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“As crises não podem ser um travão ao desenvolvimento da empresa”
ENTREVISTA
Com meio século de existência, a Ancor já passou por muitas crises e desafios. A criada pela Covid-19 é apenas mais uma delas. Como tal, não servirá de justificação para cancelar ou adiar os projetos de desenvolvimento que tem em curso, nomeadamente, para reforçar a sua liderança em termos de custos de produção, mas também para se dotar dos meios necessários para idealizar e fabricar produtos que valorizem, cada vez mais, a emoção como fator diferenciador no momento de compra. Detentora da maior fábrica de papelaria em Portugal, a Ancor acredita que vai continuar a ser possível manter a produção em território nacional, contribuindo para a geração de emprego e a revitalização da economia nacional, ainda mais necessárias no contexto pós-Covid. “Cerrar punhos e dentes” e fazer a parte que lhe toca, como defende Francisco Correia, administrador da Ancor, para quem o momento do regresso às aulas e ao trabalho funcionará como motor de arranque da economia.
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TEXTO Carina Rodrigues FOTOS D.R.
Grande Consumo - A Ancor comemora, em 2020, 50 anos de existência. Como evoluiu o negócio ao longo deste meio século? Quais os principais desafios e vitórias conquistadas?
Francisco Correia - Na Ancor, costumamos dizer que “O futuro começou há 50 anos!” e, na verdade, começou bem pequenino, numa pequena oficina no centro da cidade do Porto, pelas mãos do meu pai e da minha mãe. Aliás, a marca Ancor deriva das duas primeiras sílabas do nome do meu pai: António Correia. Ao longo destas cinco décadas, a Ancor passou de pequena oficina a empresa moderna e competitiva, que ocupa uma posição de liderança no mercado ibérico de produtos de papelaria, nomeadamente, em produtos de arquivo e de cadernos.
GC - E como evoluiu o mercado de papelaria ao longo destes anos?
FC - Na verdade, o nosso mercado tem vindo a transformar-se de forma muito acentuada, ao longo das últimas duas décadas. Passámos de um mercado em que os principais consumidores eram empresariais para uma realidade em que o consumo se centra no uso pessoal e escolar. Este tem sido o principal “driver” da mudança que temos vindo a operar, nos últimos anos, centrando o nosso foco no desenvolvimento, no sentido de criar produtos que apelem, cada vez mais, à emoção no momento da compra e do consumo.
GC - Tem sido difícil manter a competitividade e o posicionamento no mercado, face ao crescimento da concorrência e da digitalização?
FC - Sob o nosso ponto de vista, a concorrência será sempre um estímulo de melhoria contínua. A verdade é que, atualmente, e face à nossa dispersão geográfica e à evolução dos mercados, a nossa concorrência é global. É certo que a digitalização tem sido apontada como a principal ameaça ao nosso negócio, há muito tempo, no entanto, é um facto que, ao longo das últimas décadas, o consumo de papel tem vindo a subir de forma sustentada, parecendo querer demostrar o contrário. Se é verdade que o consumo de produtos de arquivo no sector empresarial tem vindo a sofrer, o consumo pessoal e de “home office” tem vindo a compensar essa perda.

Francisco Correia, administrador da Ancor, acredita que o momento do regresso às aulas e ao trabalho funcionará como motor de arranque da economia nacional
GC - Em que pilares tem assentado o negócio da Ancor e sustentado a sua posição no mercado, ao longo destes anos?
FC - A Ancor, enquanto empresa industrial, tem vindo a desenvolver a sua política de desenvolvimento tendo em conta uma premissa que é ser indústria com marca e que marca. Isto significa que queremos manter a nossa vocação de empresa industrial, acima de tudo, mas não descurando a necessidade de nos impormos enquanto marca de referência no mercado ibérico.
GC - Como se tem alimentado a notoriedade da marca? É, hoje, uma marca amplamente reconhecida pelo consumidor?
