I really need this film, this picture? Or if Juan [João Braz] said, your editor said, no, it doesn’t work. — How is your dialogue between you and the editor? — What is the relationship between him and you?
C: It’s a very intimate relation and a friendship relation, which means that I admire, I trust and I really like the way this person thinks; so I trust him but, it’s true, sometimes we don’t agree and in these moments it’s better to be an adult and in beginning, you start shaking, you’re not secure, but with time, I already know when I should fight for something (and sometimes I fight) and sometimes, at the end of the film, I know he was right and I was wrong and sometimes I was right and he was wrong; but we need to take risks: make films is to take risks all the time, which means you have to decide; take decisions. There is this film of Truffaut, La Nuit Américaine [Day for Night (1973)]. On the set of shooting, there is a moment (I’m not precise, I just have this memory of watching the film) Truffaut is, you know, from one side to the other side, and someone of the crew [Lajoie (Gaston Joly), le régisseur, the stage manager] came and asked him to the next scene: — Do you want a green car or a red car? And he immediately said (I don’t know, I don’t remember) the green car. And there is a guy, a journalist or someone from outside that says: it’s incredible, you know exactly what you want to choose. And he said: no, at all. I don’t know. But I need to take risk. I choose. If it doesn’t work, I change. So, yes, we need constantly to choose. — So, Cláudia, do you want this glass or a small? Some questions, absolutely stupid, like things that this glass or a little small; sometimes the difference is like this, nobody will see, but you have to decide, someone will ask you which glass do you want. This, all the time, all the time, all the time, all the time… And you need to think, you need to decide but you can change, nothing is definitely… But that’s it, you know, you know… I remember to see an interview with Chantal Akerman and she was explaining when she knew how to cut a shot; and she answered something like: I know here, I’m just watching the shot. The time passes and I feel here. I say: it’s here! Cut here! I feel it inside of me. So again, it’s a very physical process. We are all connected. We forget this. But this and this is the same. Your body says: keep the shot, keep it (sometimes).
Questions from the audience, #6: I’m a newly documentary student, and I was wondering, as much as I love what I study, there’s a lot of discomfort from holding a camera. I think it’s very invasive. That’s also, maybe, because I’m shy. But I wanted to know what your thoughts were because you spoke a bit about power dynamics between the filmmaker and your participants and does it ever feel that you’re instrumentalizing them and, if so: — How do you navigate that?
C: It’s a very, very, very good question and I think at the cinema schools we should talk more about that. I could say it’s something that you feel, you know, you have your own ethics and you feel, but it’s not like that. You should respect the limits. In the beginning, I think the most important, it’s like a relation, a romantic relation, between two people, two persons: we should be in love and we should be (not exactly feeling the same but we understand that we are) curious about the other person and it’s the same feeling. If this
is not happening, it’s just one side that it’s in love and the other side is not, at certain moment, we’ll be invading the space. So I think during a shooting, it’s very important that the person that you are filming should be curious about you in the same way. It’s a different position, but the curiosity, the interest, the involvement should be very similar. Very similar. And then you are respecting and you feel it, it’s like a pas de deux, you are dancing together. I know because I’ve been working sometimes with the cinema schools so I’ve been following some projects and I know when the director (is very shy) feel (it’s very easy to feel) that he’s invading. I understand that, but you know there is no films without camera first. There is no films without, you know, shooting a moment, no grabbing a moment, it’s impossible. That’s why I think it’s very important the process before the shooting: to know the people, to be there, to talk, to drink, to be drunk to have fun to talk about very personal things, to start understanding the limits of the other person. And then is easy to respect.
The Intuition of the Instant: Interview with Cláudia Varejão
me. It wasn’t until I had studied physical education (having been a swimmer and involved with the body for many years)that I realised that what interested me was what I always had in my hands: a camera. So I went to study film in the context of a partnership between the Calouste Gulbenkian Foundation and the German Film and Television Academy in Berlin (DFFB).It was during this period that I realised how much I felt I was in the right place when making films.That was in 2006. Almost 20 years ago. I’ve never stopped writing with images and sounds since then. AM What is striking in all your films, from the very outset, is a unique sense of framing and light, a way of capturing beauty in every situation. You also act as cinematographer on most of your projects. Can you talk us through your process? CV It’s true that I write a lot of my films in the moment am shooting them. In other words, write with my gaze,with the light and in an intimate pas-de-deux with the people in front of me. Maybe I am just continuing to explore the basic childhood pleasure of looking at the world through a camera. But I have to add that, although this may seem like a kind of work that is very closed in on my own gaze, it isn’t. One of the dimensions of cinema that fascinatesme the most is that it is a collective art. There are things that can only be revealed because a group of people are working in the same direction, and they trust the director as the one who will catch the fish.As if the group were building a human chain, so that the person at the end could
EN Aurélien Marsais,member
Respect: should be a flag that is all the time there saying that: you feel it. When you are invading a little bit, for example, this old lady from the Japanese film, I remember to ask her to go to her house (she lived just by herself) to shoot her during the meal eating, cleaning the dishes, going to the bed, waking up (I know, a lot of very, very personal things) and she started opening the house, she said yes and at the moment I felt: she’s not comfortable and I push it a little bit, just one more little thing that I want to do… [AUDIENCE LAUGHTER] And she said: no. And I get up. So this is a dialogue, it’s a dialogue. It’s not something that you imagine that you want to do and just do. No! You have to dialogue. You have to involve and emancipate the people in front of you… But I’m very solidary with you because I understand when we are (I was more shy than I am but I am) and sometimes I’m completely afraid of asking something. It’s terrible, I understand, but I think it’s a process of learning, of experimenting. It’s very important to do it and not keep everything just inside of us. Do it. Experiment. ��
felt something was happening. I’m glad that moment was kept in the film. AM InAma-San you film a traditional community of Japanese-speaking women. How did the fact that you could not understand their language influence the way you filmed them?
CV I think the answer lies in what I said earlier. Verbal language has been one of the most common forms of communication for human beings since ancient times. But it wasn’t always this language that we used, or only that form of communication. There are other ways of ‘speaking’: with the body, with our gaze,with our movement, the sound we make with our gestures, etc. And there is also the world’s dialogue with us: the light of the places, the sounds of the landscapes, the animals, the food, in short, a whole series of elements that allow us to read the moment. Being in a place where verbal language is out of the equation is a banquet of other
“island inhabited by creatures which are neither male nor female – a possibility for a new form of hyper powerful and polymorphous sexuality. This is what cinema tries to capture, show, denature and exterminate.”How does this thinking influence your relationship to the subjects you film, and your relationship to cinema overall?
CV I’m very attached to literature. love to read. Apart from life, it’s from books and writers that I learn the most. I like to bring what read into my films, which is perhaps why my films sometimes begin with readings, narrations or visual excerpts from texts. They often act as a keyto understanding the film. It’s a way of preparing the eye.It’s like reading a book before falling asleep and dreaming.
AM In an interview you gave about In the Darkness of the Theater I Take Off my Shoes,you said:“cinema heroes are immortal”. Do you think cinema is a way of leaving a trace of your characters? What power does cinema hold today, and in the near future?
CV Cinema is the art of memory. It transcends the inevitability of life:death.Whatwe film will always exist beyond the life of the person who made the film. That’swhy I started filming my family: to save the image and voice of the older relativesthat I felt were going to die.Today,
Films don’t change the world. But they allow you to live differently from the norm
grammars. That’s why it was so stimulating to make that film. And the most fascinating thing is that when I got to the editing room, and after the subtitles had been inserted for all the scenes, I realised that absolutely no essential meaning had escaped me!
AM You say a lot by capturing silence in your films. Can you elaborate on this relationship you have with bodies moving through silence?
CV The point is that for me, as I said, not hearing words doesn’t mean that we are experiencing silence. There are so many other sounds, symbols, noises, so much information. Again, it’s just a question of looking outside the centre. It doesn’t mean that if we don’t have dialogues all around, it is emptiness.
AM In Amor Fati, as well as in Ama-San, Morning LightorWolf and Dog, love is often represented through scenes of bathing,whether between a mother and her child, a grandmother and her grandchild, or two lovers. Can you expand on the importance and symbolism of water in your films?
CV I’m not going to be veryprofoundabout this: water appears in my films because I really like water. That’s all there is to it! I started swimming very early on, almost at the same time as started walking.And that brought the element of water to the centre of my life. I walk and I swim.
It’s part of my life. Maybe being in the water changes the way you move. It is, I would say, closer to flying. It allows us to access another kind of physical freedom. I really like that. That’s all. There’sno symbolism attached to it for me. It’s about pleasure. AM Morning Light (2011)isa more fictional work (and the last of a cycle of three short films), and so is Wolf and Dog (2022).How did the documentary films you shot in between influence your way of approaching this latest film, which perhaps leans more towards fiction?
CV The grammar of cinema for me is always the same. The process of making my films is also
etc. After
tors,
“academic” phase, so to say, I freed myself up and gave myself over more to the unpredictable. But this apprenticeship in fiction was very important for me: because of it, I am now able to move around freely without worrying about labeling the genres of films. Wolf and Dog is an example of this. It is a film whose script was written from many voices: mine, the people interviewed on the island,the people who came to the castings, the chosen protagonists themselves.And during the shoot, so much was introduced in the moment, thanks to the spontaneity of the people, the crew, the weather, the landscape. That’s what excites me: reacting to what is happening in front of my eyes.As Bachelard said:“the intuition of the instant” AM Your films often start with a quote. In
when rewatch some of my films, I always meet people who have already died too. The experience of encountering the past in a living way, as a film allows us to do, is very moving to me. It is awe-inspiring – like people felt at the birth of photography! And then there’s also the political and historical dimension. I like to imagine that I can contribute, even in a microscopic way, to the collective history of humanity. Perhapsit’s just a way of trying to combat the emptiness of the vanity of creation. Even though I feel, in the historical moment we’re living through, that we don’t seem to have learnt from the past. But I follow my path with the awarenessthat the films I make are also my attempt to oppose the horrors of the world. Films don’t change the world. But they allow you to live differently from the norm. And that is political awareness.
After studying socio-anthropology and documentary film, Aurélien Marsais worked at the Cinéma du Réel festival in Paris as a programming assistant,and was involved in the creation of the professional platform ParisDoc in 2015.He then coordinated the États généraux du film documentaire in Lussas from 2014to 2017,and has since been a contributor to the “Expériences du Regard” selection. Based in Geneva and Brussels, he was co-director of the programming office atVisions du Réelfrom 2017to 2020, and has been a member of the selection committee since 2021.He is also a producer, as well as a programmer for the online documentary platform Tënk.fr.
EPISTÓLAS PARA O CASAL BRAGA
Textointrodutório
José Machado
18 de outubro de 1910. Virgínia de Castro e Almeida (1874–1945) escreve a Teófilo Braga (1843–1924): «Não sei com que palavras lhe agradeça a sua carta de 27 do mez passado. Li-a e reli-a tantas vezes que já quasi a sei de cór; e apezar d’isso custa-me ainda a acreditar na sua realidade». Virgínia, a viver com um marido que a torturava no Funchal de onde lhe escreve. Theophilo (ainda se grafava antes da Reforma Ortográfica de 1911, Joaquim Teófilo Fernandes Braga), filho de Joaquim Manuel Fernandes Braga (1804–1870), professor em Ponta Delgada e de Maria José da Câmara Albuquerque (1815–1846), mãe que perdera aos três anos. A má relação com a madrasta influenciou a sua personalidade. «Em 1853, ao iniciar o ensino primário, acrescentou Teófilo ao seu nome, passando a ser, só então, Joaquim Teófilo» pode ler-se no Museu da Presidência da República: no 5 de outubro «ficou a saber que o tinham escolhido para chefiar o Governo Provisório. Não participara na preparação da revolução, pelo que a escolha terá ficado a dever-se ao seu prestígio intelectual e de teórico do republicanismo».
��
Na primeira carta, Virgínia refere-se às mudanças que a vida de Teófilo enfrentara e descreve-nos: «uma pobre raça que parecia moribunda». É preciso contextualizar na frase (sentimentos nobres e energias) o tom coloquial da carta e interpretá-la o sentido de raça à epoca, em que não o dia 10 de junho, de Camões, em 1910. «A expressão Festa da Raça para as comemorações camonianas, e o sentido do termo ‘raça’ era vago e identificava-se com o próprio povo português», cito a historiadora Maria Isabel João (1955–2020) para que não se atribua um significado que a palavra ganhara depois ao ler textos com mais de um século.
Virgínia já era uma autora publicada no Brasil (no mesmo Jornal do Recife, em maio de 1908, anúncio da Livraria Nogueira específico para seus) quando, em 1910, escreve a Maria do Carmo Xavier Braga (que viria a morrer menos de um ano depois). As cartas manuscritas permitem sentir o pulso da escritora antes de ser cineasta. ��
A une époque où la femme tend de plus en plus à disputer aux hommes les lauriers littéraires et artistiques, il est intéressant de constater, dans les lettres portugaises contemporaines, le succès éclatant de deux femmes, dont l’une, malheureusement, ne vit plus pour nous que dans les écrits admirables que sa plume traça. Celle-là, Maria Amália Vaz de Carvalho [MAVC], décédée en 1921, fut l’ultime survivante de cette pléiade d'écrivains et de penseurs qui, avec Eça de Queiroz et Oliveira Martins, ont élevé si haut, vers la fin du siècle dernier, le niveau du talent littéraire en Portugal.
On pouvait craindre que, avec la mort de Mme MAVC, cette brillante tradition ne périt, faute de continuateurs. Or voici que c’est précisément une femme qui soulève la torche tombée des mains de Mme MAVC.
Certes, le Portugal ne manque pas d’écrivains de talent, d’artistes consciencieux, de penseurs sincères. Je pourrais, si ce n’était pas sortir de mon cadre, en nommer plusieurs dont l’œuvre est déjà grande et admirable. Mais il ne suffit pas d’écrire avec un talent sûr et une invention féconde pour être un écrivain dans le sens tout particulier que je veux en ce moment donner au mot. Je parle de l’écrivain par excellence, de celui qui, dédoublant sa personnalité dans un autre moi qui n’est pour ainsi dire qu’une plume vivante, existant par ses écrits, pour ses écrits, et dans ses écrits, se confond avec son œuvre, et parvient à y toucher, soit le fond mystérieux de sa propre individualité, soit l’âme vivante et l’essence complexe d’une race, d’un milieu social, d’un pays, d’une époque. Peu de nos écrivains actuels peuvent prétendre avoir réalisé avec autant de succès que Mme Virginia de Castro e Almeida, cet idéal si élevé et combien laborieux !
L’œuvre de cette femme remarquable est à la fois vaste et variée. Dès le plus jeune âge, les lettres l’attiraient. Signe distinctif du vrai artiste, les questions de métier la préoccupaient par-dessus tout. Le style, la forme, ces deux écueils sur lesquels échouent tant de jeunes gens trop confiants ou trop étourdis pour se soumettre aux labeurs ingrats de l’apprentissage, furent pour elle pendant des années l’obsession dominante.
Bien que son tempérament et la vivacité de son imagination la poussassent, vers une réalisation immédiate d’œuvres longtemps méditées, bien que le mirage éblouissant de la publicité fût pour elle, comme pour tant d’autres, une tentation des plus fortes, elle sût s’astreindre d'abord à cet entraînement opiniâtre et fatigant que, quoiqu'on en dise, ou qu'en prétendent certains pseudo-écrivains sans documents à l’appui, est la condition du triomphe artistique. Flaubert, le grand martyr des mots, fut son génie tutélaire.
Je pourrais parler de nuits passées à traduire, voire à copier, sans autre but que l’exercice, que l’entraînement, des pages, des volumes entiers de Re-
Quand parurent les premières œuvres sérieuses de Mme de Castro, elle était déjà en pleine possession de ses moyens techniques. Elle se tourna tout d'abord vers les problèmes sociaux. Ses romans à thèse : Terre Bénie, Travail Béni, Capital Béni, constituent une trilogie où, sous la forme de romans, les questions économiques et sociales de notre temps sont traitées avec clairvoyance, avec hardiesse, et avec une élévation morale assez haute et assez pure pour soulever des polémiques acerbes et des clameurs indignées de plusieurs côtés où l’on estime qu'il ne faut jamais toucher aux fétiches… Tempêtes passées! Nous vivons en des temps où rien ne dure… pas même les haines…
Après cette première phase, d’autres genres littéraires, peut-être plus propices au plein déploiement de ses qualités, séduisirent Mme de Castro. Certes, elle ne songe pas à renier les morceaux de son âme qu’elle aura laissés dans cette œuvre généreuse qu'est la trilogie. Mais l’art pur l'a réclamée de sa voix impérieuse. Les contes et les nouvelles, les lettres philosophiques, la critique, le journalisme, ont absorbé toute son activité. Signalons seulement pour mémoire la beauté intrinsèque, au point de vue forme, de tous les romans à thèse, ainsi que d’un quatrième ouvrage, La Foi qui marque l’évolution de l’auteur vers son réalisme plastique et dramatique actuel.
Les nouvelles déjà publiées se trouvent réunies en plusieurs volumes dont les plus remarquables portent les titres : Mauvais Sort et Innocent. C’est ici que se trouvent, selon moi, les chefs-d’œuvre de Mme de Castro. J’ai parlé de réalisme dramatique et plastique. Cette formule vague et un peu forcée est loin de me satisfaire, mais c’est encore la meilleure de celles où j’ai cherché à condenser les qualités les plus prononcées et la tendance la plus sensible de ces nouvelles. Ce sont des peintures de mœurs et de caractères. Le cadre, la scène, en est la province portugaise, les personnages en sont, pour la plupart, des paysans. La fidélité extrême des portraits, l’exactitude minutieuse des descriptions, ne peuvent être vérifiées que sur place, et point encore enpeu de jours : que dis-je ? en peu de mois ou même d’années… Mme de Castro a séjourné longtemps dans les milieux qu’elle décrit, elle a vécu des années avec ces pauvres gens qu’elle fait revivre (avec combien de vie !) dans ses pages. Isolée presque du monde, elle les a étudiés avec une patience infatigable, avec une intelligence, une curiosité et un amour que rien ne décourage. Elle fait penser à cet admirable Fabre qui passa sa vie courbé sur des nids de fourmis — car, que sont ces pauvres êtres dont elle épie les gestes, les joies et les angoisses pour nous les décrire avec tant d’art sinon des fourmis… comme nous, d’ail-leurs, auxquels ils sont physiquement pareils et dont ils ne se distinguent moralement que dans quelques — détails, après tout, de minime importance !…
S’il arrive donc forcément que les passions qui s’agitent dans ces nouvelles, les amours, les désirs, les haines qui en tissent la trame, aient peu qui soit purement régional, on trouve par contre, dans les gestes, dans le langage, dans les habitudes, dans tout le décor matériel et dans l’ambiance morale que ce dernier façonne, les tableaux les plus vrais et les plus sincères, voire les plus émouvants qui soient, de la région, de la race et de l’époque dont il s’agit. Ces tableaux-là, ce n'est pas avec le cerveau seul, encore moins avec la plume passive, qu’on parvient à les dessiner, à les peindre. Il faut que l’âme, le cœur
y passent, et avec eux le jeu de tous les organes, de tous les sens. Cette vieille terre séculaire, avec tout ce que d’humain elle renferme en son sein ou porte à sa surface, il faut en avoir humé toutes les odeurs, goûté toutes les saveurs, écouté tous les murmures, palpé toutes les joies et toutes les peines, et ensuite, par une longue séparation, en avoir senti toute la nostalgie, pour arriver à la décrire comme le fait Mme de Castro. Ce fut sans doute ainsi que fit cet étonnant et génial Louis Bertrand pour décrire sa plaine natale de la Woëvre, cette plaine aux courts étés fulgurants et brutaux, aux longs hivers si doucement tristes sous la neige…, si sonores sous les carillons crépusculaires…, cette plaine que je n'ai jamais vue mais que je connais si bien et que j’aime tant… Ce fut sans doute ainsi que fit Maurice Barrès pour l’Alsace voisine, celle des cigognes, des pignons et des choucroutes poétiques… et de tant d’autres choses délicieuses… C’est ainsi, je puis l’affirmer, que fit Mme de Castro pour la campagne du Portugal central, celle des landes interminables et poussiéreuses, avec leurs taureaux et leurs essaims de mouches bourdonnantes, celle du soleil aveuglant et des beaux yeux noirs en amande plus aveuglants encore, celle des coups de couteaux farouches et du fado éploré par les clairs de lune mystiques…
La couleur locale est facile à donner ; l’âme d’un pays, d’un peuple, est autrement difficile à surprendre et surtout à fixer sur la palette, quand on ne se contente d’aucun à-peu-près. Je ne sais qui a divisé les poètes en deux grandes catégories : celle des plastiques ou des peintres, et celle des musiciens. Ainsi, en ne regardant que vers le romantisme, Lamartine serait un exemple typique de ceux-ci, Théophile Gautier de ceux-là, ou, si on ne veut pas sortir du Portugal contemporain, les noms de Junqueiro et d’Eugénio de Castro peuvent tout aussi bien être opposés l’un à l’autre sous ce rapport. Les romanciers, évidemment, se prêtent à une distinction du même genre. Je n’hésite pas à classer Mme de Castro parmi les plastiques. Elle excelle dans la description. Ses paysages sont de la dernière virtuosité. Même dans la peinture de caractères, son tempérament latin par excellence, se révèle dans l’extrême justesse des lignes, dans la simplicité et la netteté des reliefs. Le détail matériel, plastique, est toujours là, mais il est choisi avec un soin qui en dissimule l’artifice (cet artifice qui, si paradoxalement, est toujours à la base de toute sincérité en art…). Ses dialogues, enfin, sont d’une richesse et d’un naturel parfaits. Tel discours de ses personnages en révèle le caractère avec une clarté qu’aucune explication descriptive ne saurait accroître. Elle n’hésite pas d’ailleurs à employer le vrai langage du paysan, cet argot campagnard qui, au Portugal comme partout, en fait une langue toute pleine d’imprévu, de puissance et de coloris.
Est-ce étonnant si, partout où fleurit la langue de Camoens, les ouvrages de Mme de Castro jouissent d’une vogue qui ne cesse de grandir ? Cet auteur, cependant, a toujours eu l’horreur de l’arrivisme; la popularité de ses œuvres en Portugal et au Brésil démontre, d’une façon réconfortante, que de nos jours le succès littéraire ne dépend tout de même pas de la réclame autant qu’on pourrait le croire. J’ajouterai que Mme de Castro est, comme tous les Portugais qui vivent par l'art et par la pensée. éprise de la France. Elle a fixé sa résidence à Paris, où elle s’occupe de la traduction de quelques-uns de ses livres. La pensée et la littérature portugaise en profiteront pour être plus connues et plus goûtées en Europe qu’elles ne le sont actuellement. ��
Um grande letreiro com a inscrição: graphe Fortuna. Um carro passa nesse momento por baixo do letreiro, localizado acima da porta do estúdio. Um painel de décor embate contra o letreiro. Estragos e um forte barulho. Perto do carro parado, um homem com roupa de trabalho parece indignado. Um camarada está por detrás dele.
Excerto de Le silence est d’or (René Clair, 1947): no 2.º Festival de Locarno, entre outros prémios, os principais, nas categorias melhor filme e melhor cineasta, os mesmos que foram entregues ao cineasta na edição anterior, inaugural, do festival, com o seu filme And Then There Were None (1946), o que faz de René Clair o único cineasta a ter recebido o principal prémio (ainda antes da designação de [Leo]Pardo d’Oro. O texto Le silence est d’or está publicado na obra Comédies et commentaires (Gallimard, 1959). Excerto traduzido por José Machado.
NO PÓS-«FORTUNA-FILMS» DE VIRGÍNIA DE CASTRO E ALMEIDA
Texto
José Machado
O nome de fantasia Fortuna-Films esteve presente na identidade de empresas de diferentes empresas de produção cinematográfica na Alemanha, Hungria, Itália, antigas Checoslováquias (até 1938 e depois de 1945), Polónia ou Roménia… O registo mais antigo, 1909, de uma imobiliária em Amesterdão, comprada a partir de 1916 por Jean Desmet (1875–1956) que se tornaria igualmente agente de vendas de cinema.
Virgínia de Castro e Almeida (1874–1945) consegue alcançar, a partir de 1922 e num tempo curto, através da produtora que lidera, Fortuna-Films uma notoriedade em França, na quantidade de referências publicadas na imprensa.
René Clair, após regressar dos EUA, escreve do guião no seu filme de homenagem à época de ouro do cinema, que bem conhecia: um grande letreiro com a inscrição: Ateliers du cinématographe Fortuna.
No anuário Le Tout-Cinéma de 1923, nestes apelidos:
Calamy, vendedor que já passara por várias sociedades, agenciará o que se virá a tornar um popular ator francês (Fernandel). Na edição 1934/35, no mesmo anuário, Calamy fazia uso do nome comercial Fortuna Film, para produzir filmes com o ator que foi uma aposta de Ayres d’Aguiar (na GrayFilm e na sociedade que teve de criar com a família Calamy, Productions Gamma, para ter acesso ao ator Fernandel, narrado pelo próprio Ayres no excerto publicado no 2.º número da revista gray-film): a hiperligação é para o texto na primeira pessoa; e o texto seguinte é dedicado a Jules Calamy; para já as imagens de continuação servem para colocar a dúvida: Production Fortuna-Film e Fernandel?
INÍCIOS DOS ANOS
A crer nos seis diferentes cartazes para três filmes e um anúncio, das páginas anteriores, não são produzidos por Félix Méric (Cinématographes Méric), mas pela Fortuna Film… Os três filmes são Le Coq du Régiment (Maurice Cammage, 1933), Une Nuit de Folies (Maurice Cammage, 1934) e Les Bleus de la Marine (Maurice Cammage, 1934).
O primeiro filme com mise en scène de Maurice Cammage (1906–1946) e protagonizado por Fernandel que encontrei publicitado é Les Gaîtés de l’Escouade, no Ciné-journal, de 11 de dezembro, 1931 e, à data de publicação da revista gray-film, não se encontra em nenhuma base de dados pública, mas por obras posteriores se percebe que é uma série cómica; que tem continuidade na Gray-Film, com Les Productions Calamy (do ponto de vista de Ayres d’Aguiar, Calamy, como produtor, de pouco se ocupava). Para produzir filmes com Fernandel, uma aposta de Ayres d’Aguiar (na Gray-Film e na sociedade que teve de criar com a família Calamy, Productions Gamma, para ter acesso ao ator Fernandel), narrado pelo próprio Ayres no excerto publicado no 2.º número da revista gray-film): a hiperligação é para o texto na primeira pessoa; o capítulo seguinte é dedicado a J. Calamy, não sem antes olhar para F. Méric.
