CACT informa #5, julho de 2012

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CACT informa Boletim dos estudantes de Geografia da Unicamp | n. 5| jul ’12

O dia em que a Unicamp dobrou

NOVA ÁREA

O CONSU aprovou a compra da Fazenda Argentina por R$ 150 milhões. A aquisição praticamente dobra a área do campus e suscita diversas questões ainda não respondidas

E

m 1959, João Adhemar de Almeida Prado (1905-1976), herdeiro do Banco de São Paulo S/A, adquiriu a Fazenda Rio das Pedras em troca do perdão de empréstimos não quitados de seus proprietários. A posse dessas terras se dava por herança desde o tempo do Brigadeiro Luís António de Sousa Queirós (1746-1819), a quem foi concedida uma sesmaria no fim do século XVIII. O brigadeiro era sogro de Albino José Barbosa de Oliveira (1809-1889), que, por sua vez, era sogro do Barão Geraldo de Re-

zende (1846-1907), neto materno do brigadeiro, que deu nome ao distrito criado em 1953. Poucos anos depois, Almeida Prado vendeu uma gleba de 30 alqueires da fazenda pelo preço simbólico de um cruzeiro. O lançamento da pedra fundamental da Unicamp ocorreu em outubro de 1966. Cumpriam-se os delírios deterministas de Zeferino Vaz (1908-1981), que imaginava instalar a Universidade em um terreno de solo fértil para que seu crescimento fosse garantido. Almeida Prado, também presidente do Jockey Club de São Paulo,

ficou conhecido pela doação do terreno da Unicamp e por ter se beneficiado da valorização de suas propriedades, loteadas posteriormente, marcando a história da Unicamp desde seu início pela especulação imobiliária. 45 anos depois, em 27 de junho de 2012, o Conselho Universitário aprovou às pressas, sob protestos, a compra de um terreno de 143 ha para expandir o campus, numa nova rodada de valorização das terras devido à implantação do CIATEC II. continua na página 3 >>

CENTRO ACADÊMICO DE GEOGRAFIA E CIÊNCIAS DA TERRA — GESTÃO LEVANTA, CACT! Anderson Cordeiro Sabino (101466), Anderson Sirini dos Santos (116106), André Lopes de Souza (080674), Carolina Leardine Zechinatto (090698), Diego Luciano do Nascimento (102018), Diogo Ronchi Negrão (081170), Everton Vinicius Valezio (091055), Frederico Zilioti Amorim (104955), Guilherme Henrique Gabriel (081542), Gustavo Henrique Beraldino Teramatsu (081566), Guilherme Rodrigues Ramos (091433), Jéssica Cecim (117337), João Paulo Marçola (081744), Luciano Pereira Duarte Silva (106127), Maico Diego Machado (083826), Rolver Bernardes Costa (120130), Stéphanie Rodrigues Panutto (092994), Thais Moreno de Barros (104166), Valderson Salomão da Silva (104238).

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R$ 8.715,28 Com o professor Márcio Cataia realizando seu pós-doutorado na Sorbonne Nouvelle, em Paris, até abril de 2013, está aberta a vaga para docente a ser contratado em caráter emergencial para ministrar as disciplinas GF406 -Geografia Política (duas turmas) e GF129 -- Geografia Econômica (uma Representando na Congregação Everton Valezio, eleito com 26 votos, turma), que será oferecida pela segunjunta-se aos demais RDs eleitos em da vez. Os alunos fazem a matrícula maio. No último ano, o corpo discente sem saber quem será o(a) professor(a). foi representado na Congregação por XVII ENG Luciano Duarte e Valderson Salomão. A este órgão compete elaborar o Regi- Na iminência do maior evento nacional mento do IG, deliberar alterações nos de Geografia, os estudantes preparam regimentos dos demais órgãos colegia- seus trabalhos para apresentação e os dos, na estrutura administrativa do IG ânimos para passar uma semana na e também sobre penalidades e san- capital mineira, levando o nome da ções disciplinares (a última foi em Unicamp à comunidade geográfica 2008); aprovar procedimentos inter- brasileira. O ônibus sai da Unicamp à nos de admissão, contratação, promo- meia-noite de 22/jul e chega a Campição, afastamento, licenças, demissão nas na noite de 28/jul. Ainda há vagas! ou alteração de regime de trabalho de Iniciação científica docentes; propor e aprovar a abertura dos concursos para a carreira docente; Na primeira chamada, divulgada no dia aprovar as normas gerais relativas ao 26 de junho, doze alunos da Geografia curso, o currículo, os programas, o va- foram contemplados com bolsas de lor dos créditos e pré-requisitos das iniciação científica nos programas PRP/ PIBIC/CNPq, PIBIC-AF e Bolsas Pesquidisciplinas etc. sa Unicamp/SAE. A segunda chamada sai em 1º de agosto. Para o XX Congresso Interno de Iniciação Científica, estão inscritos 24 alunos do curso, que apresentam no dia 24/out. A profª Adriana Bernardes faz parte do Comitê Interno responsável pela indicação dos melhores trabalhos inscritos. Avaliação Vicente na Carta Capital Mais uma vez, alguns professores deixaram de aplicar a avaliação de suas O prof. Vicente assinou o artigo O geódisciplinas. Cada vez mais, pesam as grafo humanista na Carta na Escola de razões para se fazer a avaliação interna junho, em homenagem a Aziz Ab’Sáonline: além de não haver desculpas ber, morto em março. Vale a leitura. para não realizá-la, a Secretaria de Graduação economizaria tempo precioso: “Um curso de Formação Geral para a contemporaneidade” da maneira como é feito hoje, é necessário imprimir algumas resmas de sulfi- A proposta de uma criação da graduate, separá-las em envelopes identifica- ção em Estudos Contemporâneos, um dos, acompanhar e conferir o preen- bacharelado de três anos, foi apresenchimento — chegam a preencher elas tada a alguns docentes no dia 5/jul mesmas os códigos dos questionários! pela profª Silvia Figueirôa. Resta saber — tabular os dados, digitar as respos- qual seria a participação do IG neste tas dissertativas e — ufa! — fazer a curso, que prevê a criação de disciplirevisão. O ganho também está na agili- nas como Estudos da Cidade e Globalidade: atualmente, o produto final é zação e Novas Geopolíticas. um CD-R com capinha em wordart que A EB era azul só é finalizado meses depois. Pela internet, os dados podem ser organiza- O prédio da EB receberá pintura externa nestas férias. O contrato (144/ dos automaticamente.

CACTadas do guaxinim

2012) com a GBVT Engenharia é de R$ 69.999,97. Os trabalhos já começaram e devem ir até o fim de agosto. Comentase que a próxima cor — a EB já foi azul — será rosa. Só vendo! Quebra-molas Em abril, a Rua da EB também recebeu novas placas, uma lombada e nova pintura das faixas. Faltou só o repelente contra motoristas que insistem em estacionar sobre a faixa de pedestres. 60 impressões a mais Também neste semestre, depois de anos, a cota semestral para os alunos de graduação aumentou de 19 para 25 reais. Falta agora rever a Lexmark T630, que está na ativa desde maio de 2004 e apresenta problemas há algum tempo. PI 00275 A mudança da sede das entidades estudantis para o imóvel abaixo, que tem o PI acima, ficou para o próximo semestre.

Lobão Os alunos elogiaram a participação do professor Lobão na exposição A Ditadura no Brasil 1964–1985 -- A Verdade da Repressão, a Memória da Resistência, em debate realizado após a exibição do documentário "O dia que durou 21 anos", dia 19/jun, na Casa do Lago. Doação de livros Parte da doação anônima de livros recebida pelo CACT foi repassada para biblioteca. Foram oito livros, incluindo alguns títulos da coleção O novo mapa do mundo e Grandes cientistas sociais. Em abril, o CACT também deixou na biblioteca alguns livros em nome da profª Catia Antonia da Silva, da UERJ. Muro das lamentações A edição anterior deste boletim, exposta no mural da Graduação, foi retirada mais cedo para dar lugar às planilhas com as médias finais, dando início aos tradicionais comentários sobre as notas alheias que só cessam com o início das férias, que ainda bem, já chegaram. Até agosto!