FC - A Ancor opera no mercado utilizando diversas marcas, consoante o público a atingir. A marca Ancor apela, fundamentalmente, a consumidores empresariais de produtos de arquivo e, neste segmento, somos líderes de mercado há mais de duas décadas. Já no que toca a produtos de âmbito mais escolar, estamos presentes no mercado com as marcas B’log, Evaw, Happy Colours, Ecologique, Smooth e Emboss. A nossa ambição é que os produtos e a sua qualidade intrínseca construam, por si mesmos, uma ideia clara da marca que ostentam, sendo os principais embaixadores e mentores da mesma. Bons produtos, que apelem à emoção no momento da compra e do consumo, são a chave do sucesso de longo prazo.
GC - Detêm a maior fábrica de papelaria nacional. Qual a vossa capacidade de produção e o que produzem? Como se repartem as vossas vendas?
FC - A Ancor produz cerca de 30 milhões de unidades por ano. No seu portfólio, estão presentes produtos de arquivo (pastas de arquivo, dossiers de argolas, separadores, etc.), cadernos (cadernos agrafados, cadernos espirais, recargas, cadernos de desenho, etc.), papel fantasia e embalagens de luxo.
GC - Essa produção é destinada maioritariamente ao mercado nacional? Que importância tem a exportação no vosso negócio e quais os principais mercados de destino?
FC - A Ancor está presente em mais de 27 países e exporta mais de 55% do seu volume total de negócios, estando presente no Médio Oriente, África, Europa e América do Sul. É certo que Portugal continua a ser o principal destino dos nossos produtos, mas a Espanha, o Benelux, França, Marrocos e outros países, num total de 27, recebem, anualmente e de forma contínua, produtos da nossa marca.
GC - Consideram que é competitivo produzir em Portugal? Nunca houve, ao longo destes 50 anos, a tentação de deslocalizar?
FC - A Ancor é uma empresa de matriz industrial e, como tal, depende de forma intrínseca da sua capacidade de se reinventar para continuar a manter a sua veia de produtora. É certo que, nos últimos anos, os custos da mão-de-obra em Portugal têm vindo a subir, de forma muito rápida e contínua, mas temos a firme convicção de que, se mantivermos o foco na produtividade e criação de produtos de elevado valor acrescentado, e formos capazes de manter uma estrutura capaz e flexível, é possível continuar a produzir em Portugal.
GC - Quantas pessoas trabalham na Ancor? A empresa desempenha um papel importante enquanto empregador e gerador de riqueza na região onde está inserida?
FC - A Ancor está implantada em Guilhabreu, Vila do Conde, emprega cerca de 170 pessoas e, seguramente, representa um papel importante no conjunto do tecido empresarial da região onde se insere.
GC - O que mais valoriza o consumidor na vossa oferta?
FC - Estamos, verdadeiramente, convencidos que a aposta num produto de elevada qualidade, com uma excelente relação qualidade/preço, é a chave do nosso sucesso.
GC - A pandemia de Covid-19 veio colocar sérios desafios ao tecido empresarial nacional. Quais os esforços encetados pela Ancor para enfrentar a situação?
FC - Nesta altura, estamos, essencialmente, focados em proteger a equipa, que trabalha diariamente na empresa e, para isso, elaborámos um plano de contingência, que passa por adotar, internamente, todas as medidas preventivas que estão aconselhadas pelas autoridades, no sentido de reduzir a probabilidade de contágio. Estamos a trabalhar ativamente para manter a operação, não só para garantir os fornecimentos do dia-a-dia ao mercado, mas, acima de tudo, para assegurar as produções e os stocks necessários para dar resposta ao regresso às aulas, que, previsivelmente, ocorrerá em setembro.
GC - Houve necessidade de proceder a ajustes na produção e na atividade?
FC - Os ajustes foram, fundamentalmente, ditados pela necessidade de adaptação às orientações emanadas pelas autoridades sanitárias. É certo que a pandemia de coronavírus, como qualquer outra situação de incerteza, teve um impacto na atividade da empresa, sendo que, ainda assim, não tivemos necessidade de recorrer ao layoff.
GC - As vendas também se ressentiram?
FC - Seguramente que as vendas foram afetadas pelo confinamento, mas estamos, acima de tudo, preocupados com a crise que teremos de enfrentar nos próximos tempos. Como sempre, estou seguro de que seremos capazes de encontrar o caminho certo para sair mais fortes deste grande desafio.