Em 1932, Cammage já havia realizado, pelo menos, cinco comédias com Fernandel: Vive la classe, L'Ordonnance malgré lui (o cartaz, disponível na Unifrance e reproduzido no IMDb: «Une Production Kraemer» / «Kraemer-Progerais»), La terreur de la pampa, Quand tu nous tiens, amour e Par habitude; em 1933 uma outra, Le gros lot.
Maurice Cammage também vai trabalhar para a Gray-Film, com Les Cinq sous de Lavarède (1938) e Le Chasseur de chez Maxim’s (1939).
Félix Méric, de uma sociedade de irmãos marselheses, produziu vários filmes (apesar de omissos em bases de dados), mas a sua primeira longa-metragem em cinema sonoro nos registos é La Fortune (Jean Hémard, 1931), adaptada por Tristan Bernard (1866–1947) da sua obra teatral Que le monde est petit!, comédia inédita em três atos, representada no Théâtre Tristan Bernard a 23 de dezembro de 1930 e publicada (na revista Les Œuvres libres n.° 124), em outubro de 1931 (a data é relevante para concluir que a representação da peça e a primeira vez que fora impressa são posteriores à Fortuna-Films de Virgínia de Castro e Almeida).
�� Jornal«Paris-Films»de12dejunho,1931.
�� Revista«L’Écran»de13defevereiro,1932.
No livro Tristan Bernard, son œuvre — Portrait et Autographe — document pour l’histoire de la littérature française (Editions de la Nouvelle Revue Critique, 1932) que o seu autor Paul Blanchart (1897–1965) escrevera para uma série de escritores, Blanchart cita a palestra de Bernard no Congresso da Sociedade Universal do Teatro, de 25 de junho de 1931:
Il y a des marchands de vin, des gens qui avaient des dancings, qui ont installé des cinémas dans leurs établissements et qui, au bout d’une année, sous prétexte qu’ils avaient gagné une cinquantaine de mille francs, disaient en parlant des gens qui venaient là : « Mon public ». Ils vous disent, avec une grande sérénité, des directeurs me l’on dit : « Mon public ne veut pas ça... » J’ai dit : le Comment ! vous connaissez le public! Mais voilà quarante ans que je travaille pour lui et je ne sais pas encore qui c’est ! »
�� Anúnciono«Ciné-journal»de23deoutubro,1931.
Publicar um anuário, nos Anos 20 do século X, com os meios que existiam à época, partia da recolha de informação de vários países, numa língua estrangeira (no caso, português para um francês) até dezembro do ano anterior, coligi-la, fechar a edição até à composição tipográfica. É preciso ter em conta que um anuário, especialmente de inúmeras sociedades comerciais em mutação, que se fazem e se desfazem, inclui gralhas. Algumas podem manter-se, de anos transactos, quando uma entidade ou pessoa já não tem atividade económica. Para reduzir o erro é importante confrontar dados de várias edições e anuários e, para isso, percorrer várias bibliotecas; um esforço contínuo e que se torna incessante quando não é possível encontrar uma cópia da edição de cada ano para mais do que um anuário. O que se cita em seguida tem particularmente mais gralhas. Em 1926, no anuário editado por Jean Pascal, da Cinémagazine, Ayres d’Aguiar surge como «Agniar».
A edição de 21 de fevereiro de 1947 da revista Le Film Français publicou a formação de uma nova sociedade, Fortuna Films, S.A.R.L. em 25 de novembro de 1946, com o capital social de 100 mil francos. A sede é no n.º 3 da avenida de Lamarck (Renée Vallée comprara em 1929 um apartamento onde viveu com o marido, Ayres d’Aguiar, no número 2). Na mesma revista, o número especial da primavera de 1950, lista que pela nova sociedade respondem os representantes Gacon e Marguet. ��
A FAMÍLIA CALAMY
Texto José Machado
On principle I disapprove of writing; on principle I desire to live brutishly like any other ordinary human being. The flesh is willing, but the spirit is weak. I confess I grow bored. I pine for amusements other than those legitimate distractions offered by the cinema and the Palais de Danse. I struggle, I try to resist the temptation; but in the end I succumb. I read a page of Wittgenstein, I play a little Bach; I write a poem, a few aphorisms, a fable, a fragment of autobiography.
[…]
I don't see that it would be possible to live in a more exciting age, said Calamy. The sense that everything's perfectly provisional and temporary — everything, from social institutions to what we've hitherto regarded as the most sacred scientific truths — the feeling that nothing, from the Treaty of Versailles to the rationally explicable universe, is really safe, the intimate conviction that anything may happen, anything may be discovered —another war, the artificial creation of life, the proof of continued existence after death — why, it’s all infinitely exhilarating. And the possibility that everything may be destroyed? questioned Mr. Cardan. That’s exhilarating too, Calamy answered, smiling.
~ Those Barren Leaves (Aldous Huxley, 1925)
We condition the masses to hate the country, concluded the Director. But simultaneously we condition them to love all country sports. At the same time, we see to it that all country sports shall entail the use of elaborate apparatus. So that they consume manufactured articles as well as transport.
[…]
Well, that was grand! — he said to himself when it was all over. Really grand! He mopped his face. When they had put in the feely effects at the studio, it would be a wonderful film. Almost as good, thought Darwin Bonaparte, as the Sperm Whale’s Love-Life, and that, by [Henry] Ford, was saying a good deal!
~ Brave New World (Aldous Huxley, 1932)
Não nascera britânico nem fora personagem do romance de Huxley, um contemporâneo seu, fora dos seus modos: o francês Calamy (introduzido por Ayres d’Aguiar nas suas memórias como agente do ator Fernandel), surge listado nos Anos 20 como cinégraphiste, mas começou por fazer carreira como vendedor de filmes, sem pairar muito tempo no mesmo sítio. A minha curiosidade por saber mais sobre esta figura adensou-se no texto anterior (partido em dois, para continuar neste), No pós-«Fortuna-Films» de Virgínia de Castro e Almeida. Menos de uma década depois, então não é que o senhor Calamy aparece com alguns dos filmes de Fernandel que passam a ser produzidos sob o nome de fantasia Fortuna Film?
Em janeiro de 1923, quando Virgínia de Castro e Almeida está com dificuldades com o jornalista, crítico e vendedor dos seus filmes, J.-L. Croze, de quem não tem o retorno da exploração comercial dos seus filmes pela distribuidora deste, General Film Office, Jules Calamy está a começar mais uma nova sociedade: o Ciné-journal e Le Courrier cinématographique (ambos de 6 de janeiro de 1923) noticiam a criação da Scénic-Film:
Os senhores G. Ach e Jules Calamy respondem pela sociedade Scénic-Film. Este «nascimento de um Centro de Estudo de Transações Cinematográficas», em 1922 ainda foi a tempo de entrar no anuário Le Tout-Cinéma de 1923, onde a Scénic-Film surge listada em Importation — Exportation —Vente — Achat, o mesmo capítulo onde estão os contactos da General Film Office e da Agence Général Cinématographique, respetivamente, a sociedade que tentou vender os filmes de Virgínia de Castro e Almeida e a que, a partir de janeiro de 1923, os vendeu, por fim.
Para fundamentar o texto, neste número, Quem deu nome à gray-film? (parte IV, onde o jornalista, crítico e vendedor de filmes J.L.-Croze será analisado, mais adiante), como referi, deparei-me, no início dos anos 1930, com a produção de filmes de Fernandel em que Calamy usa o nome de fantasia Fortuna-Film. O que me permite confrontar esta dominação da marca são os registos Le Tout Cinéma de 1923 (não existe nenhum entrada no anuário do ano precedente, que foi o primeiro deste título das Publications Filma (também uma revista homónima), dirigidas por Auguste Millo e Henri Rainaldy, até à morte de Auguste, passa ser dirigida pela mulher (assina: Madame Millo), que Ayres d’Aguiar relata nas suas memórias como amiga de Virgínia (a sede da Filma, também o n.º 166 da Rue Montmartre, remetente na carta que Virgínia envia à mãe de Ayres de Aguiar em 1924; no n.º 167, o Restaurant Portugal).
1923: Calamy, nas edições de 30 de junho e 18 de agosto, está em anúncios publicados (Le Courrier cinématographique) como responsável pelas vendas da sociedade Films René Carrère.
1924: Cinémagazine, 18 de julho — fotografia da rodagem de um filme circense, Rêves de Clowns (Blanche Vigier de Maisonneuve e René Hervouin, 1924), Jules Calamy (régisseur dos Cinématographes Méric) e Félix Méric:
Em 1926, outro anuário, editado por Jean Pascal, da Cinémagazine, o nosso vendedor Calamy responde pela sociedade Films Stock.
A empresa fundada em abril de 1925 por Virgínia de Castro e Almeida (então accionista maioritária), Renée Vallée (quota minoritária) e Ayres de Aguiar (gestor) e que a partir de 1929 adopta a designação com as siglas dos fundadores, Gray-Film, concorre na exploração comercial cinematográfica com a Scènic-Film, de que serve de exemplo o recorte, na página seguinte, da edição L’Écran, organe hebdomadaire de la défense corporative des intérêts cinématographiques du Syndicat français des directeurs de théâtres cinématographiques (9 de maio de 1931).
Calamy casara em fevereiro de 1930 com Marie-Thérèse Duval.
Ayres d’Aguiar constitui as Productions Gamma com a família Calamy (22 de setembro de 1934), onde será gerente com Marie-Thérese. ��
— Os filmes são filhos de quem? Partem da vontade da única autora literária. Ela encarrega-se também da direção artística e encomenda o trabalho de encenação ao metteur en scène Roger Lion. Na gestação da afortunada obra fílmica que ela irá produzir, de um embrião, o acto de criar ganha existência. Quando um filme nasce de parto pouco natural, o corte umbilical com a placenta da progenitora, o final-cut (a última versão de cineasta, para a estreia, não é de Roger, ausente em férias), a parentalidade deveria ser, pelo menos, de criação conjunta (assim foi, nos Anos 20 do século XX, visível nos primeiros anúncios publicados, sempre com o nome dela em primeiro lugar) e reconhecida a origem matriarcal no “assento baptismal”, mas não é assim grafado nos livros da genealogia do cinema: são filmes de Roger Lion. Só agora revelo o nome: são também filhos de Virgínia de Castro e Almeida. Lamento que passe um século e que a cineasta não seja remetida apenas à produtora (como se fosse uma conquista) ou relativizada no papel de longínqua escritora da obra adaptada ao cinema. O desígnio desta santa-madreigreja da coroa de louros que entrona reis sem rainhas (Regina, na revista
Ciné-Miroir, 1.º número de 1923). Ao usurpar a coautoria, Roger Lion, secretário-geral de uma associação, Societé des Auteurs de films que só a 1 de dezembro de 1928 (no Recueil des actes administratifs de la Préfecture du département de la Seine) o Estado francês lhe deu o reconhecimento legal de utilidade pública. Esta SAF institui, em resposta ao artigo de Pierre-Gilles Veber (1896-1968), no Le Matin de 25 de janeiro de 1924:
«Lapropriétéartistiqued’unfilmappartientauréalisateurdel’écranquiestbienl’auteurdufilm.Pourl’assemblé génerale : Signé: Michel Carré, président de la S. A. F. ; Roger Lion secrétaire géneral ; Léon Poirier, membre du comité».
«A propriedade artística de um filme pertence ao realizador da tela que é o autor do filme. Pel’Assembleia-Geral: Os signatários: Michel Carré, presidente da SAF; Roger Lion, secretário-geral; Léon Poirier, membro do comité» — Quem tomou a decisão? Três homens:
1. Michel Carré (1865–1945) que, em 1922 recebera 5 mil francos doados por Virgínia para instituir o prémio de Castro para melhor metteur en scène;
2. Roger Lion, que trabalhara como metteur en scène para Virgínia (mas dois anos depois, em 1924, já lhe havido tirara a coautoria);
3. Léon Poirier (1884–1968) vencera o Prix de Castro; director artístico da Gaumont (substituiu Louis Feuillade, que substituira a pioneira Alice GuyBlaché; Poirier, grande cineasta, não faz parte na história da Gaumont, como até 1957 ela não entrou). A custódia da paternidade foi herdada por um pai.
Virgínia de Castro e Almeida, cineasta e autora, deu o seu nome ao pioneiro Prix de Castro para metteurs en scène — e que viria a ser copiado, como antevera Georges-Michel Coissac (1868–1946), diretor da revista Le Cinéopse (1.ª ed. de dezembro, 1922) e presidente da Association Professionnelle de la Presse Cinématographique (que virá a ser tomada por um dos vice-presidentes, J.-L. Croze (1869–1955), simultaneamente jornalista, crítico cinematográfico e vendedor dos filmes de Virgínia: ler Quem deu nome à gray-film? (IV). O termo cinéaste foi cunhado em 1920 pelo crítico que viria a fundar e dirigir a revista cinéa (1921), também ele cineasta, Louis Delluc (1890–1924). Desde 1936 (interrompido de 1939 a 44) que Delluc é nome de prémio, equivalente aos Goncourt do cinema. É justo considerar que o pioneiro da crítica e cineasta Delluc e Virgínia de Castro e Almeida são ambos pioneiros; a primeira mulher cineasta portuguesa de que há memória (em coautoria com Roger Lion) e quem faz a capa da revista gray-film numa investigação inédita.
Da referida e problemática Societé des Auteurs de films (SAF), avancemos quatro décadas em Paris, até 9 de fevereiro de 1968: protestos contra a imposição do poder gaullista que destituiu Henri Langlois, diretor da Cinemateca Francesa, os cineastas e a comunidade uniram-se e sairam vitoriosos no seu intento. Os protestos continuaram. A 10 de maio de 68, o Festival de Cannes é interrompido antes da cerimónia de encerramento por cineastas como Jean-Luc Godard e François Truffaut; semana seguinte: os Estados Gerais cinematográficos, na escola de Vaugirard, no Théâtre de Suresnes e num anfiteatro da Sorbonne foram palco de discussões que deram origem a 19 projetos para a reformulação completa do cinema francês, combatendo a censura e os interesses financeiros, intervindo onde fosse necessário para proteger os filmes e, sobretudo, reformando as estruturas do cinema (cito a cineasta Annie Tresgot); conquistas que levaram, a 14 de junho de 1968 à criação da Société des Réalisateurs de Films (SRF) por cineastas como Jacques Rozier, Costa-Gavras, Jacques Rivette, Robert Bresson, Pierre Kast, Jacques Doniol-Valcroze, Robert Enrico, Claude Lelouch, René Allio, Philippe de Broca, Jacques Deray, Louis Malle, Luc Moullet, Marcel Carné, Claude Berri, Jean-Louis Comolli, Jean-Daniel Pollet, …
A não-competitiva Quinzaine des Réalizateurs em Cannes foi criada pela SRF em 1969, mas apenas em finais de 2022 a Société des Réalisateurs de Films passou a designar-se: Société des Réalisatrices et Réalisateurs de Films; a partir da 55.ª edição, com a imagem de Leonor Silveira em toda a cidade de Cannes, três décadas depois de Vale Abraão (Manoel de Oliveira, 1993) estrear na Quinzaine des Réalizateurs, esta deixa de se denominar assim para ser renomeada Quinzaine des Cineastes. Traduzir-se-á o desejo da mudança da organização que deixou de ser dos Realizadores para se intitular de Cineastas?
Apesar de toda a visibilidade mundial, ainda hoje, instituições públicas e imprensa escrevem no masculino: dos Realizadores ao domínio dos Cineastas.
Do étimo de cinéaste até qualquer cineasta estrangeira/o sabe, ainda hoje, como é difícil entrar no mercado francês, mesmo com coproduções. Virgínia de Castro e Almeida, alvo de uma trama imposta por homens que começaram por aceitá-la no meio cinematográfico parisiense, foi em cantigas (respigada ao arrepio da letra de José Galhardo de 1945, ano em que morreu Virgínia): não sejas francesa, tu és portuguesa, [tens em ti, cidade, mulher, mas] / só [serves] p’ra… nos subvencionar? ��
QUEM [A] TRAMOU, ROGER LION?
Texto
José Machado
[A] é a autora Virgínia de Castro e Almeida (1874–1945), ausente do salão de retratos das cineastas esquecidas. Roger Lion (1882–1934, de nascimento, Roger Juda) terá a chave, mas essa ala não é para ser visitada. No hall mais luminoso o quadro do cineasta que importa ser pendurado é o dele. Ela nunca foi uma cineasta, poderia tê-lo dito. O que ele escreveu foi éminente collaboratrice, assim mesmo designada por ele, dois anos antes, decerto por vaidade, quando passava para os seus conhecidos e amigos jornalistas, imprecisões (Cinémagazine, setembro de 1922 ou Le Cinéopse, outubro de 1922, para ler com o texto na primeira pessoa e outros recortes de imprensa; um dos amigos, Cassagnes). Dois anos depois, para Roger, Virgínia não existe. É apagada no seu CV, das obras em coautoria. Já só existe um autor. Não haverá espaço para Virgínia na história do cinema. Recorro a uma primeira fonte (fotografia superior) com um perfil oficial sobre Roger Lion no anuário Le Tout-Cinéma de 1923: Un des vétérans du cinéma où il est venu jeune, à l’âge héroïque où le monde ne croyait pas encore au septième art! Fut parmi ceux qui eurent la foi, quittant le barreau pour s’initier a tout les mystères de la cinégraphie, à une epoque ou le recrutement du personnel de l’écran se faisait presque uniquement dans le monde théâtral. / A écrit de très nombreux scénarios, en portant lui-même à l’écran la majeure partie. A commencé à se signaler tout spécialement avec l’Eternel Féminin, se classant définitivement parmi les maitres de l’heure avec son dernier film la Sirène de pierre. / A été engagé pour mettre en scène et diriger les travaux artistiques de la societe Franco-portugaise, la Fortuna-Films. Romancier et journaliste, fait partie de la Société des gens de lettres, des Auteurs dramatiques et de la Société des Auteurs de films dont il est le Secrétaire général. No ano seguinte a este anuário de 1923, com o mesmo formato, a mesma fotografia com autógrafo gigante e ligeiramente ampliada para ser assim lembrado no catálogo da exposição no Musée Galliera: Artiste et écrivain d’une grande culture et de beaucoup de distinction, est un des vétérans du cinéma. Il fut de l’âge héroïque où tout était à réaliser, à créer, et quoique jeune encore il a fourni l’une des plus belles carrières. / Auteur de nombreux scénarios, qu’il mit lui-même, pour la plupart, à l’écran. Après l’Eternel
Féminin, son film, la Sirène de pierre, le classe parmi les maîtres. / Ami de tous, ce cinégraphe est un des meilleurs artisans du cinéma francais.
A sua versão: «o seu filme, A Sereia de Pedra, classifica-o entre os mestres». Nada mais, nada menos.
A retirada da autoralidade a Virginia em duas formulações (com e sem Fortuna-Films) distam menos de um ano. Também a atriz Gil-Clary [Jeanne Fernande Conte, nascida em Bordéus] (1894-1968), com quem Roger terá casado em 1919, no seu perfil (publicado no ano anterior) referia Virgínia como primeira autora do filme:
Artiste d’une souplesse remarquable, après un emploi de grande coquette, a donné en 1922 une composition sensationnelle de paysanne portugaise dans le film si curieux de Virginia de Castro et Roger Lion: la Sirène de pierre. A la suite de cette présentation, a été engagée par la Fortuna-Films pour tourner en vedette une serie d’œuvres franco-portugaises.
No ano seguinte, com expectativas goradas, o nome de Vírginia desaparece no texto de Gil-Clary para referência exclusiva ao seu marido.
Recuemos a um dia de outono de 1924, à Exposition de L’Art dans le cinéma français. A partir de 1902, em Paris, o Musée Galliera inaugurou uma grande exposição temporária de arte aplicada: 1924, dedicada ao cinema. Roger aproveita a oportunidade e destaca-se do acervo posto em conjunto, efémero; fica para a posteridade a forma como Roger se denuncia.
Michel Carré, presidente da Societé des Auteurs de films (SAF) e Roger (secretário-geral) surgem impressos na Galerie des Vedettes, no catálogo da exposição: as primeiras fotografias são deles (maioritariamente de atrizes e atores (4 em 7 trabalharam com Roger).
Para o catálogo de 1924. Roger escreve um texto como secretário-geral da SAF: «Le métier [a profissão] de scénariste [argumentista] não existia e o tema dos filmes ficou ao cuidado dos primeiros encenadores de teatro, que, mantendo o nome cénico, foram designados por esta palavra imprópria da arte muda dos metteurs en scène».
Da Exposição de 1924, constata-se também entre o inventário de peças (de três dezenas de metteurs en scène, uma dezena de desenhadores e outra de arquitetos), Michel e Roger os únicos que entregam uma fotografia individual para ser exposta; a de Roger (pelo fotógrafo Abel) não é um cliché qualquer: surge composta com o seu autógrafo desproporcionado, próprio da época: musealizada, a assinatura é para interpretação caligráfica, de peritos em grafologia, analisarem a personalidade.
O cineasta León Poirier (sem fotografia na Galerie des Vedettes) que vencera o Prix de Castro com Jocelyn (1922), prémio formado por júri organizado pela SAF é um dos cineastas presentes. Comparemos, lado a lado, os objetos que cada um disponibizou para a Exposição (na coluna de Roger ilustrada com a quebra de página amarelada, como que a gritar por Virgínia):
Recuemos sete anos. Em junho de 1917 o mensário ilustrado Le Film publicou: – Dagobert, tel est le nom de l’acteur qui tournera les films comiques de Roger Lion.
A imprensa não está imune a gralhas; pela redação da frase, aparenta ter sido da parte de Roger a informar o nome da personagem e não do actor.
Quase dois anos depois, Le Film, hebdomadaire illustré (15 de abril de 1919):
L’Eclipse, en pleine réorganisation, a confié le soin de ses destinées à M. Besse, qui est décidé à lutter de toute sa foi pour le film français.
[…]
Le metteur en scène doit être un artiste et encore un créateur ingénieux, travailleur, inlassable, ne laissant rien ni au hasard, ni à « l’à peu près » et il doit être secondé par un opérateur impeccable.
Le scénario doit être « une page » vraiment « écrite ».
— Où le trouver?… N’avons-nous pas notre belle littérature française?… N’avons-nous pas nos écrivains français?… N’avons-nous pas des gens capables d’écrire spécialement pour le cinéma, soit des comédies fines, sentimentales, pleines d’esprit et de charmes français, soit des drames puissants où vibre l’âme de chez nous?
Laissons les « gros comiques », les acrobaties, à certains spécialistes étrangers qui y sont parfaits!…
Ne cherchons pas les productions intensives; soyons scbres et sévères; produisons peu s’il le faut, mais produisons très bien!
Que l’auteur sache que son scénario sera lu sérieusement, discuté par des compétences artistiques et littéraires, et non abandonné à un service quelconque de la maison d’édition…
Alors, dans ces conditions nous pourrons assister à la naissance d’œuvres qui pourront, comme certaines de leurs sœurs du théâtre, être reprises longtemps après le premier éclat de leur succès.
Voilà le moyen de sortir le film français de sa consomption!… mais ces moyens sont onéreux!… Il faut que l’éditeur soit riche! Il faut que les apports financiers ne lui soient pas ménagés, capitalistes, dirigeants, tous doivent l'aider; car si l’éditeur exige un travail artistique impeccable, il doit (nous le faisons déjà à L’Eclipse) intéresser, rénumérer largement tous ses collaborateurs : Auteurs, metteurs en scène, artistes, agents, etc…
Il faut en outre que son organisation commerciale soit parfaite : en France, à l’etranger, ses agents doivent être partout des auxiliaires intelligents, sérieux, honnêtes pour la vente, la location, l’échange de ses productions.
Voilà, mon cher Film [publicação destinatária da carta], comment, à notre avis, nous devons rénover le film français et lui donner sa vraie place, celle qu’il veut, qu’il doit conquérir : La première du monde!…
J.-J. BESSE
, Directeur général de la Société des Films « Eclipse ».
Na edição de 6 de setembro de 1919, La Cinématographie Française inclui este anúncio:
Le Courrier Cinématographique de 18 de outubro de 1919:
Les Dagobert.
Les prochaines « Comédies gaies de Roger Lion » porteront les titres suivants: Dagobert, le Fils à son Pere!
Mis Dagobert, Dagobert est fiancé!
La Société « Eclipse », éditrice de ces films, compte en présenter un chaque mois. Réjouissons-nous de voir enfin les Maisons françaises encourager la production comique qui fait totalement défaut dans nos programmes.
Após Dagobert le Fils à son Père! (Roger Lion, 1919), o ator René Donnio (1889–1934), fará carreira no cinema até morrer, trabalhará em três dezenas de filmes de cineastas consagrados, mas (que tenha encontrado registo) não voltará a ser dirigido por Roger. A série de filmes cómicos de Roger Lion com Dagobert, a personagem, protagonizada pelo ator René Donnio, resumir-se-á a um.
Para a Société Française des Films Artistiques, Roger Lion realizará L’Éternel Féminin (1921) protagonizado por Gina Palerme (nome artístico de Irène de Maulmont, 1885–1977). Nos quatros anos que se seguem, Gina trabalhará em filmes de cineastas como Abel Gance (1889–1981); em 1925 irá, surpreendemente, produzir (a crer na Cinemateca Francesa) e protagonizar a próxima longa-metragem de um seu conhecido metteur en scène (com atores como Gil Clary e Max Maxudian (1881–1976); — Vimos este filme antes com estes mesmos atores? A Jehan d’Ivray (1861–1940), jornalista que seria premiada pela Académie française com o Prix Fabien de 1929 por L’aventure Saint-Simonienne et les femmes, Gina Palerme concede uma entrevista para a Ciné-Revue (6 de março, 1925), mas nem a atriz nem a jornalista optaram por não fazer referência à função de produtora do filme La Clé de voûte (Roger Lion, 1925), último trabalho cinematográfico de Gina Palerme. Maison d’édition (leia-se, distribuidora): Mappemonde-Film (vide anúncios).
N° 83 [ 12 Janvier \ - 1923 - : Abonnements
M Francs * œt Belgique
ï an fr. 6 mo» 1S h. Étr. 34 fi.