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1.434.843,13 m², R$150.000.000,00

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ma das maiores polêmicas do semestre envolveu a compra, aprovada pelo CONSU, de área de 143 ha contígua à Cidade Universitária — a Fazenda Argentina. O assunto surgiu na pauta da sessão extraordinária de 5/jun e foi vista com estranheza por parte da comunidade acadêmica. A reunião daquele dia adiou a discussão, considerando que deveria ser melhor estudada. Os protestos de estudantes (DCE), do STU e até de alguns docentes — o prof. Jorge Stolfi, do IC, fez comentários bem pertinentes ao longo do mês em seu site — não bastaram e, quando a pauta voltou a ser discutida, em outra reunião extraordinária (27/jun), a compra foi aprovada pela grande maioria dos membros do Conselho: 49 a favor, com 6 abstenções e 6 votos contra. Os questionamentos se referem 1) à grande quantia destinada à aquisição do terreno; 2) à real necessidade de tal ampliação do campus no momento atual; 3) ao processo de aprovação da compra, feita diretamente com o proprietário e por iniciativa deste; 4) à possibilidade de haver interesses político-partidários — de direita — envolvidos no item 3. A Reitoria se limitou a dizer que se trata de oportunidade única para a expansão futura do campus atual. A falta de argumentos só aumentou a desconfiança. O STU, que tratou a compra como golpe e defende que o dinheiro pode ser usado para bancar a isonomia salarial dos servidores pelo próximo ano, informou que acionará o Ministério Público Estadual contra a decisão. Ao mesmo tempo, eternas bandeiras estudantis voltaram à discussão, como a ampliação de vagas na Moradia e a conclusão do novo IG, o elefante branco da Calourada ‘09. O valor do terreno — cortado por três áreas de preservação permanente: há nascentes de dois córregos e o leito Ribeirão Anhumas, na porção mais próxima à Rodovia Adhemar de

Barros — foi calculado a partir da média de dois laudos, um deles bem acima do preço de mercado. De qualquer forma, o preço final — 150 mi — só foi acertado após negociação feita diretamente com o proprietário.

O cruzeiro de Almeida Prado — área desapropriada para a Unicamp nos anos 60 foi vendida por valor simbólico

Itaú-Unibanco desistiu de compra A questão da Fazenda Argentina deve ser compreendida também fora dos limites da Unicamp. O terreno faz parte do CIATEC II, onde a ocupação é controlada. Lembremos que o Banco Itaú havia se proposto a comprá-lo para instalar seu Centro Tecnológico de Operações, mas desistiu no início do ano após intervenção do Ministério Público, que pediu o loteamento da área fazendo cumprir a legislação vigente. O CTO vai para Mogi Mirim, que afrouxou o zoneamento urbano e deu incentivos para sua instalação, cujo investimento será bilionário. Em Campinas, o Itaú seria responsável pela ampliação da Avenida Guilherme Campos, que rasgará o terreno que a Unicamp pretende comprar, e a duplicação da estrada que leva ao CPqD. O plano urbanístico do segundo parque do Polo de Alta Tecnologia de Campinas prevê, ao longo deste prolongamento, a construção de um boulevard — mais uma das amenidades que buscam tornar a região mais atrativa a investimentos. A ideia de um polo tecnológico próximo à Unicamp vinha desde a década de 1970 com as iniciativas do professor emérito Rogério Cezar de Cerqueira Leite, do IFGW. Disse ele, cer-

ta vez, que o polo campineiro seria a primeira experiência do mundo em racionalizar um fenômeno espontâneo como foi o Vale do Silício. Santander à moda chinesa O planejamento e o esforço político para o polo tecnológico Campinas não são modestos, embora os benefícios para aqueles que mais precisam sejam. Recentemente, outro terreno contíguo à Unicamp, de 1.190.000 m², foi vendido ao Banco Santander para a instalação de seu Centro de Processamento de Dados, uma das muitas empresas que pretendem investir em Campinas. Ao longo da construção do data center, a população local protestou contra a presença dos operários, considerados indesejáveis (ler texto do Barão em Foco Chega de migração para Campinas e Barão Geraldo! E não é xenofobia). De outro lado, não tardou para aparecer denúncias contra irregularidades e as péssimas condições de trabalho às quais os terceirizados estão sendo submetidos. Depois de poucos meses, a inauguração está prevista para o próximo mês. Futuro, que futuro? Muito se falou sobre o futuro da Universidade, tão incerto e imprevisível, e sobre como a aquisição da fatia menos nobre do CIATEC traria benefícios à Unicamp. Em tempos em que se discute tanto o papel social da Universidade, parece não restar dúvidas sobre em qual lado ela está. Busca-se a qualquer custo criar sinergias entre a Unicamp, paga com recursos públicos, e grandes empresas privadas; ao mesmo tempo, a população baronense não se vê como parte do projeto de Vaz que justificou a própria ocupação e o crescimento de Barão Geraldo. No futuro, ao menos, também reside a esperança e, pensando nisso, devemos insistir em um projeto de universidade verdadeiramente democrática e mais compromissada com a sociedade.


