CATÁLOGOS DO GET: REFLEXÕES DA QUARENTENA

CATÁLOGOS DO GET: REFLEXÕES DA QUARENTENA

Capa: Bruna Almeida

Revisão de texto Bruna Almeida, Carolina Cardi, Everton Ribas, Lara Vitarelli, Marcela Figueiredo, Maria Eduarda Ribeiro, Mariana Soldati, Patrícia Nogueira, Rachel de Oliveira e Rafaelli Machado.

Getianos Bruna Almeida, Carolina Cardi, Everton Ribas, Lara Vitarelli, Marcela Figueiredo, Maria Eduarda Ribeiro, Mariana Soldati, Patrícia Nogueira (2021), Rachel de Oliveira (2021), Rafaelli Machado e Thalisson Souza (2020).

Tutora Prof.ª Dra. Ana Aparecida Barbosa Pereira

Parceiros:

get.arq.urb facebook.com/GETARQURB GET Arquitetura e Urbanismo

APRESENTAÇÃO A atividade que origina os produtos presentes nesse catálogo foram desenvolvidas ao longo do ano de 2020.

Os desenhos, colagens e fotografias apresentados aqui foram realizados como parte das iniciativas do grupo durante os primeiros meses de confinamento, externando pelo instagram do grupo os estudos realizados internamente. Buscaram-se reflexões acerca de três eixos temáticos: - CineGET - Nossas cidades - Habitar a terra

CINEGET O eixo temático “CineGET” teve como objetivo adaptar uma atividade tradicional do grupo ao atual contexto pandêmico, utilizando as redes sociais para indicar curtas que abriram espaço para a reflexão sobre a cor estimulando o debate e o exercício do olhar. E essa frente estava diretamente relacionada com as nossas leituras sobre a Doutrina das Cores de Goethe.

Ao longo dessa temporada vamos abordar diversos aspectos da doutrina das cores de Goethe e sua análise qualitativa das cores, assim, o primeiro curta aborda vários aspectos da teoria goethiana, mas vamos nos atentar, neste momento, à relação com a pintura, na forma de expressão e entendimento das cores, especialmente ao retratar a natureza. Para os impressionistas a cor e o movimento eram a essência formadora da visão, sendo aquilo o que deveria ser retrato. cada instante representava uma alteração nas cores da paisagem, por isso as pinceladas rápidas, elas buscavam representar o momento.

Convidamos você a se abrir para a cor, e por meio dela se sensibilizar para perceber o mundo. Escolha algum momento do dia para uma pausa, vá até a janela mais próxima e observe como o céu muda de cor, como tudo se transforma quando o sol se abre, ou mesmo a atmosfera alterada quando ele se esconde atrás das nuvens. Tente entender a personalidade das cores e pense: a cor é momentânea?

Link do curta: https://www.youtube.com/watch?v=9JhoILdlWiU (também estará na nossa bio) Colagem: Thalisson de Souza Todas as imagens foram adaptadas de: pinterest.com

O primeiro foco do GET no estudo da teoria das cores de Goethe foi a sua relevância atual, vista a rejeição que tal teoria qualitativa sofreu ao fazer frente a teoria newtoniana, na época de publicação. Para isso, trabalhamos a tese de doutorado de Ennio Lamoglia Possebon, “A teoria das cores de Goethe hoje” (2009), que, além de traduzir alguns textos de Goethe, apresenta a atualidade da perspectiva sensível das cores.

Dentro dessa linha de estudos o CINE GET apresenta hoje o curta “Um Novo Tom”. Trata-se de uma metáfora bastante sensível e atual para o aprendizado das cores. Entendendo e destacando a importância de se estar atento e disponível para se aproximar e entender as cores. Mais do que isso, apresenta a cor como forma de entender o mundo. A sensibilização para a temática das cores levanta uma questão: nós realmente percebemos a cor que nos rodeia? Ou apenas absorvemos a realidade ao nosso redor de forma automática?

Link do curta (também está na nossa bio): https://vimeo.com/100989995 Colagem: Thalisson de Souza Todas as imagens foram adaptadas de: pinterest.com

As perspectivas da teoria das cores de Goethe na atualidade passam pela sensibilização para a temática da cor como intermediário para entendimento de mundo. O terceiro curta dessa temporada do CINE GET, “Azul”, apresenta o impacto da cor a vivência do indivíduo frente a sua realidade.