Paraissant tous les 2 Vendredis ADMINISTRATION
Publications François TEDESCO, 39, boulevard Raspail, Paris Londres : À.-F- ROSE, 4, Bleinbeiro Street. New Bond St. W. I.
Nas suas memórias, Ayres d’Aguiar conta que Roger Lion «abalou em férias»; regressado, «quer ver primeiro o seu filme [Os Olhos da Alma, Virgínia de Castro e Almeida e Roger Lion]. Na sala de projeção estava sentada entre nós dois a encarregada da publicidade da firma. Projeção feita, vendo assim mutilada por mim aquela sua obra prima, fulo, furioso, o homem assalta-me como querendo dar cabo de mim! Pancadaria séria entre nós dois, de que conseguiu separar-nos a empregada; e vendo a inutilidade dos seus protestos, partiu finalmente tratando-me de marchand de chaussettes e mais outras amabilidades! »
Roger Lion é um metteur en scène nas obras de Virgínia, para quem trabalhou. Roger, especialista na construção da sua imagem, releva o instinto para a autopromoção, sonega e confunde a carácter, nas comunicações que faz a jornalistas. Há vários exemplos publicados, que reproduzimos nas próximas páginas, desde referir-se a Portugal, para menorizar a posição de Virgínia de Castro e Almeida, como le pays de mon éminente collaboratrice, Dôna Virgínia de Castro (texto de Roger, na primeira pessoa, publicado na Cinémagazine, 8 de setembro, 1922) ou a notícia da Cinéopse (1 de outubro, 1922):
Roger Lion regressou de Portugal
Completamente satisfeito com a sua viagem a Portugal, de onde trouxe [a rapporté] um filme magnífico: A Sereia de Pedra, que iremos ver este inverno. O nosso excelente colega e amigo [notre excellent confrère et ami] Roger Lion fundou uma nova produtora cinematográfica em Lisboa, onde deverá voltar a filmar. Vale a pena referir que, encantada com a sua relação cinematográfica com o nosso país, a Sra. Virginia de Castro, autora do romance adaptado ao cinema por Roger Lion, entregou ao Sr. Michel Carré a quantia de 5 mil francos a atribuir ao realizador do melhor filme francês apresentado em 1922. O prémio será entregue em janeiro de 1923 por um júri de artistas não filiados em produtoras cinematográficas, presidido pelo senhor Michel Carré. Este é, certamente, um gesto nobre e um exemplo que merece ser imitado por muitos.
— Roger Lion fundou uma produtora em Lisboa?! O metteur en scène e secretário-geral da associação SAF, presidida por Michel Carré, ocupa um espaço onde o seu ego se sobrepõe e, na associação que deveria representar os autores de filmes não há cabe a coautoria: manda arrastar o foco, para ninguém lhe fazer sombra. Após uma leitura extensa de imprensa da época, pode concluir-se que, apesar das batatinhas que lhe servem amiúde os amigos na imprensa especializada, nenhum filme no início e meio da década de 1920 lhe trará o prestígio que os da criadora Virgínia de Castro e Almeida lhe proporcionaram (e ele, sempre que possível, tentará apropriar-se, olhem para mim, sou eu). Com a distância que a crítica necessita, fica mais exposto fora do plateau e perde o controlo…
— Quem partilha a direção artística e não tem a palavra definitiva, a decisão, sobre o corte final de um filme (como n’Os Olhos da Alma) é verdadeiramente o único cineasta de uma obra? A revista gray-film defende, do ponto de vista editorial, olhar para a primeira cineasta portuguesa: Virgínia de Castro e Almeida.
Depois de trabalhar em três obras cinematográficas para Virgínia, na FortunaFilms distribuídas (após o infeliz logro da General Film Office por J.-L. Croze) através da Kastor & Lallement, da Agence Générale Cinematographique, Roger Lion dá o salto, com a sua produtora Films Roger Lion e caça uma nova presa para alicerçar o sustentáculo da sua carreira. Se é para filmar uma história de Inês de Castro, se a Fortuna-Films de Virgínia de Castro e Almeida já não lhe paga contas… — Que outra escritora estrangeira (tão exótico!) poderá permitir-lhe voltar a filmar? E funcionou, um século depois: as obras entroncam num troço comum, o interesse de Roger Lion em filmar em Portugal (ou Espanha, haja quem lhe pague) dissipou as autorias no autor único: Roger Lion. Gabrielle Réval (1869–1938) escreveu no seu livro L’Enchantement du Portugal (Fasquelle Éditeurs, 1934), embalada pelos fados de Coimbra:
Quelle voix cristalline que celle de [António Paulo] Menano (1895–1969), le plus grand chanteur du Portugal; quelle voix grave, vibrante, aux sonorités d’alto, était celle d’un étudiant de l’Université, lorsqu’il nous donna, avec ses camarades, une charmante sérénade, au temps où nous tournions à Coïmbra mon film: la Fontaine des Amours. Leur chant n’était que tendresse, folie, caprice, mélancolie surtout, chant modulé avec un art délicieux, aux accords de la guitare.
[…]
Etrange manteau qui confère amitié et honneur. Pour l’avoir porté sur les épaules, au temps que je tournais mon film de la Fontaine des Amours, me voici agréé par les étudiants de Coïmbre.
[…]
O Coïmbra!
Cher souvenir du temps où Roger Lion et sa troupe tournaient dans le magnifique décor de la ville le film tiré de mon roman « La Fontaine des Amours ». Nous étions tous venus de Paris par le Sud-express. Le train avait traversé le plateau de Castille et les solitudes de la Manche. Il descendait par paliers vers le Tage. La frontière nous réveille. Il faut descendre. La petite gare tend vers nous l’eau fraîche qui remplit les cruches bibliques; des bras, dorés par le soleil, offrent des corbeilles pleines de raisins noirs et de figues vertes. Des paysannes aux yeux de velours regardent notre compagnie. Jean Murat qui vient se mêler aux étudiants de Coïmbra; Sim, rossignol du Mondego, Maxudian souriant et barbu qui prépare un étonnant personnage, l’éternel bohème; Gil Clary qui va mirer dans le cristal d’une fontaine, la beauté et les atours d’Inès de Castro; Pauline Pô, ravissante jeune fille corse, qui portera le costume du Minho, ce costume qui s’orne d'une broderie répétant le mot Amor comme une devise nationale; Jeannine [Janine] Marey [grafa-se Merrey, sem gralhas] prima donna; Roger Lion, metteur en scène qui a déjà tourné de beaux films au Portugal, [a frase termina com uma vírgula, a pedir o complemento: os filmes de Roger Lion são em coautoria com Virgínia de Castro e Almeida; ]. J’accompagne mon metteur en scène et mes interprètes. Mon mari, Fernand Fleuret, est aussi du voyage, mais tandis que les appareils de cinéma tournent, il fuit au coeur de la forêt de Bussaco, à la recherche du Centaure, qu’il avait rencontré jadis. Les douaniers, gantés de blanc, soulèvent délicatement les robes couchées dans les malles. Bon signe que cette politesse des frontières. D’autres douaniers, pas bien loin, bousculent malles et valises, tandis que ceux-ci apportent de l'urbanité dans leur inspection. Et pourtant!..
Le temps presse, il est impossible de visiter les vingt caisses qui contiennent les costumes du film. L’officier des douanes désigne au petit bonheur celle qu'il faut ouvrir.
Justement, c'est celle qu'il faudrait escamoter. Des armes! Et quelles armes, épées, piques, haches, et cottes de mailles, casques et cuirasses, tout un fourbi guerrier!
[…]
La douane, le chef de gare et sa compagnie restent muets de saisissement. Roger Lion explique: « Ce sont des armes de paccotille, destinées aux chevaliers qui entourent votre ancien roi Pierre-le-Cruel, vous savez bien, celui qui régna sur le Portugal au XIV siècle ».
Le chef de gare ne sait .rien de cette histoire, le douanier non plus; mais il se méfie, la consigne est de ne pas laisser entrer d'armes; les armes n’entreront pas! Et nous avons beau protester, expliquer, tendre les papiers avec tous les cachets de la légation, le douanier fait la sourde oreille et, croyant sauver son pays d’une conspiration, retient à la frontière les épées de carton. […]
La Fontaine des Amours est le nom donné par Camoëns dans un chant des Lusiades à ce lieu célèbre, d’une grâce toute romantique. Là Inès de Castro fut aimée de Dom Pedro et assassinée, au bord du ruisseau, par les conseillers du roi. Je voudrais faire revivre la légende d’Inès à la façon d’un rêve! Ah! qu’il est difficile au cinéma de placer la vie et le rêve sur des plans différents. Atmosphère de songe, jeu des artistes, décor, tout est difficulté! Nous le vîmes bien quand il fallut faire rencontrer dans le miroir des eaux les regards chargés de désir! Quand il fallut assassiner lâchement, mais en beauté quand même, cette princesse de légende, quand il fallut, à travers une ville moderne, évoquer la pompe funèbre d'Inès de Castro. Tandis que saisir dans sa vérité et sa poésie, la vie de cette jeunesse universitaire n’était qu’un jeu pour Roger Lion. Je revois à l’écran ce groupe attentif et rêveur qui entoure amoureusement notre comédienne, tandis que l’un d’eux chante l’histoire de « la belle au port de héron » devant la fontaine où elle expira. […]
Em outro capítulo do mesmo livro que dedica à cidade de Vianna do Castello, escreveu:
Vianna do Castello est une ville fort ancienne; sa prospérité vient de sa situation à l’estuaire du Lima qui arrose une plaine grasse et fertile. Moissons et vignobles, richesses de ces campagnes, auraient épa- noui la face du bon Sully; le commerce des bois, avec l’Amérique, anime le port; les bateaux revenant des pêcheries, dispensent à la ville et aux alentours cette morue dont le Portugal est si friand et que mes amis de Vianna m’ont fait déguster dans une vieille petite auberge du port, si typique qu’elle ferait le bonheur d'un metteur en scène, tournant ici un film de marine.
— À parte da intenção de escrita das memórias de viagem e turismo estival, se La Fontaine des Amours (Roger Lion, 1924) fosse um filme exclusivamente adaptado por ele, a autora teria viajado com a equipa e acompanhado a rodagem? Foi o único filme que contou com o empenho de Gabrielle Réval.
Antes deste livro, L’Enchantement du Portugal (Fasquelle Éditeurs, 1934), Gabrielle Réval (1869–1938), influenciada por Camões e decerto pela leitura de outras obras sobre a Quinta das Lágrimas, convívios em Paris com o corpo diplomático, já tinha escrito sobre Portugal. Em 1923, com La Fontaine des Amours no seu livro de 1923, traduzida para português e publicado como folhetim no Diário de Notícias e em livro, Fonte dos Amores.
No Le Petit Journal de 11 de agosto, 1922, Roger Lion escreveu:
«Fui chamado a Portugal para rodar A Sereia de Pedra. É uma obra portuguesa devido ao talento de Madame Virgínia de Castro e Almeida. E, como não existe indústria cinematográfica em Portugal, recorremos [!] a um metteur en scène francês para levar essa obra para a tela».
Apesar do relato reflectir as dificuldades da distribuição cinematográfica nos Anos 20 e da importação de filmes (que haveriam de perdurar nas décadas seguintes) merece, por isso, ser lido na íntegra; porém, uma leitura rápida pode dar a entender que Roger seria accionista da produtora ou que, pelo menos, teria sido convidado (porventura) inicialmente, para sócio (esta suposição parece não ter fundamento) e o que fará excluir esta possibilidade foi ter passado para outros títulos de imprensa que tinha sido ele a fundar a produtora em Lisboa. «Fui chamado a Portugal», para francês ler, um salvador. Se este herói não recebera da pátria o chamamento por luz divina, foi pela própria pena que optou por omitir o nome da produtora Fortuna-Films no texto em que se expressa com o plural magestático. Do recorte, Le Petit Journal, 1922 à página seguinte, 1924, com o que acumulou nas filmagens em Portugal com a Fortuna-Films, aí está ele, Roger Lion, com a sua produtora: Films Roger Lion.
de 1 de fevereiro, 1935, p. 4: Le Club des «Belles Perdrix»:
Des gens de lettres et des éditeurs se rencontrent chaque mois en un aimable diner, sous le vocable du « Grand Perdreau » : mais ces agapes e font toujours sans me Maria Croci voulant réagir contre l’ostracisme des hommes, fonda le Club des Belles Perdrix, groupant vingt femmes de lettres qui prennent l’engagement de se soutenir professionnellement, de se servir avec amitié, de ne médire les unes de autres que dans les
fêtait avec quelques amies un de ses Gabrielle Réval, qui venait d’obtenir le Prix du Président de la République, décerné par la Société des Gens de Lettres, et se voyait en même temps décorée d’un ordre portugais, extrêmement important et rarement
Delarue-Mardrus, avec son charme coutumier, rappela l’amitié qui la liait à Gabrielle Réval, et l’excellent souvenir qu’elle gardait d’un séjour au Portugal. La France, dit-elle, se trouve partout adorée, mais elle est maladroite et ne sait pas se montrer reconnaissante envers ses e amants de cœur ». Le Portugal en est un. Il faut donc l’aimer comme il le mérite, ce pays de la poésie et de la musique…
GabrielleRéval,«LaVieHeureuse»dejaneiro,1906.
Mme [Maria] Olga du Moréas [de Moraes] Sarmento [da Silveira] (1881–1948), portugaise, remercia aimablement Gabrielle Réval d’avoir, en trois livres, si bien décrit sa patrie. Elle passa au cou de la romancière un collier d’or et d’émail [esmalte], splendide insigne de la décoration obtenue.
Alors Gabrielle Réval parla à son tour (chacun connait son talent d’oratrice).
Elle voulut associer à sa joie présente le souvenir de trois temmes de lettres disparues, qui avaient autrefois applaudi à ses éclatants débuts. Mme de Pierrebrune, qui après avoir été belle et particulièrement adulée, mourut à l'hôpital… Séverine, dont l’enterrement parut, selon le mot de Blanche Vogt, plus une noce qu'un ensevelissement, puisque la grande journaliste fut portée au cimetière sous un drap cousu de roses, où reposait une hirondelle morte, ann de conserver au tombeau ce qu’elle préférait à toutes choses : les fleurs et les oiseaux. […] ~ Maria Croct.
Vencida pela exaustão, Virgínia de Castro e Almeida não foi a primeira vítima da perda de coautoria para Roger Lion, dos registos que restam, commumente citados para a posteridade.
Quando parte para os EUA, Alice Guy-Blaché (tardiamente reconhecida pela historiografia cinematográfica francesa), foi substituída em Paris na direção artística da Gaumont por Louis Feuillade.
De 1914 a 1916/17, várias bases de dados listam cerca de cinco dezenas de colaborações entre Feuillade, cineasta e a então atriz Musidora (pseudónimo de Jeanne Roques, 1889–1957). Feuillade, que a descobrira na FoliesBergère, estava preso contratualmente à Gaumont, para onde convida Musidora e trabalham com os guionistas Roger Lion e [Sidonie-Gabrielle] Colette (1873-1954), que conhecera muito antes. Importa citar a investigadora Marién Gomez Rodriguez e do seu texto, Musidora, actrice et réalisatrice du cinéma muet (2017), um excerto de página e meia:
«Amiga de um grupo de intelectuais e artistas em voga (Colette, Pierre Louÿs, Louis Feuillade, Marcel L’Herbier), Musidora desde cedo considerou o cinema não só como um meio de existência, mas também de expressão. Desenvolveu um discurso crítico sobre a arte e as inovações cinematográficas e escreveu em revistas a partir de 1915. Cedo, começou a realizar os seus próprios filmes, nos quais também participou. Em França, até então, havia apenas duas mulheres “autorizadas” a estar atrás das câmaras: Alice GuyBlaché, de 1896 na Gaumont, e Germaine Dulac, de 1915, pouco antes de Musidora. Outro exemplo é Rose Pansini (nascida Marie-Rose Lacau), que começou a realizar pouco depois de Musidora e cujo trabalho é pouco conhecido. O charme e a popularidade de Musidora ajudaram-na, sem dúvida, a ter acesso à realização cinematográfica, mas, como mulher e antiga estrela do music-hall, a sua fama e contactos não foram suficientes: era-lhe quase sempre imposto um co-realizador. Iniciou a sua carreira na realização com Minne, em 1916, e La Vagabonde, em 1917, duas adaptações de Colette. Minne permaneceu inacabado [devido à falta de recursos financeiros], e La Vagabonde [produzido e filmado em Itália] foi finalmente confiado a Eugenio Perego, experimentado cineasta — e homem.
Estes inícios frustrantes fizeram-na perceber que precisava de ser financeiramente independente. A 10 de dezembro de 1919, nasceu a Société des Films Musidora, uma pequena sociedade em comandita [por quotas] que criou com o patrão da imprensa Félix Juven. Para produções maiores,
procurou patrocinadores temporários. O primeiro filme de Musidora produzido por esta sociedade foi Vicenta, rodado em Espanha, no País Basco e lançado em 1919. Seguiu-se uma nova adaptação de Colette, La Flamme cachée (A Chama Oculta), na qual utilizou técnicas modernas como as elipses e a redução dos sous-titres [legendas recorrentes, que são projectadas na totalidade da tela, entre os cartões de intertítulos] em favor das imagens.
Em 1920, a boa recepção crítica destas primeiras obras encorajou Musidora a realizar um filme mais caro, Para Don Carlos, adaptado de um romance de Pierre Benoît e também rodado em Espanha. Musidora participou na adaptação e na mise en scène, mas foi novamente obrigada a escolher um co-realizador. Interpreta o papel principal da Capitana Allegria, tipicamente musidoriana: forte, corajosa e pronta para o sacrifício. Este filme obteve um sucesso mitigado, fragilizou a sua produtora ao ponto de cancelar o projeto seguinte, mas foi determinante na vida de Musidora. Durante as filmagens, ela apaixonara-se por um toureiro, Antonio Cañero. Entre 1921 e 1926, para recuperar a sua situação financeira, intercalou estadias e filmagens em Espanha, ao lado do amante, e digressões por França, o que a permitiu manterse economicamente.
Em Espanha, Musidora foi acolhida como uma estrela. Mesmo antes do seu papel em Les Vampires (Louis Feuillade, 1915), que teve eco na imprensa francesa, a crítica espanhola já a tinha elogiado. O Rei Afonso XIII e a polícia deram-lhe todas as oportunidades para rodar. Entre 1922 e 1925, fez várias digressões com o espetáculo El día de Musidora, composto por sketches e canções, e depois, gradualmente, pelos seus filmes. Este cineteatro foi uma ideia altamente inovadora.
Musidora encontrou em Espanha um refúgio onde podia sonhar com a libertação e a independência. Realizou os seus filmes mais originais e pessoais, baseados em histórias de amor com Antonio Cañero.
Sol y sombra (Soleil et ombre), realizado em 1922, constitui a sua concretização cinematográfica. Nesta tragédia tipicamente espanhola, onde duas mulheres lutam até à morte pelo amor de um toureiro, Musidora reserva para si os dois papéis principais. Ela brilha no papel de espanhola, pronta a matar para manter o homem que considera seu. O estilo cinematográfico é moderno: iluminação contrastante, enquadramento sóbrio e filmagem em exteriores — um realismo quase documental, muito à frente do “realismo poético”. Esta sensibilidade documental é levada ao extremo no próximo filme de Musidora, que seria o seu último.
La Tierra de los toros é o filme mais livre e arriscado de Musidora, muito distante das normas cinematográficas da sua época. Realizado entre 1922 e 1924, mistura imagens documentais e ficcionais, bem como teatro e cinema. A dada altura, o filme pára para revelar Musidora, que sobe ao palco para cantar e dançar. A récita se funde numa mise en abyme, a história de Musidora que parte para a Andaluzia rodar um filme sobre touros e a viver todo o tipo de aventuras até à sua aparição em carne e osso perante o público. O lançamento de La Tierra de los toros revelou-se difícil, pois exigiu a presença da artista. Foi um projeto conjunto com Antonio Cañero: a difusão [distribuição/ exibição] cessou assim que o toureiro trocou a sua Musidora por uma estrela russa.
Em 1926, Musidora regressara a França e põe um fim na sua carreira cinematográfica. Casa com um amigo de infância e dedica-se à família, à escrita e à pintura. Faleceu em 1957 em Bois-le-Roi, tendo-se tornado quase anónima. Desde 1944, Henri Langlois, que havia fundado la Cinémathèque française oito anos antes, l’avait aidée en la faisant travailler à la préservation et à la documentation d’une Histoire du cinéma dont elle avait été partie prenante».
Musidora deixou o cinema em 1926; escreveu três livros (que não pude ler); após criação da Cinémathèque française, em 1944 era a responsável do centro de documentação e pelas relações com a imprensa e participou na Comissão de Investigação Histórica.
Virgínia deixou o cinema poucos anos antes de Musidora. Para que se que preserv[er]asse a memória de Virgínia de Castro e Almeida como coautora e cineasta, o que deveria ter sido feito? E, mais importante, hoje, o que se pode aprender com o olhar que não foi desviado de Musidora? Sem pensar em qualquer motivação pela notoriedade da Irma Vep (anagrama de vampire) original no domínio da fandom (que se constitui por junção de esforços de pessoas que têm em comum uma obsessão idolátrica, um fascínio que as faz mover em conjunto e lhe dão visibilidade) à museológica Maison de Colette ou de iniciativas como as da associação Amis de Musidora que as divulga e publica os Cahiers Musidora (para leitura futura). Há, sobretudo, um trabalho fundamental para programadores de cinema. Em dezembro de 2023, entre os dias 6 e 17, a Cinemateca Brasileira organizou, com curadoria de Marcella Grecco e Kate Saconne, a Mostra Mulheres Pioneiras no Cinema e, dentro desta, um curso com quatro aulas (dos dias 6 a 16), de entrada livre, que está disponível (do livestream, a mera reprodução em diferido da transmissão, mas haveria um ganho em disponibilizar uma edição de cada aula com corte nos momentos mortos dos excertos projetados que não são difundidos e incluir hiperligações que são referidas que existem no YouTube) via canal da Cinemateca Brasileira no YouTube. Musidora, liberta das amarras da casa-produtora, cria em 1919 a sua produtora, Societé des Films Musidora, onde irá produzir filmes e realizar com a ajuda de Roger Lion. Em Espanha, Pour Don Carlos (1921), Soleil et ombre (1922) ou La Terre des taureaux (1924). Roger Lion observava a aproximação ibérica. Depois de Alice Guy-Blaché e de Germaine Dulac, Musidora foi a terceira cineasta francesa. Nos de inícios de 1919, já Colette (sua amiga, colaboadora, escritora e crítica de cinema) se despedia assim numa carta para Musidora: Tendresses et compliments à l’interprète-metteur en scène.
Os registos de La Flamme cachée (1918), produzido pela Societé des Films Musidora foram frequentemente atribuídos a Roger Lion, quando diferentes fontes permitem comprovar a coautoria com Musidora. Bibliografia falhada que não pode servir para citar um filme de Roger Lion (e, sim, de Musidora e Roger Lion). A rodagem terá decorrido entre outubro e novembro de 1918 com Musidora e Roger Lion e teve a estreia parisiense na sala de cinema Moncey (Av. de Clichy) durante a semana de 23 a 29 de abril de 1920. O guião foi escrito especificamente para cinema por Colette, prolífica autora que irá irá publicar em livro uma obra literária, La Femme cachée (Ernest Flammarion, Éditeur, 1924). A semelhança na sonoridade dos títulos será a razão para outra gralha frequente quando se encontram referências ao filme.
1er dialogue
Personnages: Colette, Musidora.
Musidora. — Colette, aimez-vous le cinéma?
Colette. — Beaucoup.
Musidora. — Trouvez-vous que c’est un genre inférieur?
Colette. —???
Musidora. — Et voudriez-vous écrire spécialement pour l’écran un scénario?
Colette. — Pourquoi pas. J’y penserai.
2e dialogue (deux mois après)
Allo! Musidora
Allo! Colette
Comment j’ai tourné un film de Colette
Par Musidora
— J’ai un scénario écrit spécialement pour vous – un rôle de femme, trois rôles d’hommes. Débuts du film dans un milieu d’étudiants. Il me faudrait la Sorbonne, est-ce possible?
— Tout est possible… Je suis entièrement à vos ordres. Je n’exige qu’une seule chose, c’est que le film terminé par images, comme vous l’avez conçu, vous rédigiez-vous-même tous les sous-titres.
3e dialogue
Le commanditaire.— Combien vous faut-il? Musidora. — Cinquante mille francs d’abord.
4e dialogue
Le directeur du théâtre de prise de vue. — Voilà, vous aurez mon théâtre mais pas avant vingt jours. J’ai six metteurs en scène qui travaillent. Je vous préviens aussi que je n’ai qu’un seul électricien, il n’y a personne d’autre pour le remplacer, et puis j’oubliais… les vitres du toit ont été brisées lors des bombardements et le calorifère a sauté; il n’y a pas de chauffage. Comme c’est l’armistice on est tout de même content, parce qu’on espère des jours meilleurs…
5e dialogue
Au sujet des engagements d’artistes, jeunes premiers, figurants… Opérateur, metteur en scène, avec Lagrenée, Yonnel, Le Gosset et Roger Lion.
6e dialogue de désolation.
La moitié du film est à refaire à cause des effluves (étincelles électriques qui voilent la pellicule).
7e dialogue avec l’oculiste.
Tous les artistes, les yeux brûlés par les rayons des lampes à arcs, ont dû interrompre le film pendant quelques jours.
Conclusion
De l’idée du film à l’exécution définitive, dix mois se sont écoulés. Le négatif est prêt: il attend tous les positifs.
O texto da página anterior foi publicado na revista Femina de 1 de junho, 1919. Transcrito e remetido para anexo no volume, Un bien grand amour – Lettres de Colette à Musidora (Les Éditions de L’Herne, 2014), de correspondência coligida por Gérard Bonal.
No programa televisionado de 13/11/1967, realizado por Luís Andrade, «de carácter biográfico dedicado a Artur Duarte, pseudónimo de Arthur de Jesus Pinto Pacheco, realizador e ator» diz António Lopes Ribeiro sobre Arthur Duarte, depois de ator: [...] «mas depois conheci-o como crítico de cinema e conheci-o em Berlim em 1929; e dava-se esta coisa extraordinária: é que um português, que tinha começado a trabalhar no cinema, com Virgínia de Castro e Almeida na Fortuna-Films, uma firma que apesar do seu nome não fez a fortuna de ninguém, como nenhuma firma de cinema português, firma produtora [arregala os olhos, levanta os braços e repete], firma produtora!». Arthur Duarte: […] «depois fiz ainda mais dois filmes, que foram produzidos em Portugal pela senhora dona Virgínia de Castro e Almeida, escritora portuguesa que então vivia em Paris e que veio a Portugal para cinematizar alguns dos seus romances. O primeiro foi A Sereia de Pedra; o segundo, Os Olhos da Alma. A senhora dona… Como o cinema em Portugal, evidentemente, era muito rudimentar, a senhora dona Virgínia de Castro e Almeida trouxe com ela [pausa] um grande mettre en scène, chamado Roger Lion, grande naquela época,
trouxe operadores cinematográficos, trouxe decoradores, enfim, trouxe toda uma equipe e dois atores, também, dois atores de grande nomeada! Ela chamava-se Gil Clary e ele chamava-se Maxudian; creio que ainda existem os dois. Estreou-se no cinéma Artistic [Cinéma] na rue de Douai [n.º 61], em Paris, onde eu tive a hon… o prazer de ver o meu nome em letras grandes, eu que era um pequeníssimo ator em Portugal. [...] Quando acabámos esse filme, tanto o metteur en scène como a senhora dona Virgínia de Castro e Almeida me disseram: — Olhe lá, se houver uma oportunidade em Paris, para você ir lá fazer um filme, você quer ir? Evidentemente, eu sonhava com Paris, sonhava com Paris desde criancinha. E eis-me aqui, caído na Gare de Saint-Lazare na noite de um sábado, no domingo pus-me em contacto com a senhora dona Virgínia de Castro e Almeida e, dias depois, eu começava o meu primeiro filme em Paris que se chamava La tournée Farigoule, dirigido então por um outro mettre en scène que se chamava Marcel Manchez».
O recorte do lado esquerdo é da coluna Les Cinémas, escrita entre 1921 e 1924 por Robert Spa, que morreu em 1930; no obituário, o jornal desvendou aos leitores a 24 de maio o pseudónimo de Madame Jumel:
Robert Spa avançara a 15 de janeiro de 1926 que Roger Lion produziria Jim la Houlette, roi des voleurs (1926), notícia que não se confirmou, mas lá vem mais uma vez a expressão colaboração (e, no caso, interpretação) que diminui o papel de Nicolas Rimsky. Quando Roger Lion se vê forçado, pela circunstância de trabalhar para uma obra que lhe é encomendada, a partilhar a autoria com um homem e protagonista (Rimsky), ao contrário das cineastas Musidora e Virgínia de Castro e Almeida (que não era atriz, mas igualmente cineasta e [proprietária da sua] produtora como Musidora), o nome deste, Rimsky, por ser homem, não desaparece como cineasta, apesar de raras vezes o crédito de realização ser atribuido somente a Roger Lion (Le Monde Cinématographique de 16 de maio, 1926). O filme é Jim la Houlette, roi des voleurs (o de 1926) e não só por se tratar de um homem, mas de uma obra que lhe é encomendada para uma sociedade também criada por estrangeiros da produtora Albatros (que controlam o braço de distribuição na sociedade Les Films Armor, que coloca nos anúncios Rimsky, metteur-en-scène em 1.º lugar e Roger Lion, 2.º, como na grande maioria das citações na imprensa).
Que época é esta? Na tentativa de ler o tempo presente, escrevi em números anteriores da revista e reitero a minha interpretação: parece-me inusitada «a era do streaming», uma expressão forçada do confinamento pandémico, mas em que alguns autores (e editores de livros) ainda lhes parece interessante, por ser catchy, para dar títulos que fiquem no ouvido. É uma rasteira. Não desejo nem creio inevitável que o streaming tenha mais peso do que já é ocupado pelo isolamento do consumo televisivo até agora. Se muda a tecnologia e a forma como chega diretamente a Internet o consumidor, se por cabo coaxial, se pela linha telefónica; tal como em 2025 já não se fala em ADSL como em 2015, RDIS/ISDN em 2005, dial-up em 1995 ou a alternativa do X.400 para aceder a correio electrónico; mais distante, como seria da linha do Telex em 1972 nos escritórios, à do Fax (telecopiadora) à fibra óptica no mais comum dos lares atuais e a suas utilizações generalizadas são posteriores à sala do bairro, para, quem ainda tem onde(?) ver cinema.
À excepção do cinema, os termos cairam em desuso, mas houve um momento (como no streaming) que entusiama early-adopters. Quando, em 1969, a emissão hertziana deixou de ser a única, as grelhas horárias (grades, no Brasil) publicam-se nos jornais portugueses com o título Programa 1 para a RTP1 e Programa 2 para a RTP2. Estas designações (que vinham da rádio) foram substituídas por canal (TV) e antena (rádio) nas emissoras públicas. Uma hemeroteca recupera esse tempo. Já ninguém se recordará quem pronunciava: na té-lé-visão (Baptista-Bastos), por influencia do francês, télévision. Futurologia: quase ninguém se lembrará quão péssima era a página inicial no catálogo daquela love brand hiperglobalizada plataforma (assim se designa até hoje o programa) de streaming: dedo para baixo, scrolling down; que maus eram os feeds das redes sociais… Não resistiram ao tempo os três digitos das páginas de teletexto no comando do televisor para consultar o estado do tempo; antes haveria que se levantar do sofá, com licença, que vou mudar de canal. Um espectador atual tem em casa o seu próprio ecrã para consumir conteúdos audiovisuais e, quando não o tem, vê em qualquer lado, no telefone móvel, smartphone, com o que hoje ainda se chama de inteligência artificial e, sem mãos, fala com o dispositivo para que o algoritmo decida o filme que quero ver. Se quiser, já nem precisa dobrar o polegar em scroll down num telemóvel. Mas é isto que andas a fazer da tua vida, tanto no streaming, como em feeds? O modem obsoleto que fazia este som quando estabelecia a ligação à Internet soa hoje menos estranho que o tudum domesticado da Netflix numa sala de cinema (no lugar da inicial bocarra de um leão da MGM que, em 1924, ainda não rugia). Aqui é outro Lion, Roger Lion. Desde o ínicio que o cinema de autor sempre foi vítima das condigências dos mercados, até hoje, direct-to-consumer. Restabeleça-se a ligação ao século passado, conexão por um modem, a modulação-desmodulação de sinais linguísticos parece análoga à sedimentação do esquecimento de Virgína de Castro e Almeida para o domíno do nome de Roger Lion sobre as obras dos dois. O cronista mais crítico, perdido nas mondanités e na teia social, entre os críticos, André de Reusse [pseudónimo de Jules Garnier] chama cortez (a 11 de março, 1916, L’Hebdo n.º 2) a G.-Michel Coissac: «Ce fut dimanche dernier que se produisit le coup de théâtre… Sur convocation de notre Président, dont aucun de nous n'entendait plus parler depuis si long- temps, quelques épaves de ce qui fut notre Syndicat se trouvaient réunies au siège social. Y avait]à, en .outre de Lordier, inévitablement souriant et flanqué de ce pauvre Druhot (lequel, en compagnie de Guilhamou, avait tout tenté le dimanche d'avant pour me tirer les vers du nez, les pôvres! et tuyauter leur patron sur mes intentions futures), de Druhot, disje, arborant cet air triste gagné à lavementer, en sa qualité d'infirmier militaire, tant de malheureux bougres qui ne lui ont rien fait, dl y avait le calme Liez, le calembouriste Péval le fin casuiste Meignein, le méridional Guilhamou déjà nommé, le ronchonnant Garry, l’obstructionniste de Reusse [o próprio autor destas linhas], le courtois Coissac. Y avait aussi Roger Lion (vous savez, ce Lion devant lequel nulle dona Sol — et Jéhovah sait qu’il en a pressenti des tas ! — ne se sentirait le courage de lancer l’hexamètre fameux) qui fait partie de la Presse, j’ignore à quel titre, ne deman- dant d’ailleurs qu'à m’instruire. Enfin, le sexe faible représenté par notre consoeur Dureau, le renfort était assuré-par la présence réelle de notre bien connu [Edmond] Benoît-Lévy, en journalisme Francis Mair ».
Escolho o livro Histoire du Cinématographe — De ses origines jusqu’à nos jours (G.-Michel Coissac, 1925) como exemplo, pela proximidade da data em que foi publicado (1925) às produções da Fortuna-Films, uma historiografia feita sem distanciamento, mas que irá influenciar a investigação que se publicou sobre esta época e que omite Virgínia de Castro e Almeida. O conhecimento pessoal que o autor, simultaneamente interessado na venda de equipamentos e nas revistas especializadas que dirige, que se pode aferir em muitos outros textos que publicou, Coissac é um entusiasta do cinematografo, primeiro pela técnica (e herança de uma empresa de venda de equipamentos) que se reflectem tanto no livro como nas publicações periódicas que edita) e referência na imprensa cinematográfica. Na página 406, referência a Roger Lion: « à qui l’Eternel Féminin et la Sirène de pierre permettent de s’asseoir à la table des as de la mise en scène, débuta chez Gaumont avant de passer à l’Eclair, et, pendant la guerre, aux Chansons filmées, de Lordier. Diplômé de l’Ecole supérieure de Commerce, licencié en droit, cet excellent artisan du cinéma français a produit un nombre considérable de scénarios, dont il a mis en scène une bonne partie. Parmi ses succès chez Gaumont, on cite la Petite Bretonne ». Apesar da menção ao título A Sereia de Pedra, em mais de 600 páginas, não é feita nenhuma referência à coautora, Virgínia de Castro e Almeida; já Musidora, duas vezes mencionada en passant, em filmes como atriz (e não como coautora e produtora, como Virgínia).
Vale a pena olhar para a postura corporal de Roger Lion na fotografia com o sultão de Marrocos, Mohammed V, (Mohammed ben Youssef Alaoui, 1909–1961) e o seu precetor, na legenda da Ciné-Miroir de 16 de agosto, 1929, de visita a Paris, para assistir na sala Madeleine Cinéma à projeção do filme que Roger Lion rodou com Raquel Meller, La Venenosa (1928), adaptado do romance de El Caballero Audaz (pseudónimo de José María Carretero).
Fernando Lopes, António-Pedro Vasconcelos ou François Truffaut são cineastas que tiveram forte ligação à imprensa (presentes na revista gray-film desde o primeiro número). Na origem do cinema em França, jornalistas e cronistas importantes, como Jacques de Baroncelli ou o primeiro dos primeiros críticos cinematográficos, Louis Delluc. Depois há nomes de menor relevância. A passagem de Roger Lion na imprensa serviu-lhe para estabelecer laços que lhe permitiram promover-se como metteur en scène, uma ligação com camaradas que, além do mais, nunca nos esqueçamos, são um grupo de homens na Grande Guerra e que queriam vingar na atividade cinematográfica; isto espelha-se na sua passagem por ocupar um lugar menor do associativismo da imprensa para o corporativismo na SAF como secretário-geral. Outro desses nomes menores na imprensa é Cassagnes que escreve que escreve em nome da Cinémagazine para desejar sucessos ao filme de Virgínia de Castro e Almeida e Roger Lion (Cinémagazine, 3 de novembro, 1922): Désireux d’aller présenter les félicitations de Cinémagazine aux heureux j’ai rendu visite à Roger Lion dont on a pas oublié le dernier succès L’Eternel Féminin, me réservant l’honneur d'être ultérieurement reçu par Mme de Castro. […] J’ai félicité encore le sympathiaue metteur en scène de sa réalisation à laquelle les opérateurs de prise de vues, MM. Quintin et Bizot apportèrent l’appoint de leur talent ; me promettant d’aller présenter à Mme de Castro les remerciements de Cinémagazine, pour elle-même et pour tous nos amis du Portugal. CASSAGNES.
A minha primeira dúvida era se Cassagnes era Jean Cassagne (a dúvida nascera a consultar informação da Societé des Auteurs de Films; Cassagnes jornalista, Jean Cassagne, assistente de vários metteurs en scène e com curta carreira como realizador). Depois de diversificar as fontes consultadas voltei à fonte privilegiada, por saber quem trabalha no mesmo meio, há que recorrer a títulos da mesma casa, Publications Jean Pascal, que se publicitam de forma cruzada.
Para aferir que são a mesma pessoa, recorro-me das moradas na edição de 1926 do Annuaire Général de la Cinématographie et des Industries qui s’y rattachent, de Jean Pascal (Cinémagazine), referência tripla com o mesmo endereço, na lista alfabética assim grafado:
Cassagnes, Auteur-Scénariste, 14, rue Alexandre-Cabanel.
E, a mesma entrada, replicada tanto na secção Auteurs-Scénaristes, como na Journalistes et Critiques cinégraphiques:
Cassagnes, 14, rue Alexandre-Cabanel (15e).
A edição do ano seguinte, 1927, do mesmo anuário será a que nos vai ajudar a descobrir quem é Cassagnes. Na lista alfabética:
E na secção Journalistes et Critiques cinégraphiques:
Cassagnes, 4, Square Desaix (15e).
As edições do Annuaire Général des Lettres, tanto na de 1932 (dirigida por Paul Reboux) como na de 1933/34 (dirigida por Léon Treich), imprimiram:
Cassagne (Jean), 3, rue Dupleix, Paris.
— Mas quem era esta pessoa? No meio dos homens da mise en scène cinematográfica, Cassagnes foi secretário pessoal do presidente da SAF, Michel Carré (que recebeu os 5 mil francos de Virgínia de Castro e Almeida) e colaborador do secretário-geral da SAF, Roger Lion. A Cinémagazine (28 de setembro, 1923) menciona Cassagnes como assistente de Roger Lion na deslocação a Portugal para a rodagem do filme La Fontaine des Amours:
Em 1925, Cassagnes (ou Jean Cassagne) articula uma campanha impressa do seu folhetim La Justicière, no diário Paris-Soir, que começou por ser promocionada para o lançamento de forma imagética. O folhetim será só em texto, publicado fasciculadamente só em texto a partir do dia 13 de setembro no Paris-Soir. A publicação do folhetim de Cassagnes no jornal antecendeu a estreia do filme homónimo de Maurice de Marsan (1852–1929) e de Maurice Gleize (1898–1974). Este Roman-Cinéma de 1925 é muito anterior à fotonovela «nascida em 1947» e à cine-fotonovela «que se tornou imensamente popular na década de 1955–1965, primeiro em Itália, depois em França» (cito o investigador Jan Baetens, curador da exposição A cine-fotonovela: um cinema impresso esquecido, no Porto, no Foyer 1 do Batalha Centro de Cinema em setembro de 2024). Nas próximas páginas reproduzo recortes de imprensa do folhetim La Justicière de Cassagnes para sugerir uma análise mais aprofundada por programadores e investigadores.
Cassagnes, Jean Cassagne, auteur de filmes e homem de letras num mundo de homens, que (corro o risco de tecer uma generalização) à mulher não se quer como autora concorrente; se quer trabalho, que se ponha no seu lugar, à falta de condição social, estar-lhe-á predestina a lide doméstica, a ser La femme de ménage (tanto o título para a trilogia dos últimos anos, um thriller psicológico, best-seller, norte-americano de Freida McFadden, como o popular e divertido sketch brasileiro, de uma série televisiva, a sitcom Os Normais, com Fernanda Torres e Luiz Fernando Guimarães, que rivaliza com muitas cómedias da época): «E ele, esse aqui, é homme de ménage. — [Sou] Homme de ménage! ». A entoação e o timing são fundamentais para fazer rir. O que exemplifiquei, além do uso excessivo de anglicismos e outros estrangeirismos, descreve uma situação, hoje dita contemporânea, de alguém que não é francês e interpreta com um sentido de humor com palavras estrangeiras; já para outras culturas (e em outros tempos), a associação destas expressões não terá graça, o que delimita a universalidade da comédia, ao contrário de um best-seller literário, universal… E a capacidade de reagir ao humor, que nos é familiar no presente, que compreendemos, serve como uma metáfora para a interpretação do passado.
Em 1930, Cassagnes visita a Itália, que lhe servirá para trabalho duplo e contactos.
Cassagnes, jornalista, Jean Cassagne, auteur de films et homme de lettres. Que falta de imaginação seria se Cassagnes escolhesse herónimos com nome tão parecido… A 16 de setembro de 1940, declara na ficha de desmobilização a profissão de publicitaire e destaca o facto de ter estado na origem do
emblema da SCA (secção cinematográfica do exército). É também referenciado como o tenente na reserva da artilharia Marius Cassagnes, alias Jean Cassagne e lieutenant de réserve d’artillerie Maurice Cassagnes, dit Jean Cassagne. Encontrei o nome de Cassagnes (1896–1978) enquadrado por Stéphane Launey (n. 1974) na sua tese de doutoramento de 2017, Pellicules en uniformes. Le cinéma au service des forces armées françaises (septembre 1919 – juin 1940): « Durant les années 1930, le lieutenant Jean Cassagne avait effectué de fréquentes périodes d’instruction à la section cinématographique. Son long curriculum vitae indique qu’il est auteur de films et homme de lettres. […] Durant la mobilisation, Jean Cassagne est chargé du Journal de guerre, production emblématique et hebdomadaire du SCA [ Section cinématographique de l’armée ], réalisé à partir des prises de vues effectuées dans la zone des armées […] Début novembre 1940, Jean Cassagne intègre le service cinéma de la vice-présidence du Conseil en charge du cinéma culturel, et il semble avoir été inquiété à la Libération pour des faits de collaboration ».
O dossiê de carreira militar contém um relatório, datado de 11 de Setembro, 1946, que indica que Cassagnes foi aparentemente preso na Libertação de Paris, por notória colaboração com o inimigo».
«Jean Cassagne intègre en 1930, comme chef du service des réalisations, la Gaumont-Franco-Film-Aubert et à ce titre il connaît bien les locaux parisiens de la rue du Plateau où le SCA s’installe à la mobilisation».
Outra fonte preciosa é a do Institut national d’histoire de l’art, através da investigadora Margaux Dumas (22/09/2021), CASSAGNE Marius, dit Jean (FR) in Répertoire des acteurs du marché de l’art en France sous l’Occupation, 1940–1945. Cassagnes (foi com esta desiginação que o lemos a primeira vez) era filho de Théodore Cassagne, mecânico, e de Marie Antoinette Bors. Conheceu em 1937 Margot Jansson (natural de Estocolmo, n. 1895, Margot Stavenow) e os dois viveram juntos a partir de 1939. Casaram a 5 de dezembro de 1945, em Rueil-Malmaison. Antes da Segunda Guerra Mundial, Cassagnes foi diretor de serviços de publicidade da empresa Idéal-Classic em Paris, mas não retomou o trabalho em 1940, após a mobilização. Era tenente de artilharia na reserva na secção de cinema do exército desde 1930. Desde 1939, residia no n.º 48 da Av. de Charles-Floquet, no 7e bairro parisiense. «Segundo ela, quando Jansson estava em Berlim, substituiu-a sem aviso prévio e pagou o dinheiro aos vendedores. O valor bruto das comissões recebidas por Cassagnes atingiu os 2.080.736 francos, mas, segundo ele, este dinheiro provinha apenas de casas francesas e não do Reichsbank. Segundo o seu advogado, Jansson e Cassagnes atuavam como corretores e caixas de correio, pelo que a maioria das comissões não deve ser considerada ilícita. No dossiê conservado nos Archives nationales, estão de facto presentes cópias dos recibos do Reichsbank. Um documento especifica que, pelo menos uma vez, Cassagnes pagou por objetos adquiridos para o arquiteto do Reichsbank, Heinrich Wolff (1880–1944). Cassagnes explica que esta foi a única vez que substituiu Jansson, pois ela estava em Berlim com Wolff na altura. Os motivos de Jansson e Cassagnes, tal como os definiram após a Libertação, foram proteger os trabalhadores destas empresas e promover o gosto e o savoir-faire français».
Tendo negociado contratos com empresas de design de interiores para a renovação da sede do Reichsbank em Berlim, Jansson e Cassagnes foram acusados pela secretária de receberem encomendas do Reichsbank, que
pagava as encomendas com dinheiro do Banco de França. Aparentemente, Cassagnes desempenhou um papel mais importante no caso das tapeçarias de Sèze do que alega, dado que aparentemente acompanhou agentes do Reichsbank e da Gestapo na tentativa de garantir a libertação de AlbertBourdariat e d’Eugène Pouget em 1942. «Cassagnes e Jansson admitiram ter recebido visitas de oficiais alemães; no entanto, afirmam que eram secretários de Wolff destacados para o exército após o desembarque na Normandia [6 de junho de 1944]».
Roger Lion morreu uma década antes, em 1932, sem ver o nationalsozialismus ascender ao poder na Alemanha. As grandes referências de Virgínia de Castro e Almeida morreram cedo: Teófilo Braga em 1924 e Afonso Costa em 1937. À data de morte de Virgínia de Castro e Almeida, a 22 de janeiro de 1945, a ditadura nazi não tinha sido derrotada. Foi também o ano em que o SNI (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e Turismo), exSPN, (Secretariado de Propaganda Nacional, dirigido por António Ferro desde outubro de 1933), procedeu à troca semântica de propaganda por informação na gestão dos Serviços de Censura), no cinema, com as figuras da «licença de exibição» e do «visto de censura». Cito, do Dicionário de História do Estado Novo (Bertrand Editora, 1996, dirigido por Fernando Rosas e J.M. Brandão de Brito, da dissertação de mestrado de Jorge Ramos do Ó): «Ao passo que apertava a vigilância, estabeleceu o subsídio directo — o Fundo do Cinema Nacional e o Fundo de Teatro — para, no primeiro caso, favorecendo os filmes históricos, de raiz regional ou folclórica, combater o género que maior êxito vinha alcançando, a comédia, apresentada como o cancro do cinema nacional e, no segundo, fazer com que os mesmos propósitos levassem o teatro de revista à asfixia. Aquela que poderíamos designar como a política da restrição caracterizaria o fundamental da intervenção do Secretariado na segunda fase da sua existência. Na verdade, os sucessores de António Ferro — António Eça de Queiroz, José Manuel da Costa e César Henrique Moreira Baptista — outra coisa não conseguiram que, pedra sobre pedra, erguer um muro de silêncio. Ocorrida em 1968, a última mudança de nome não passava disso mesmo. Censores e polícias do gosto estavam, afinal, a defender-se de um tempo que insistia em não compreender as suas razões. Durante cerca de três decénios a instituição, amputada da sua vocação primacial, espelhou a lenta agonia do regime».
A análise da história não se pode ficar fechado num factóide. O olhar deve ser crítico. O jornalista Marco Alves, para a revista Sábado (25 de agosto, 2022) visitara a Torre do Tombo e intitulou Os negócios do Estado Novo com os nazis. Começa o texto com 5 parágrafos: — «Virgínia de Castro e Almeida sentia-se aborrecida na sua casa na Quinta da Marinha, em Cascais, a que chamava solidão deste pinhal. Era escritora, tinha sido delegada portuguesa na Sociedade das Nações, em Genebra, e no Instituto Internacional de Cooperação Intelectual (precursor da UNESCO), em Paris, cidade de onde saiu a poucos dias da invasão nazi.
Escreveu a Salazar em maio de 1942 (uma de várias missivas suas que estão na Torre do Tombo) para repudiar o ambiente anglófilo que se vivia em Portugal: Em Penacova, numa modesta pensão onde descansei, vi sobre as mesas resmas de folhetos de propaganda inglesa com muitas ilustrações e dizeres em português demonstrando a vida feliz e desafogada do povo em Inglaterra. E em
várias outras localidades encontrei o mesmo. É o trabalho da embaixada inglesa.
Outro exemplo: Em Lorvão, numa pobre mercearia, um caixeiro cheio de inteligência e de boa vontade com quem conversei acabou por me dizer: o povo por estes sítios já começa a ter fome porque o governo o que quer é mandar todo o milho para os alemães, se não fossem os ingleses, que não deixam, já andava para aí tudo a morrer de fome.
Escrevendo a partir da elite, de uma casa na Quinta da Marinha, Virgínia sentia-se também em condições para afirmar que a sociedade elegante em Lisboa estava tão apanhada na rede como o povo, havendo até senhoras da aristocracia que tinham no quarto o retrato de Churchill e bandeirinhas inglesas.
Dizia ainda a Salazar que o único jornal sério era o Diário da Manhã (publicação germanófila) e que a propaganda inglesa era uma droga, que estava a envenenar Portugal e a infiltrar-se em toda a parte. Dava o exemplo de um escritório de uma grande casa comercial portuguesa, onde um diretor inglês se ocupava da propaganda e dissera há dias diante dos empregados portugueses: O vosso Salazar! Vocês verão onde ele vai parar, apenas nós venceremos esta guerra!» — fim de citação do início do texto de Marco Alves na revista Sábado. Virgínia foi aqui colocada como chamariz para um texto que faria a capa dessa semana, mais uma vez na revista Sábado, com o ditador António de Oliveira Salazar. No ano seguinte, Marco Alves publicou em livro Salazar confidencial — a história secreta da rede de cunhas e favores do Estado Novo (Porto Editora, maio de 2023) sem referência a Virgínia de Castro e Almeida. O Diário da Manhã não era uma publicação germanófila; foi um conservador, católico e «atrabiliário órgão da União Nacional», com diferentes direções (graças ao precioso arquivo da Fundação Mário Soares e Maria Barroso, consultei a 1.ª fase do jornal dirigida, nos primeiros cinco meses e uma semana (das edições de 4 de abril até 10 de setembro de 1931), por Domigos Garcia Pulido (1892–1973), «integrante do círculo íntimo de Salazar, já que ambos se conheceram na Faculdade de Direito de Coimbra (Salazar era apenas dois anos mais velho). Apesar desta proximidade inicial, Salazar não tinha amigos entre os jornalistas, como bem atesta o destino de Garcia Pulido que apenas sobreviveu um ano à frente do Diário da Manhã, tendo circulado por cargos intermédios de vários ministérios» — Os jornalistas amigos do Estado Novo: uma relação duradoura e não linear — escreveu, na revista Mediapolis, n.º 13 (2021) a investigadora Carla Baptista, que tem o mérito acrescido de ter entrevistado um jornalista que trabalhou, desde 1956, para o Diário da Manhã e para o Diário Ilustrado. Ainda que o período que nos queiramos circunscrever até 1945, que é o ano ds morte de Virgínia de Castro e Almeida, não deixa de valer a pena referir este episódio da eleições presidenciais de 1958: «Embora trabalhasse em simultâneo para os dois jornais, Fialho de Oliveira [n. 1933, prémio Gazeta de Mérito em 2011] salienta as diferenças: Chegava ao DM com informações sobre o Delgado e diziam-me: — “Não interessa nada.” — No DI diziam: — “Queremos mais.” — Era completamente diferente e difícil de fazer. Andava sempre exausto, dormia em todo o lado”» in Contributos para uma história do jornalismo em Portugal (ICNova, 2022).
