4 minute read

Valorização das dietas sustentáveis em tempos de pandemia

Considerando a estreita interligação entre a alimentação, saúde e ambiente, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) tem protagonizado a mudança dos hábitos alimentares para uma alimentação sustentável, definindo dieta sustentável como “uma dieta com baixo impacto ambiental, que contribui para a segurança alimentar e nutricional e para uma vida saudável das gerações atuais e futuras. As dietas sustentáveis protegem e respeitam a biodiversidade e o ecossistema e são culturalmente aceites, acessíveis e economicamente justas”. Esta alimentação é caracterizada pela diversidade de alimentos, por um elevado consumo de tubérculos, raízes e grãos integrais, pouco processados e hortofrutícolas, dando preferência aos produtos locais e da época, sendo que os produtos lácteos e os cárneos devem ser consumidos em quantidades moderadas e o consumo de alimentos ricos em gordura, açúcar e sal deve ser reduzido, de modo a que as necessidades energéticas de cada um não sejam superadas. Nesse sentido, o papel do consumidor, enquanto último interveniente do sistema alimentar, merece particular destaque, na medida que, em última instância, são os consumidores que determinam o que se come e, consequentemente, o que o sistema alimentar produz, reforçando a pertinência dos objetivos estabelecidos na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), nomeadamente o ODS 12: “assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”. Na realidade, a industrialização e a especialização da agricultura, do processamento e retalho alimentares promoveram a eficiência ao longo de todo o sistema alimentar, contribuindo para o aumento da disponibilidade e acessibilidade de alimentos variados, em particular os de elevada densidade energética, potenciando-se, para o efeito, o desenvolvimento da agricultura e pecuária intensivas. No entanto, estes movimentos acarretaram também impactes negativos, quer ao nível da saúde, quer ao nível do ambiente. Por um lado, o permanente acesso a esta imensa quantidade e variedade de alimentos e o correspondente consumo em excesso, tendo em conta as necessidades energéticas de cada um, conduzem, na maior parte dos casos, ao excesso de peso e obesidade. Por outro lado, o sistema alimentar num todo, desde a agricultura, passando pelo processamento alimentar, distribuição, retalho, preparação dos alimentos e produção de resíduos, contribui para a emissão de gases com efeito de estufa, logo, para as alterações climáticas. Estima-se, ainda, que mais de um terço dos alimentos produzidos a nível mundial perdem-se ou são desperdiçados entre o local de produção e o consumo humano. Ora, devido à pandemia do novo coronavírus, que conduziu a uma crise de saúde pública sem precedentes, os consumidores, habituados à diversidade de atores, produtos e mercados, com o isolamento social e o subsequente recolhimento domiciliário, tiveram, numa primeira fase, sentimentos de dúvida e incerteza em relação à aquisição de bens alimentares. Nesta continuidade, novos comportamentos alimentares surgiram na tentativa do consumidor proceder ao melhor ajuste, no que diz respeito ao que comer e onde comprar os alimentos, destacando-se quer a prática de uma alimentação mais saudável, quer o consumo de produtos locais. De facto, de acordo com um estudo desenvolvido pela Direção-Geral da Saúde sobre alimentação e atividade física em contexto de contenção social, a tomada de consciência sobre a necessidade de seguir certas recomendações conduziu os portugueses a considerarem que procuraram mais informação sobre saúde e cuidados de saúde durante o período de isolamento, nomeadamente na área da alimentação. Por outro lado, de acordo com as perceções dos consumidores portugueses, durante aquele período, foram identificados diferentes padrões de alteração dos hábitos alimentares: seja consumidores que, com a pandemia, praticaram uma alimentação mais saudável, devido ao aumento do consumo de fruta, hortaliças e pescado, seja consumidores que optaram por praticar uma alimentação menos saudável, caracterizada pelo aumento de refeições pré-preparadas, snacks salgados, refrigerantes e take-away e uma diminuição de frutas e hortaliças. De referir ainda que surgiu, igualmente, o recrudescimento do consumo de produtos locais, valorizando-se, assim, a produção primária nacional. De acordo com um estudo realizado pela Netsonda, os portugueses privilegiam ainda mais a compra de produtos nacionais do que antes da crise. Em causa está o facto de os consumidores, em particular os consumidores europeus, associarem os produtos locais a elevados níveis de qualidade (pela sua frescura e valor nutricional) e a alimentos saudáveis e mais sustentáveis, considerando que as necessidades de acondicionamento, transporte e refrigeração tendem a ser mais reduzidas e, por conseguinte, a utilização de combustíveis fósseis e as emissões de gases com efeito de estufa tendem a diminuir. Por outro lado, os consumidores apreciam a possibilidade de participarem no sistema alimentar, contactando diretamente com o produtor (reconhecem a origem dos alimentos), e o facto de proporcionarem valor acrescentado às produções locais, favorecendo, assim, a economia local. Nesse sentido, a pandemia provocada pelo novo coronavírus evidenciou a complexidade dos sistemas alimentares, assente na globalização e industrialização dos mercados, potenciando também mudanças nas escolhas alimentares, em certos casos, a favor de uma dieta mais sustentável.

ANA PINTO DE MOURA professora auxiliar na Universidade Aberta, engenheira alimentar pela ESB-UCP e doutorada em Engenharia de Sistemas Industriais, pelo INPL. Investigadora do GreenUPorto e coordenadora do curso de Mestrado em Ciências do Consumo Alimentar da Universidade Aberta

Advertisement

This article is from: