Global Brasil 03

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Paralelamente, desenha-se uma poderosa continuidade na política (duríssima) de imigração3 e na legislação de exceção que de há muito, desde os tempos dos governos socialistas de González, transformou as garantias do direito penal e político na exceção que confirma a regra. Assim, pois, podemos esperar do "efeito Zapatero" algo mais do que este bricolage movido pela urgência em "legitimar-se" como governo, exorcizando a contingência e bastardia de sua condição? Cabe esperar algo novo, que seja mais do que uma cópia piorada do original nacional-liberal, ou a repetição do populismo clientelista social-democrata? Poderá converter-se em um exemplo que reflita uma outra relação entre governos e movimentos de luta, cuja composição e referencial é pós-socialista? Nossa primeira conclusão é pessimista. Em nosso modo de ver, até o momento, o "efeito Zapatero" ainda não conseguiu colocar em cheque os axiomas centrais do workfare neoliberal (em termos de renda, fluxos migratórios, política

social européia, novos acercamentos [enclosures] do saber e da inteligência coletiva). O governo limita-se a seguir a cartilha da propaganda eleitoral européia, preconizando um "retorno à Europa", entendendo-se com isto um retorno ao desenho, insustentável a médio prazo, da atual Europa política. Entretanto, não é este o problema principal: assistimos nos últimos meses à derrocada de vários governos por obra e graça da insistência de movimentos de luta de tipo novo. Mas ainda não se vislumbram modos de concatenar a intermitência e uma certa opacidade na emergência e insistência das lutas (fenomenologia típica dos movimentos dos últimos lustros nesta província chamada Espanha) e a capacidade material e política de prescrever às elites do governo – e, por extensão, européias – novos agentes de enunciação e máquinas de luta adequadas, dando um salto em direção a uma axiomática globalista baseada no princípio de que, hoje mais do que nunca, em toda parte, "a democracia é produtiva" (e constituinte).

Tradução de Leonora Corsini 1 Suely Rolnik, "O acontecimento Lula", Revista GLOB(AL) América Latina, n. 0, jan. 2003, p. 10.

Veja-se, a esse respeito, nosso texto "Unos días de marzo: algunos consejos para desarmar un régimen de guerra global permanente", disponível emhttp://www.sindominio.net/biblioweb/ 2

3 "Acabou-se o ‘documentos para todos’", declarou recentemente a Secretária de Estado de Imigração, Consuelo Rumí, justificando o desalojamento violento de 1.500 sem documentos acampados na catedral de Barcelona em 6 de junho passado

Bush de Guga Ferraz, 2004 Impressão serigráfica sobre pano de chão.

Conexões Globais 33 GLOBAL


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