Do dicionário Jornais Diários Portugueses do século XX (Mário Matos e Lemos, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2.ª edição, 2020), na nota introdutória, Luís Reis Torgal na nota (de 31 de janeiro, 2020) introdutória à obra, começa por «Há algumas semanas escrevi no Jornal de Letras um artigo
que intitulei “O fim da História?”» — fecho a citação contra o desaparecimento do Jornal de Letras, Artes & Ideias em 2025, referência e evocado no primeiro número da gray-film, que finaliza com a polémica ao n.º 1 do JL (o ano era 1981, uma década depois do Morte em Veneza (Luchino Visconti, 1971) que dividiu violentamente e continua a separar quem escreve crítica. À suspensão do JL, um título que não nos pode deixar, a gray-film voltará a juntar a sua voz ao protesto dos seus leitores.
No Prefácio à 1.ª edição do dicionário, Isabel Nobre Vargues cede-nos precisas recomendações biblográficas de autores (•) por vezes (duplamente, ••): «São ainda pouco numerosos os estudos biográficos sobre os jornalistas, os repórteres, ou os diretores de jornais. Alguns, para além do seu trabalho em jornais e revistas, também foram escritores, políticos, diplomatas e vários deixaram escritas as suas memórias que constituem hoje testemunhos imprescindíveis a ter em conta: • França Borges, A imprensa em Portugal (notas de um jornalista) (1900); • Pedro Venceslau de Brito Aranha, Factos e Homens do meu tempo. Memórias de um jornalista, três volumes, (1907 e 1908); • Sousa Viterbo, Cem artigos de Jornal (1912); • Eduardo de Noronha, Vinte e cinco anos nos bastidores da política. A sua vida e a sua obra política e jornalística (1913); • Augusto de Castro, Fumo do meu cigarro (1916); • João Chagas, Trabalhos Forçados (1926); • Sebastião Magalhães Lima, Episódios da minha vida. Memorias documentadas com fotografias e caricaturas de Rafael Bordalo Pinheiro, Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro e Francisco Valença (1927); Uma hora de Jornalismo: aspectos, anedoctas e inconfidências da vida profissional (1928), uma edição que reúne testemunhos vários, publicada pela Caixa de Previdência do Sindicato dos Profissionais de Imprensa; • Jorge de Abreu, Boémia jornalística (Memória de um profissional com 30 anos de serviço na “fileira”) (1928); • Eduardo Fernandes, Memórias do “Esculápio” (1940); Rafael Ferreira, Nos bastidores do Jornalismo (1945); • António Ferreira Cabral Pais do Amaral, As minhas memórias de jornalista (1949); • Norberto Lopes, Visado pela censura, (1975) e Perfil do jornalista Joaquim Manso, no primeiro centenário do seu nascimento (1979); • Victor Cunha Rego, Os dias da amanhã (1999) […] só para recordar alguns que viveram e sobreviveram em diferentes regimes políticos e com constrangimentos diversos no século XX, desde os fins da monarquia constitucional à implantação da república e da ditadura à democracia, lembrem-se os nomes de: • Augusto Alberto Bessa de Carvalho e • Alfredo Carneiro da Cunha (1863–1942), dois dos maiores historiadores do jornalismo português; • Augusto de Castro Sampaio Corte Real (1883–1971), • José da Silva Graça, um dos mais importantes directores do jornal O Século, • Joaquim Manso (1878–1956) e • Rocha Martins; • António Ferro (1895–1959); • Reinaldo Ferreira, o Repórter X (1897-1935); • Luiz Teixeira, •• Norberto Lopes (1900-1989), • Carlos Ferrão, um dos historiadores do jornal O Século e um democrata conceituado que também se dedicou ao estudo da I República, • Mário Neves (1912–1999), e •• Raul Rego (1913–2002)». Este dicionário reune um conjunto de verbetes tão relevantes que nos dão a conhecer que, implantada a República, «só a partir de 1914 é que voltam a aparecer diários declaradamente monárquicos. O primeiro foi o Diário da Manhã, cujo número um tem a data de 27 de maio de 1914, mas que durou apenas até 15 de agosto, com várias suspensões pelo meio». Este título foi recuperado e passa a ser publicado diariamente a 4 de abril de 1931. Descreve
o autor do dicionário e investigador Mário Matos e Lemos: «Em ofício sem data, de que apenas encontrei a minuta, Salazar comunica ao Presidente da Comissão Executiva da União Nacional que “o Diário da Manhã fica subordinado, como órgão oficioso do governo, às diretrizes que lhe forem dadas por intermédio do Secretariado da Propaganda Nacional. Não obstante, o mesmo jornal continuará a desempenhar as funções de órgão da União Nacional e, nessa conformidade, no que se refira à ação política desse organismo, obedecerá à orientação que lhe for dada por V. Ex.ª. Recomendo a V. Ex.ª que entre a União Nacional e o Secretariado da Propaganda Nacional se estabeleça uma íntima colaboração, tanto no que se refere à acção do referido jornal como no que diga respeito à actividade política que a ambos compete”. Apesar destes propósitos, parece que o jornal vivia na penúria: em 7 de agosto de 1933, Júlio E. de Mesquita, administrador do jornal, expõe a Salazar a situação difícil em que o periódico se encontrava, agravada pela insuficiência e irregularidade do subsídio governamental que lhe era atribuído (recebia 54 mil escudos e diz que eram necessários mais 22 mil “para extinguir o seu déficit, viver honestamente e poder desenvolver-se”). Júlio de Mesquita refere, nesse relatório, as dificuldades com a venda, afirmando: “O assinante receia, muitas vezes, por cobardia moral, ter aqui o seu nome registado; o cliente avulso quase que o compra a medo, guardando-o para só o ler em casa; em alguns pontos chegaram a ser apupados os vendedores que apregoavam o Diário da Manhã; a expedição pelo correio era propositadamente feita ao contrário, isto é, o correio do norte era enviado para o sul, e vice-versa, de forma a demorar a entrega do jornal pelo menos um dia […]. O anunciante não declara abertamente que não pode dar publicidade ou, ironicamente, diz que estando em compressão de despesas como lhe é aconselhado, não pode fazer despesas com anúncios!!!.”».
Diário da Manhã — Jornal de doutrina política e de grande informação. Ano I — N.º 1. Lisboa, 4 de abril de 1931. Director: garcia pulido. Editor: jaime torres. Inclui suplemento ilustrado intitulado Notas Gráficas, em formato de sobrecapa, com a fotografia de página inteira e a legenda: General António Óscar Fragoso de Carmona, Presidente da República. Abre com a frase, hoje claramente racista: O Diário da Manhã não traz no seu programa o propósito de se socorrer daquêles processos de combate que durante muitos anos transformaram a vida pública do País numa desordem de cabilas [do árabe, qabílâi, «tribos; gerações»] africanas. Acresce uma nota política:
Estão completos e definitivamente constituidos os quadros da União Nacional, a organização politica que fez dos princípios expostos na histórica reunião de 30 de Junho do ano findo o seu programa de trabalho e de acção. A rapidez da sua formação e o entusiasmo com que Portugal inteiro acorreu a engrossar as suas fileiras constituem um magnífico sintoma de vitalidade e são um índice seguro da renovação operada na consciência cívica do Pais.
A União Nacional é já hoje uma fôrça formidável posta ao serviço da Nação, finalmente liberta do dominio devastador das clientelas famintas. Não é nem poderá ser um agrupamento eivado dos velhos prejuízos de sentido, moldado no sectarismo dos corrilhos que fizeram da vida pública um regime de guerra civil permanente. O espírito mesquinho de facção, o ódio tenebroso de seita, a vileza das ambições inconfessáveis não cabem dentro do seu programa. Outros são os seus métodos e mais elevados os seus objectivos. Dentro dos seus quadros há
lugar para todos os homens de bôa vontade que, patrióticamente, queiram prestar ao País o nobre concurso do seu esfôrço.
A obra a realizar é imensa, precisa da colaboração leal de todos os valores e necessita de assegurar a sua estabilização e de garantir, no futuro, a sua continuidade dentro de novas formulas que não permutam, através duma evolução capciosamen te calculada, a distância, o regresso dum passado que não conseguiu ressurgir pela violência dos motins.
É essa a patriótica missão da já em 1923 visionada por Basílio Teles, como sendo a única tentativa que poderia evitar a catástrofe eminente.
Na 1.º página, uma fotografia da Semana Santa em Lisboa. Por baixo, referências a partidas e chegadas de comboio, a primeira: Partiu ontem no «Sud» para Santa Comba Dão, o sr. dr. Oliveira Salazar, ilustre ministro das finanças. O jornal tem 20 páginas e na 5.ª, uma crítica, não assinada ao filme
With Byrd at the South Pole (Julian Johnson, 1930), em exibição no Tivoli:
A profunda influência educadora do cinema revela-se, com notável evidência, neste atraente documentário. Esta pelicula permite que áridas noções geográficas, meteorológicas e climatéricas alcancem o grande público que sem isso os não iria, certamente, colher nas obras especializadas. Nunca será demais exaltar a realização de documentários como este, que vêm entrecortar, utilmente, a prolongada série das efabulações amorosas. A realização profundamente humana e natural de «Byrd no polo sul» reveste a película de uma atracção tal que obriga o espectador a segui-la, tão atentamente, como se se tratasse de um enrêdo complicado. O realizador soube imprimir ao filme aquele ritmo e aquela sequência, que é a própria vida do cinema, levando o espectador a assistir ás peripécias da viagem de Byrd como se delas participasse. A fotografia é notavel, os clichés da tempestade de neve, cujos primeiros planos mostram com nitidez a trágica velocidade da tormenta, são do melhor que temos visto. Todas as scenas do acampamento, que os exploradores polares estabeleceram na banquise antártica, são maravilhosas de naturalidade e revelam a camaradagem e bôa disposição que reinava na «Pequena America». Uma pequena tragédia ensombrece o filme… é preciso matar um dos cães, que, apesar de estropeado, teimou em acompanhar os seus irmãos que puxam os trenós… momento triste… uns passos na neve que se afastam… é uma das melhores scenas do filme. O vôo de Byrd por sôbre o polo sul. está admirávelmente registado e nada mais impressionante do detalhes do interior da carlinga do avião em que se apertam os únicos homens que naquele momento
habitam a imensa planura gelada. O filme está senorizado, por vezes, tendo no fim uma legenda falada em brasileiro que melhor seria substitutir por música, e que bem fácil é, visto que a sonorização está registada em piscos.
Por baixo da crítica são listadas as salas na coluna Cartaz:
CENTRAL — A Carmen de St. Pauli e o Estudante bailarino.
CONDES — O Sargento Grischa.
TIVOLI — Byrd no polo sul.
S. LUÍS — O Milhão.
ODEON — A Cingilo do Bandido.
OLÍMPIA —
TERRASSE — O Rei dos Borlistas
ROYAL — Mocidade ardente.
PALÁCIO — Anny faz tudo.
LYS — Cunção do deserto.
MAX CINE — Rua Barão de Sabrosa.
IMPERIAL CINEMA — Rua Francisco Sanches.
SALÃO DO ROSSIO — Rua do Arco Bandeira.
MUSICAL CINEMA PARQUE — Var. e cinema.
PROMOTORA — (Calvário).
SALÃO LISBOA — Mouraria.
SALÃO IDEAL — Rua do Loreto.
SALÃO PORTUGAL — T. da Memoria (Ajuda).
ÉDEN CINEMA — Rua do Alvito (Alcântara).
BÉLGICA CINEMA — R. da Beneficência.
CINE ORIENTE — Penha de França.
EUROPA CINEMA — Rua Almeida e Sousa.
No São Luiz Cine. Estreia-se esta noite neste aristocrático «cine» o novo programa sonoro, do qual faz parte o célebre filme «O Milhão». A noite de hoje será por todos os motivos elegantemente concorrida.
�� AatrizAnnabellaem«LeMillion»(RenéClair,1931).
Diário da Manhã. Ano II — N.º 692. Lisboa, 8 de março de 1933. Director: antónio de sousa gomes. Editor: jaime torres.
«… fará ressurgir Portugal
Pensámos em dar a este artigo um título diferente; pensámos, que seria oportuno chamar-lhe exame de consciência.
De facto, neste início da quaresma, quando, por coincidência, de todos os cantos do Mundo começam a ouvir-se exclamações e brados de admiração pela situação especial, em que se encontra o Estado português, é justo que perguntemos a nós mesmos, se todos temos contribuído para auxiliar capazmente, quem tem estado a guiar com clara visão os destinos da nossa Pátria. É agradável constatar, que no momento em que se não manifestavam tão intensamente por todo o Mundo as perturbações financeiras da hora que passa; é agradável constatar, que no momento em que toda a gente se pronunciava no sentido de conseguir, que entre nós se seguisse, não aquilo a que hoje se pode chamar o nosso caminho, mas sim o caminho seguido por todas as outras nações — houve quem tivesse, a visão distante, a visão antecipada do caminho por onde era necessário seguir para fazer ressurgir Portugal.
Portugal hoje não é o mesmo país desconhecido e ignorado; Portugal hoje começa a ser citado e apontado, graças a acção inteligente e patriótica do sr. dr. Oliveira Salazar e ao esforço feito por todos os portugueses correspondendo aos sacrifícios pedidos.
Parece-nos, porém, oportuno fazer vários exames de consciência; parece-nos oportuno que todos olhem para dentro de si mesmos, e reparem, se têm dado também todo o esforço, toda a cooperação, que é necessário dar.
Não nos referimos hoje a exame de consciência política; referimo-nos, sim, à consciência social, ao espírito social que é necessário despertar, e consolidar; ao espírito de cooperação e de colaboração, que é necessário estimular.
Parece-nos que é chegada a ocasião de cada um começar a reconhecer que de facto esse sonho dum Portugal Maior de que tantas vezes ouvia falar, essa longínqua e distante possibilidade de Portugal voltar a ter a sua Marinha de Guerra, voltar a manter um contacto real com o seu Império Colonial, voltar a ter paz e prosperidade social — é hoje uma realidade, é uma realidade que lá fora se começa a reconhecer, talvez ainda mais do que mesmo cá por dentro.
Perguntamos portanto nós, e parece-nos que com oportunidade, por que razão se não há-de criar no País um estado de alma, um estado de espírito novo, uma mentalidade nova que fará ressurgir Portugal, desde que nos convençamos de que é necessário sermos praticamente patriotas?
Dizem os livros que na Rússia, Staline e os seus camaradas, conseguiram de facto criar no espírito do povo o desejo intenso de ver realizado o plano quinquenal, de ver sensivelmente aumentada e modificada a produção industrial da velha Rússia. Nós não queremos, nem ambicionamos, ver o povo português seduzido por qualquer imagem tentadora e falsa duma industrialização louca dum país de tradições agrícolas. Não queremos também criar um estado de espírito, como há em certos sectores franceses, e que se reconhece, e nota, por exemplo nos autores de livros e artigos de revistas de medicina, que não falam em certos medicamentos alemães mundialmente e banalmente conhecidos. Mas entre esse exagero e a nossa morna indiferença por, esses
assuntos vai uma distancia sem fim; entre esse exagero e a nossa indiferença há um justo meio termo, que é necessário atingir, porque não pode Portugal dispensá-lo, porque faz falta à nossa economia nacional, faz falta à nossa vida de trabalho. É claro que ha países, onde esta noção de cooperação prestada pelo público à produção nacional entrou tacitamente, desde há muito, nos domínios do subconsciente; todos sabem que devem actuar assim e fazem-no naturalmente; entre nós, porém, é necessário lembrar a todos os portugueses que a sua acção social … fará ressurgir Portugal.
a. de sousa gomes»
António de Sousa Gomes (1895–1947) substituiu Garcia Pulido na Direção do Diário da Manhã, mas não de imediato; entre 10 de setembro, 1931 e 26 de fevereiro, 1932 a Direcção Editorial foi do Conselho de Administração; e de 27 de fevereiro, 1932 até 24 de janeiro, 1934 de Sousa Gomes. No Dicionário de História do Estado Novo, o Cardeal-patriarca de Lisboa (a partir de agosto de 1929), Manuel Gonçalves Cerejeira (1888–1977), foi «orientado pelo Prof. Sousa Gomes, pela mão do qual iniciou a sua actividade jornalística, em 1909, no diário católico A Palavra, que continuou em Coimbra, sobretudo no Imparcial, por si fundado e dirigido a partir de 1912». Sousa Gomes «foi médico e colaborador íntimo de Salazar na pasta das Finanças, seu primeiro chefe de gabinete na Presidência do Conselho, governador civil de Setúbal e de Coimbra, director do Diário da Manhã e deputado católico na primeira legislatura da Assembleia Nacional […] um dos grandes articulistas católicos dos anos 30 e 40 (nas Novidades, em O Trabalhador, etc.)» e «verberava também o fascismo pelo excessivo culto da chefia e pelo arregimentar da juventude. As críticas redobrarão no plano interno, com o conflito com a Acção Católica, e no plano externo, com a guerra da Abissínia […] expansionismo é mais duramente atacado quando consta que Mussolini propusera a MacDonald a partilha do ultramar português com a Inglaterra, como «colónias de mandatos» [Novidades, 27 de março, 1933]» cito Manuel Braga da Cruz (Análise Social n.º 27, 1992) As elites católicas nos primórdios do salazarismo.
D’a construção do Estado Novo vista pelos editoriais do jornal Diário da Manhã publicada por Vítor Neto na Revista de História das Ideias (Vol. 37, 2019), cito: «o fim da Ditadura de Primo de Rivera e o triunfo da II República espanhola, proclamada a 14 de abril de 1931, gerou alguma tensão entre os países ibéricos. […] Em 1931, havia uma grande necessidade de constitucionalização do regime salazarista, enquanto se generalizavam os ataques da imprensa portuguesa à República espanhola acusada de conceder grandes facilidades às manobras dos emigrados portugueses contra o regime vigente em Portugal […] o Grupo de Estudos Democráticos […] em Madrid, a que se juntava o reviralhismo republicano […] membros da Liga [da Defesa da República no exílio em Paris; Afonso Costa (viria a morrer a 11 de maio de 1937) era muito próximo de Virgínia de Castro e Almeida] vinham com frequência a Madrid […] havia uma preocupação europeia pelo caminho prosseguido pela Espanha e pelas suas consequências em Portugal. Na fronteira, portugueses e espanhóis conspiravam contra a “Ditadura” de Salazar e, segundo o Diário da Manhã, havia uma aliança revolucionária entre vizinhos».
WHO FRAMED [HER]?
O Diário da Manhã teve outros diretores: M. Braga (04/02/1934 a 31/03/1936), Manuel Pestana Reis (até 22/03/1943), Manuel Múrias (até 20/02/1956), José Manuel da Costa (até 13/09/1959) e Barradas de Oliveira (até 31/01/1971), com o anúncio que, após o n.º 14196, «gente do Diário da Manhã e de A Voz vai unir-se para fazer um jornal em dimensões que não nos foram possíveis» (A Época). Para manter o título e fazer prova de vida anual, o matutino saiu 30/01/1972 (dirigido por Barradas de Oliveira) e em 31/01/1973 e 31/01/1974, (dirigido por Pedro Maury).
Diário da Manhã — Orgão da União Nacional — Nada contra a Nação. Tudo pela Nação. — Ano XII da Revolução Nacional. Ano VII — N.º 2485. Lisboa, 24 de março de 1938. Director: m. pestana reis. Editor: antónio da fonseca.
Um canal televisivo (TVI), no início do século XXI, recuperou o título para um programa Diário da Manhã (2003) que está no ar há mais de duas décadas: O que interessa o Diário da Manhã de que já ninguém se lembra? (e a imprensa tende a desaparecer para a overdose de conteúdos audiovisuais ) Alimentada pelos canais televisivos, a sede de aparecer do líder de um novo partido populista que recupera o diacho do ditame «Deus, Pátria e Família»: — Está a dizer o quê? — Ao que vem, afinal? — Para chegar ao poder e derrubar por dentro cinco décadas de democracia?— O que fica? — Não há memória nas redações? — E fora delas, dos leitores, da imprensa visada pela censura do Estado Novo? Em 2025 a ditadura estará tão distante quanto o reinado de D. Sebastião?
Mário Cesariny de Vasconcelos (1923–2006) no filme Autografia (Miguel Gonçalves Mendes, 2004): Fomos sempre lunáticos. Lunáticos do passado e lunáticos do futuro. Não há nenhum país que esteja quatrocentos anos à espera que um rei reapareça. Não existe. E depois aparece um borra-botas: — é ele! 300 anos depois. Isto é fantástico, isto é bonito até… É um povo menino, um povo criança, não é? Mas depois não dá para ser PAÍS, como a Alemanha ou…
De mofo, bafiento, bolorento, dito Salazarento. «O Fascismo nunca Existiu» (Eduardo Lourenço, 1976) ou «um fascismo à portuguesa» (Luís Reis Torgal). As epístolas de Virgínia de Castro e Almeida no Arquivo Oliveira Salazar (não li), a contrainformação inglesa/defesa do Diário da Manhã, são para análise que não se reduza à morada da remetente, à Quinta da Marinha na Sábado com capa do ditador. A popularidade do monstro emerge do lago Ness. Na Torre do Tombo, a correspondência para Salazar está datada entre 1938 e 1942, ou seja, é posterior a uma carta de 2 de abril, 1937, citada por Jesús Manuel Bermejo Roldán. Na missiva (que Roldán traduziu para inglês) destinada a António Ferro, Virgínia escreveu: When you tell me that Salazar found my work positive and that he understood that it should be continued, I saw that my bread was guaranteed, and beyond that, I had the best reward for my effort.
WHO FRAMED [HER]?
Virgínia de Castro e Almeida and women’s presence in international cooperation during the interwar period, publicada por Roldán na Women’s History Review, n.º 33 (2.º volume, 2023) é uma leitura recomendável, na íntegra. Conclui Roldán: Her patriotism may also help to explain her interest in and collaboration with a regime that, despite being authoritarian and in which women were treated almost as objects, accentuated Portugal's progressive external recovery. The context of disillusionment with the internationalist spirit due to the weakness of the League could explain the lack of disagreement with the regime that Salazar imposed. Because of this lack of interest on the national level, as well as the political climate of the 1930s, which rendered the LON [Sociedade das Nações] ineffective, de Castro e Almeida finally accepted the futility of intellectual work projected in the shadow of an international organization mortally wounded in 1939. Santiago Gerchunoff (Buenos Aires, 1977) é crítico e professor de Teoria Política na Universidad Carlos III. Vive en Madrid desde 1997, onde foi livreiro, fundador da Librería Muga. Foi diretor editorial da Clave Intelectual e da Sieglo Veintiuno (Argentina). No seu ensaio, em duas partes, Un detalle siniestro en el uso de la palabra fascismo, Para qué no sirve la historia (Ed. Anagrama, 2025). Faz referência à melhor explicação que conhece, com o artigo No es de Brecht (Ricardo Bada, 30 de janeiro, 2009, no diário colombiano El Espectador) sobre a «a armadilha que se esconde na ilusão humanista universalizadora do poema» de 1945 que a real autoria é de um pastor protestante alemão, Martin Niemöller «que apoiou o nazismo inicialmente e mais tarde se opôs ao regime e foi detido: literalmente, um arrependido». O poema foi traduzido para o castelhano por Bada:
Cuando los nazis buscaron a los comunistas / me callé / porque yo no era comunista.
Cuando encarcelaron a los socialdemócratas / me callé / porque yo no era socialdemócrata.
Cuando buscaron a los católicos / no protesté / porque yo no era católico.
Cuando me buscaron a mí / ya no había nadie / que pudiera protestar.
Gerchunoff, no ensaio em livrinho de bolsa que merece a leitura que é rápida, cheia de referências às obras de Michael Oakeshott, Hannah Arendt, Paul Valéry, Immanuel Kant, Raymond Aron, Pablo Maurette, G. W. F. Hegel, Hergé ou Quentin Tarantino, mas também às mais menções efémeras, como transcrição de um Telediario do canal La Sexta (13 de junho, 2024): «El cordón sanitario aguanta en Francia: hoy no ha ganado el régime de Vichy» ou a citação «La historia de nuestro empresariado enseña, la historia de nuestros conservadores alumbra» [ilumina] do artigo de Antonio Maestre, El fascismo bueno, publicado no elDiario.es (18 de maio, 2024). No ano passado, Maestre aludia à pose na fotografia de grupo do argentino Javier Milei com empresários de grandes corporações espanholas. Escreveu Maestre: Todos e cada um dos presentes terão comparecido sem nenhum tipo de «receio» à reunião secreta realizada no Reichstag em fevereiro de 1933 entre os principais empresários da Opel, Krupp, Siemens e IG Farben com Adolf Hitler para escutar
quais eram os seus planos económicos. Todos e cada um dos presentes terão feito negócios durante os quarenta anos da nossa ditadura [espanhola]. A história da nossa comunidade empresarial ensina, a história dos nossos conservadores esclarece. Quando chega a altura, todos ouvem, a maioria colabora. Escolhem sempre o seu bom fascismo. O artigo de Maestre podia ter sido escrito a 5 de setembro de 2025 [vídeo da PBS que resiste ao seu desmantelamento por ordem presidencial] com Donald J. Trump, já sem o empresário Elon Musk no executivo, rodeado de comensais (que não se podem ver à frente) de arquibilionárias corporações de tecnologia curvados pelas circunstâncias à propaganda da inteligência artificial do governo federal norte-americano.
Regresso ao ensaio, na página 81, Gerchunoff que conclui: A emoção na urgência do «alarme antifascista» é também a nostalgia ou a melancolia a que nos vemos impelidos pelo horror que nos produz a indefinição do nosso tempo; o desejo de encontrar uma palavra mágica que conjure o perigo da abstracção no nosso mundo e, ao mesmo tempo, encerre toda a discussão. Uma palavra com a qual já tudo estaria dito, que organize o sentido de uma guerra que seja nossa e nos permita voltar ao futuro.