Gustavo Teramatsu

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CACT entrevista Rafael Straforini

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professor Rafael Straforini, aprovado em concurso em fevereiro deste ano (foto), já está em Campinas e inicia suas atividades na docência já no próximo semestre. O docente mais jovem do DGEO, em entrevista ao CACT, agradeceu a atenção dispensada — ele foi a capa do primeiro CACT informa, de março deste ano — e revelou que se anima em trabalhar em uma Instituição onde os alunos demonstram tamanho interesse pelo ensino de Geografia.

Voltar para São Paulo também foi um projeto pessoal, de estar próximo dos familiares e também uma fuga do atual custo de se viver no Rio de Janeiro. (...) É como se o seu salário fosse jogado pelo ralo pela simples justificativa de se morar numa cidade olímpica! CACT — Depois de concluir o mestrado no IG e ir para o Rio de Janeiro, você volta, agora como professor doutor, depois de dez anos. Quais foram as principais motivações para o retorno e o que você já percebeu que mudou — e o que continua igual — em nosso Instituto nessa década? Rafael Straforini — Não poderia dizer que meu retorno à Unicamp seja motivado exclusivamente por motivos profissionais, digo, ir ao encontro de um Departamento de Geografia academicamente mais qualificado

do que atuava, afinal, o Departamento de Geografia da UFRJ é de reconhecida excelência no ensino e pesquisa, com um programa de pósgraduação que tem nota máxima da CAPES e de produção intelectual que é leitura obrigatória para a Geografia Brasileira. Por outro lado, não se pode negar a excelência do Departamento de Geografia da Unicamp e de seu curso de Geografia no cenário brasileiro. Veja o que já foi conseguido em menos de 15 anos, desde a entrada da primeira turma na Geografia na Unicamp. Assim, posso afirmar que, respeitando suas histórias e especificidades, ambos os cursos são de excelência. Voltar para São Paulo também foi um projeto pessoal, de estar próximo dos familiares e também uma fuga do atual custo de se viver no Rio de Janeiro. É praticamente impossível projetar um futuro financeiro seguro com os preços do alu-

guéis e dos imóveis para compra. É como se o seu salário fosse jogado pelo ralo pela simples justificativa de se morar numa cidade olímpica! Mas sabemos que os Jogos Olímpicos representa um projeto de cidade que não beneficia a todos, mas é pago por todos. Mais, são projetos urbanos excludentes! Quanto às mudanças no IG nesses dez anos, não tenho condições de tecer uma avaliação com profundidade, afinal, depois que encerrei o mestrado só retornei para o concurso e para a posse. Mas avalio que temos grandes transformações em movimento, principalmente com a separação das entradas dos cursos de Geografia e Geologia e do novo currículo de licenciatura em Geografia. Trata-se de reformas curriculares importantíssimas e currículo não pode ser compreendido apenas como grade curricular, mas como “campo de disputas”! O que isso implicará no


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futuro, eu não posso avaliar no momento, mas vai ser um processo de construção dialético em que seus sujeitos praticantes (professores, alunos, administração da unidade e também universitária) atuarão. Um dos pontos que a separação e o currículo de licenciatura implicará será na construção da identidade profissional dos seus alunos, formando junto a esses também uma psicosfera de atuação nesse “campo de disputas”! Temos grandes transformações em movimento, principalmente com a separação das entradas dos cursos de Geografia e Geologia e do novo currículo de licenciatura Quanto à disciplina que você ministrará no próximo semestre [GF126 — Tópicos Avançados em Geografia II, que será oferecida nas noites de segunda-feira], quais são suas ideias para o programa ? Será uma eletiva para refletir sobre a Geografia Escolar, passando pela história da disciplina nos âmbitos escolar e acadêmico, de suas relações de proximidade e separação e de práticas cotidianas e curriculares da geografia escolar nos níveis fundamental e médio. Um colóquio temático sobre ensino de Geografia é uma demanda do corpo discente já há algum tempo. Você pensa em retomar a organização de eventos como os Encontros Regionais de Ensino de Geografia de 2000 e 2001? Uau... a pergunta me fez retornar ao passado, um flashback desses eventos. Vocês acreditam que eu e o professor Antonio Carlos Pinheiro [que à época fazia doutorado também orientado pelo prof. Archimedes, e hoje é professor adjunto da UFPB] fazíamos “de um tudo” nesses eventos? De coordenação das mesas-redondas a passar o café para ser servido aos participantes! Eles foram organizados pela Seção Local da AGB, que inclusive foi transferida para as dependências do IG na ocasião. Foram

eventos ótimos, com uma boa receptividade dos docentes das redes municipal e estadual da região metropolitana de Campinas! Creio que os professores careciam muito desse tipo de atividade e eles tinham muito prazer e satisfação em participar de atividades realizadas na Unicamp! Nas fichas de avaliação dos eventos isso ficava claro! Mas, enfim, claro que tenho interesse em retornar esses encontros, quem sabe até organizar um Encontro Nacional de Prática de Ensino de Geografia! Por que um doutor do IBGE pode ganhar mais que um professor doutor lotado em uma universidade federal?