A abordagem lúdica, apresentada no curta demonstra a série de processos mentais que a “descoberta” da cor provoca no seres. Se permitir a afetação pela cor pode expandir os horizontes e as possibilidades de interação com o mundo.

Goethe apresenta nesse sentido, a noção de vocação das cores, ou seja, o que elas comunicam de sentimentos e sensações nas pessoas. A afetação pra cor compreende essa disponibilidade para entender essa vocação.

Link do curta (também estará na nossa bio): https://vimeo.com/7796100 Colagem: Thalisson de Souza Todas as imagens foram adaptadas de: pinterest.com

Em um momento de isolamento social, como o que estamos passando, nós nos pegamos, diversas vezes, desejando estar em algum espaço querido da cidade, frequentemente dizemos sentir falta do verde de uma praça ou parque. O curta apresentado essa semana pelo CINE GET, Alike, apresenta um retrato de como nossas relações afetivas com o espaço urbano se expressam pela cor, especialmente naqueles em que a presença das cores se dão pela vegetação. É possível pensar a importância da cor na construção dos espaços, especialmente na escala da cidade. Trazemos, assim, uma reflexão sobre o papel do arquiteto e urbanista como um agente produtor do espaço, no sentido de entender a cor como ferramenta fundamental de trabalho.

Entendendo a cor como uma manifestação da percepção pessoal, como apresenta a teoria das cores de Goethe, é possível trabalhar locais de efetividade na cidade, como apresentado no curta.

Link do curta (também estará na nossa bio): https://youtu.be/PDHIyrfMl_U Colagem: Thalisson de Souza Todas as imagens foram adaptadas de: pinterest.com

Um dos conceitos mais marcantes da Teoria das Cores de Goethe, e que a diferencia da teoria newtoniana, é a noção da vocação das cores. Ao longo dessas semanas, esse tema foi abordado de algumas maneiras, mas o recorte apresentado no curta “O tom da cor do som” apresenta uma nova dimensão desse conceito. A vocação da cor é, segundo Goethe, o sentimento que ela provoca, as características com as quais ela se apresenta, sob a ótica da subjetividade de cada um.

A expressão da cor através da música deixa clara essa personalidade da cor. Ao atribuir e relacionar um tom a um som é possível perceber de forma mais evidente como a vocação da cor se manifesta na expressão de sentimentos e sensações.

O curta apresenta cores, ou sons, mais vibrantes, mais calmos, aqueles que animam e aqueles que fazem refletir. Ao associá-los com imagens diversas a mente trabalha, criando relações entre o que está sendo apresentado e nosso próprio repertório pessoal de cores.

Voltemos nossos olhos, e ouvidos, ao nosso redor. Ao ouvir uma música, tente perceber como você associa os sons que escuta às cores que você não está vendo no momento.

Link do curta: https://www.youtube.com/watch?time_continue=43&v=y3Ayt5HUa0M&feature=emb_logo Colagem: Thalisson de Souza Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

Dando continuidade aos estudos do GET sobre a teoria das cores de Goethe, apresentamos a sexta edição do CINE GET na quarentena. Entendendo a abordagem goetheanística da cor, é possível compreender seu papel na construção da paisagem e esse é o tema do sexto curta apresentado pelo CINE GET, Reulf.

O curta trata a questão da cor a partir de uma cidade em preto e branco, que se abre às cores. É possível pensar, assim, como a percepção da cor pode ampliar as relações com o espaço.

A importância da cor na construção da paisagem vem justamente do seu poder de afetação e sensibilização das pessoas, sendo algo que atrai o olhar e alerta a mente para que possamos, simplesmente, prestar atenção em elementos ou situações que poderiam nos escapar, no vai e vem cotidiano.

Link do curta (também estará na nossa bio): https://vimeo.com/4870899/ description . . .

Colagem: Thalisson de Souza Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

Finalizando esse ciclo de postagens sobre a teoria das cores goetheanística, apresentamos as “Sombras Coloridas de Goethe”. O GET realizou, durante esse semestre, estudos acerca dessa nova forma de apreender as cores, proposta por Goethe.

O vídeo apresenta um série de experimentos realizados com a luz, buscando demonstrar os conceitos geotheanísticos de interação e surgimento das cores. Ao observar como as cores surgem a partir de sobreposição de tons é possível perceber a sensibilidade do círculo cromático de Goethe em oposição a outras formas de entendimento da luz.

Essa parte dos estudos se finaliza, mas ainda há muito a se explorar do tema, que seguirá sendo tema dos estudos do grupo nesse novo semestre.

Link do vídeo (também estará na nossa bio): https://www.youtube.com/ watch?v=CNVfz3tmo5Y Colagem: Thalisson de Souza Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

NOSSAS CIDADES As postagens do eixo temático “Nossas Cidades” aproveitaram as reflexões levantadas ainda no início da pandemia sobre a contribuição ou não das cidades na transmissão do vírus e estendeu esse diálogo para a comunidade externa através das redes sociais.

É propícia a reflexão acerca da conformação da cidade e a proliferação de doenças enquanto o Brasil e o mundo convivem com as certezas e incertezas da pandemia do COVID-19.

Em meio a esse caos que desregula todo um sistema internacional, surge a questão de como as cidades estão contribuindo neste contexto problemático. Nesse sentido, convidamos à reflexão, e também a um diálogo, deixando nos comentários o que vocês pensam acerca das seguintes questões: Quais os efeitos do crescimento desordenado? Qual é a relação entre o espaço urbano e a saúde do indivíduo? Quais direitos básicos têm sido sanados?

Repostaremos os comentários nos nossos stories. Fiquem atentos! . . .

Pintura: Favelinha - Edifício Engenheiro Itamar Franco/UFJF: tinta de terra sobre parede. Autoras: Ilka Dutra, Jéssica Aniceto e Victória Peixoto Colagens: Everton Ribas Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

O estatuto da cidade trata de diretrizes organizativas de gestão do espaço urbano, abrangendo desde a prestação de serviços, oportunidades e infraestruturas, a fim de fazer cumprir a função social da propriedade.

Mas será que, de fato, estas diretrizes, entendidas como direitos básicos, contemplam todos os brasileiros?

No que tange às questões habitacional e sanitária, evidencia-se que ainda há cidadãos que não têm acesso ao saneamento básico – como coleta de lixo e de esgoto. Além disso, somam 15,1% a população que não possui abastecimento de água por rede geral em sua residência. Cerca de 37,2% da população convive com a ausência de ao menos um destes serviços de saneamento.

Num contexto em que as infraestruturas não contemplam esta determinada população, torna-se caótica a prevenção por meio da higiene pessoal e, junto à questão da aglomeração acentuada, faz com que o contágio aconteça mais facilmente. Algumas das dificuldades enfrentadas no controle do novo coronavirus são reflexo de um planejamento desarticulado que se reformula a cada gestão governamental, e que não segue um plano a longo prazo – o estatuto da cidade em totalidade –, gerando uma fragmentação na gestão do território.

Colagem: Everton Ribas Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

As cidades em que vivemos são constituídas por áreas que abrigam determinadas funções, interligadas por eixos de circulação. Além disso, elas ainda se relacionam entre si pelo turismo, economia, saúde, educação, dentre outros. Assim, setorizadas e interdependentes, é preciso que ocorra o fluxo de pessoas para manter este sistema.

No entanto, ocorrem traslados e geram-se aglomerações em certos lugares específicos, como, por exemplo, terminais viários, áreas de comércio ou locais de trabalho.

O que se destaca neste cenário de pandemia, é que foi justamente isso o que tornou propícia a transmissão do COVID-19, e que resultou nos pedidos de isolamento social como tentativa de retardar o contágio.

Deste modo, evidencia-se que é preciso repensar a produção das cidades.

Quais seriam, então, as alternativas? . . .

Colagem: Bruna Almeida Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

No nosso país, há realidades muito distintas se tratando do quinto país mais extenso e sexto mais populoso do mundo. Além disso, ao analisar o processo de construção histórica do Brasil, evidencia-se que a desigualdade esteve tanto na origem, quanto no decorrer do tempo, sendo acentuada.

Há lugares em nossas cidades em que poucas pessoas vivem em moradias espaçosas, com projeto de arquitetura, e muitas pessoas vivem em moradias apertadas, com aglomerações tanto de moradores quanto de vizinhança – espaços de circulação pequenos, ventilação e insolação inadequadas. Trata-se de uma contradição imensa quando, ao vislumbrar uma paisagem, encontra-se estas realidades lado a lado, coexistindo numa situação que já se tornou corriqueira no cotidiano urbano.

Há ainda que se perguntar se, neste cenário que pede o isolamento social, dentre estas pessoas, quais delas podem realmente permanecer em suas casas sem trabalhar? Quais delas dependem de trabalhar no dia de hoje para garantir seu sustento de amanhã? Ou, ainda, quais delas têm uma casa para morar?

Neste momento em que vivemos uma crise é preciso repensar as estruturas sociais além das políticas públicas, a fim de que, além de superar a pandemia, possamos alcançar melhorias à população. É preciso superar a COVID-19, e, inaugurando este cenário potencial de mudança, é necessário lutar contra a desigualdade, mobilizando-nos enquanto sociedade organizada para o cumprimento desta agenda e reivindicando direitos aos governantes.

Colagem: Everton Ribas Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

O isolamento social causou a diminuição do tráfego de veículos e cessou algumas atividades industriais, cujas energias provêm de combustíveis fósseis. Os efeitos disso são a redução da emissão de grandes toneladas de gases na atmosfera, sobretudo de CO2. Os Índices de qualidade do ar (que classificam a concentração de poluentes em determinado lugar) de diversas metrópoles sofreu uma queda significativa em questão de semanas, como foi o caso de São Paulo e Porto Alegre.

Fica evidente, ainda, uma melhora potencial da qualidade de vida com a redução da poluição e diminuição dos engarrafamentos. Estudos apontam que várias doenças respiratórias e crônicas são causadas pela mobilidade urbana, responsável pela emissão de gases. No caso da COVID-19, pesquisas mostram que a exposição ao ar poluído das metrópoles eleva a vulnerabilidade dos habitantes, e até mesmo a letalidade.

Diante disto, é preciso refletir questões ligadas ao meio ambiente, à mobilidade urbana e às atividades industriais, considerando os aspectos prejudiciais aos cidadãos. Os efeitos do isolamento social, neste sentido, mostram que é necessário tomar alternativas reais ao invés de mitigatórias, como tem sido feito. Resta, no entanto, a dúvida se as melhorias evidenciadas trarão mudanças visíveis ou serão revertidas pelo desespero econômico pós-pandemia.

Imagem: Bruna Almeida Todas as imagens foram adaptadas de pinterest.com

Ocorreram transformações morfológicas nas cidades decorrentes da necessidade de lidar com doenças. Como exemplo, lembramos o caso do Rio de Janeiro que atravessou epidemias de varíola, febre amarela, peste bubônica, febre tifóide, malária e tuberculose na virada do século XIX para o século XX. Esforços higienistas foram então empregados, mas a justificativa ia além da sanitização, perpassando por ideais de modernização e embelezamento da cidade, inspirados na reforma de Paris de Haussmann. É neste contexto que é aplicada a medida de demolição dos cortiços - habitações coletivas de aparência colonial que aglomeravam muitos habitantes, responsabilizados pela ausência de saneamento e higiene. Outra justificativa utilizada para esta intervenção era, além do mal cheiro que emanava deles, o estado antigo das edificações que contrastava com a parte “bela” da cidade.

Cerca de 20 mil pessoas foram desalojadas e os aluguéis na região central foram elevados em virtude da valorização decorrente de novos serviços de abastecimento, saneamento e iluminação, resultando em uma crise habitacional. Foi um processo exclusório que culminou na ocupação dos morros, que permitiram que os trabalhadores permanecessem próximos aos seus trabalhos, embora a qualidade das ocupações tenha sido precária da mesma forma que dos cortiços.

Imagem: Bruna Almeida Todas as imagens foram adaptadas de Pinterest.com

As medidas de isolamento social fizeram com que diversas cidades tivessem um esvaziamento das vias e espaços públicos. As cidades turísticas ganharam destaques em fotografias em virtude da situação atípica de uma sensação desértica. As manchetes eram de cidades vazias.

No entanto, considerando esta medida que pediu a permanência das pessoas em suas casas surge a questão: qual o destino das pessoas que habitam as ruas? O sentido de isolar as pessoas socialmente junto às práticas de higiene consiste em reduzir o contágio, mas na realidade dos moradores em situação de rua isso é muito problemático devido à grande vulnerabilidade.

Não há água para higienizar-se. A alimentação depende de relacionar-se com outras pessoas ou de perambular pela cidade. Ficam expostos ao tempo, podendo ter quedas de imunidade e contrair doenças. Nos postos de atendimento – albergues -, encontram aglomerações.

E o número ainda cresce. Há o caso dos desempregados que foram despejadas de suas casas pelo não pagamento do aluguel e passaram à situação de rua. Diante disto, é preciso pensar além. Quais políticas de assistência estão sendo tomadas?

Os espaços públicos foram esvaziados... ...de quem? .

Imagem: Bruna Almeida e Maria Eduarda Ribeiro.

Todas as imagens foram adapatadas de pinterest.com

HABITAR A TERRA Por sua vez, o eixo temático “Habitar a Terra” convidou nossos seguidores a refletirem sobre a relação do indivíduo com o nosso planeta, a forma como habitamos e nosso modo de vida. Trata-se de um convite para observar nossas ações, o ambiente em que vivemos e a paisagem.

Estamos começando hoje uma série de postagens com algumas reflexões que podem ser feitas a partir do contexto de pandemia no qual estamos inseridos, relacionado ao modo como habitamos nosso planeta.

Durante esse período de isolamento social muitas questões começaram a serem levantadas, e uma delas é justamente o impacto de nossas ações sobre a Terra. Estamos acostumados a olhar para a Natureza a partir de um afastamento e pensar o que podemos retirar dela. Acreditamos sermos coisas separadas, mas a verdade é que estamos inseridos nela e fazemos parte de seu sistema.

As notícias ambientais recentes são tristes e as previsões também não são nada otimistas. Repensar o nosso modo de vida e a forma como habitamos é urgente!

Em isolamento social percebemos como desejamos pelo contato com o mundo, o quão essencial é deixarmos nos tocar pelo lugar. O ambiente externo não é somente o Lá, mas o Aqui também que nos pertence quando experimentamos o mundo, sentimos falta do tato.

Tornou-se surpresa ver as estrelas no litoral de São Paulo e que a água de Veneza pudesse ser tão clara a ponto de vermos peixes. É assim que queremos viver, sem poder ver o céu de verdade ou saber se aquela é a cor real da água ?

Podemos ser pequenos, frágeis e passageiros, mas nossas ações tem a potência de mudar o mundo.

Imagem: Carolina Cardi

Nas últimas semanas temos vivenciado mais as nossas casas e algumas pessoas só os seus quartos - quando é possível ter um quarto só seu - devido ao confinamento proporcionado pela covid-19.

Voltamos nossos olhos para a casa então e nos perguntamos sobre o nosso morar. Moramos bem ? No sentido de nossas casas responderem aos objetivos de fornecer espaços adequados para as atividades relacionados ao trabalho, lazer, educação, exercícios físicos, higiene e espiritualidade.

Dentro desse universo, resgatamos a ideia da ausência de contato, mas de um contato específico. Muitos de nós conseguimos conversar com nossos amigos e família pela internet, chamadas de vídeo são destinadas a reuniões de trabalho, visitas à museus e a outros lugares podem ser feitas em realidade virtual, para conhecermos um conteúdo acessamos videoaulas, assistimos shows e apresentações em lives e fazemos compras em aplicativos de delivery. De certa forma, aqueles que se enquadram dentro dessa realidade conseguem realizar suas atividades com um smartphone ou um computador com acesso à internet.

Mas e quanto ao mundo físico e mental que o habitar envolve, ele é suficiente para suprir as necessidades do nosso ser ?

Segundo Pallasmaa (2017) em seu livro Habitar, “O ato de habitar é o modo básico de alguém se relacionar com o mundo.”, e isso envolve o nosso contato com a natureza.

A forma de urbanização das cidades com diminuição das áreas verdes públicas e privadas proporciona que vivemos cada vez mais em espaços fechados e nos separamos da natureza.

Atualmente a realidade urbana brasileira mostra não ter condições básicas e nem adequadas para que todas e todos tenham refúgio em suas casas para comprirem as medidas de restrição de circulação e as de higiene necessárias no presente. Ao contrário, evidencia a extrema desigualdade em que as pessoas vivem no Brasil. No último post do habitar foi dito sobre o suporte tecnológico que a internet pode oferecer. Mas e aqueles que não têm acesso e nem estrutura para home office ou que suas profissões são incompatíveis com esta forma de trabalho? Nos últimos dados da pesquisa TIC Domicílios, 70% da população brasileira possui acesso à internet, e o dispositivo mais utilizado é o celular, 56% utilizam somente os smartphones para se conectarem. Ressaltamos que esses dados não podem ser interpretados como uma constante no território brasileiro em razão da diminuição do número de acessos entre a população das zonas rurais e regiões interioranas, além dos números nos dizerem unicamente sobre a quantidade e não revelarem sobre a qualidade do sinal. Para dar continuidade ao aprendizado de crianças e jovens a alternativa que tem sido implementada é a educação à distância (EAD), além dos problemas referentes às condições tecnológicas, outro problema que se impõe é como transmitir e estimular outras dinâmicas ao adaptar o conteúdo para esse tipo de plataforma e construir novas pedagogias, soma-se a isso às dificuldades do letramento digital. Lembrando que todos estão confinados em uma habitação com organização espacial diversa daquela da escola. Estamos em um período de repensar as atitudes, de reinvenção e de propostas para soluções criativas a fim de enfrentar a crise, onde o interno agora precisa cumprir papel do externo na apropriação do espaço na habitação.

No contexto de pandemia que vivemos atualmente garantir o direito à moradia é mais do que nunca garantir o direito à vida. Cumprir as medidas de isolamento social de forma efetiva se torna um desafio frente ao contexto brasileiro de desigualdades sociais, econômicas e culturais.

O contexto de habitação no Brasil apresenta elevadas taxas de déficit habitacional e as ocupações subnormais são uma realidade presente, incluindo elevada densidade demográfica por cômodo residencial e coabitação. Por mais que seja necessário o isolamento social, as desigualdades do território expõem muitas pessoas ao risco de contaminação.

Assim, políticas de reforço à segurança da moradia como suspensão de toda a retomada compulsória de imóveis envolvendo despejos residenciais, ordens de reintegração de posse e execução hipotecária se tornam importantes medidas para evitar o aumento do risco de infecção da população.

Imagem: Carolina Cardi

O caminhar inaugura o encontro do corpo com o meio (podemos compreender esse meio como a cidade, o campo ou a paisagem em si), a questão é a proximidade com as questões da vida que permite o (com)tato com a Terra. O movimento e o “parar” estão em constante diálogo e a dança coreografada pela corporeidade dos homens abre as portas para uma conexão entre um interior e exterior a partir do despertar dos sentidos e reflexão da fisionomia atual do mundo. O caminhar em si é um ato crítico, uma proposição estética, política, ideológica, espiritual, urbanística e paisagística e que revela possibilidades para se imaginar uma nova forma de habitar.

E que faz pensar sobre o corpo e questionar sobre os padrões e reprodução de valores na construção das cidades e das paisagens. Quais são as geografias do seu corpo ?

Imagem: Carolina Cardi

A crise ecológica continua e por mais que a produção de conhecimento científico sobre o assunto nunca se esgote e os alertas sobre as consequências sejam cada vez mais frequentes, ainda há uma descrença sobre a perversidade das ações sobre todo o sistema vivo da Terra.

A incapacidade do homem de ver a si mesmo como natureza o transforma em espectador, retirando de si a responsabilidade e o coloca na posição de perpetuador de uma forma de produção de vida que não pode mais ser mantida. O corpo humano não é separado do mundo, e a própria noção de mundo e de ser se fazem nas relações implicadas na vida vivida construídas na realidade humana. Como diria Ailton Krenak, a sociedade está tão acostumada com a certeza que vai ter um amanhã que não percebe que está caindo, e sempre esteve. .

Imagem: Mariana Soldati

O conhecimento do mundo é indissociável do autoconhecimento, uma vez que tudo que se conhece no mundo se conhece pela experiência pessoal corporificada como homem senciente, aquele aberto a observação, percepção e compreensão dos elementos que compõem o mundo de maneira a revelar pela, consciência e pela linguagem, o pensamento e a memória estabelecidas na relação sujeito e objeto, entendendo a paisagem, o caminhar e o corpo como instrumentos integradores da continuidade entre o interno e o externo.

Uma vez que o homem reconhece o mundo a sua volta em relação a si, ele também o valorará a partir de si e de seus interesses, determinando uma certa atitude dentro de uma visão de mundo.

Alguns comportamentos apresentam um padrão, de forma repetida os realizamos em nossas rotinas e muitas vezes não nos damos conta. À essa ação tendenciosa e específica, chamamos hábito. Os hábitos são um resultado das vivências e influências individuais e coletivas de cada ser, podendo ser apreendida desde a cultura até a rede familiar, como também construída conscientemente. Esse sistema de hábitos se molda a partir do espaço físico que o identifica, assim como, o contrário também acontece.

Habitar, relação arquitetura e hábito presente em nosso lar, onde os nossos rituais e memórias são mais evidentes. Quantas vezes você mudou um ambiente da sua casa para se perceber de forma diferente nessa quarentena? Quantos novos hábitos foram criados? Quais hábitos inconscientes têm se tornado conscientes com sua nova visão de mundo e presença com o seu ser intrínseco?

Imagem: Mariana Soldati