Virgínia de Castro e Almeida que nascera num ambiente afortunado que bem descreve no prefácio da sua obra A Mulher (Livraria Clássica Editora, 1913), já nessa altura e ainda antes de ver de perto as guerras mundais do século XX, escreveu: Não sou feminista na acepção errada que frequentemente se dá a esta palavra, tornando-a sinónimo de violência, de aspirações absurdas ou ridiculas. No feminismo, como no socialismo, como em todas as grandes crenças e em todas as grandes esperanças que têm enobrecido o espirito humano […] A pouco e pouco, por uma evolução lenta e segura, o aspecto de todas as coisas foi mudando à minha vista. Principiei a desconfiar dos instintos, dos entusiasmos irreflectidos, da ignorância que dá ilusões d’óptica em frente da Verdade; habitueime a julgar o que se me apresentava, não através do que os outros pensavam, mas sim através do meu próprio raciocínio que se ia libertando gradualmente dos preconceitos. Os preconceitos começaram então a desenhar-se em volta de mim com os seus verdadeiros contornos; e achei-os ridículos ou injustos, muitas vezes insensatos, cruéis, ferozes. Foi assim que o feminismo, que primeiro me aparecera sob a forma grotesca e vaga de uma utopia talvez perigosa, a pouco e pouco se transformou aos meus olhos n’uma grande e generosa ideia de redenção, que avança gravemente com a serenidade magestosa de todas as forças invencíveis destinadas a mudar a face do mundo.
Já dos textos de Roger Lion na imprensa: li uma persona ensimesmada publicitando-se para a high life até à entrevista de registo mundano, a que Roger se sujeitou, ao porquê dos seus filmes transportarem para o elenco a atriz Gil Clary, sua mulher, na Ciné-Miroir (1.º de dezembro, 1926).
Who Framed Roger Rabbit? (Robert Zemeckis, 1988), traduzido Quem tramou Roger Rabbit? em Portugal e, no Brasil, Uma cilada para Roger Rabbit. Comecei por me perguntar quem nesta trama cortou as pernas a Virgínia de Castro e Almeida para o cinema. Um ego másculo com exposição mediática a falar mais alto, na primeira pessoa, mas consciente da usurpação da coautoria às cineastas. Se pudesses altercar, Roger… Abra-se a via da comunicação mediúnica (até para gente agnóstica, no próximo número da revista). ��
A cineasta pioneira Virgínia de Castro e Almeida (a Gi, letra G em gray) apresentou Renée Vallée a Ayres d’Aguiar. De Paris, a 5 de fevereiro, 1924, para os Açores, Gi acede ao pedido do noivo (que considera como um filho) e escreve à mãe de Ayres para tranquilizá-la e dar-lhe a conhecer a futura nora, mulher séria, a Renée. Não é uma midinette à caça de uma herança que trará a desgraça familiar — é uma mulher mais velha. Em Ponta Delgada, a difícil aceitação que Ayres antevira para a recepção da carta, da parte paterna com as arrelias e o receio que caia na balbúrdia com a vida que deve andar a levar lá por Paris, que não trabalhe, que não prossiga os negócios, que não constitua uma família como devia, que hipoteque o seu futuro e o bem-estar da casa. Luís Maria de Aguiar foi um dos comandatários da Companhia de Navegação Eiffe & Birgfield, presidente da Associação Comercial de Ponta Delgada (1921/22), Cônsul do Chile em S. Miguel e Vice-Cônsul da República Dominicana. Era atualmente o único sócio que da Domingos Dias Machado Sucessor, Limitada, com interesses no comércio de comissões e consignações, conta própria, importações e exportações, agências e representações, armazéns de grosso e estabelecimentos de retalho.
Do relacionamento de com uma estranha, Renée, que os pais de Ayres nunca viram à superação de divergências destes laços deve ser relida no tempo e, para quem os está a conhecer agora (esta 4.ª parte do meu olhar crítico às memórias de Ayres d’Aguiar), é imprescindível ler a carta transcrita nas últimas páginas, no modo como Gi se expressa.
Com a morte do pai de Ayres, a 31 de maio, 1928, o seu irmão Henrique assume a gerência.
O menino vai arreliar a senhora sua mãe. Já quando foi estudar para Lisboa… Vai à cidade das luzes, Folies-Bergère, pior! Le Ball Bullier com uma midinette, costureira! Será que é couturière ou irá esposar uma corista qualquer?
Lisboa, finais da década de 1910, no recente Instituto Superior Técnico, hoje centenário, na altura à Rua da Boavista: dois dos filhos da Gi, Luís Manuel e José Lopo (de Castro e Almeida da Mota Prego) foram companheiros de Ayres, que por volta de outubro de 1922 regressava ao continente por barco. Em Lisboa, numa saída nocturna, reencontra-os no Maxim’s (Palácio Foz), no então n.º 43 da Praça dos Restauradores (ao lado do ainda mais antigo Elevador da Glória, a lamentar o fatídico dia 3 de setembro de 2025) quando escrevo esta frase) — os filhos de Gi tinham vindo de Paris onde assistiram à estreia do filme da mãe, Virgínia de Castro e Almeida com Roger Lion, Sirène de pierre (Sereia de Pedra, 1922) — corta para: Ayres é convidado para ir ao Brasil tentar vender o filme e, não tarda, se vê a braços com a montagem final de um segundo filme, reitero, da autoria de dois cineastas, Virgínia de Castro e Almeida e Roger Lion. Os filmes nascem na sociedade Fortuna-Films, a que fez de Virgínia de Castro Almeida a primeira cineasta portuguesa que se conhece, mas até agora não reconhecida como tal.
Este é a versão oficial, publicada à epoca, que recomendo para compreender Virgínia de Castro e Almeida: «Tentada a adaptar um dos seus contos, Obra do demónio, para o cinema, extraiu dele o argumento do filme A Sereia de Pedra, que foi um grande sucesso e teve uma ampla cobertura da imprensa parisiense. Madame Virgínia de Castro está agora, com Monsieur Alberto Jardim, à cabeça da Sociedade Fortuna-Films, da qual ambos são directores e administradores. O metteur en scène, os técnicos e os principais artistas foram por eles escolhidos entre os franceses» — Gi descrita em 1922 no anuário Le Tout-Cinéma de 1923 que é impresso por amigos; fora de outras hostilidades que iremos conhecer da promíscuidade intolerável (tanto hoje como na época) em parte da imprensa especializada nas primeiras décadas do cinema.
Madeirense — filho de Nuno Ferreira Jardim (1850–1941), funchalense que casou com a filadelfiense Isabel Maria Langstroth Figueira (n. 1862) em 1879 —, Alberto Figueira Jardim (1882–1970) estudou no Funchal, teve forte influência anglófila e posteriormente francófona, foi educado por jesuítas em Inglaterra, no Beaumont College (de elite adolescente, equivalente a Eton); cursou Direito em Coimbra como o pai; foi advogado, professor liceal (no Pedro Nunes, em Lisboa e, no Funchal, reitor no Jaime Moniz). Foi cronista, crítico, dramaturgo e o argumentista que adaptou para cinema parte da obra literária de Gi.
Em março de 2025, a obra de Alberto Figueira Jardim foi reunida parcialmente com a chancela camarária funchal.pt no livro intitulado com o seu nome. A primeira edição já se encontra esgotada, que não me foi possível aceder, mas pode ler-se da sinopse, «Alberto Figueira Jardim propõe um teatro feito de acontecimentos inesperados, centrando-se no campo das peripécias domésticas, que piscava o olho a um público mais experiente e cético e que, por isso, contemplava com um sorriso de incredulidade os finais felizes e a manutenção da ideia do casamento como pilar-chave da sociedade. A verdade é que manter a reputação tem um preço elevado, como o demonstra o texto A Honra, no mundo não é tudo equilíbrio e honestidade, como se pode constatar em A Laranja do Califa, a mentira às vezes tem bons resultados, como em Os Rebeldes, e é necessário lidar com uma sociedade em que, a par da normalização, existe o absurdo e a rutura. O autor repensa a própria soci-
edade e os espartilhos morais e salvíficos, ao mesmo tempo que nos faz indignar, rir e refletir».
Alberto Figueira Jardim dedica à Gi o mais importante artigo em sua referência, no Paris-Notícias que se reproduz neste número da gray-film. O texto foi publicado a 23 de março de 1922, sete meses antes de Gi pedir aos filhos (finais de outubro/inícios de novembro de 1922) para que Ayres a vistase para ser desafiar a trabalhar para ela (das inéditas Memórias dos meus tempos de cinema, de Ayres d’Aguiar, escritas na década de 1980 e depositadas no Centro de Documentação da Cinemateca Portuguesa).
Só após várias notícias no ano de 1922, que atribuem a criação da Fortuna-Films exclusivamente ao metteur en scène [expressão com origem teatral, encenador] e ex-colaborador da imprensa — Roger Lion — que, nos textos que faz publicar na imprensa francesa, na primeira pessoa, remetera a um mero papel de colaboradora, Virgínia de Castro e Almeida e a intenção de domínio, como se documenta pela primeira vez, no texto anterior, Quem [a] tramou, Roger Lion? e se reproduzem os recortes nas próximas páginas.
Os textos que se apresentam não foram publicados depois da sua impressão no anuário Le Tout-Cinéma (reiterei, desde o primeiro número da revista gray-film a sua importância). Os trabalhos académicos produzidos que recomendo no editorial, pela dificuldade dos investigadores em alcançar as fontes, espelham a incompletude da historiografia francesa transportada até aos nossos dias e do que se sabia até hoje da primeira cineasta portuguesa. Como consequência, quando citados em cascata, originam uma correnteza de imprecisões, transportadas do séculos passado, no conhecimento cinematográfico.
A dificuldade dos investigadores, para além de não terem acedido às fontes, está também nos erros grosseiros cometidos por jornalistas especializados, durante as primeiras décadas do cinema.
Os perfis oficiais, nunca publicados depois do anuário de 1923, são aqui reproduzidos pela primeira vez e visavam clarificar (tardiamente) o que no ano anterior a desinformação espalhada no espaço público por Roger Lion.
O primeiro perfil, para corrigir o que a imprensa tinha publicado sobre Virgínia de Castro e Almeida:
Appartient par sa naissance à la plus ancienne noblesse du Portugal. Fille du comte et de la comtesse de Nova Gôa, le nom de ses ancêtres est un des plus illustres dans l’histoire de son pays. Des sa jeunesse, elle fut attirée par es lettres et devint bientôt célèbre au Portugal et au Brésil, tant par ses livres que par sa longue et remarquable collaboration dans les principaux journaux de ces deux pays. Elle s’occupa de pédagogie et de sociologie et publia quelques romans à thèse parmi lesquels nous citerons sa trilogie: Terre, Travail, Capital. Ses derniers livres contiennent une suite de nouvelles de mœurs campagnardes portugaises qui lui valurent de la critique le surnom « Maupassant portugais ».
Tentée d'adapter à l’écran une de ses nouvelles, Obra do demónio, elle en tira le scénario du film la Sirène de pierre qui eut un très grand succès et dont la presse parisienne s’occupa largement.
Mme Virgínia de Castro se trouve maintenant, avec M. Alberto Jar-
dim, à la tête de la Société Fortuna-Films dont ils sont tous les deux directeurs et administrateurs. Le metteur en scène, les techniciens et les principaux artistes ont été choisis par eux parmi des Français.
Grande amie de la France et enthousiaste du septième art, Mme de Castro a offert un prix d’encouragement à la production cinématographique française.
Par son éducation, ses nombreux voyages, sa haute situation sociale, son nom littéraire et sa fortune personnelle, Mme Virgínia de Castro est bien placée pour assurer à la Société Fortuna-Films un heureux avenir.
O texto de apresentação formal da Gi demonstra o seu interesse no país estrangeiro em que quer ser bem acolhida (cuja intenção foi reiterada na primeira pessoa em outros textos, de apresentação do prémio, que se reproduzem adiante), mas teve um efeito colateral na escolha de como quer ser vista — noblesse, […] comtesse de Nova Gôa, […] a offert um prix d’encouragement […] et sa fortune personnelle — e, fosse quem fosse que o redigisse (Croze?), revela ingenuidade (interpretação minha, da expressão de Ayres, fora deste contexto, nas suas inéditas Memórias dos meus tempo de cinema) ou um gozo aparente. Não é uma apresentação para ser remetida um órgão diplomático, mas (como se diz agora, está a comunicar ao mercado) do negócio, puro e duro, e para ser publicado num anuário com moradas (e equivalente a que consulta na busca de contactos numa lista telefónica (de números que na altura tinham ainda 4 dígitos). Que não exista a menor dúvida que Gi sabia o que estava a fazer, na escolha das palavras; o que me fará supor é que não antevia os transtornos que lhe iria causar ao estar, por um lado a atrair, inevitável e desafortunadamente, toda a espécie de impostores. Releia-se, com esses olhos, da nobreza, très riche et nobre Condessa de Nova Goa (que exótico terá soado a um burlão que não perceba nada de cinema quando ainda quase ninguém percebia nada de cinema) e oferece um prémio de incentivo, ainda refere a sua fortuna pessoal, a gerir e administrar uma produtora que se chama Fortuna-Films. Isto é música para os ouvidos de extravagantes burlões com muita lábia, excêntricos (de quem hoje se diria que saiu o euromilhões), mais os leitores, Le Tout-Cinéma e de todos os anuários e da imprensa especializada, ou até a chamar por… Cala… (-te boca, milhões de desculpas. Cruzes, credo).
O texto de apresentação de Alberto Jardim:
Avocat au Portugal et spécialiste en Droit international privé, ancien juge- substitut du Tribunal ordinaire, ancien président du Conseil provincial et ancien gouverneur-adjoint de l’Ile de Madère, commandeur de l’Ordre du Christ, et homme de lettres ayant à son actit des œuvres publiées en plusieurs pays, M. Alberto Jardim a fondé, avec Mme Virgínia de Castro, la Société de production cinématographique Fortuna-Films, dont il est un des administrateurs. Une éducation cosmopolite, des études faites en Angleterre, puis à l’Université de Coimbra où il a pris le grade de licencié en Droit, le goût des langues et des cultures étrangères l’ont toujours porté vers les formes cosmopolites de l’art et de la littérature et ses œuvres en gardent la trace. Citons ses Contes exotiques, ses Comédies en portugais, ses Echantillons, poésies en plusieurs langues, ses articles de
critique publiés en des revues de Londres et de Lisbonne, sa Galathée, tragédie poétique qui emprunte en le transformant le thème du Polyphème d’Albert Samain, ses critiques remarquables de ce célèbre écrivain français. M. Alberto Jardim n’a donc fait que suivre une voie tout indiquée en se tournant vers le cinéma, celui-ci étant l’instrument propre d’un art vraiment universel. La Société FortunaFilms, sous la haute direction de Mme Virgínia de Castro et de M. Alberto Jardim, a un vaste programme de réalisation cinématographique basé sur la collaboration franco-portugaise, qui a déjà obtenu de si heureux résultats avec la Sirène de pierre, et sur une conception artistique foncièrement latine.
Esta concepção artística fundamentalmente latina é uma declaração autoral. Esta é também a história, que importa reflectir, da promiscuidade que não pode existir na imprensa, mesmo que especializada (ou generalista) por perda de credibilidade. Não se pode fazer crítica ou reportagens e ter interesse comercial na venda de filmes. Farás a tua leitura. Tentei organizar os recortes e documentos para que te possas guiar entre eles. São muitos. Até aqui nunca publicada, investiguei com a confrontação de todas as fontes possíveis para encontrar as imprecisões da imprensa da época e, como referi no primeiro número, atribuí grande peso ao anuário Le Tout-Cinéma, por quem o fundo se justifica, pela proximidade com os envolvidos, como narrado por Ayres d’Aguiar nas suas memórias e aos quais a historiografia francesa não quis relevar. Até 1921 (para o primeiro anuário publicado, de 1922), o conhecimento cinematográfico sobre Portugal era muito reduzido, por parte das chefias editoriais (A. Millo e H. Rainaldy, de Publications Filma, e também de uma revista, com direção da primeira). Isso vem a mudar na edição seguinte, graças a Virgínia de Castro e Almeida e nas seguintes, já com o apoio de Ayres d’Aguiar.
No livro Histoire du Cinématographe (G.-Michel Coissac, 1925) o director da revista Cinéopse, Syndic de la Presse scientifique, Président honoraire de la Presse cinématographique, escreveu: «Les Auteurs de films ont été groupés par M. [Camille] de Morlhon [que fundara em 1921 a Films Valetta] ; la Société [SAF] est actuellement présidée par M. Michel Carré, que l’on peut considérer comme l’un des doyens du cinéma et qui — nous l’avons vu par ailleurs — a créé en quelque sorte l’art de la mise en scène. Cette Société, particulièrement active, comprend des scénaristes et des metteurs en scène. Son bureau est ainsi constitué pour 1925 : président : M. Michel Carré; vice-présidents : MM. Ch. Burguet et Dupuy-Mazuel ; Trésorière : Mme Germaine Dulac ; secrétaire général : M. Roger Lion ; secrétaire adjoint : M. Toni Lekain ; membres du bureau : MM. de Baroncelli, G. Bourgeois, Etiévant, René Jeanne, H. Krauss, Max Linder, Pierre Marodon, G. Ravel, Henry-Roussel». Roger Lion, secretário-geral da sociedade que defende os interesses dos metteurs en scène, foi também suplente do sindicato dos jornalistas. Da página 445:
«Il était naturel que les journalistes du cinéma eussent leur association. Un syndicat fut créé en 1913, par M. Georges Lordier, directeur du journal le Cinéma, élu président, avec MM. Georges Dureau, directeur de Ciné-Journal; Charles Le Fraper, directeur du
Courrier cinématographique; Henry Lafragette, directeur de Gaumont-Actualités et Eugène Meignen, avocat-conseil, comme viceprésidents. Le secrétariat était assuré par MM. E. L. Fouquet et E. Druhot ; MM. Oulmann et Guilhamou remplissaient les fonctions de trésoriers, avec MM. J.-L. Croze et Diamant-Berger comme suppléants. Le but du syndicat était de défendre les intérêts matériels et moraux de ses membres et de la corporation. MM. Louis Lumière, Charles Pathé, Léon Gaumont, Ed. Benoît-Lévy et G.Michel Coissac étaient présidents d’honneur ; pour la durée de la guerre, et comme suppléants des membres mobilisés, le comité s’adjoignit MM. Coissac, Roger Lion, et Mme Dureau. Le 30 mai 1919, ce syndicat se transforma en Association professionnelle de la Presse cinématographique, dont le bureau fut ainsi constitué : président, M. G.-Michel Coissac, ancien rédacteur en chef du Fascinateur, directeur du Cinéopse ; vice-présidents, MM. G. Dureau, directeur de Ciné-Journal, et Ch. Le Fraper, directeur du Courrier cinématographique; secrétaires, MM. E.-L. Fouquet, du Cinéma; Léon Druhot, de l’Écran; trésoriers, MM. Léon Oulmann et Clément Guillamou ; archiviste, M. Henry Coûtant ; membres, MM. H. Lafragette, Floury, Roger Lion, A. Verhylle, E. Meignen, Paul Féval fils, et G. Lordier, ancien président du Syndicat, nommé président honoraire de l’Association. Grouper toutes les bonnes volontés, rallier tous ses confrères sous le même drapeau, donner aux pouvoirs publics et aux dirigeants de l’industrie, l’impression d’une véritable force, telle fut la préoccupation du nouveau président. Limitée tout d’abord aux directeurs et rédacteurs des journaux corporatifs, l’Association professionnelle s’étendit bientôt à tous les journalistes participant à une rubrique cinématographique dans les quotidiens et revues périodiques ; elle comptait, au 31 décembre 1924, près de 70 membres. Une matinée de gala, organisée dans la coquette salle du Colisée, le 21 juillet 1921, lui permit de mettre en réserve une dizaine de mille francs pour la constitution éventuelle d'une caisse de secours mutuels et de retraites; aussi, M. Lafragette pouvait-il dire dans le compte rendu financier qu’il présentait à l'Assemblée générale du 15 novembre 1924 :
« Grâce à l'impulsion donnée à notre association, par notre sympathique président G.-Michel Coissac, son successeur pourra cueillir d'ici quelques jours une ample moisson de lauriers, surtout si la bonne harmonie continue à régner parmi nous comme par le passé et balaie de son souffle puissant toutes les mesquines querelles de chapelles ou de personnes… »
A cette même Assemblée générale, M. Coissac, que ses collègues avaient toujours réélu à l’unanimité, confirma sa volonté inébranlable, exprimée un an auparavant, de jouir dans le rang d’un repos bien gagné ; on lui donna comme remplaçant M. J.-L.Croze, de
Comœdia, vice-président depuis plusieurs années. Et le bureau, pour l'année 1925, se trouva ainsi composé: MM. J.-L. Croze, président ; Georges Dureau, Jean Pascal, et E.-L. Fouquet, vice-présidents; Henry Lepage, secrétaire général ; Henry Lafragette, trésorier ; Guilhamou, archiviste. Sur la proposition du nouveau président de l’A.P.P.C., et par acclamations unanimes, M. Michel Coissac fut nommé président honoraire.
Mais avant de parler syndicat et association, il n’eût pas été inutile de dire un mot de cette presse corporative, qui a tant fait pour la vie et le triomphe du cinéma.
Nous avons signalé par ailleurs, que l’année 1903 avait vu naître le Fascinateur, « dont la mission était d’apprendre à tous ses lecteurs l’art de fasciner un auditoire par des récréations utiles, spécialement par les projections fixes, le cinématographe, la photographie et le phonographe ». Nous revendiquons l’honneur d’avoir créé cette revue mensuelle illustrée, la première du genre, et de l'avoir dirigée jusqu’au 1er août 1914. Dans le premier numéro, nous relations les perfectionnements du service des projections fondé par nous en août 1896 et qui, dès les premiers mois, nous mit en contact permanent avec Léon Gaumont et les frères Pathé ; puis avec MM. Demaria, GrimoinSanson, Léar, Continsouza, Aubert, Harry, constructeurs, éditeurs et loueurs de la première heure ; en même temps, nous commencions une étude très serrée de la Lanterne magique et des Appareils de projection, sorte de préparation à un ouvrage de 700 pages, plusieurs fois cité ici : la Théorie el la Pratique des projections, rapidement épuisé.
Le cinéma vint à son heure dans nos préoccupations, et le no 13, du Fascinateur du 1er janvier 1904, donnait déjà en raccourci l’historique que nous n'avons cessé d’éclaircir et de développer et qui a été à la base du présent volume. La voie était ouverte.
Le 1er avril 1905, M. Ed. Benoît-Lévy mettait sur pièd Photo-Gazette qui, au mois d’octobre, se complétait en Photo-Ciné-Gazelle. Cet organe, admirablement rédigé, disparut après trois ou quatre ans d’existence.
« J’ai cessé de faire paraître mon journal, dira plus tard son directeur, parce que Dureau ayant fondé Ciné-Journal, j’ai cru pouvoir me reposer d’une tâche très lourde assumée simplement parce que l’industrie cinématographique n’avait pas d’organe ».
L’année 1906 salua la venue de Ciné-Journal, de Georges Dureau, premier organe régulier de l’industrie cinématographique; 1908 vit paraître Filma, fondé par le regretté A. Millo et actuellement dirigé par Mme Millo, avec E.-L. Fouquet comme rédacteur en chef ; 1910, le Courrier cinématographique, de Charles Le Fraper.
Le 1er mars 1912, Armand Dennery crée le Cinéma, format des quotidiens, et le 19 avril de la même année, Georges Lordier fonde l’Echo du Cinéma, avec E.-L. Fouquet comme rédacteur en chef ; ces deux organes, identiquement semblables, fusionnent le 19 juillet 1912, sous la direction de Lordier. Le Cinéma et l'Echo du Cinéma
réunis ont comme rédacteur en chef E.-L. Fouquet et pour collaborateur régulier, A. Verhylle.
1915 enregistre la naissance d’Hebdo-Film, fondé par André de Reusse, et 1917 l’Écran, journal officiel du Syndicat français des directeurs de cinéma, dont la rédaction en chef est assurée depuis 1920 par Verhylle. La Cinématographie française naquit en 1918 ; elle a connu pas mal de tribulations ; mais un directeur jeune et actif, PaulAuguste Harlé, lui a insufflé une vie nouvelle, et l’on doit compter cette publication parmi les plus vivantes et les mieux informées.
Le Cinéopse, qui vient d’entrer dans sa septième année, est surtout une revue technique de grand luxe, consacrée à l’industrie cinématographique, à la photographie, l’électricité, l’optique. Une très large place y est faite au cinéma d’enseignement ; il paraît tous les mois sur une moyenne de 80 pages, avec des illustrations. Les plus hautes personnalités scientifiques et littéraires lui assurent une précieuse collaboration. Ses abonnés se recrutent dans tous les milieux et dans tous les mondes. M. Paul Souillac assure la critique des films.
Cinémagazine, de Jean Pascal, revue de petit format, s’adressant au public, a déjà cinq ans d’une existence bien remplie ; Cinéa, créé par Louis Delluc, est devenu Cinéa-Ciné pour tous, avec MM. Jean Tedesco et Pierre Henry, comme directeurs.
Depuis la disparition du Cinéma, il reste seulement, dans le format des grands journaux, la Semaine cinématographique, de Max Dianville, et Ciné-Spectacles, édité à Marseille. Les journaux s’adressant plus spécialement au grand public se complètent de Ciné-Miroir, bi-mensuel, édité par le Petit Parisien, avec M. Jean Vignaud, comme rédacteur en chef, et de Mon Ciné, hebdomadaire, qui a pour rédacteur en chef un des journalistes les plus avertis des choses de l’écran, M. Pierre Desclaux.
La feuille de Cinœdia offre toutes les garanties d’une critique impartiale de tous les films présentés. La compétence et la conscience professionnelle de son directeur Verhylle sont sa meilleure recommandation.
Parmi les grands quotidiens qui, chaque vendredi, publient une rubrique cinématographique, Comœdia se distingue avec une page entière dans laquelle sont traitées avec maîtrise les questions les plus diverses. Un journaliste rompu au métier, J.-L. Croze, alimente cette très intéressante chronique. M.E. Vuillermoz donne au Temps des correspondances très appréciées ; de même Pierre Gilles écrit des articles très judicieux dans le Matin, Jean Chataigner assure la critique du Journal et de Paris-Soir ; René Jeanne signe dans le Petit Journal et plusieurs autres journaux ; André Reuze [Reusse?], dans Excelsior ; Lucien Wahl, dans l’Informalion et le Quotidien ; Boisyvon, dans l’Intransigeant ; Raymond Berner, dans la Presse ; Auguste Nardi, dans Bonsoir et l’Œuvre ; Paul Gordeaux, dans l’Echo de Paris ; Roger Cousin, dans la Liberté ; Tavano, dans la Lanterne ; Mme Jumel (R. Spa), dans le Figaro ; Félicien Faillet, dans l’Homme libre ; Gaston Thierry, dans Paris-Midi ; René Ginet, dans le Lyon Républicain ; Gaston Phelip, dans la Dépêche de Toulouse, etc.
Edmond Epardaud, à qui nous devons les remarquables scénarios de Pasteur et de l’Empire du Soleil, Paul de La Borie, Guillaume Danvers, Lucien Doublon, CI. Guilhamou, Henry Lepage, Léon Moussinac, E. Roux-Parassac, Ch. Catusse, Liez, H. de Courtry, Jean Stelli, Tinchant, Lafragette, Marcel Yonnet, Pierre Seize, Marcel Achard, René Sti, Lucette Derain, comptent parmi les journalistes et critiques cinématographiques qui collaborent régulièrement à des quotidiens ou à des périodiques. Dans les correspondants de journaux étrangers, citons G. Edward Kendrew et Clarrière.
Les grandes revues hebdomadaires, comme l’Illustration et le Monde Illustré, ont, à leur tour, adopté une rubrique cinématographique qui ne manque pas d’intérêt et s’étend progressivement.
Nous n’aurons garde d’oublier que M. Charles Pathé imagina, dès 1908, de créer le journal animé. Limité tout d’abord à l’information française, presque uniquement parisienne, Pathé-Journal devint en peu de temps un véritable journal de reportage universel.
Dans sa présentation au public, Pathé-Journal, qui s’était installé dans le local du boulevard Saint-Denis où son nom est conservé, s’exprimait en ces termes :
Les vues que présente notre journal dans ses éditions imprimées ne sont pas des instantanés photographiques, ce sont des mouvements arrêtés dans la prise de vue cinématographique au moment le plus sensationnel de leur évolution.
Pathé-Journal n’est pas un organe de polémique, c’est un journal d’information. Son but est d'être l’illustration du peuple en lui donnant pour cinq centimes ce qu’il est impossible aux plus grands illustrés de lui offrir à n’importe quel prix.
Et M. Lépine, qui présidait alors aux destinées de la préfecture de police, reconnaissant à M. Charles Pathé la qualité de publiciste, lui délivra le premier coupe-fil officiel destiné à lui faciliter sa tâche d’informateur.
L’action de Pathé-Journal sur l’opinion a été considérable, car il a traité toutes les grandes questions susceptibles d’intéresser et de passionner les peuples.
« Ainsi que l’a souvent écrit Verhylle qui en fut longtemps rédacteur en chef, ce journal vivant dépassa en vitesse les plus rapides reportages, car il donnait le soir même ce que ses confrères imprimés ne pou- vaient donner que le lendemain. »
Saluons en passant quelques-uns des animateurs de PathéJournal, MM. Gaveau, directeur, Rischmann et Maës, opérateurs, Verhylle, ancien rédacteur en chef, et Fagot, un des plus zélés collaborateurs.
Importa conhecer J.-L. Croze e recomenda-se a leitura dos três capítulos anteriores, Quem deu nome à gray-film? dos três últimos números da revista. Através da Société d'Histoire du Vésinet, a biografia:
Joseph Léopold Marie Louis Croze est né le 23 août 1869 à Viviers en Ardèche. Avant la première guerre mondiale, journaliste, auteur dramatique et critique théâtral pour La Vie Théâtrale, J.-L. Croze devient critique cinématographique pour la revue Comœdia. Sous-lieutenant de réserve, il est mobilisé en août 1914. Dès le 15 août, le lieutenant Croze fait tenir au général Gallieni un projet qui sera à l’origine de la création du Service cinématographique de l’armée (S.C.A.). Le projet ne se concrétise qu’en février 1915, par l’adjonction d’une section cinéma au service photographique déjà existant. Cette dernière section regroupe plusieurs opérateurs mobilisés appartenant aux quatre grandes firmes de l’époque : Pathé, Gaumont, Éclair et Éclipse. Croze est désigné pour diriger ce service photographique et cinématographique de l’armée (S.P.C.A.) qui enregistrera pendant la guerre 150 000 photographies et 250 000 mètres de pellicule. J.-L. Croze a écrit ses souvenirs sur cette période.
Croze et son épouse (née Lucie Antoinette Motte) possédaient une résidence d'été au Vésinet. Auteur de l’argument d’un Ballet en un acte et trois tableaux composé par Camille Saint-Saëns en 1898 et intitulé Javotte, Croze donnera le nom de Villa Javotte à sa propriété vésigondine désignée ainsi dans divers annuaires mondains du début du XXe siècle mais dont on ne connait pas l’emplacement.
Veuf en 1902 de sa première épouse, Croze se remarie en 1904 avec Marie-Caroline Blanchot, fille d’un ancien commandant militaire du Sénat. Celle-ci, éblouie par les bénéfices réalisés par les casinos, se laisse entraîner à confier une importante somme en valeurs à un certain M. Izoard qui se proposait lui-même, avec un troisième personnage, de monter un casino au Vésinet. Malheureusement, survint la fameuse circulaire Clemenceau interdisant le jeu en France, et tout l’argent fut perdu. Il y eut procès. Madame Croze récupéra sa mise. Le Casino des Ibis, inauguré en juillet 1906, n’en garda que le nom. Croze divorcera après la guerre et quittera Le Vésinet. Il convolera encore deux fois, avec une actrice du cinéma muet, Denise Lorys en 1924 et enfin avec Louise Dulon en 1940.
J.-L. Croze, qui fut vice-président de l’Association des courriéristes de théâtre, était officier de la Légion d’Honneur (1939).
Il est mort à Paris (9e) le 5 septembre 1955.
Desde, pelo menos 1904 que anuários e outras obras trocam o nome do jornalista, crítico e jogador que assina J.-L. Croze, Joseph Léopold Marie Louis (por Jean-Louis) e ilustram-se com algumas das capas na próxima página. Para dissipar dúvidas e lançar um alerta à navegação no acesso por via: até 26 de agosto de 2025, o catálogo geral da Bibliothèque Nationale de France [ http://ark.bnf.fr/ark:/12148/cb148299694 ] contém este registo data de 27/05/2016, que recorre a uma única fonte (2010) sem credibilidade que contaminou ainda mais publicações.
· Histoire du cinéma, Jean Mitry (Éditions universitaires, 1968);
· Dictionnaire-guide de la généalogie, Michel-Gasse (Ed. J.-P. Gisserot, 1999);
· Une histoire des médias. Des origines à nos jours, Jean-Noël Jeanneney (seuil, 2000);
· Film und Propaganda im Ersten Weltkrieg Propaganda als Medienrealität im Aktualitäten — und Dokumentarfilm, Ulrike Oppelt (Steiner, 2002);
· Film et histoire, Jérôme Bimbenet (Armand Colin, 2007);
· Cinéma pédagogique et scientifique. À la redécouverte des archives (ENS Éditions, 2004);
· Les images d’archives face à l’histoire — de la conservation à la création, Laurent Véray (SCÉRÉN-CNDP-CRDP, 2011);
· Le ceneri del passato Il cinema racconta la Grande guerra, Giuseppe Ghigi (Rubbettino Editore, 2014);
· À la recherche de l’histoire du cinéma en France (1908-1919), dir. Clément Puget e Laurent Véray (Presses universitaires de Bordeaux, 2o22);
· The Parisian Avant-Garde in the Age of Cinema, 1900-1923, Jennifer Wild (University of California Press, 2023);
· Revoir le cinéma muet en France (1908-1919), eds. Carole Aurouet, Béatrice de Pastre et Laurent Véray (dirs), (Éd. du Sonneur, 2023);
· La fabrication des vedettes dans l’entre-deux-guerres, eds. Anne Bléger, Myriam Tsikounas (Presses universitaires de Rennes, 2024) com capa a partir de um fotograma de Feu Mathias Pascal (Marcel L’Herbier, 1924) com Ivan Mosjoukine.
Todas as obras na página anterior nomeiam J.-L. como Jean-Louis. Ganha importância pela intencionalidade do próprio. Porque é que lhe chamo gralha?
A referência mais antiga que consultei com J.-L. Croze no Annuaire de la presse française et du monde politique para o ano de 1899.
Na página 250 (ccl), da lista dos membros da Association générale des Nouvellistes parisiens (fundada em 1893), membros ativos ou participantes: Croze (J.-L.).
A referência mais antiga que pude encontrar com Jean-Louis está no Annuaire de la presse française et du monde politique, na edição de 1904–05, dirigido por Henri Avenel.
Annuaire de la presse française et étrangère et du monde politique para o o ano de 1909, dirigido por Paul Bluysen.
Na página 147, à listagem de membros da Association des secrétaires de rédaction des Journaux et Revues (fundada em 1901), grafa: Croze (J.-L.), la Vie Illustrée, 4, faubourg Poissonnière;
Na página 225, na lista de membros da Association professionnelle de la Critique musicale et dramatique, surgem só nomes (sem inscrever o orgão onde os membros publicam nem moradas) e, pela primeira vez, Jean-Louis Croze; Na página 265, na Liste des pseudonymes des Journalistes et Gens de Lettres, — com a nota de rodapé: «nous avons maintenu dans cette liste, à titre documentaire, un grand nombre de pseudonymes discrets ou même pseudonymes adoptés par des écrivains qui ont disparu» — encontrei pela primeira vez esta correspondência:
Mistoufle…………………… J.-L. Croze.
Na página 285, entre centenas de jornalistas condecorados, Journalistes et Gens de Lettres décorés en 1908 (começa com a Légion d’honneur, seguida da Officiers de l’instruction publique), coube-lhe receber a Ordem de Mérito Agrícola (!) abaixo do comendador e dos oficiais, como cavaleiro (um dos chevaliers):
Croze (Joseph), secrétaire de la Vie Illustrée.
Ao receber a insígnia do Estado, o nome é Joseph e não Jean-Louis.
Os anuários, mesmo quando imprimem gralhas, revelam-se de enorme utilidade e, como se demonstra, ficámos a conhecer associações onde Croze se movimentava entre os finais do século XIX e inícios do XX.
No mundo chefiado por homens das letras, o Annuaire de la presse française et étrangère et du monde politique foi fundado em 1879 por Émile Mermet que o dirigiu até 1888; é reorganizado a partir de 1889 por Henri Avenel que o dirige até 1905; a edição de 1899 ainda não inclui a imprensa estrangeira e se designa Annuaire de la presse française et du monde politique.
Além da gralha, a reforça-la, há a construção de uma persona, digamos, artística, L.M. de Croze. É importante dedicar-lhe toda a atenção, porque ele vai sair na rifa a Virgínia de Castro e Almeida.
Librettos de 1902, 1905 e 1907 com outro pseudónimo, L.M. Croze (três páginas atrás) e uma fotografia de J.-L. Croze (1869–1955), página anterior, na revista Musica de março, 1909. Não se consegue apurar a data da fotografia, mas será bastante anterior ao ano em que entra nos quarenta. Isto é relevante para confrontar com os fotogramas e filmes do exército em que Croze está identificado em 1915 e 1916, como tenente, lieutenant Croze, na legenda original, adicionada em alguns casos posteriormente: Jean-Louis Croze.
Outra proveniência para o erro em cascata de Jean-Louis deverá ter origem no texto Reportage do livro colectivo Le cinéma des origines à nos jours (Éditions du Cygne, 10 maio de 1932, p. 328), já que para historiografia do Exercito francês é a obra citada como fonte complementar.
Na Théorème — Revue de l’Institut de Recherche sur le Cinéma et l’Audiovisuel (IRCAV, Université de Paris 3, Presses de la Sorbonne Nouvelle), 4.º número (coordenado por T. Lefebvre e L. Mannoni, 1996), onde Laurent Véray fez uma crítica aos testemunhos de uma testemunha como Croze, que, no entanto, foram sempre repetidos pelos historiadores gerais das gerações posteriores, mas sem dele dizer que nem se chamava Jean-Louis. Não é um pormenor.
POUR UNE RELECTURE DE L’HISTOIRE DU CINÉMA FRANÇAIS :
L’exemple de la création de la section cinématographique de l’Armée en 1915 — e, esta releitura da história do cinema francês, com os olhos postos em J.-L. Croze, estudo de um caso particular (o da primeira aproximação oficial em França entre o exército e o sector comercial, com vista à utilização do cinema como ferramenta de propaganda) pede uma reinterpretação. Não nos vale consultar as obras publicadas que, como o autor cita, são additifs, aditivas, «com as suas cadeias de causa e efeito, estão ultrapassadas [...] embora seja importante abandonar uma concepção da história (do cinema) que a mantinha num estado de senilidade, é de notar, como observou Claude Beylie, que a releitura-reescrita desta história não implica necessariamente ignorância ou desprezo pelos nossos antecessores. Pelo contrário, é necessário responder a algumas das suas afirmações».
«As Memórias de Jean-Louis Croze: Um Documento Pouco Fiável»
O primeiro passo desta releitura: o estudo crítico do pseudo-testemunho do antigo chefe da SCA, Secção Cinematográfica do Exército, que durou 4 anos: «Jean-Louis Croze (ex-dramaturgo e crítico de cinema da revista Comœdia antes da mobilização de agosto de 1914) percorre como um meteoro todas as obras que discutem o cinema durante a Primeira Guerra Mundial. Pode desde já afirmar-se que quase todas estas publicações tiveram a infeliz tendência de depositar demasiada fé no relato de Croze, sobrestimando a sua importância. Vários elementos, que iremos enumerar, levam-nos a crer que este testemunho, aparentemente muito tentador, acaba por ser, a muitos níveis, uma quimera. Em retrospetiva, esta versão dos acontecimentos parece ser a de um homem cuja ambição, a posteriori, era reivindicar a paternidade da SCA e legitimar as suas ações».
�� «LaCinématographieFrançaise»,22deoutubro,1927.
As notes de guerre inédites de Croze «foram publicadas pela primeira vez em 1927 nas colunas da revista La Cinématographie Française. O autor declarou então, como prelúdio, que o seu texto era um reflexo da coragem dos operadores franceses que fizeram mais do que o seu dever, como todos os combatentes na frente de batalha e a quem a História deve documentos admiráveis. Este texto de base foi posteriormente reimpresso, numa versão mais curta e com algumas modificações, num exemplar de maio de 1931 de La Revue du cinéma, e, no ano seguinte, no livro com prefácio de Henri Fescourt, Le Cinéma des origines à nos jours, bem como num artigo no jornal L’Image. A nossa desconfiança em relação às observações de J.-L. Croze baseia-se em vários pontos. Em primeiro lugar, estão diretamente alinhadas com aquilo a que Norton Cru, especialista no exame crítico de relatos de veteranos, chamou deformação/distorção da memória. A principal falha no relato de Croze é que foi escrito após o facto. Assim sendo, é provável que, durante o intervalo entre os factos relatados e a sua narração, certas realidades tenham sido modificadas de forma mais ou menos consciente. Tal como a maioria dos soldados que falaram da sua experiência de guerra, ao considerarem-se os únicos guardiões da verdade, posicionou-se como testemunha exclusiva do seu passado. Apresenta-se também como o detentor da única verdade».
O investigador Laurent Véray identifica historiadores que se encantaram com as lendas contadas por Croze: «Marcel Lapierre, que foi posteriormente amplamente citado, entre outros, por Georges Sadoul. [O testemunho de Croze] contém muitas falhas, omissões mais ou menos intencionais, que exigem que seja tratado com cautela. Trata-se de uma precaução que muitos historiadores não tomaram. A maioria deles simplesmente parafraseou as declarações de Croze — na maior parte das vezes, aliás, sem se referirem diretamente a elas, mas antes baseando-se em obras já existentes, por vezes inspiradas noutras publicações. Alguns autores entregaram-se também a interpretações e extrapolações completamente fantasiosas. A principal falha [...] é que reproduzem literalmente as palavras de J.-L. Croze».
«A Natureza das Questões Reais por Trás do Surgimento da SCA»
Na segunda parte do texto de Laurent Véray permite-nos conhecer melhor quem era o homem antes de prejudicar Virgínia de Castro e Almeida: «Embora o nome de Croze seja de facto indissociável da SCA, é certo que a criação desta estrutura não foi, longe disso, da sua única responsabilidade. Além disso, é curioso notar que a paternidade da ideia de filmar cenas de guerra para os cinejornais foi reivindicada por várias pessoas. Assim, após a publicação do artigo de Croze em La Cinématographie Française, o realizador de uma casa comercial com o seu nome, Les Cinématographes Harry, exigiu e obteve da revista a publicação de um texto no qual corrigia a afirmação de Croze. Especificou, em particular, que tinha sido o primeiro a explorar em França, logo em setembro de 1914, cenas da guerra intituladas Les Armées alliées en campagne. Harry acrescentou:
O tremendo sucesso que estava a obter com estes filmes ofendeu alguns dos meus colegas de local, que viam a sua clientela diminuir de dia para dia. Foi graças aos seus esforços e à insistência junto das autoridades públicas, apoiadas pelo senhor Demaria, então presidente da Câmara Sindical, que estes senhores conseguiram a criação do cinema militar. No entanto, a ideia original foi minha.
Na realidade, não se pode afirmar com certeza que um indivíduo, e não outro, estivesse por detrás do projecto de utilizar o cinema para transmitir imagens da guerra. Temos apenas evidências fragmentárias e contraditórias sobre este ponto. A posição do senhor Harry, no entanto, tem o mérito de reorientar o debate para o surgimento do SCA, situando-o num plano económico. Em vez de limitar a investigação histórica ao isolamento do evento em si, importa desvendar os mecanismos e a lógica conjuntural que lhe deram origem.
É claro que Croze foi apenas um intermediário. A sua iniciativa pode ter chegado no momento certo, mas várias figuras do microcosmo cinematográfico precederam-no na sua abordagem. O facto de não estar filiado em nenhuma das quatro grandes empresas (Pathé, Gaumont, Éclair e Éclipse) e de não ter interesses pessoais na indústria cinematográfica parece explicar, em parte, a sua opção para dirigir a Secção».
Laurent Véray conclui: «o estudo deste caso tão particular, o surgimento do SCA, um episódio secundário na história do cinema francês, parece-nos, no entanto, sintomático, no plano metodológico, da absoluta necessidade de reconsiderar a abordagem historiográfica. As velhas receitas, em particular a de confiar demasiado em testemunhos de primeira ou segunda mão, em detrimento de outras fontes, devem ser abandonadas. O papel concedido a certos indivíduos deve agora ser relativizado. Provavelmente, não é inútil recordar que, desde há algum tempo, a investigação histórica, embora tenha renunciado à busca ilusória da objectividade total, passou, como diz Pierre Nora, da história-memória para a história-crítica. A nova história do cinema, que está [1996] em pleno andamento, tem provavelmente todo o interesse em inspirarse nas lições aprendidas pela sua antecessora». Laurent Véray foi o investigador que contribuiu para o que se conhece do passado de J.-L. Croze durante a Grande Guerra. A gratidão é enorme, para quem procurava compreendê-lo e a sua ligação a Virgínia de Castro e Almeida.
— Como assim, J.-L. Croze?
— Importa, exporta, vende e crítica filmes e faz jornalismo?
— Ao mesmo tempo?
Dir-me-ás que houve tempos, que vieram precisamente deste tempo, em que um player, uma das grandes casas do cinema, encarregava-se de tudo (produção, distribuição e exibição nas suas próprias salas), em que era a prática do fazer tudo. A mesma pessoa não pode vender filmes, escrever crítica e fazer jornalismo em simultâneo. Não era preciso difundir o conceito que o ímpeto da crítica não pode ser mercantilizar. A definição de conflito de interesses não nasceu com o cinema. Quando a ética não está em primeiro plano, ontem como hoje, não há independência na crítica nem no jornalismo. É, assim a ovelha ronhosa no rebanho (apesar de aceite pelos seus pares representados nos grémios ou que escreveram histórias do cinema como Coissac (visto nos textos anteriores, que Croze mentira sobra a construção da sua participação na Grande Guerra), que contamina a credibilidade do jornalismo e como olhamos para independência da crítica. Imaginemos Croze, sentado à mesa. Quando se levantasse e pusesse o chapéu (de vendedor de filmes na sua General Film Office), para se despedir, saúda o entrevistado, ao levar uma mão ao peito e a outra, com um ligeiro movimento de pulso, encenado com a cartola na outra mão, inclinaria ligeiramente a cabeça para uma vénia, como a que poderá ter feito a Charlie Chaplin (as fotografias são de setembro, 1921) ou a Virgínia de Castro e Almeida quando a enganou e lhe deixou um problema entre mãos com a exploração comercial do filme; Gi não poderia ficar descansada, por o publicista Croze ter falhado a proposta de vender Sirène de pierre (A Sereia de Pedra, 1922) para todo o mundo (documentada no testemunho de Ayres d’Aguiar e em anúncios na imprensa).
A historiografia do cinema, que se escreva a partir de 2025, não pode ignorar que Sirène de pierre (A Sereia de Pedra, 1922) foi amplamente anunciado como um filme de Vírginia de Castro e Almeida e Roger Lion. À data das primeiras sessões, tanto em França como em Portugal e durante o ano de 1922
e até 27 de janeiro de 1923 (Ciné-journal, n.º 701), foi sempre mencionado como um filme dos dois. E, até antes da rodagem do filme, os textos que Roger Lion passava para os seus camaradas da imprensa, em que se afirmava como dono e senhor da produtora de Virgínia, uma eminente colaboradora sua (Cinémagazine, 8 de setembro, 1922). Dos recortes dos textos anteriores, importa citar e reiterar, não fossem os verbetes mon éminente collaboratrice ter outros sinónimos à época; e as falsidades, que Roger Lion fundou a Fortuna-Films (Le Cinéopse, 1 outubro, 1922) com o alarido que Roger conseguiu replicar na imprensa especializada; como se analisou no texto anterior Quem [a] tramou, Roger Lion? — este tem uma, chamemos-lhe, flexibilidade distinta para aceitar a coautoria quando esta lhe é imposta por um homem (Rimsky e uma sociedade soviética com um estúdio em Paris como a Albatros) do que reconhecê-la às mulheres com quem partilhou a criação de um filme. Quem ao longo do ano de 1923 consultasse o anuário Le Tout-Cinéma, a G.F.O. de Croze surgia como o vendedor da Sirène de pierre (A Sereia de Pedra, 1922). Apesar da publicidade que faz publicar, em finais de janeiro de 1923, a General Film Office, do comerciantezinho da palavra, preeminente e atávico, que cortara as pernas à cineasta a quem prometera vender os filmes para todo o mundo, limitou-se a fazer o trabalho de um publicitário e não fazer circular o filme, para além das suas exibições em Paris e Lisboa. Croze perdeu os direitos de exploração comercial do filme (reitero, de quem é a autoria, um filme de Vírginia de Castro e Almeida e Roger Lion) para a Agence Générale Cinematographique, dos sócios Paul Kastor (1867–1938) e François Lallemand (1877–1965). É curiosamente esta sociedade, além da Pathé numa fase posterior, que durante estes anos comercializa os filmes do protagonista Charlot, o que nos deve levar, pela primeira vez, creio, a uma nova interpretação do que escreveu Croze, com os chapéus de jornalista e crítico, sobre Charlie Chaplin.