sidades federais? Não se pode falar exclusivamente da situação dos professores das instituições federais, mas das condições gerais de trabalho dos docentes universitários. Se pensarmos que nossa carreira implica na formação máxima para ingresso e os salários que recebemos, veremos “que há alguma coisa fora da ordem”. Os professores federais estão lutando é para um plano de carreira que os aproxime dos pesquisadores do IBGE, INPE etc. Por que um doutor do IBGE pode ganhar mais que um professor doutor lotado em uma universidade federal? Isso para ficarmos somente nesse nível, pois se compararmos nossos salários com outras funções que exigem nível médio apenas, em que se ganha muito mais, aí fica difícil de engolir! É preciso que fique claro que o processo de desqualificação da profissão docente não foi um projeto de Estado apenas para a Educação Básica, mas também para o Ensino Superior. É preciso, urgentemente, que lutemos pela recomposição da qualificação da docência! Algumas áreas mais tecnológicas estão tendo um apagão de professores universitários, afinal, quem quer ganhar sete ou oito mil reais se no mercado profissional pode se ganhar o triplo desse valor? Isso também já começa a rebater nos programas de pósgraduação, pois a moçada nem termina os cursos de Engenharia, Geologia, entre outros, e já estão empregados com um salário quatro, cinco, seis vezes maiores que a bolsa de mestrado do CNPq. É uma competição desleal! Enfim, a docência precisa ser valorizada!

Você pretende dar continuidade, na Unicamp, ao Ateliê de Pesquisas e Prática em Ensino de Geografia? Tem planos para o PIBID? Evidentemente. O cenário que encontro na Unicamp é o mesmo que encontrei na UFRJ: um currículo de licenciatura recém-reformulado, único professor do departamento voltado exclusivamente para atuar no ensino, pesquisa e extensão em Educação em Geografia e, fundamentalmente, um desejo muito grande por parte dos alunos em mergulhar na temática. Justiça tem que ser feita, pois o Ateliê na UFRJ só foi possível graças aos alunos que abraçaram a ideia, carregaram caixas, enfrentaram os desafios. Nas primeiras Jornadas de Iniciação Científica eles deram a cara para bater, foram hipercorajosos em apresentar suas pesquisas que, aparentemente aos olhos dos geógrafos, nada têm a ver com Geografia! Agora estão lá atuando, alguns no mestrado e com participaGostaria de ver uma entrevista com ção em muitos eventos. alguém? Envie sugestão para Quanto ao PIBID, estou concact@ige.unicamp.br! versando com o atual coordenador. Esse é um momento de encerramen- Agradecemos a disposição do Prof. Rato de semestre, de elaboração de fael, que nos respondeu prontamente! relatórios etc. Assim que tudo isso Para ler as edições passadas do boletim, acabar vamos aprofundar o diálogo. incluindo a cobertura do concurso em que Rafael Straforini foi aprovado, Os docentes da UFRJ estão em greacesse ige.unicamp.br/cact/informa ve desde maio. Como você avalia a situação dos professores das Univer-


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Como evitar ser explorado por seu orientador

