palavra de artista // giovanna almeida cunha

palavra de artista // entrevista giovanna almeida cunha

novembro de 2021

1: Você poderia detalhar a sua rotina de trabalho, bem como seu processo de criação?

Minha rotina de trabalho, enquanto artista, é aquela que cabe na minha rotina de trabalho, enquanto designer. É uma jornada dupla que se atravessa e se contamina, com as horas de um dia qualquer competindo pela minha força criativa.

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Por isso gosto dos processos de criação que consigo fragmentar – aqueles que comportam um envolvimento que se dissolve por vários dias, em construção constante, mas nem sempre linear. Por esse motivo, a fotografia analógica acabou por ganhar bastante espaço em minha prática artística. As câmeras que uso são portáteis, relativamente leves e mais baratas que câmeras digitais. Consigo carregá-las para qualquer lugar, documentando minhas derivas e meus arredores. Isso me permite conciliar a criação com a minha vida pessoal e profissional, e remove a urgência de criar tempo ocioso exclusivo para meu trabalho artístico. Além disso, escrevo. Um hábito quase diário, que enche folhas de rascunho ou, na falta delas, os arquivos de texto digitados em meu celular. A escrita e a fotografia, assim dispersas e assim despretensiosas, alimentam um acervo caótico que mantenho a quase quatro anos. A última etapa do processo, e a única que requer que eu separe um tempo específico, é a organização: condensar e conectar o texto à imagem dentro de um projeto ou tema, criando sentido para essa bruma dos dias.

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2: Gostaríamos de saber se o seu processo criativo é regido por alguma ideia a priori ou o mesmo se constrói a partir das suas experimentações, processos vivenciais e práticas artísticas.

Talvez eu seja mais inclinada às ideias posteriores do que às ideias primeiras – justamente porque meu processo de criação deriva dessa lógica de coletar para então organizar. O que rege é, principalmente, a minha vivência. Por onde estou, por onde vou, o que sinto, o que me contamina, o que me inspira. Meus temas tendem a ser os mesmos que me afligem em minha vida pessoal. Sem exagero dramático, tendo a ver meu trabalho artístico quase como um divã solitário, no qual me entrego à minha vulnerabilidade.

Há, é claro, exceções para essa lógica. Nem sempre me restrinjo a trabalhar apenas com minhas próprias fotos, e quando um projeto pede por um acervo de contribuições, a ideia à priori entra em cena para reger essa busca. Além disso, recentemente tenho me aventurado pelas produções em audiovisual. Não faço roteiros, mas é fundamental pensar a cena e as ações performadas para a câmera antes de começar a filmagem. Também gosto de participar de criações coletivas, em que meu papel tende a ser o de organizar e ajudar a formular a ideia de outros. Acredito que sou privilegiada por estar cercada de pessoas criativas e sensíveis, nas mais diversas linguagens artísticas, e meus amigos são grande fonte de inspiração para minha jornada.

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3: Durante a concepção das suas obras, você experimenta várias possibilidades, elimina algumas, até chegar a uma estrutura básica e/ou definitiva? Há alguma participação do acaso?

Diria, para todos os efeitos, que o acaso é meu melhor amigo: o inesperado, o acidental e o incontrolável me encantam. É o acaso, em primeiro lugar, que me atraiu para a fotografia analógica e a revelação de base química. Tento incluir em meu processo as práticas experimentais, os materiais duvidosos (como filmes vencidos, rebobinados ou velados) e os erros de captura ou revelação. A materialidade que a fotografia analógica proporciona é uma oficina mais palpável e mais real, nesse mundo das imagens meticulosamente tratadas e editadas à perfeição.

Em concordância a isto, tendo a não enxergar a estrutura como definitiva. Tenho gosto até pela prática de revisitar um trabalho já terminado, criando iterações ou variações de formato para adaptálo a diferentes contextos ou objetivos. Um trabalho pronto não é um trabalho abandonado. Me permito, com frequência, o ato do segundo olhar.

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4: A convivência com outras práticas artísticas, o estudo e outras formas de leitura alimenta ou influencia o seu processo criativo?

De minha infância à vida adulta, a leitura sempre foi um hábito relativamente constante. Por isso, a literatura é um combustível para minha escrita e criação. Da ficção à poesia e à teoria, ler é minha inspiração. Mesmo que nem sempre esse vínculo seja explícito na materialização do meu trabalho, o que estou lendo influencia profundamente o que estou criando. Além disso, como estudante de arte, tenho muito apreço pelas aulas expositivas teóricas. Durante a minha graduação, busquei cursar matérias de outros campos, e na condição de ouvinte informal consegui cadeiras nos cursos de Letras e Filosofia. Paralelamente, também gosto de frequentar o cinema e o teatro. Mais do que visitar uma exposição propriamente dita, o contato com essas práticas artísticas é uma grande fonte para mim.

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Mas eu diria, ainda, que minha maior inspiração é uma boa conversa; a convivência, no sentido mais literal, é o que é realmente capaz de me tocar. Gosto de ser o ombro amigo, de estar presente e de partilhar angústias com aqueles que amo. Ouvir o outro é um exercício bonito, que te leva a ouvir a si mesmo.

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5: Você se sente limitado a alguma técnica ou suporte para a realização do seu trabalho? Caso contrário, como faz uso das plataformas artísticas?

Minha maior limitação é, com certeza, esse meu fascínio pela relação texto // imagem. Todos os meus trabalhos, sem falta, navegam pelo tensionamento de possibilidades dentro desse vínculo. O texto acompanha a imagem que acompanha o texto. Não vejo uma hierarquia, mas sim uma codependência. Minha pesquisa se volta continuamente para essa lógica que norteia minha criação, mas esse é um limite que eu considero como bem vasto.