Nas fotografias da página seguinte, referência do arquivo da Fondazione Cineteca di Bologna, Croze (com o nome, Jean-Louis) para ver o enquadramento das fotografias no Chaplin Project: Charles Chaplin, Cami and Croze sitting at table, Hôtel Claridge, Paris, September 1921. Na investigação de Libby Murphy, Charlot Français: Charlie Chaplin, The First World War, And The Construction Of A National Hero (Oberlin College, 2010): «Louis Delluc escreve em 1921 que Charlot já tinha conquistado um lugar no panteão de franceses mais famosos de sempre. Era mais famoso que Joana d'Arc, Luís XIV e Clemenceau [primeiro-ministro, 1906/09 e 1917/20] e apenas comparável a Jesus ou Napoleão. Os críticos de cinema franceses da silent era citariam com orgulho a reconhecida dívida de Chaplin para com o comediante francês Max Linder (Delluc), a sua aspiração declarada de se tornar o Molière do cinema (Baur) e a sua insistência em que tinha sido em França que a sua obra tinha sido mais bem compreendida (Sadoul). Ainda na década de 1950, o historiador de cinema, comunista e francês, Georges Sadoul insistia que nenhum outro país, excepto possivelmente a Rússia Soviética, tinha prestado a Chaplin a mesma homenagem que a França. […] Enquanto as críticas especializadas de cinema e de vanguarda avant-garde, enfatizavam as novas possibilidades para a arte abertas pelo cinema americano, os jornais de artes e cultura mais generalistas, como Comœdia e Le Crapouillot, continuaram a enquadrar as suas críticas ao cinema americano e a Chaplin em termos
mais estritamente nacionalistas. Muitos colaboradores apresentados nestes jornais enquadraram a indústria cinematográfica francesa como um local de perda nacional — uma espécie de Alsácia-Lorena cultural. A vitória militar chegou à custa de uma derrota cultural — desta vez por um novo grupo de invasores bárbaros, ricos em recursos humanos e financeiros. […] Numa série de artigos sobre Chaplin publicados entre 1920 e 1921 na Comœdia, por exemplo, o crítico J-L. Croze e outros colaboradores enquadraram os seus elogios a Charlot e às suas análises do cinema americano em termos da ameaça à autonomia cultural francesa e aos valores culturais franceses representada pela indústria cinematográfica americana e, por extensão, pelo estilo de vida americano. Croze teve o cuidado de relativizar e contextualizar o talento de Chaplin, elogiando comediantes franceses locais como Max e Rigadin e citando o argumento de Léon Poirier de que parte do sucesso de Chaplin junto do público francês era simplesmente o resultado do desequilíbrio de produção entre as indústrias cinematográficas americana e francesa. Croze associou tacitamente Chaplin às forças do internacionalismo e do cosmopolitismo que, segundo ele, ameaçavam a indústria cinematográfica francesa e o gosto francês. […] O belo corpo da indústria cinematográfica francesa, outrora cheio de força, estava agora doente, anémico, convalescente (Propositions, Comœdia, 21/05/1920) e [mutilado] pela guerra (Louis Forest citado em Pour l'industrie française). Os cineastas americanos eram aproveitadores da guerra, aproveitando-se de uma indústria cinematográfica francesa esgotada por exigências irracionais de pagamento da dívida de guerra, impostos internos injustos e roubo descarado de recursos humanos (Henry Roussell, Le Cinéma en Amérique et en France, Comœdia, 26/07/1921). Os americanos eram especuladores globais que não hesitariam em colocar os trabalhadores esforçados do cinema francês — incluindo veteranos de Verdun (Louis Thomas, Les Conséquences en France, du Krack américain, Comœdia, 18/02/1921) — nas ruas com as suas produções de baixo custo e de grandes estúdios. Croze enquadrou a desforra ou vingança e a regeneração da indústria cinematográfica francesa (Équité, Comœdia, 14/01/1920) em termos que lembram o esforço de guerra contra a Alemanha, fazendo da própria indústria cinematográfica francesa um símbolo do carácter nacional francês — entendido como engenho e resiliência. A indústria cinematográfica francesa sobreviveria, sugeriu Croze, porque [o cinema] é francês e porque o génio da raça [francesa] possui admiravelmente o sentido de adaptação e acomodação… (Ciné de France, Comœdia, 22/03/1920). […] Se Charlot, a personagem, era um bricoleur jovial que, tal como os franceses, não se adaptava a uma sociedade de empresários (Galtier-Boissière, Art cinégraphique, Le Crapouillot, 16/01/1921) nem se conformava com o estilo de vida americano, Chaplin, o cineasta, era um créateur complet ou artista total (Delluc). […] Se Louis Delluc escreveu o primeiro estudo em formato de livro sobre Charlot em 1921 [Ed. Maurice de Brunhoff], talvez seja porque viu em Chaplin o tipo de artista que poderia inspirar um cinema francês alternativo que pudesse coexistir com o cinema americano, mas que se diferenciasse dele (Richard Abel, French Cinema: The First Wave, 1915–1929, Princeton University Press, 1984). Libby Murphy concluiu, que «ao situarem Chaplin — ao nível da recepção — dentro dos sistemas franceses de significação e sensibilidade, os primeiros críticos de cinema acabaram por mostrar como a nacional poderia funcionar, não como uma negação do carácter global da modernidade, mas
como uma forma de resistência às suas forças potencialmente homogeneizadoras e alienantes. É impossível determinar se a “Chaplinite” foi de facto mais aguda em França do que noutros países e, em última análise, irrelevante. O que é claro é que os críticos franceses investiram em argumentar que os franceses entendiam Chaplin de uma forma que nenhum outro grupo nacional o fazia. O caso amoroso da França com Charlot foi, em última análise, um caso amoroso de uma certa concepção de frenchness [francité ou francesidade, se a palavra existisse em português] — uma concepção de carácter nacional e de relevância cultural que a Primeira Guerra Mundial ratificou e questionou radicalmente».
Tiremos temporariamente o chapéu de crítíco a Croze, para lhe mostrar a careca, ao pôr em evidência os seus interesses, o outro chapéu de vendedor de filmes na sua General Film Office. Na defesa escrita de Max Linder (que concorre comercialmente com Chaplin, olhemos para estas duas excertos de duas páginas de anúncios do mesmo anuário (Le Tout-Cinéma, 1923) e por baixo a página integral correspondente:
Chaplin, ao contrário de Virgínia de Castro e Almeida, passou a ter as suas garantias contratuais de direitos e de distribuição melhor defendidas, ao fundar a United Artists em 1919 com o casal Mary Pickford e Douglas Fairbanks e o realizador D. W. Griffith.
Com uma mão para os negócios de Croze, aperta com o polegar na aba da cartola. — Nervosismo contido, Monsieur Croze?
Com a outra mão escreve tanto sobre A Sereia de Pedra (Comœdia, 27 de outubro, 1922), como nos elogios a Max Linder, de quem, como vimos, tinha também para venda o Soyez ma femme. Será também menos visível mão na successão do Prix de Castro (mais adiante).
Em 1919, a A.G.C. Agence Générale Cinématographique — de Kastor e Lallemand distribuía tanto os filmes de Charlie Chaplin como de Max Linder.
Em 1923, a G.F.O. — General Film Office — de J.-L. Croze perdia para a A.G.C. a distribuição dos filme que tinha e futuros de Virgínia de Castro e Almeida.
La Vie Illustrée (5 de junho, 1903), No registo autopromocional, Croze inclui uma carta pessoal que lhe é dirigida. O que se pode aferir das citações de diálogos que, supostamente, transcreve?
�� «LaVieIllustrée»de20deoutubro,1905.
O jornalista, crítico e vendedor de filmes J.-L. Croze assinara desde 16 de março de 1919 no diário Le Figaro uma nova coluna: Courrier des Films , de que se apresentam na página seguinte.
— How dare you, Sir! — Importa, exporta, vende… — IMPORT, EXPORT, FILM SALES... — crítica filmes e faz jornalismo?
— E C R Í T I C A D E F I L M E S E J O R N A L I S M O ?
— Ao mesmo tempo?
(DEFINIÇÃO DE CONFLITO DE INTERESSES)
O Cinema
A arte de fazer fitas
Dizia-me há tempos uma ilustre senhora, espirito elevado de escritora, artista de raras faculdades, que uma fita cinematográfica precisa de ter dentro alguma coisa mais do que lances dramáticos e aspectos agra dáveis. «O cinema já não é hoje verdadeiro cinema se não tiver inteligencia». E citavame produções que obedecendo a esse principio, tinham conquistado re nome, a par de outras que passaram anónimas por terem desprezado essa base.
Arranjar um argumento mais ou menos pensado, fazê-lo viver por figuras e imprimir os movimentos, não é hoje fazer uma fita cinematográfica. Hoje a arte de fazer fitas está muito além da facilidade. Um bom trabalho requer uma grande dóse de estudo, antes que a máquina se carregue e os actores pintem a cara, tem o meteur•en•scène de estudar fio a fio, todas as belezas que a sua inteligencia lhe dita sobre a obra.
Deixar que o momento deixe antevêr um ou outro efeito, não é bem seguir com inteligencia e cuidado o labôr de uma fita.
E certo que, durante a impressão, muitas surprezas surgem, muitos efeitos aparecem, mas o meteur•en•scène artista, sem deixar de aproveitar essas «ajudas» não manda marcar uma scena sem que préviamente a sua fantasia não tenha elaborado as principais belezas com que se propõe fazer
o trabalho. E’ essa, talvez, a grande qualidade de um meteur•en•scène: Crear.
Griffen ao fazer a sua Intolerancia, decerto não deixou á aventura os numerosos efeitos de que a fita está cheia, e cuido até, que, se bem que a parte em que o aglomerado de figuras mais podia oferecer campo á sua muita competencia, foi comtudo nas scenas mais simples que a sua inteligencia mais trabalhou.
Assim, temos que se o Festim de Baltazar e o Cêrco de Ciro deslumbram pela magnificencia de concepção e jogo admirável de figuras, as scenas ultimas, passadas nos nossos dias, o tribunal, por exemplo, são da mais pura arte cinematográfica.
E’ essa a verdadeira cinematografia: emocionar pela verdade das figuras, intercepcionando os aspectos numa junção de interesse e inteligencia e onde a emotividade seja largada sábiamente, calculadamente.
Acresce ainda que hoje já se não admite um qualquer assunto.
Uma fita cinematográfica é uma obra completa e como tal tem que ter vida e tem de vivê-la.
Filmar um drama banal da vida, sem nada de novo, sem uma parcela de inteligencia, é gastar fita.
Hoje exigesse qualquer coisa mais num trabalho cinematográfico, e assim deve ser, porque o cinema é uma expressão de arte onde cabem todas as outras.
Mas, dirão os entendidos, sendo assim, dada a pouca instrução da maioria dos povos, as fitas cairiam no desagrado por falta de compreensão.
Em resposta a isto, citarei a fita Casa de Mistério, que agora se exibe entre nós e que, sendo um trabalho de fim comercial, isto é, uma fita com todo o sabôr dos gostos populares, é, no emtanto, uma fita onde se faz arte e da melhor.
As próprias fitas em séries, fantásticas, inverosimeis, cheias de defeitos, apresentam muitas vezes detalhes verdadeiramnte primorosos, sob o ponto de vista artistico.
A Sereia de Pedra, está um pouco nestes casos. Sendo um trabalho que o paladar popular apreende fácilmente, não deixa, comtudo, de ser um pouco uma obra de arte. E’ que tem inteligencia lá dentro. Há uma ideia no seu assunto, não se resume a um entrecho banal.
Desgraçadamente, porém, nem todos os que entre nós trabalham cinema, seguem o mesmo ponto de vista e por isso a cinematografia portuguesa não existe, fóra de Portugal.
Quando ámanhã as emprezas de fitas, escolherem melhor as suas obras, quando se convencerem que fazer fitas só para Portugal e Brasil é um erro grande de administração, que compromete sériamente os capitais empregados, trabalharão de outra maneira e verão que a industria cinematográfica é, quando conduzida com inteligencia, uma das melhores em todo o mundo.
Até lá, porém, não acredito que o cinema seja grande coisa em Portugal. E’ até caso para dizer como há tempos me dizia um dos nossos melhores pintores: — Só quando em Portugal se deixar de fazer cinema com os pés, se poderá dizer que se filma entre nós.
Henrique Roldão
30-3-925
« film de Mᵐᵉ de Castro, mis en scène par Roger Lion »
obtint«filmqui “leprixdeCastro”» [INFORMAÇÃO
ERRADA]
no ano anterior (1923), a «Ciné-Miroir» (sem (ficha técnica, RJ), atribuira a Gi a escolha de Roger Lion
Hotel West End. Rue Clément Marot. Paris (8me) 21 de Janeiro de 1926
Ex.mº Senhor Dr. Rodrigo Rodrigues, meu
Ex.mº Amigo.
Tenho a honra, como V. Ex.ª sabe, de ser considerada pelo Dr. Affonso Costa, como um bom amigo, dedicado e seguro. Está elle bem certo, e há longos annos, da minha lealdade e, além d’isso, da grande esperança que, como portugueza, deposito no seu altissimo valor. Isto explica o facto de elle me ter feito o favor de mostrar a carta que V. Ex.ª lhe escreveu de Genebra em 12 do corrente, e que tanta satisfação me dei por concordar exactamente com a minha opinião sobre o seu principal assumpto.
Pedi autorização ao Dr. Affonso Costa para escrever esta carta a V. Ex.ª, convencida que terá gosto em a ler, pois vou contar-lhe um facto recentissimo que confirma de modo notável, o seu ponto de vista que é também o meu.
Na minha qualidade de delegada de Portugal junto do Instituto Internacional de Cooperação Intellectual, acabo de assistir a todas as cerimónias e festas da inauguração do Instituto, que tomem aqui em Paris, como convinha a cidade tão civilizada e consciente, as proporções de um importante e solenne acontecimento internacional.
Assisti a um almoço official no Ministério dos Estrangeiros, offerecido ao Instituto Internacional pelo Presidente do Conselho e Ministro da Instrucção. N’esse almoço, de uns 50 talheres, havia só quatro mulheres: M.ᵐᵉ Curie, M.ᵉˡˡᵉ Bonnevie, Elena Văcărescu e eu; as duas primeiras delegadas junto da Comissão de Cooperação Intellectual, as duas últimas, junto do Instituto.
Obecendo a distribuição dos logares ao protocolo seguido em Genebra, aconteceu que me coube a mim o logar mais honroso entre os que foram attribuidos ás mulheres. No logar de Briaud, impedido por doença, presidia o Ministro da Instrucção, que tinha à sua direita Lorentz, presidente da Comissão de Cooperação, e, a seguir, Painlevé, eu e Loucheur. Fiquei pois, entre Painlevé e Loucheur, estabelecendo-se entre nós uma conversa animada e seguida, que me agradou por elles se mostrarem muito interessados pelas coisas da nossa terra e muito mais ao corrente de tudo que lá se passa, do que eu imaginava.
Falando-se a respeito de colónias, da última Assembleia de Genebra, e de Locarno, disse eu que, em Portugal, a opinião pública manifestaca uma certa inquietação ao pensar nas nossas possessões d’África. Loucheur respondeume que essa inquietação era infundada e que Portugal nada tinha que recear n’esse ponto. “E’ preciso não esquecer que temos uma terrível amiga”, disse eu. Painlevé sorriu e Loucheur riu francamente. Isto animou-me a continuar: “E de resto, viu-se na última Assembleia de Genebra, com que vigor fomos atacados”.
“Sim, mas foram maravilhosamente defendidos”, disse Loucheur. E acrescentou que o presidente da nossa delegação junto da Sociedade das Nações era o único estadista portuguez conhecido em toda a Europa, e que a maior vantagem para um paiz na Sociedade das Nações, era ser representado por um homem como Affonso Costa, conhecido e respeitado pelo seu valor. “E’ de grande importância”, continuou elle, que os principaes delegados dos differentes paizes, em Genebra, sejam não só escolhidos entre os maiores valores de cada nação, mas tanto quanto possível, sempre os mesmos. Assim, veja de que importância é para a França ter lá Briaud, e para a Inglaterra, Chamberlain; são valores mundiaes. Todos nós conhecemos Affonso Costa, o seu talento, a sua energia, o seu patrionismo. E’ considerado e respeitado por todos, e é isso que se torna indispensável para a defesa dos interesses de cada paiz.” — Falei do general Freire d’Andrade; mas Loucheur abanou a cabeça: “Sim, mas… é preciso ser conhecido, muito conhecido e respeitado na política internacional, como Affonso Costa.” Painlevé que ouvira e aprovara as palavras de Loucheur, disse: “Affonso Costa [1871–1937] goza de um notável prestígio e eu tenho uma grande estima por elle e pelo seu altíssimo valor.”
Aqui está o que eu queria contar-lhe, e, tenho a certeza lhe dará prazer. Não sei se tem a sua família consigo. Em todo o ocaso, quer verbalmente, quer por escripto, peço-lhe que apresente da minha parte á Senhora
D. Margarida e suas gentilíssimas filhas os meus cumprimentos mais affectuosos.
Depois de Virgínia de Castro e Almeida, em 1937, Pamela Boden é La Femme de 1938 para a escritora Henriette Chandet (1901–1989), na coluna que reitera publicar no jornal «L’Epoque» (edição de 23 de maio, 1938). Chandet viria a ser três vezes premiada pela Académie française: 1956, Prix d’Académie por La vie privée de l’Impératrice Eugénie; 1958, Prix Broquette-Gonin (philosophie) por Louis, Prince impérial; e em 1962, Prix Broquette-Gonin (littérature) por Napoléon III, homme du XXe siècle.
Junho de 1938: Virgínia de Castro e Almeida escreve a terceira epístola para o 3.º número da Ocidente (1938–1945), revista mensal dirigida por Manuel Múrias, tendo como proprietário, redactor-gerente e editor Álvaro Pinto.
ISSN 0870-5267.
25 de maio de 1939: A Gray-Film oferece à imprensa especializada um «vinho de honra» no 1.º «Salon du Cinéma» da Feira de Paris.
x-RAY à página seguinte: Ayres d’Aguiar tem a mão no ombro de Renée Vallée? A fotografia neste exemplar da «Le Cinéopse», tem um borrão no seu rosto…
Amorzinho — Correspondência entre Maria de Lourdes e Alfredo de 1934 a 1945 (Tinta-da-china, 2015), publicado com a Ephemera, Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira e organizado por Rita Maltez que, da transcrição, manteve a ortografia original:
Lisboa, 18 de julho de 1940 […]
Fôste então dar um passeio no domingo!
Fizeste muito bem. Pois eu passei um dia aborrecido a passear nas ruas de Lisboa e á noite fui ao cinema ver um film chamado “Narciso - Aviador” onde ri “até bater com as mãos na barriga”. E resume-se isto a passagem do dia de domingo.
Agora, termino com o habitual beijinho cada vez mais saudoso e ardente do que nunca te esquece.
Alfredo
Escreveu Ayres d’Aguiar:
Agora reparo não ter ainda mencionado o nome do filme. Tendo tido bom sucesso, em filmes anteriores os títulos curtos, tais como – Ignace (1937), Barnabé (1938) –, um pouco por superstição, talvez (?), tinha-se atribuído a este o título de – Narcisse (1940) –. A filmagem começou em Nice desde o dia seguinte à nossa chegada, mas absorvido por todos os detalhes de ver se tudo estava em boa ordem: com o director dos estúdios, com o arquitecto decorador e os seus problemas, com o meu director de produção [Pierre] (Danis) [que, uns meses depois, viria a perfilhar o filho de Françoise Giroud, AlainPierre Danis (1941–1972), nascido em Nice] a saber se não haveria dificuldades com os figurantes e estarem prontas as fardas para lhes fornecer, etc. etc., confesso que para menor perda de tempo, deixei o Lamač começar a fazer a mise en scène, confiado em que, longe de Paris, ninguém pensaria na proibição do tal sindicato. Além disso, pensar como resolver de longe questões dizendo respeito ao meu escritório de Paris, com troca frequente de telefonemas, foi isso também motivo de preocupações diferentes que me afastaram momentaneamente de Narcisse, e me iam forçar a ter que voltar rapidamente a Paris.
Entre outras razões, ver e dar o meu acordo à montagem de Les Otages (1939), filmagem do importante realizador Raymond Bernard (1891–1977), para a distribuição de tal filme tinha dado garantia relativamente importante.
Assim ia [Carl] Lamač continuando, e se foi passando – aparentemente sem problemas – a primeira semana da filmagem.
Como previsto, tomei o comboio do sábado à noite, e depois de rápido encontro com o meu diretor de Paris, passei o domingo na minha sala de projeção a discutir com Raymond Bernard da montagem do filme. Ele tinha-se feito acompanhar do seu monteur [montador] e mais 6 ou 7 acólitos para apoiarem o seu trabalho. Em nada me influenciaram; bobine por bobine foi sendo projectada e discutida a montagem. Assim se passou manhã e tarde, mas acabámos de acordo acerca das modificações que eu sugerira.
O comboio da noite chegava a Nice por volta das onze da manhã e, sem demora, abalei para o estúdio onde me precipitei a ver como Lamač dirigia uma cena. Minutos depois aproxima-se de mim o diretor da produção e dizme:
— Tome imediatamente a mise en scène;
dizendo baixinho ao Lamač:
— Deixe a direção ao Sr. Aguiar e retire-se já para o seu gabinete.
Um Inspector da Prefeitura acabara de lá chegar e tendo-se dirigido ao Danis, tinha-lhe dito terem recebido um telefonema de Paris com ordem de virem imediatamente verificar se era eu ou o Lamač que estávamos dirigindo a mise en scène! Sob um pretexto qualquer ele afasta um pouco o homem, o suficiente para vir prevenir-nos. E, claro que retirado Lamač, tomei naturalmente a direção da sequência. Estávamos em fevereiro, fazia frio, e tal como chegara estava ainda de sobretudo, cachecol e chapéu na cabeça. Danis retoma conversa com o homem; nunca uma ordem tal lhes tenha sido telefonada tão cedo de manhã, que era a primeira vez que entrava num estúdio e estava intimado a lá voltar frequentemente para se assegurar de quem fazia a direção da filmagem. Estava agora vendo ser eu quem dirigia os atores mas, tinha observado nas revistas de cinema que os metteurs en scène usavam vestimenta especial, com apito pendurado ao pescoço, e o que o intrigava, e o punha em dúvida, era ver-me vestido de casaco e chapéu na cabeça! Enfim, lá ficou o homem a vigiar-me todo o dia e, segundo as ordens recebidas de Paris, deveria voltar frequentemente. Mostrava o caso ter havido denúncia séria. E que boa sorte tiveramos em eu ter chegado ao estúdio uns minutos antes dele! Não se contentaram porém com isso, pois tive que interromper a filmagem uma ou duas vezes durante horas, por convocação da Prefeitura a fim de me interrogarem em vista da persistente insistência de Paris.
Mal sabiam eles o enorme serviço que me estavam prestando!
Com a obrigação que tínhamos para com a Comissão Militar, do laboratório de Paris, os rushes eram-lhes remetidos em prioridade, bem examinados por eles, e só vínhamos a recebê-los em Nice, uns dois ou três dias depois, após devida aprovação – com excepção de duas cenas a refazer por ninharias, uma delas comportando mais de cem figurantes a reconvocar –!
Acontecia pois que a montagem era feita com grande atraso. E todo o trabalho da primeira semana, só foi possível vê-lo montado dois dias depois
da minha posse efetiva da mise en scène. O acaso fez que, estando pronto ao chegarmos, o décor d’uma das sequências mais cómicas do filme, foi por lá que começou a filmagem. E, – surpresa bem desagradável –, vista agora a montagem de toda a sequência, ela não suscitava em nenhum de todos nós o mínimo riso! Constatei então que, apesar do bom entendimento entre Lamač e os dois actores dos principais papéis de maior efeito cómico, da finura do diretor de cenas de comédia que era Lamač, e da natureza de particular propensão cómica tanto de Gabriello como de Rellys, havia uma indiscutível espécie de disparidade involuntária dum lado e doutro. Disto resultaria, se assim se continuasse, um “falhanço” inevitável de todo o filme. Assistindo igualmente à projeção, Lamač também o constatara e, com toda a lealdade, nada se ofendeu quando eu decidi refazer todo o tal trabalho da primeira semana, a ver se poderia obter melhor resultado.
Com a ameaça permanente de vermos aparecer o tal Inspector, Lamač passava o dia no seu gabinete, ou a ler romances, ou a cogitar em astuciosas invenções – o que era o seu grande hobby –, enquanto eu refazia totalmente a dita sequência cómica, com nova direção de Rellys e Gabriello.
Passaram-se dias antes da montagem da nova filmagem e, – constatação unânime – agora o rir era geral, espontâneo, e a sequência tinha tomado o efeito cómico almejado.
Confesso ter ficado lisonjeado, e encorajado para prosseguir todo o resto da filmagem. Com propósito bem contrário, os meus denunciantes iam continuando a prestar-me o melhor dos serviços!
O seguimento deu-se sem mais histórias e, terminado o que devia ser filmado em Nice, viemos concluir, num estúdio de Paris, as sequências que faltavam.
Lá se prosseguia também a montagem, a adaptação musical e todo o resto até estar a cópia final bem a meu contento.
(continua no próximo número da gray-film…)
Paris, Rue Montmartre, 166 5 de Fevereiro 1924
Minha Senhora,
Pede-me seu filho que escreva a V. apresentando-lhe a sua noiva.
Não podia o Ayres encarregar-me da missão que mais profunda satisfação me desse, primeiro pelo ensejo de me dirigir a V. a quem há tantos anos conheço de nome e que tanta consideração e sympathia me inspira, em segundo logar, para lhe falar da creatura excepcional que seu filho escolheu p.ª companheira da sua vida.
Conheci Renée Vallée há uns 4 ou 5 anos em casa da Marquesa de Valle Flôr; há 3 que é a sabida e dedicada collaboradora de todos os meus trabalhos. N’esta convivência diária tenho podido apreciar a fundos as suas raras qualidades.
De uma intelligencia e cultura muito acima do vulgar, de uma bondade que eguala a sua inteligência, calma e ponderada, muito modesta, muito simples e despretenciosa, carinhosa e sensível como uma portugueza, alegre, de um genio egual e sereno, esta creatura de elite junta a tantas vantagens moraes e intellectuais, uma grande belleza physica e uma perfeita distinção de aspecto e de maneiras.
Seus paes, já falecidos, eram modestos e honradíssimos agricultores na Perela [La Perelle ou La Pernellle, Basse-Normandie], onde ela possui uma pequena propriedade que tem [sabido valorizar].
sabido valorizar. A situação que bem haja no círculo de relações excelentes que fre-quento em Paris, deve-a exclusivamente ao seu trabalho, á sua inteligencia, e ao seu alto valor moral. Esse círculo de relações já tem facilitado e cada vez facilitará mais o caminho do Ayres. Tenho pela Renée não só uma grande amizade como uma grande admiração. N’uma sociedade elegante e requintada, parece ella uma princeza pela sua dis-tinção, pela naturalidade perfeita da sua attitude pela sua conversa brillante e espirituosa. A par d’isto é uma dona de casa excellente; a sua casa é um modelo de ordem e de bom gosto. Um jantar feito por ella é uma perfeição. No trabalho do escriptorio, o seu methodo, a sua actividade, a clare-za com que vê, a facilidade com que ridige, fariam inveja a muitos homens. Na intimidade é encanta-dora de bom humor, de doçura, de simplicidade. É mais velha do que o Ayres. No entanto essa diferença de edade que a sua belleza e a sua frescura não deixam notar serve apenas para lhe dar um valor ainda maior.
Não é vulgar encontrar-se n’um homem da sua edade tantas qualidades, muitas das quais só a experiência dos annos vae trazendo. Devo muito ao Ayres, devo-lhe um auxílio precioso e uma dedicação admirável. E quero-lhe tanto que já no meu coração chego a confundi-lo com os meus próprios filhos. É por isso que a sua escolha, que na minha consciência, deva dar-lhe pela vida for a a felicidade que tanto merece, me enche de satisfação.
E direi que este amor não é um enthusiasmo passageiro, um capricho, uma d’esssas paixões impetuosas e transitórias que tantas vezes cegam e põem em risco a paz futura; mas sim um sentimento greno reflectido, que vi nascer e crescer ainda antes d’elles próprios o descobrirem, sentimento lentamente edificado sobre bases raras e sólidas.
Parece-me ter cumprido a minha feliz missão. Por isso termino esta não por gosto pois, por gosto, encheria ainda muitas mais paginas sobre o mesmo assumpto.
Em nada contribuí para esta resolução do Ayres e da Renée.
Tive grande prazer em que a tomassem por que os estimo muito a ambos e me parece que os talhou Deus um para o outro.
Peço a V. me creia sempre com a maior estima e sympathia, de V. Attª V.ª
Virgínia de Castro e Almeida
Ayresd’Aguiar
Pseudónimo de Maria do Carmo Dias Monteiro de Barros Lacerda. A autora e jornalista respondeu ao seu camarada de profissão Luís Sebastião Peres em 1956: «Virgínia de Castro e Almeida que, no meu entender, ainda hoje é a melhor escritora portuguesa».