P

or vezes o estudante escolhe um tema de seu próprio interesse. Outras vezes, ao contrário, aceita a sugestão do professor a quem pede a tese. Ao sugerirem temas, os professores podem seguir dois critérios diferentes: indicar um assunto que conheçam bem e onde não terão dificuldades em acompanhar o aluno, ou recomendar um tema que conhecem pouco e querem conhecer mais. Fique claro que, contrariamente à primeira impressão, esse segundo critério é o mais honesto e generoso. O professor raciocina que, acompanhando uma tese dessas, terá seus próprios horizonte alargados pois, se quiser avaliar bem o candidato e ajudá-lo em seu trabalho, terá de debruçar-se sobre algo novo. Em geral, quando o professor opta por essa segunda via, é porque confia no candidato. E normalmente lhe diz explicitamente que o tema é novo para ele também e que está interessado em conhecê-lo melhor. Existem professores que se recusam a orientar teses sobre assuntos surrados, mesmo na atual situação da universidade de massa, que contribui para temperar o rigor de muitos e incliná-los a uma maior compreensão. Há, no entanto, casos específicos em que o professor está fazendo uma pesquisa de grande fôlego, para a qual são necessários inúmeros dados, e decide valer-se dos candidatos como membros de sua equipe de trabalho. Ou seja, durante alguns anos, ele orienta as teses numa direção específica. Se for um economista interessado na situação da indústria em um dado período, determinará teses concernentes a setores particulares, com o fito de estabelecer um quadro completo do assunto. Ora, tal critério é não apenas legítimo mas também cientificamente útil: o trabalho de tese contribui para

uma pesquisa mais ampla, feita no interesse coletivo. E isso é útil até didaticamente porque o candidato poderá valer-se de conselhos da parte de um professor muito bem informado sobre o assunto, e utilizar como material de fundo e de comparação as teses já elaboradas por outros estudantes sobre temas afins. Assim, caso execute um bom trabalho, o candidato pode esperar uma publicação ao menos parcial de seus resultados, talvez no âmbito de uma obra coletiva. Há aqui, entretanto, alguns inconvenientes possíveis: 1. O professor está entusiasmado com seu próprio tema e violenta o candidato que, por seu lado, não tem o mínimo interesse naquela direção. O estudante torna-se, nesse caso, um carregador de água que se limita a recolher penosamente material que depois outros irão interpretar. Como sua tese será modesta, sucederá que o professor, ao elaborar a tese definitiva, talvez só use algumas partes do material recolhido, não citando sequer o estudante, até porque não se lhe pode atribuir nenhuma ideia precisa. 2. O professor é desonesto, põe os estudantes a trabalhar, aprova-os e utiliza desabusadamente o trabalho deles como se fosse seu. Às vezes se trata de uma desonestidade quase de boa fé: o mestre acompanhou a tese com paixão, sugeriu várias ideias e, algum tempo depois, não mais distingue sua contribuição da do estudante, tal como, depois de uma acalorada discussão coletiva, não conseguimos mais recordar quais as ideias que perfilhávamos de início e quais as que assumimos depois por estímulo alheio. Como evitar tais inconvenientes? O estudante, ao abordar um determinado professor, já terá ouvido falar dele, já terá entrado em con-

CACT informa — Boletim informativo dos estudantes de Geografia da Unicamp editado pelo CACT, de periodicidade mensal, publicado na primeira quinzena de cada mês. Diagramação e edição: Gustavo Teramatsu. Leitura crítica: André Souza, Melissa Steda, Valderson Salomão e Wagner Nabarro

tato com diplomados anteriores e possuirá, destarte, uma ideia acerca de sua lisura. Terá lido seus livros e descoberto se o autor costuma mencionar ou não seus colaboradores. No mais, entram fatores imponderáveis de estima e confiança. Mesmo porque não convém cair na atitude neurótica de sinal contrário e julgarmo-nos plagiados sempre que alguém falar de temas semelhantes aos da nossa tese. Quem fez uma tese, digamos, sobre as relações entre darwinismo e lamarckismo, teve oportunidade de ver, percorrendo a literatura crítica, quantos outros já falaram sobre o mesmo assunto e quantas ideias comuns a todos os estudiosos. Deste modo, não se julgue um gênio espoliado se algum tempo depois o professor, seu assistente ou um colega se ocuparem do mesmo tema. Por roubo de trabalho científico entende-se, sim, a utilização de dados experimentais que só podiam ter sido recolhidos fazendo essa dada experiência; a apropriação da transcrição de manuscritos raros que nunca tivessem sido transcritos antes de você; a utilização de dados estatísticos que ninguém havia coletado antes de você, sem menção da fonte (pois, uma vez tomada pública, todos têm direito de citar a tese); a utilização de traduções, que você fez, de textos que não tinham sido traduzidos ou o foram de maneira diferente. Seja como for, síndromes paranóicas à parte, o estudante deve verificar se, ao aceitar um tema de tese, está se inserindo ou não num trabalho coletivo, e pensar se vale a pena fazê-lo. Umberto Eco (1932-) é escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano. O texto é um trecho do ensaio Como se faz uma tese (1977), em tradução de Gilson Cesar Cardoso de Souza, disponível na biblioteca do IG (001.4 Ec71c)


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