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Quanto a técnica ou suporte, não me vejo limitada. Gosto de experimentar e expandir minha prática, e me deixo ser influenciada pela escassez de materiais ou questões orçamentárias. A fotografia analógica é, claro, um hábito e uma preferência. Mas de acordo com a urgência criativa ou o formato final que imagino para minha ideia, trabalho também com formatos digitais ou a partir de uma dinâmica de apropriação..

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6: Você tem algum interesse particular em estabelecer intercâmbios ou zonas de contato com outros contextos, para além do propriamente artístico? Percebe alguma relação do seu trabalho com outras vertentes e gêneros artísticos?

Sim, e muito. Acredito que as zonas de contato é justamente onde a arte contemporânea é capaz de prosperar. Por isso, navegar entre diferentes contextos é uma habilidade extremamente necessária.

Falando especificamente sobre meu trabalho, vejo uma relação com outros gêneros artísticos que passa primeiro pela influência, mas que culmina na colaboração. Em meu percurso, não hesito em pedir ajuda.

Seja pedir a opinião e a revisão textual de minha irmã, que é graduada em Letras, ou convidar um amigo que é produtor musical para criar uma trilha para um vídeo, peço ajuda sem grandes cerimônias. Se quero aprender algo novo, procuro alguém que possa me ensinar. A criação, por natureza, é um ato solitário... mas acredito que não deveria ser. O intercâmbio mais importante que temos é aquele humano, perpassado pelas relações de proximidade e afeto.

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7: Em que sentido o convívio com sua pesquisa? Como o seu trabalho diálogos estabelece com outras obra ou obras de sua preferência.

Sinto que convivo com a arte br distintas: pelo contato pessoal, so encontro institucional, pelo estudo

Dentro da Escola de Belas Artes e colaborar com artistas contemporâ primeiros passos. Pedro Cruz, Jade V Daros e o Coletivo Estrago (idealiza exemplos de trocas que me inspirar minha jornada de aprendizado. Un simplesmente conversar e trocar vi

Por outro lado, mantenho o háb que acontecem ao meu redor. E trabalhos não decepciona em sua uma esfera indispensável para o jo tenho estudado o trabalho de outr se dedicam à fotografia e ao aud indicações fornecidas por meus profe Rosângela Rennó e Anna Bela Geig cujo trabalho ressoa com minha pr revisito suas obras quando procuro

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m a arte brasileira tem influenciado está inserido nesse contexto e que as contemporâneas? Cite artistas e/

rasileira de duas formas bastante ocial e direto, mas também pelo e pela pesquisa.

e do campus UFMG tive a chance de âneos que, assim como eu, dão seus Vieira, Rogério Rodrigues, Bárbara ado pela banda O Cerne) são alguns ram e me comoveram bastante em nir forças criativas em projetos ou ivências é um privilégio enorme.

bito de visitar exposições e feiras Esse encontro físico com outros a capacidade de me motivar, e é ovem artista. Mais recentemente, ras mulheres artistas que também diovisual, graças as referências e essores e professoras da graduação. ger são dois exemplos de artistas rópria produção, e frequentemente o por inspiração.

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8: Quando você considera uma obra finalizada? O que faz com que ela corresponda à sua expectativa e propósitos?

Uma obra finalizada, para mim, é uma obra que é capaz de contar uma história completa. Como meu trabalho se faz da escrita, penso que a estrutura clássica de uma narrativa é um conceito norteador muito importante: introdução, desenvolvimento, clímax, conclusão.

Seja pelo texto propriamente dito ou visualmente, gosto de pensar meu trabalho como capsulas de experimentação para a narrativa. Qual história quero contar? Onde começa? Onde termina? Essas perguntas são o que orientam minha decisão. A obra é finalizada quando o resultado formal é capaz de fornecer as repostas, ou, pelo menos, quando é capaz de fornecer uma resposta dentre todas as respostas possíveis.

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9: Em que momento o espectador tem presença e é incorporado ao processo de criação e exposição da obra? Como você compreende a importância de buscar lugares e contextos para a inserção das suas obras de acordo com os seus interesses?

Desde o começo e, quase sempre, até muito depois do final. Essa resposta pode parecer vaga, mas é sincera. Durante meu processo criativo, procuro sempre recorrer ao olhar do outro. Compartilho processos e peço opiniões para outros artistas e, principalmente, para amigos e familiares que não fazem parte ativamente do campo das artes. Arrisco dizer que essa é uma mania que adquiri trabalhando como designer – reconhecer a importância do parecer e do retorno externo é uma parte essencial para o próprio processo. As impressões que recolho enquanto estou criando são o que norteiam minhas decisões até mesmo sobre o formato final de um trabalho, quando penso sobre os dispositivos de apresentação possíveis para meu projeto.

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Com as medidas de isolamento social que foram necessárias nos últimos dois anos, passei a me esforçar mais em manter registros online de meus trabalhos. Descobri nisso uma oportunidade inesperada de continuar recebendo comentários e criando diálogos em torno de minha criação, mesmo no caso de trabalhos que já foram expostos fisicamente. Essa sobrevida que a internet é capaz de fornecer é uma rica possibilidade de contato com o espectador. As impressões que recolho de um trabalho passado são capazes de alimentar meus trabalhos futuros, e me fornecem uma compreensão mais real e palpável de minha criação.

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10: Como você descreveria seu trabalho, usando apenas quatro palavras-chave?

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memória

vulnerabilidade

narrativa

conexão

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