6 minute read

À procura da Felicidade Interna

O educador butanes Thakur S. Powdyel prega mundo afora que o verdadeiro crescimento de uma nação surge a partir do acesso a cultura, bem-estar psicológico, educação, filantropia e vitalidade

À PROCURA DA FELICIDADE INTERNA BRUTA

Advertisement

Por Eric Zambon Fotos Luiz Finotti

O currículo de Thakur S. Powdyel é imponente a ponto de assustar de início: ex-ministro da Educação do Butão, ganhador de prêmios internacionais de pacifismo e educação e autor de obras sobre sua visão holística do mundo traduzidas para diversas línguas. Quando sua figura atarracada aparece para um almoço no restaurante Lago, em Brasília, com a reportagem da revista GPS|Lifetime e ele, sorridente, junta as mãos para uma reverência de boas-vindas, a sensação é de relaxamento. Seja na túnica quadriculada, no tom de voz sereno, na fala calma e pausada ou no modo atento de ouvir seu interlocutor, Powdyel quebra qualquer estereótipo – principalmente brasileiro – de um político tradicional e se impõe como um pensador. Seu nome costuma estar associado à Felicidade Interna Bruta (FIB), um conceito criado em seu país na década de 1970 como forma de indicar o crescimento de uma nação com base, além de aspectos econômicos, no acesso a cultura, bem-estar psicológico, educação e vitalidade. O ex-ministro ajudou a implementar isso no sistema de ensino do seu país e tenta espalhar a abordagem pelo planeta.

“O mundo não é perfeito. Mas com seus esforços e das pessoas próximas a você é possível, sim, fazer dele um lugar melhor”

"Vivo a vida com dois princípios como educador: esperança e possibilidade", resume, acrescentando que o único caminho de integração e evolução das sociedades modernas é por meio da formação intelectual dos jovens. "O mundo não é perfeito. Mas com seus esforços e das pessoas próximas a você é possível, sim, fazer dele um lugar melhor. Se você abandona isso, não há sentido em construir escolas. São nelas que os jovens adquirem esperança de se tornarem pessoas melhores. E é por isso que faz sentido ir para a escola, para a universidade etc. Quando se perde esse propósito, estamos acabados", acredita.

Powdyel esteve no Brasil para palestrar no Congresso Internacional de Felicidade, realizado em Curitiba, e para visitar, em Brasília, acompanhado de Carla Furtado, do Instituto Feliciência, a Escola da Árvore, no Lago Norte. O centro educacional, por sinal, bebe bastante do conceito de Green School que o butanês apresentou entre 2009 e 2013 em seu país, quando exerceu o cargo de ministro, e implementou o ensino em oito dimensões: ambiental, intelectual, acadêmica, social, cultural, espiritual, estética e moral.

Em solo candango, ele se deliciou com a liberdade dos meninos e meninas, que desfrutaram de bastante autonomia e desinibição para pedir que ele retirasse os sapatos ao adentrar uma sala de aula, por exemplo. Esses pequenos detalhes pareceram encantar Powdyel mais do que conversas complexas sobre crises e modelos socioeconômicos. Não que não sejam importantes, mas a simplicidade e franqueza das reações de uma criança parecem fasciná-lo mais.

Talvez a explicação esteja em sua visão crítica sobre sistemas de ensino mundo afora e a elitização de direitos básicos dos alunos. "Nem tudo o que acontece em nome da educação é educação", avisa. "Ela é feita para tornar as pessoas nobres, graciosas, generosas, pacíficas e harmoniosas. Mas hoje em dia é cada vez mais um negócio, uma indústria. Perdemos o senso de prioridade e isso talvez explique a sociedade. Meu desejo é que a educação volte a ser o que ela deve representar", reivindica. Feitos de sua jornada pela educação e suas qualificações profissionais desde a década de 1970 podem ser encontrados com certa facilidade pela internet. No almoço vegetariano que compartilhou com a reportagem, contudo, o ex-ministro fez questão de corrigir uma informação que consta em quase todos os resultados: o Butão não é o país mais feliz do mundo. O próprio Powdyel reconhece que, mesmo pelos critérios da FIB, o pequeno país monárquico do sul asiático – em dimensões, é menor do que o estado do Rio de Janeiro e, em número de habitantes, menor que Brasília – sequer está no Top 10.

Na verdade, uma busca rápida em mecanismos especializados vai mostrar que esse título pertence a algum país escandinavo, como Dinamarca ou Finlândia, a depender do ano e do critério adotado. Ele corrige, porém, que o Butão é uma das nações que mais buscam esse conceito no planeta e vem tomando esforços há décadas para difundir isso. Segundo ele, o caminho não é outro senão uma educação humana, cidadã e edificadora em todos os aspectos dos jovens.

Sem nenhuma autocomiseração, ele explica a visão dele sobre como isso pode ser alcançado resgatando uma história de sua formação acadêmica. Conforme relata sua suposta tolice à época, parece se divertir mais e mais com

o quão ignorante já foi. Powdyel relata que, no Butão, é costumeiro universitários recém-formados ou prestes a colar grau realizarem uma espécie de serviço comunitário sob tutela do governo nacional. Na vez dele, há mais de 40 anos, deixou a capital Timbu rumo ao oeste do país asiático para ajudar vilarejos com difícil acesso a recursos da cidade grande.

"Eu cheguei pensando que era o salvador deles, mas depois de um tempo você percebe que todos sabem cuidar de suas vidas muito bem sem você. Muitas vezes, nós precisávamos de itens de higiene e outros e eram eles que iam até a cidade mais próxima arranjar para nós. Eles que nos salvavam", diverte-se o butanês. Segundo ele, isso fez crescer um enorme respeito por comunidades que mantém a originalidade e ainda se prendem a suas raízes, como vários povos indígenas.

"Conhecimento é importante, mas nunca pode virar arrogância. Eu aprendi isso. Podemos ter informação, mas de nada serve se não tivermos entendimento pleno das coisas. Muitas vezes não é sobre os livros, mas sobre a experiência de vida. O universitário acha que aprendeu tudo e pode resolver todos os problemas. É uma visão linda que os define e é importante para que depois haja esse processo de evolução", pontua.

A serenidade com que Powdyel compartilha – e essa é a palavra correta para definir uma conversa com ele – seu conhecimento torna fascinante tudo o que ele diz.

A Felicidade Interna Bruta (FIB)

A FIB foi incorporada como indicador pela Organização das Nações Unidas (ONU) para que as análises sociais e de desenvolvimento dos países pudessem ser mais abrangentes. A expressão foi cunhada a partir do Produto Interno Bruto (PIB), que, em miúdos, mede a riqueza e atividade econômica de determinado país.

O conceito original da FIB remete a contratos sociais estabelecidos no Butão ainda no século XVII, baseados em ensinamentos e preceitos da religião predominante daquela nação, o budismo. Já nos anos 1700, a monarquia do pequeno país asiático começou a promover leis baseadas no conceito amplo de felicidade, mas foi apenas em 2006 que o FIB foi oficialmente adotado pelo governo real do Butão e tratado como meta da gestão do rei Khesar.

Apesar de tentar metrificar a felicidade em nove dimensões, o FIB trabalha, na verdade, com 72 indicadores, divididos entre os seguintes tópicos: bemestar psicológico, ecologia, saúde, educação, padrão de vida, uso de tempo, vitalidade comunitária e boa governança. Alguns desses indicadores são intimamente ligados à filantropia e à liberdade de expressão, como disponibilidade para apoio social e confiança na imprensa. A felicidade pode ser mais complexa do que efetivamente se sentir alegre. O coletivo é fundamental.