GC - A venda direta poderá ser uma saída para os fabricantes, tendo em conta que o consumidor, devido à pandemia, deu um verdadeiro salto em termos de digitalização e de recurso ao e-commerce?
FC - Estamos convencidos, hoje como sempre, que, muitas vezes, o melhor trajeto entre dois pontos não é sempre uma linha reta. Para nós, a ideia de que o e-commerce pode ser a chave para os produtores não é uma realidade atual. Os distribuidores são um elo fundamental na consolidação da oferta e um facilitador da compra para os consumidores. A pergunta a fazer, no meu entender, é outra: a função do distribuidor deverá continuar a ser a de uma entidade, acima de tudo, logística ou deverá centrar-se mais na divulgação e promoção dos produtos e das marcas?
GC - Vamos ter um regresso às aulas diferente, em 2020, devido à pandemia? De que modo está a ser preparada esta importante época de vendas para os produtos de papelaria?
FC - Na Ancor, sempre acreditámos que o nosso sector seria um dos primeiros a “arrancar”. Por essa razão, mantivemos a produção em funcionamento, para estarmos preparados para o “sinal de partida”. Isto implicou constituir os stocks necessários para a campanha e envolver distribuidores e retalhistas nesta visão. A Ancor está pronta para responder com normalidade à campanha.
GC - O regresso às aulas e ao trabalho poderá ser um momento-chave de relançamento da economia?
FC - Estamos seguros de que, como sempre, não há tempestade sem bonança. A informação de que dispomos, neste momento, é de que iremos ter um regresso às aulas normal e que esse será o motor de arranque para o relançamento económico. A volta das crianças à escola permitirá que toda a população ativa possa regressar aos seus trabalhos e que, assim, se inicie um ciclo de recuperação económica.

GC - Uma segunda vaga poderá inibir que a campanha de regresso às aulas decorra com normalidade?
FC - Estamos, absolutamente, convencidos de que o regresso às aulas será, de facto, o motor de relançamento da economia e que não poderemos voltar a encerrar o país, de forma tão radical, outra vez.
GC - A crise económica criada pela pandemia veio colocar um travão nos investimentos que tinham previstos ou torná-los ainda mais relevantes? Para onde serão direcionados?
FC - As crises não podem ser um travão ao desenvolvimento da empresa. Para este ano, mantemos em curso um investimento superior meio milhão de euros, que tem vários objetivos. A começar pelo reforço da nossa liderança do custo de produção, ou seja, ser a empresa com melhor performance, ao nível da eficiência dos processos produtivos. Este valor será aplicado não só em tecnologia, mas também na reinvenção dos processos internos, por forma a conseguir um reforço da capacidade produtiva, mas, acima de tudo, obter ganhos importantes de produtividade. Outro dos objetivos é dotar a empresa dos meios necessários para ser capaz de idealizar e fabricar produtos que ponham o foco no consumidor e que valorizem, cada vez mais, a emoção como fator diferenciador no momento da compra e do consumo. Tudo isto para dar corpo a um dos principais desígnios estratégicos que temos para o futuro: manter a nossa vocação industrial e ser, cada vez mais, indústria com marca e que marca.
GC - Nos seus 50 anos de existência, a Ancor já testemunhou e sobreviveu a muitas crises. De que modo poderemos, enquanto país, dar a volta a mais uma e da natureza da atual?
FC - É certo que será impossível “passar entre os pingos da chuva”, no que toca ao nosso desempenho económico e financeiro, durante este ano, mas, como dizia o nosso Presidente da República, há uns meses atrás, “estamos em guerra”. E, como tal, agora digo eu que temos de cerrar punhos e dentes e assegurar que estamos à altura do desafio nacional que temos pela frente e fazer acontecer a parte que nos toca.
GC - O que seria um bom ano para a Ancor?
FC - Um bom ano seria conseguir mantermo-nos todos de boa saúde, ultrapassar em equipa os desafios que temos por diante, não deixando para trás nenhuma das nossas convicções, e concretizar, no ano em que celebramos meio século, os projetos de desenvolvimento que estavam previstos.
